Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (43º)

Seção: Nota Prévia

Páginas: 767 a 782

 

NA ETAPA ATUAL DO TRATAMENTO DA SURDEZ. A QUESTÃO DAS VITAMINAS. DA SINCERIDADE DOS RESULTADOS

Autor(es): J. E. DE REZENDE BARBOSA (*)

CLINICA DE OUVIDOS, NARIZ E GARGANTA DO HOSPITAL MUNICIPAL DE S. PAULO
(SERVIÇO DO DR. MARIO OTTONI DE REZENDE)


No capitulo da terapeutica da surdez muito se tem escrito ultimamente.

Tanto o laboratorio, quanto a cirurgia e a observação clinica têm contribuido desassombradamente na busca de uma medida, curativa ou profilatica, para um dos mais pesados "handicap" que pôde carregar o homem moderno - a surdez.

Si progressos houve, e que se acentuam cada vez mais no campo da cirurgia especializada, desde a simples fenestração labirintica até a moderna timpano-labirinto-pexia a Lempert e com o metodo mais simples de Hughson de exclusão da janela redonda por meio de enxerto em seu nicho, devemos considerar, tambem, os novos horizontes que se alargam á terapeutica médica, especialmente no capitulo das vitaminas. Nesses ultimos anos a vitaminologia firmou-se definitivamente no arsenal terapeutico e, modernamente, vem ganhando terreno em nosso campo especialisado principalmente em otologia,

A terapeutica da surdez continua e continuará a ser desbravada, e, provavelmente, o tratamento de muitas de suas formas reside em medidas profilaticas que atingem um largo periodo da existencia do paciente, desde o periodo pré-natal, durante a infancia até a puberdade, medidas essas tanto de caracter médico quanto de caracter cirurgico.

Nesse capitulo da verdadeira profilaxia da surdez não podemos deixar de citar os trabalhos de Crowe que, controlando cuidadosamente, por exames acumetricas repetidos, os pequenos adeno-amigdalegtomizados,. submetidos, após intervenção cirurgica, á terapeutica das irradiações do tecido linfo-mesenquimal do naso-faringe e porção terminal das trompas, conseguiu estabelecer, após anos de observação, que esse complexo linfo-mesenquimal, muitas vezes em hipertrofia vicariante após o tratamento cirurgico, é o responsavel por um tipo de surdez muito caracteristico - iniciando-se nos limites altos das frequencias audiveis e ganhando, progressivamente, as frequencias mais graves. Quando, no inicio, esse tipo de surdez se localiza nas frequencias altas, por ex. 16.000 ciclos, ela é difícil de ser descoberta, mesmo com exame acumetrico perfeito mas limitado até a frequencia c-6 (8.192 ciclos). O emprego do monocordio ou de audiometro potente e bem calibrado, descobrirá essa queda no limite agudo do campo auditivo do pequeno paciente, queda essa característica de uma surdez classica de percepção, mas, contra todas as regras, produto de uma lesão de tipo mecânico, obstrutiva. Nesse periodo, si o pequeno paciente frequentar a Escola, será catalogado, ás vezes, de indisciplinado, desinteressado, ou, mesmo, de discreto atrazado mental. A razão reside no fato de que o paciente, portador de uma queda de audição restrita aos limites altos da escala sonora, sente dificuldade em compreender certas palavras, ou melhor, em certas palavras não compreende algumas consoantes, de caracteristicas sempre agudas, daí seu desinteresse.

Com o evoluir da lesão, ultrapassando de muito a puberdade, instala-se uma verdadeira surdez de tipo cronico, progressivo, com as característica de uma surdez para os sons agudos, conservando a concepção dos sons graves. Nada mais aconteceu, nesse caso, do que a progressão da lesão para a área da voz conservada, isto é, o campo auditivo restringiu-se de cima para baixo, se assim podemos dizer, das frequencias altas, para as frequencias baixas, graves.

Seria interessante procurarmos explicar, aqui, o mecanismo dessa obstrução permanente e precoce da trompa de Eustaquio condicionando as alterações atroficas na mucosa da caixa e repercutindo sobre o elemento nervoso da cóclea.
Mas não é esse nosso intuito, e sim o de considerar a questão das vitaminas e a surdez. Entretanto deixamos consignado, nessas poucas linhas, um pouco dos novos horizontes que se descortinam á profilaxia da surdez principalmente sob o ponto de vista medico.

