Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (42º)

Seção: Nota Prévia

Páginas: 759 a 766

 

O CONCEITO DE TUBERCULÓSE LARINGÉA

Autor(es): DR. MAURO PENNA

Rio de Janeiro.

Observando alguem, por certo tempo, grande massa de casos semelhantes, adquire uma série de conhecimentos, resultantes de pequeninos fátos colhidos inicialmente pelo subconsciente, passados mais tarde ao cociente. Aí sofrem estas pequenas observações o trabalho da análise, permitindo ao observador ter uma "impressão" do assunto estudado, sem que sobre o mesmo tenha tido uma grande cultura. Quando mais tarde, a leitura dos trabalhos autorizados, vem confirmar, pelo menos na maioria, as "impressões" deste observador, êle poderá dizer que se tornou senhor do assunto, pelo seu trato com o mesmo. Tal fáto não abonará absolutamente áquêle que se lançou ao trabalho, antes de ter sobre o mesmo uma sólida cultura, mas, na realidade, foi o que ocorreu conosco em relação á TUBERCULÓSE LARINGÉA. Levados á observação dessa molestia, por solicitação do nosso caro mestre DR. ALBERTO BENZO, tendo como unico recurso, noções sumárias adquiridas na leitura oto-rino-laringológica, então para nós bem reduzida, vemo-nos a braços, com uma grande massa de pacientes, ocupados em experimentação terapêutica, agindo e observando, mais que estudando. Não fosse o meio em que nos encontrávamos - o PAVILHÃO CARLOS SEIDL, no Hospital São Sebastião, éra a maior e mais ativa escola de tisiologia da cidade - e não teriamos evoluido do conceito localista da tuberculóse laringéa, ou quando muito, procurariamos adaptar-nos ás noções já conhecidas, das relações entre laringe e pulmão tuberculosos. Não fossem as entusiásticas discussões entre os colegas tisiologistas, a que assistimos, debates simples, em que a honestidade de observação e espirito de colaboração se sobrepunham a qualquer sentimento pessoal, de permeio aos conselhos experimentados do mestre que a todos orientava - a figura excepcional de ALBERTO RENZO, - não teriamos modificado o nosso conceito de tuberculóse laríngea. Agora que vemos, na opinião dos que mais se tem dedicado ao assunto, o quanto lucramos neste ambiente é com orgulho que repassamos o que já fizemos, dissemos e escrevemos, gratos aos companheiros de então, e reverentes ao nosso mestre na tisiologia, Dr. ALBERTO RENZO.

Houve época, em que a tuberculóse laríngea era tida como molestia autonoma. A ela não poderemos referir-nos, senão de passagem, pois não lidamos neste periodo, e, não mais encontramos este conceito, sinão no publico leigo.

Tuberculóse laríngea, complicação da tuberculóse pulmonar, dela dependendo tanto no melhorar como no peórar, este sim, foi o conceito que encontrámos ao iniciar-nos no assunto. Para muitos, quasi todos mesmo, é ainda o conceito acertado. SIM e NÃO, como veremos...

Já, quando ousamos pela primeira vez, dirigir-nos aos médicos e doutorandos que faziam o CURSO DE TUBERCULÓSE DO PROF. CLEMENTINO FRAGA, ha mais de um lustro, diziamos: -

"... Logo, é facil compreender que a laringite é secundária "e depende do estado pulmonar (ISTO NA GRANDE MAIORIA "DAS VEZES, PRATICAMENTE NA TOTALIDADE DOS "CASOS). No entanto, o que nos obriga a um estudo mais "acurado da questão é a objeção que vem aos labios de todos "nós: - "Nem todos os tuberculosos bacilíferos e tossegósos "têm lesões laríngeas!". Sim, não basta que a laringe seja "submetida a excessivo esforço, e que sua mucosa se altere, "e que o escarro rico em bacilo a faça semear. Para que a "laringe seja invadida pela infecção bacilar é indispensavel que "as condições de defesa locais estejam diminuídas e que as "condições de imunidade do doente tenham se modificado.

