Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 263 a 266

 

ZUMBIDO PULSÁTIL: SINTOMA DE ANEURISMA INTRACRANIANO.

Pulsatile Tinnitus: a Symptom of Intracranial Aneurysm.

Autor(es): Roseli Saraiva Moreira Bittar*
Tanit Ganz Sanchez**
Ricardo Ferreira Bento***

Palavras-chave: zumbido, aneurisma

Keywords: tinnitus, aneurysm

Resumo:
O zumbido pulsátil, geralmente, origina-se de estruturas vasculares e resulta de fluxo turbulento, por jumento de volume sangüíneo ou dilatações/ estenoses luminais envolvendo determinados vasos. Uma paciente e 38 anos procurou-nos durante episódio de agudização de otite média crônica à direita, apresentando otorréia purulenta, hipoacusia e zumbido pulsátil à direita, sendo este último o sintoma que mais a incomodava. Em consultas anteriores por episódios semelhantes de agudização, fora orientada sobre o zumbido fazer parte do quadro. Entretanto, a realização de angiorressonância magnética como exame de triagem do zumbido pulsátil, revelou aneurisma extenso da artéria carótida interna, na saída da artéria oftálmica. A paciente foi submetida a neurocirurgia, com remoção do aneurisma e abolição do zumbido pulsátil. Os autores ressaltam a importância da investigação das características do zumbido para obtenção do diagnóstico etiológico preciso, pois algumas das etiologias do zumbido apresentam bons resultados com as terapêuticas disponíveis nos dias atuais.

Abstract:
Pulsatile tinnitus generally originates from vascular structures and results from turbulent blood flow or luminal alterations involving some vessels. A 38 year-old, female patient, during an acute episode of chronic otitis media in the right ear complanied of mild deafness, otorrhea and pulsatile tinnitus. The latest was the most bothersome symptom and many doctors had already told her in previous visits that it was just one more symptom of the infection. Therefore, the MRA revealed an extensive internal carotid aneurysm, near the emergence of the ophthalmic artery. The patient undergone neurosurgery and the tinnitus was gone. The authors emphasize the investigation of tinnitus characteristics, once some of the etiologies of tinnitus have good results with the presently available treatments.

INTRODUÇÃO

O zumbido pulsátil é sintoma raro na prática otorrinolaringológica e que pode ser produzido por muitas causas. Geralmente, origina-se de estruturas vasculares e resulta de fluxo turbulento, o qual pode ser causado por aumento de volume sanguíneo ou por dilatações/ estenoses luminais envolvendo determinados vasos. De acordo com o vaso envolvido, diz-se que o zumbido pulsátil é arterial ou venoso.

As causas mais comuns de zumbido pulsátil são as malformações arteríovenosas durais, freqüentemente envolvendo ramos da carótida externa (artérias occipital e auricular maior) e o seio transverso1, 2. Outras causas descritas incluem fístulas espontâneas ou traumáticas entre a artéria carótida e o seio cavernoso3, 4, 5, malformações arteriovenosas do pescoço4, 6, 7, aumento da pressão intracraniana3, 8, estados de aumento do débito cardíaco (anemia, tireotoxicose, beri-beri, gestação)8, 9, aneurismas intracranianos9, tumores vasculares do osso temporal e ângulo ponto-cerebelar6, 7, 8, assimetria dos bulbos jugulare10 etc. Poucos são os casos descritos de zumbidos pulsáteis associados a ectasias, dissecções, estenoses ou oclusões dos vasos cérvico-cranianos.

O objetivo deste trabalho é -descrever o caso de uma paciente com zumbido pulsátil unilateral, cuja investigação levou ao diagnóstico de aneurisma intracraniano, com a operação do qual se promoveu a abolição do zumbido. São descritas, também, a importância da avaliação do zumbido pulsátil e a forma de realizá-la através dos exames disponíveis.

RELATO DE CASO

M. G. T. F., 38 anos, sexo feminino, procurou atendimento otorrinolaringológico, com queixa de otorréia e hipoacusia no ouvido direito há trinta dias. -Em sua história pregressa, referia quadros intermitentes de otorréia e hipoacusia bilaterais que melhoravam com antibióticos e gotas tópicas. O episódio atual ocorreu após quadro gripal, sendo precedido por otalgia intensa durante dois dias. Embora a otorréia fosse o motivo da consulta, o que mais afligia a paciente era zumbido no ouvido esquerdo, de caráter pulsátil, que piorava à noite. Apresentava, ainda, cefaléia de caráter pulsátil em região hemicrânia direita, de intensidade variável, cuja piora agravava o zumbido. As queixas duravam desde a infância e foram sempre atribuídas ao problema otológico em associação com fenômenos neurovegetativos.

Ao exame clínico, a paciente apresentava otorréia purulenta em conduto auditivo externo à direita, membrana timpânica espessada, com placas de timpanosclerose pequena perfuração em quadrante posterior, revelando mucosa congesta e hiperemiada no ouvido médio. A rinoscopia e a orofaringoscopia revelaram-se normais, assim como a otoscopia do ouvido esquerdo. Na ocasião foi feito o diagnóstico de otite média crônica em agudização à direita, e instituído tratamento apenas com antibiótico tópico, havendo resolução completa do processo infecciosos em 10 dias.

Após o término do tratamento, a paciente retornou para avaliação com o ouvido seco e a perfuração de membrana timpânica direita em processo cicatricial. Persistiam o zumbido pulsátil de caráter subjetivo e a cefaléia. Exame de pares cranianos, normal. Solicitada então, audiometria tonal, que se apresentou normal.