Mesmo nas formas de surdez progressiva cronica instalam precocemente, mas que se exteriorizam tardiamente, entre as quais devemos incluir o prototipo da otoesclerose, formas essas que, quando no inicio, em que se acha comprometido o aparelho transmissor sonóro, lesões localizadas na caixa do timpano ou na capsula ossea do labirinto, sem comprometer as estruturas nervosas, respondem favoravelmente á abertura de uma verdadeira valvula de segurança em sua capsula ossea, mesmo essas formas, como dissemos, não deixam de responder ao tratamento médico quando instituido precocemente e visando modificar certas estruturas regionais.

Entre as medidas conservadoras aconselhadas ultimamente, principalmente nas surdezes de tipo neurítico, percepção classica, isto é, caracterizadas por notavel quéda na percepção dos sons nos limites altos do espetro sonóro audivel, encontra-se o uso de determinadas vitaminas. Aconselha-se, tambem, com menores probabilidades de sucesso, principalmente nos casos já estabelecidos, o uso de certas vitaminas na surdez de tipo progressivo cronico, na otoesclerose.

Precisamos frizar, de saída, que, contrariamente ao que acontece com muitos medicamentos modernamente introduzidos na terapeutica e que são empregados indiscriminadamente em diferentes entidades patologicas, sem a prévia comprovação de sua eficiencia no laboratorio, o uso da vitaminoterapia em certas formas de surdez vem escudado por inumeros trabalhos experimentais que, si não afirmam de sua eficiencia terapeutica pelo menos demonstram a capacidade que possuem certas vitaminas de originarem, quando ausentes em determinado regime alimentar, lesões anatomo-patologicas caracteristicas.

Encontra-se sobejamente provado que a administração de vitaminas em doses adequadas previne diferentes estados patológicos dos ouvidos, nariz e garganta, de maneira identica ao que acontece em qualquer outra região do corpo. Havendo carência, naturalmente haverá cura. O inverso é impossivel de ser observado. Nas nevrites do 8.° par devidas á sifilis, ao quinino, traumaticas ou tumorais, por ex., não podemos nutrir esperanças em regenerar o nervo com a administração intensiva de determinadas vitaminas.

Do enorme alfabeto das vitaminas, duas dentre elas concentram, hoje, a atenção dos experimentadores e clínicos no terreno que diz respeito á surdez: a vit. A e o complexo B.

E' conhecida a propriedade capital da vit. A em garantir a integridade organica e funcional da estrutura epitelial das vias aereas superiores. Já se quiz mesmo fornecer á vit. A um certo caracter de especificidade em relação á vida das estruturas de revestimento. Ainda mais, prodigalisou-se á vit. A verdadeiras propriedades anti-infecciosas.

A verdade nos diz, no entanto, que a vit. A é inteiramente destituida de acção anti-infecciosa diréta, mas conserva seu valor de garantir a vida, a higidez das estruturas celulares que se gastam e regeneram constante e ativamente, tais como o epitelio de revestimento das vias aereas superiores, as celulas da linhagem sexual e sanguinea, fornecendo, desse modo, indiretamente, uma poderosa arma contra as infecções.

Inicialmente Mellanby, em cães, depois Covell, em ratos, determinaram, no laboratorio, o aspecto histo-patologicos da capsula labirintica e estruturas nervosas do ouvido interno e 8.° par, desses animais, após viverem sob regime desprovido do fator A.

As conclusões de Mellanby são as seguintes:

" 1) O exame histologico das capsulas labirinticas de cães jovens, sob dieta, durante alguns mezes, deficiente em vit. A e rica em cereais revelou as seguintes alterações:

a) degeneração de diferentes grãos até o completo desaparecimento do nervo coclear, celulas do ganglio espiral e de seus ramos central e periferico;

b) degeneração, mas em menor grão, do ramo vestibular do 8.° par;

c) desenvolvimento de ilhotas ósseas no modiolus e na camada periostal da capsula perto do cerebro.

2) Esse desenvolvimento de ilhotas ósseas é aparentemente responsavel pelas alterações degenerativas nos nervos pela razão de pressão e estrangulamento desses tecidos.