NOTA: - O ultimo grifo é de agora, em 1940.

E mais adiante: -

" E imperioso que não nos cansemos de repetir, e para isso, "não deixemos fugir as oportunidades, que a tuberculóse, ou "melhor a infecção bacilar deve ser encarada como um todo, "como infecção geral que é, apesar de suas localizações."

NOTA: - Grifo de então, ha mais de cinco anos.

E ainda: -

"A maioria dos nossos tisiologistas, que compreende a dependência da tuberculóse laringéa com a lesão principal pulmonar, quasi nunca atenta sobre sua relação com o estado geral "e condições de defesa, isto é, as condições de imunidade do "doente. Qualquer tuberculoso estacionário ou em periodo de "melhóra póde sofrer, por uma causa interferente, alteração "de seu equilibrio alérgico, apresentando nesta ocasião condições favoraveis á invasão pela infecção, de zonas ainda não "atingidas. Si o doente então reage e "apresenta uma exaltação de suas defesas (alergia exaltada), "veremos o quadro clinico de um surto agudo, tanto no foco "principal como nos secundarios recentemente instalados. Tudo "póde, pelo retorno ao equilibrio anterior, voltar á calma ou "até apresentar a cura."

E assim por diante.

Eis uma amostra, transcrita com absoluta fidelidade; aí estão até as imprecisões que então caracterizavam o nosso esforço, para deduzir do induzido pela observação, em uma grande messe de doentes. Demonstra no entanto, que já sentiamos haver na tuberculóse laringéa algo mais, que simples dependencia da lesão pulmonar. Desapertará nossa atenção especialmente, uma série de casos em que doentes equilibrados, com sua lesão pulmonar aquietada, subitamente apresentavam-se acometidos de lesão laringéa, acompanhada de surto agudo, para dentro em pouco, tudo voltar ao equilibrio, permitindo que o tratamento local da lesão laringéa trouxesse a cura desta localização, emquanto a lesão pulmonar prosseguia sua evolução. E éra muito frequente tal observação.

Em 1938, no Primeiro Congresso Brasileiro de Oto-rino-laringologia, já apresentávamos nosso trabalho sobre o mesmo assunto, com alguma segurança, no conceito de Tuberculóse Laríngea, pois tínhamos percebido bem, o mecanismo étio-patogênico da infecção bacilar, com a compreensão das situações imunobiologicos que se processam no seu decurso. Aí frisamos a necessidade de ser encarada a Tuberculóse, como processo geral, e, a lesão laríngea, como uma de suas localizações e não como complicação de outra localização.

E' este o conceito moderno a ser defendido: A TUBERCULOSE LARINGÉA E' UMA LOCALIZAÇÃO DA TUBERSULOSE, MOLESTIA GERAL, E NÃO COMPLICAÇÃO DA TUBERCULÓSE PULMONAR.

Negar a INFLUÊNCIA da lesão pulmonar sobre a lesão laríngea seria uma fantasia. Estando o laringe na via de expulsão dos elementos secretados no pulmão; sendo o laringe um orgão que participa ativamente no fenomeno tósse; sendo o laringe uma parte das vias aéreas; não póde fugir a esta influência, que é mecânica, de contiguidade e até de continuidade. Mas, por sofrer o traumatismo da tósse, o esforço da fonação, a semeadura das secreções baculíferas, a lesão laríngea não tem sua evolução condicionada DE MODO ABSOLUTO, á lesão pulmonar. Estes fatores desfavoráveis influem na lesão laríngea de um modo mecânico, mas a LESÃO DEPENDE NA REALIDADE DAS CONDIÇOES DE IMUNIDADE GERAES E LOCAES, condicionadas ao estado alérgico do paciente.