Após trinta dias, houve fechamento completo da membrana timpânica direita, ainda cota zumbido unilateral, de caráter pulsátil e cefaléia com as mesmas características. Devido ao caráter do zumbido, foi solicitada tomografia computadorizada de ossos temporais (Figura 1), que mostrou calcificação em região de artéria cerebral média, sendo levantada a hipótese de aneurisma. Não havia sinais colesteatoma. No seguimento, foi solicitada ressonância magnética com angiorressonância que confirmou a presença do aneurisma (Figura 2), porém sem localização precisa Somente com a realização da carótido-angiografia foi diagnosticada a presença de aneurisma de carótida interna, direita, na saída da artéria oftálmica (Figura 3).

A paciente foi submetida a neurocirurgia para retirada do aneurisma, por via coronal, evoluindo com convulsão leve, controlada com medicação. No pós-operatório imediato, apresentava paralisia facial periférica e amaurose à direita. Durante os trinta dias subseqüentes a paciente foi apresentando melhora progressiva da paralisia facial, persistindo diplopia. Com dois meses de evolução, houve reversão completa da paralisia facial e retorno completo a visão. O zumbido e a cefaléia desapareceram.



Figura 1. Tomografia computadorizada, em corte axial, mostrando calcificação da artéria cerebral média, sugerindo a hipótese ele aneurisma.



Figura 2. Angio-ressonância, ela paciente, que confirmou a presença elo aneurisma, porém sem localização precisa.



Figura 3. Carótido-angiografia da mesma paciente, revelando com precisão a presença do aneurisma da artéria carótida interna direita, na emergência da artéria oftálmica.



DISCUSSÃO

Jacobson, em 1882, foi o primeiro a introduzir o conceito de que os murmúrios advindos ele alterações vasculares seriam conduzidos para o crânio11. Dada a proximidade de estruturas como a porção petrosa da artéria carótida, do seio sigmóicle e elo bulbo jugular em relação às vias auditivas, é surpreendente que o zumbido pulsátil não seja sintoma mais freqüentemente referido pelos pacientes com lesões ele tais vasos do que o que é visto atualmente.

Na Otorrinolaringologia, muitos zumbidos pulsáteis são causados por tumores glômicos do osso temporal, am timpânicos ou jugulares. As alterações promovidas por esses tumores são facilmente identificadas à otoscopia, sendo o zumbido pulsátil prontamente relacionado à presença do tumor. Entretanto, é importante ressaltar que, na vigência de otoscopia normal, várias outras etiologias possíveis elevem ser pesquisarias para explicar a presença do zumbido (como já citado na introdução desse artigo), inclusive anomalias vasculares intra e extracranianas.12

O zumbido pulsátil pode ser dividido em dois tipos, assim como os demais zumbidos: o subjetivo (aquele referido apenas pelo paciente) e o objetivo (referido pelo paciente e por outro observador). Os pacientes que apresentam zumbido pulsátil na sua forma objetiva são mais propensos a apresentarem alterações diagnósticas à arteriografia, permanecendo problemática a avaliação dos pacientes com zumbido pulsátil subjetivo.13, 14

O diagnóstico preciso e os detalhes referentes ao tamanho, extensão e conexões da anomalia vascular são decisivos para o planejamento do tratamento cirúrgico e/ ou da embolização quando o acesso não é permitido. Entretanto, a literatura mostra-se controversa em relação ao melhor método de diagnóstico no zumbido pulsátil. A tomografia computadorizada costuma ser excelente para delinear as alterações ósseas associadas a algumas lesões vasculares e aos tumores glômicos, mas a angiografia geralmente torna-se necessária para diagnosticar ou excluir fístulas arteriovenosas da dura-máter e alterações vasculares intrínsecas.14 Por outro lado, a ressonância magnética parece ter sua utilidade limitada para esse tipo ele avaliação radiológica, por apresentar baixa resolução para anormalidades ósseas e vasculares15, 16, 17. Dietz e cols. acham possível que a ressonância magnética com contraste, associada à angiorressonância, seja capaz de prontamente diagnosticar os tumores glômicos e as fístulas arteriovenosas durais, podendo ser usada como screening nos pacientes com zumbido pulsátil cola uma única avaliação radiológica. Entretanto; esses mesmos autores preconizam a realização ela angiografia nos casos de angiorressonâncias normais em pacientes com zumbido pulsátil, pois teoricamente a fístula arteriovenosa pequena e estrategicamente localizada pode não ser evidenciada no screening14.

A paciente descrita em nosso estudo, apesar de revelar zumbido pulsátil de natureza subjetiva, apresentou alterações facilmente diagnosticadas em todos os exames, embora o diagnóstico de certeza e a localização precisa só tenham sido obtidos após a angiografia.

Como ponto de destaque, e por ter sido a principal razão da descrição desse caso, os autores gostariam de ressaltar a importância da investigação do zumbido. Vários otorrinolaringologistas, que haviam atendido a paciente nos quadros prévios de otorréia, haviam relacionado o zumbido ã presença da perfuração timpânica, não se interessando em investigações mais profundas. Apesar de a paciente referir cefaléia crônica, um dos sintomas classicamente relacionados a aneurismas intracranianos, seu diagnóstico só foi realizado pela presença do zumbido pulsátil. Desse modo, fica evidente a importância de detalhar as características do zumbido na anamnese do paciente, pois esses dados podem levai a diagnósticos etiológicos que apresentam bons resultados com a terapêutica disponível nos dias atuais, seja ela da competência do otorrinolaringologista ou do neurocirurgião.

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* Doutora em Medicina e Médica Assistente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Médica Assistente e Doutoranda do Curso de Pós-Graduação da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6° andar - sala 6002 - CEP 05403-000 - São Paulo/ SP.

Artigo recebido em 13 de março de 1996. Artigo aceito em 16 de julho de 1996.

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