3) Desenvolve-se, tombem, uma labirintite serosa na cóclea dos cães em diéta deficiente de vit. A. Essa condição parece produzir uma degeneração do epitelio sensorial do labirinto, inclusive do orgão de Corti e da ampola dos canais semicirculares.

4) A substituição da batata dos cereais dessa dieta deficiente em vit. A reduz grandemente as alterações do labirinto, acima descritas.

5) O exame da base do cerebro desses cães sob regime pobre de vit. A revelou o crescimento de outras ilhotas osseas, com deformação, que são as responsaveis provaveis pelas alterações degenerativas de outros nervos cranianos, tais como o optico e trigemeo".

Covell, operando em ratos, chegou aproximadamente a conclusões identicas:

"A deficiencia de vit. A em ratos encontra-se associada a infecções do ouvido médio, aumento da camada periostal da capsula labirintica e, ocasionalmente, exostoses no conduto auditivo interno, degeneração das celulas da estria vascular, celulas do sulco externo e zonas do orgão de Corti com discreta a moderada desmielinização do nervo coclear".

Em vista do que se conhece atualmente sobre a osteogênese em geral, especialmente com os estudos do raquitismo e a descoberta do poder calcificador da vit. D, é de imediato interesse em se considerar a possibilidade da vit. A, quasi sempre associada á vit. D, ambas lipossoluveis, encontrar-se ligada á osteogenese. O papel desempenhado. por cada uma delas em separado é sensivelmente diferente: na falta de vit. D observa-se um crescimento excessivo de tecido osteóide em todos ossos em desenvolvimento, na ausencia da vit. A observa-se, em certas regiões, o desenvolvimento de ossos aparentemente normais, adultos. A interpretação dessa função osteogenetica da vit. A é, ainda, algo obscura. Como quer Mellanby, talvez estivesse ligada sua acção a um poder de limitar o crescimento dos ossos da base do craneo, e de outras zonas, obrigando-os a conservar sua morfologia regional, peculiar a cada um, evitando que os ossos cresçam e destruam, por compressão, as estruturas nervosas que, atravez dos mesmos, ganham regiões nobres. A comprovação dessa teoria podemos objetivar relanceando os olhos sobre os preparados histologicos do ouvido interno dos cães que viveram em avitaminose A, como nas experiencias de Mellanby, nos quais observamos aquelas verdadeiras excrecencia osseas, néoformadas, que estrangulam as ramificações cocleares na columela, bem como no conduto auditivo interno.

Passando á clinica, salta aos olhos a possibilidade terapeutica, profilatica e, talvez, curativa, das vitaminas A e D nas diferentes osteodistrofias da capsula labirintica, portanto seu valor na surdez.

O problema sempre palpitante da otoesclerose, hoje mais do que em qualquer outra epoca, prende a atenção dos otologistas em vista dos resultados animadores obtidos pelos diferentes processos cirurgicos de fenestração do labirinto. Ao lado da terapeutica radical, o tratamento conservador apresentou alguns progressos, e, entre os quais, perfila-se a vitaminoterapia intensiva visando, segundo Guggenheim, dois fins: impedir a halisteresis ossea e procurar regenerar as estruturas nervosas, pois, como considera esse A., a otoesclerose, anatomo-patologicamente falando, é tanto uma osteo-distrofia como uma neuropatia. Guggenheim e seus colaboradores chegaram a resultados concludentes não somente nas experiências em ratos, mas, tambem, pela confirmação, em parte, na clinica. A administração da vit. D em doses tóxicas, cloreto de amonio e paratormonios, ocasionou, nesses ratos, a reabsorção do calcio e fosforo da capsula ossea labirintica. O reverso foi, tambem, observado, isto é, esses mesmos animais, com um controle perfeito das experiencias, submetidos a dieta adequada, quantidades ótimas de fosforo, calcio e vitaminas, tiveram suas capsulas labirinticas restauradas ao normal. Na aplicação clinica dessa sua teoria, Guggenheim afirma que já no espaço de tres anos de observação, em nenhum dos casos observou piora da audição e, alguns dentre eles, melhoraram mesmo de 30 a 40 decibel. Ao terminar o resumo dessas experiencias, afirma Jones que, naqueles casos, a melhora da audição não foi atribuida a provaveis alterações na estrutura ossea da capsula labirintica mas á melhora da neuropatia em consequencia a administração concomitante do complexo B.