O estudo da evolução da tuberculóse em geral, é que nos permite compreender este conceito da tuberculóse laríngea. Evitaremos, no entanto, afastar-nos do terreno especializado.

Na maioria dos casos de tuberculóse laríngea a lesão surge em um tuberculoso pulmonar cronico. Esta designação clinica do estado pulmonar, indica que ha sob o ponto de vista imunobiológico, um estado de equilibrio, unico que permite a cronicidade. Si este equilibro se romper, por circunstancias varias que não analisaremos, pódem surgir, além do surto agudo na lesão pulmonar, novas localizações. Esta alteração no estado imunobiologicos do paciente - condição geral, portanto, - é que permite a um laringe traumatizado e semeado ha longo tempo, sem sofrer consequencias, vir a ser atacado pela infecção, criando uma nova localização da tuberculóse.

Duas variantes ocorrem então, habitualmente: ou as condições imuno-biologicas não retornam ao equilibrio e nada será possivel obter com o tratamento de qualquer das localizações; ou, depois de um periodo de desequilibrio, - surto evolutivo da lesão antiga e da nova, - o sistema defensivo Ao paciente retorna ao equilibrio, tomando as lesões o caráter de molestia local, passiveis de melhora e até mesmo de cura. Neste caso, si uma só das localizações é possível de tratamento local, ela curará, enquanto a outra continua sua evolução cronica, para levar o paciente á morte, a novo surto; ou regredirá, si as condições de imunidade se tornarem excessivamente favoraveis. E' o que ocorre na pratica, com os tuberculosos pulmonares cronicos bilaterais, com lesões inacessíveis aos meios locais de tratamento (impossibilidade da colapsoterapia por aderências largas, lesões muito extensas, etc.), em que a lesão laringéa submetida a tratamento local, cura, para mais tarde, a novo surto do processo pulmonar, o paciente vir a falecer. Póde ocorrer, tambem, que a um novo desequilibrio, o laringe venha a ser novamente lesado, e, não se restabelecendo as defesas, tambem não possa curar, evoluindo então paralelamente com o pulmão.

São observações de todos os dias, estas em que a lesão laringéa, tida como dependente da pulmonar, tem uma evolução absolutamente autonoma, desde que as condições geraes lhe permitam tomar o caráter de molestia local. E' o ter observado fátos como os referidos, que nos leva a não aceitar o conceito da lesão laringéa DEPENDENTE da lesão pulmonar.

Relembremos agora, o primeiro caso que verificamos de evolução identica, em que só foi tratada por meios locais ativos, a lesão pulmonar. Por dois anos, a paciente fez um pneumotórax, mantendo-se por todo o tempo rouca, com raras dôres na garganta. Os resultados locais da terapeutica pulmonar foram notaveis, mas, não tiveram a menor influência na lesão laríngea, que, pelas condições geraes, tinha evolução cronica. Só ao abandonar o pneumotórax, encontrando as lesões pulmonares cicatrizadas, o tisiologista preocupou-se com o estado laringêu da paciente, e, nós tivemos ocasião de vê-la. Ao encontrarmos o laringe já mutilado, epiglóte reduzida a um côto, todo o vestibulo, como as cordas, infiltradas, endurecidas, com micro-nodulos e ulcerações, concluimos,que a PACIENTE NÃO TINHA CURADO SUA TUBERCULOSE CUROU TÃO SOMENTE UMA LOCALISAÇÃO. Déra-se a cura local, sem a cura geral, a cura da localização e não a cura biológica. Pudemos desde lago firmar um prognósticos sombrio. Compreendemos que a lesão tratada havia silenciado pela compressão terapeutica, mas ao primeiro desequilibrio retomaria sua evolução, pois as condições de imunidade não eram boas, tanto que não influíram na lesão laringéa, ao menos paralisando sua evolução. De fáto foi o que ocorrem, não tendo sido possivel vencer o novo surto que se apresentou pouco tempo depois.