O esquema terapeutico seguido por Guggenheim e seus colaboradores é o seguinte:
1) analise e regulamentação do regime dietético; 2) administração de calcio e fósforo na dose aproximada de seis vezes as necessidades normais e 3) administração das vitaminas D, complexo B, C e A nas doses de seis vezes as necessidades diarias.

Os trabalhos de Peters e Thompson, datando de 1936, concluem que na hipovitaminose B produz um acumulo local de acido lático em diferentes regiões do sistema nervoso central. Tratar-se-ia de uma verdadeira acidose local e que explicaria o opistotonus observado em pombos sob dieta avitaminotica B 1. Mais recentemente Peters concluiu que a vit. B 1 toma parte, como catalisador, nas oxidações celulares, intervindo dirétamente no metabolismo dos hidratos de carbono, cujo resultado funesto de sua falta seria o acumulo local de acido lático proporcionando uma acidose local.

Ainda mais, Mc Carrison provou que o crescimento celular não se observa, in vitro, quando trabalhando com serum de galinha que viveu sob regime hipovitaminotico B l. Ono, na hipovitaminose B 1 e C, demonstrou a degeneração do 8.° par.

Em suas mais recentes experiencias, Covell chegou ás seguintes conclusões:

"A deficiencia da vit. B 1 e dos varios fatores do complexo B 2 no regime dos animais em experiencia, ou a falta isolada de um desses elementos, proporciona uma maior incidencia das infecções do ouvido médio. As avitaminoses do grupo B não produzem alterações evidentes na capsula ossea labirintica ou cadeia dos ossiculos. São encontradas alterações degenerativas nas celulas de cabelo externas dos animais sob regime deficiente em riboflavina. As celulas do ganglio espiral encontram-se aparentemente lesadas em todas avitaminoses do grupo B, excepto na B 6. A desmielinização do nervo coclear, particularmente em suais arborizações dentriticas, é mais acentuada nos animais sob essa dieta. De acordo com essas experiencias, as tres vitaminas mais importantes na conservação da bainha de mielina do nervo são, em ordem: a vit. B 6, o cloreto de thiamina e a riboflavina. Portanto, conclue-se que o nervo coclear é mais susceptível a alterações do que o ramo vestibular do 8.° par ou que qualquer outro par craniano, com a possivel excepção do optico. A explicação desse fato talvez resida na filogênese, porque o coclear, filogeneticamente, é relativamente recente".

Ha anos que Selfridge lançou-se ao estudo da possivel influencia das carências alimentares sobre o órgão da audição, principalmente sobre o efeito do complexo B na surdez para os sons altos. Afirma o A. de São Francisco "que na maioria dos casos de degeneração do 8.° par, especialmente com perda da acuidade auditiva para os sons altos, a degeneração é devida ao acumulo de acido lático na bainha e substancia mielinica do nervo, e que o acido lático entrando em contáto com o fino complexo proteicogorduroso da substancia mielinica, acarreta, provavelmente, degeneração do nervo.

Continuou Selfridge suas experiencias, passando á aplicação clinica no homem,com controle audiometrico antes e após tratamento, iniciando o mesmo, em casos de surdez para os sons altos, com o complexo B em sua totalidade, depois separadamente e, em um dos seus ultimos trabalhos, chama atenção para a acentuação e rapidez das melhoras após o uso do acido nicotinico, nicotinamida ou nicotináto de sódio. Chega a concluir, mesmo, que a acção vaso-dilatadora do acido nicotinico teria uma verdadeira capacidade de remover o calcio das aderencias ao redor da platina do estribo, nas surdezes progressivas cronicas, e, talvez, tambem, em casos iniciais de fixação ossea em otoesclerose verdadeira.

Os trabalhos de Selfridge, sob o emprego do complexo B na surdez, são dos poucos religiosamente controlados com o exame audiometrico. Aventuramos, no entanto, a uma resalva sobre.os mesmos, e que pensamos ser de suma importancia: as suas curvas audiometricas foram obtidas em intervalos relativamente curtos, após a instituição do tratamento, pois, falando-se de surdez, os resultados não podem ser considerados como definitivos quando controlados somente pelo espaço de mezes ou mesmo de um ano. Os resultados obtidos pelo autor norte americano foram, sem duvida, evidentes, e é de se esperar que sejam permanentes.

Ainda nesse capitulo de vit. B e surdez devemos assinalar a tendencia ultra-moderna em querer ligar as diferentes neuropatias do 8.° par, de formas etiologicas diversas, a um fator intermediário comum, que, quando alterado em suas funções, repercutiria localmente ao nivel dos nervos periféricos. Esse fator seria o figado.
Lewy, citado por Guggenheim, pondera que, apesar de todas essas diferentes formas etiologicas das nevrites do 8.° par, origem toxica, metabolica, infecciosa, etc., o quadro Nisto-patologico é sempre o mesmo, uniforme; inchação turva com estufamento da bainha medular, engruvinhamento do cilindro-eixo, desintegração granular, isto é, alterações essas que condicionam a degeneração walleriana, achados esses que correspondem quasi que exatamente aos obtidos por Covell em ratos submetidos a regime de carência em complexo B.

Portanto, quando consideramos todos esses diferentes fatores etiologicas das nevrites do 8.° par, conduzindo o paciente cedo ou tarde a surdez irredutivel, todos eles fornecendo um quadro anatomo-patologicos uniforme, surge logo a idéia, como afirma Guggenheim, da existencia de um fator intermediario que, alterado em seu mecanismo por inumeras e diferentes formas, exterioriza seus sofrimentos em outras regiões, tal como seja o sistema nervoso periferico, principalmente em suas partes recentemente adquiridas. Esse fator intermediario parece ser o figado.

Diz ainda aquele autor, todos agentes que originam as nevrites atuam sobre o figado, por exemplo: o diabetes, a. gravidez, a fome, a caquexia, a anemia perniciosa, o envenenamento pelos matais pesados e as diferentes infecções. O figado sofre uma queda no teor de seu glicogenio e em seu estoque vitamínico B. Quando mais de 1/3 do estoque móvel de vit. B do figado exaurir-se, o deposito fixo de vit. B do sistema nervoso começa a diminuir. Nessa ocasião os primeiros sintomas nervosos aparecem.

Não precisamos afirmar mais uma vez, aqui, do papel coenzimatico, verdadeira acção catalisadora da vit. B no metabolismo dos hidrocarbonatos ao nivel da fibra nervosa periférica. Quando a vit. B, por sua deficiencia, não preside o metabolismo dos hidrocarbonatos ao nivel da fibra nervosa, o mesmo sofre uma interrupção na fase de acido lático, este precipita-se localmente, surge a acidose local e, consequentemente, a digestão das proteinas e gorduras da bainha de mielina, o cilindro-eixo fica a descoberto, nú, aparece a nevrite.

O emprego de determinadas vitaminas no tratamento de certas formas de surdez ainda não se concretizou. Encontramo-nos em fase de simples experiencias de laboratorio - pois o propio alfabeto vitaminico ainda não chegou ao seu fim -, e os poucos resultados clinicos, até hoje publicados, constituem um pequeno numero e algo contraditorios. Uma bôa parte dos mesmos padece de exame acumetrico perfeito, anterior, durante e posterior ao tratamento, a grande maioria peca por falta de uma observação controlada por um largo espaço de tempo. Talvez nessa ultima parte reside a maior falha.

Portanto, no momento, o uso de certas vitaminas, em alguns tipos de surdez, não passa de tentativas visando comprovar, na clinica, aquilo que o laboratorio determinou em animais de experiencia.

Não podemos esperar uma cura, pela vitaminoterapia, em casos em que não haja hipo ou avitaminose. Eis aqui, portanto, nosso primeiro impasse, isto é, a necessidade de se determinar os casos frutos de carencia vitaminico, ou melhor, aqueles casos que nos proporcionariam os resultados rapidos, felizes. Na clinica, ainda não nos acostumamos a mandar pesquisar os produtos indicadores das carências do complexo B e vit. A, na urina ou no sangue. Isso tudo é devido, certamente, á não difusão desses tests do laboratorio clinico e, tambem, ás vezes, á sua impraticabilidade.

Estabelecido o tratamento pelas vitaminas, em determinada forma de surdez, levando-se sempre em consideração a questão das doses, pois todo paciente possue um gasto normal e um gasto patologico, considerando-se seu regime de vida, profissão, e o tempo sempre dilatado de tratamento, o que o encarece soberbamente, ao otologista caberá controlar, repetidamente, a sinceridade dos resultados.

Nesse capitulo devemos considerar inumeros fatores: o entusiasmo do clinico pelo medicamento; o entusiasmo do paciente, sempre esperançoso, forçando, em grande numero de casos, as melhoras subjetivas, ou, ás vezes, individuos de psiquismo deprimido; o valor dos tests acumetrico e, finalmente, o tempo de observação e tratamento necessarios para se dar o caso como definitivamente positivo ou negativo.

De nossa parte, que ha dez mezes seguidos estamos controlando o tratamento de uma duzia de casos de diferentes tipos de surdez (surdez a sons altos, surdez progressiva cronica de tipo otosclerotico) pela administração do complexo vitaminico B ou pelo acido nicotinico isoladamente, na dose de 50 miligramas diarias, entremeado de periodos de repouso, casos esses com exame acumetrico mais ou menos completo, quando possivel obtidos em diferentes ocasiões durante o tratamento, podemos afirmar que ainda não é possivel, em absoluto, tirar conclusões definitivas antes que decorra pelo menos um espaço de tempo de dois anos. No entanto, afim de demonstrarmos a necessidade de um controle repetido desses pacientes, e, portanto, verificar a sinceridade dos resultados, discutiremos alguns casos esquematicos.

De um modo geral, a grande maioria desses pacientes, portadora de zoadas de tipo não vibratorio, produzidas por uma reacção bioquímica ao nivel do elemento nervoso, zoadas essas difíceis de serem mascaradas pelos sons 10 a 15 decibel acima do limiar de audibilidade, esses individuos, após certo periodo de tratamento pelo complexo B acusam diminuição desses ruidos que tanto os perturbam. Como o acido nicotinico, isoladamente e na dose de 50 miligramas por dia, pelo menos nos casos que podemos controlar até hoje, o paciente queixa-se de aumento das zoadas, principalmente no inicio do tratamento.

Um de nossos casos, de surdez de tipo progressivo, com conservação relativa da condução ossea, Gellé negativo e Frederic-Federici negativo, portanto de tipo otosclerotico, fez uso, por via intramuscular, de 60 miligramas diarias de acido nicotInico, e apresentou uma evolução interessante. Após um mez de tratamento o paciente queixou-se de pioras subjetivas de sua audição, com aumento das zoadas do lado esquerdo (pior) e inicio das mesmas á direita (inexistentes anteriormente), enquanto que sua curva audiometrico acusava uma melhora de 10 decibel em média em todo espetro sonoro (Audiograma n.° 1). Após curto descanso continuou o tratamento por mais um mez. Volta o paciente queixando-se de queda mais acentuada da audição e intensificação das zoadas. Nova curva audiometrico (Audiograma n.° 2) veio demonstrar que a sua audição, em ambos os lados sofreu uma queda discreta em relação á obtida durante o primeiro exame. Suspendemos o tratamento e esperamos, logo mais, obtermos nova curva.

A melhora objetivada pelo audiograma, inicialmente, mas não subjetivada pelo paciente, teria sido obra do medicamento ou representa uma simples flutuação identica á observada em individuos normais quando são examinados repetidamente com certos intervalos?

Eis aqui um caso que demonstra, cabalmente, a necessidade de controlarmos nossas diferentes terapeuticas da surdez, tanto no tratamento cirurgico quanto no clinico, pelos tests de inteligibilidade da voz falada, e não somente pelos sons puros em seu limiar de audibilidade como acontece no exame pelo audiometro. O ouvido humano foi feito para ouvir a vóz humana, portanto para captar sons com intensidade muito acima de seu limiar de audibilidade. Não nos interessa ouvir sons quasi que imperceptiveis, sem sentido, para os quais temos que fazer um grande esforço para intende-los.

Devemos controlar as melhoras obtidas pelos nossos tratamentos com tests que se utilizam de palavras, de frases, verdadeiros tests de inteligibilidade em que calculamos a capacidade do individuo de ouvir os sons tanto acima quanto no limiar de audibilidade.

Nessa parte Hughson e Witting dedicam grande atenção. O caso que acabamos de citar é, tambem, muito instrutivo. Os sons puros melhoraram seu limiar de audibilidade, como demonstra a curva audiometricas, enquanto o paciente queixava-se de piora subjetiva de sua acuidade auditiva, ou melhor, sua capacidade de perceber os sons com intensidade muito acima de seu limiar, isto é, a vóz conversada, piorava.

Nova curva obtida tempos depois veio demonstrar que, de fato, a melhora não era definitiva e que deveríamos, forçosamente, nos orientarmos em outro rumo na conduta terapeutica.

De uma pequena serie de casos destacamos o que se segue, controlado pelo espaço de sete meies, entre uma curva audiometricas e outra, caso esse em que coadunam as melhoras subjetivas experimentadas pela paciente, progressivas até a data do ultimo exame, com os resultados objetivos do audiogramas bem como pelo test da vóz conversada. A propria paciente, que é professora, acusa, após sete mezes de tratamento pelo complexo B associado, durante os tres ultimos mezes, a mais 50 miligramas diarias de acido nicotinico, desaparecimento daquela sensação de "ouvido cheio", ás vezes dolorosa, e, na Escola, quando de costas para os alunos nada ouvia, sendo que agora, na epoca do ultimo exame, compreende bem o que conversam nas primeiras filas de carteiras. Suas melhoras são notadas pela sua propria familia e seu estado geral é florescente.

O exame acumetrico dessa paciente, quando do primeiro exame, nos revelou uma acuidade auditiva má, mais acentuada á direita, principalmente para os limites altos da escala sonora, com Rinne negativo em ambos os lados, Weber sem lateralisação, condução ossea bôa para os diapasões graves, Gellé indiferente e Frederic-Federici negativo em ambos os lados. O exame audiometrico (audiograma n.° 3) confirmou a surdez maior á direita, com condução ossea conservada para as frequencias graves e médias mas má para as frequencias agudas. Trata-se, sem duvida, de uma surdez de tipo mixto. Inicialmente de tipo condução mas atingindo, já, as estruturas nervosas.

Quando do segundo exame, sete mezes após tratamento, as melhoras objetivadas pelo audiometro (audiogramas n.° 4) foram evidentes, e de maneira sensivelmente mais acentuada do lado pior, isto é, á direita.



AUDIOGRAMA N.°1



AUDIOGRAMA N.°2



AUDIOGRAMA N.° 3



AUDIOGRAMA N.° 4



Será definitivo o resultado? Somente a observação por mais um ou dois anos nos dirá. Representará uma simples flutuação, normal,. sem valor? Somente um terceiro exame posterior, e que será executado, esclarecerá esse ponto. Entretanto, nesse caso, a fracção de 20 decibels ganha do lado pior está de acordo com as melhoras subjetivas apresentadas pela paciente e pela sua capacidade de entender com mais precisão, e com menos esforço, a vóz falada.

O que devemos assinalar, no conjunto, é o efeito benefico que proporciona a vitaminoterapia no estado geral da grande maioria dos pacientes.

Na patologia do ouvido-interno não se reservou ainda espaço á surdez por carencia alimentar, avitaminotica, e é exato, mesmo porque não se individualizou um sindrome clinico caracteristico. Parece-nos que está reservado á vitaminoterapia um certo papel na profilaxia e tratamento da surdez, naqueles casos de sindromes hipovitaminoticos frutos, bem como no tratamento de muitas formas de nevrites do coclear, principalmente nos estados agudos infecciosos, justamente quando as necessidades patologicas do paciente encontram-se aumentadas na proporção de seis a dez vezes as necessidades normais de vitaminas na sua ração alimentar.

Verdade seja dita, finalizando, que no capitulo dás vitaminas e a surdez, tudo o que fizermos no momento não será que uma pedra a mais nesse edifício, ainda em construção, da vitaminologia, para o qual devemos concorrer, no entanto, com uma observação clinica esmerada e, principalmente, com a observação e controle acumetrico de nossos pacientes pelo espaço minimo de dois anos.

BIBLIOGRAFIA

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(*) Assistente da Clinica.

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