Não tocamos ainda no que se tem por mais moderno, no conceito de tuberculóse laringéa, isto é, a análise da via de infecção, si hematógena, linfógena ou por contáto. Não vimos muita utilidade nesta tendencia. Muitas vezes, um laringe que apresenta lesão tipicamente "por contáto", póde apresentar novas lesões de inconteste origem hematogenica. Sempre nos preocupamos em verificar si estas novas manifestações evidenciavam alguma modificação no estado imuno-biológico do paciente. Só nos casos positivos, pódem ter algum valor, no orientar a terapeutica e prognostico do caso. E' preciso afirmar, como o fazemos sem receio, apoiados no observado, que na maioria das vezes, estes pequenos surtos hematógenos, nos casos em equilibrio imuno-biológico, não significam grande agravação da tuberculóse, molestia geral. Desde que as condições imuno-biológicas permitam ás lesões tomarem o carater local, estes surtos são o que chamamos, fases hematogena mecânicas. A lesão em atividade, no ganglio, na amigdala, no parênquima pulmonar ou onde seja, em seu progresso DE LESÃO LOCAL, atinge a circulação e dá-se o surto, que pouco modifica o estado defensivo do paciente. Não se trata de uma disseminação causada por uma fase desfavoravel das condições de defesa. A verificação destas pequenas descargas hematogenas, modificam o aspéto da molestia, tão somente por ficar o paciente sujeito a novas localizações, não sendo possivel prever onde se darão. Si as condições defensivas não se modificam, pôde-se prever que evoluirão como lesão local, dentro do prognostico do momento.

Já a tuberculóse inicialmente hematogenas, deve ser encarada de outro modo porque é acompanhada de condições imuno-biologicas muito diversas. Nela tocaremos adiante.

A tuberculóse laringéa pôde surgir na primeira fase da manifestação da infecção, como elemento de primeira linha, muitas vezes clinicamente primitiva. Tambem nestas fórmas, cabe analisar duas variantes: ou a lesão pulmonar preexistia, evoluindo silenciosamente, ativa, de baixa evolutividade, surgindo a lesão laringéa, em um periodo de desequilibrio defensivo, e, teremos um caso identico aos anteriormente analisados, só na aparencia tendo inicio concomitante das localizações; ou a lesão laringéa acompanha a lesão pulmonar, ou melhor, a inoculação dá-se em ambas no mesmo momento, em massa. Esta fórma não dá margem a dissensões, é hematogenas pura. Para nossa experiencia, é gravissima. A maioria destes casos, evolue sem sentir o efeito da terapeutica, qualquer que seja. Do foco primário latente, o processo disseminou-se em uma fase de desequilibrio imuno-biológico, e o aumento da área infectada de modo tão súbito atinge brutalmente o sistema defensivo, que quasi nunca retoma o equilibrio. Nunca o nosso prognostico falhou. E não é pela extensão das lesões que o fazemos, mas pelo conceito que temos do processo. Um dos casos que acompanhamos foi tratado admiravelmente pela tuberculina, segundo método adequado, pelo Dr. SOMOGYI SNR., tendo aparentado entrar em equilibrio, simulando regressão clinica e marcha cronica, mas o próprio executante da terapeutica, por análise dos elementos do método pessoal, que emprega no controle das dóses, nunca pôde modificar o prognostico, e, a evolução demonstrou que apesar do estimulo favoravel e bem conduzido, o aparelho defensivo não foi capaz de retomar o equilibrio estavel.

Caberia analisarmos, dentro do conceito aqui expresso, os casos de regressão do processo laringêu com o tratamento exclusivamente pulmonar. E' claro que são, de fáto, muito menos frequentes do que parece ao ouvirmos falar os tisiologistas, isto, porque ao tratamento local pulmonar, juntam sempre ou quasi sempre o tratamento geral, que beneficiará qualquer localização.

E' evidente que, si o estado geral permite á lesão laríngea o caráter de lesão local, o tratamento pulmonar, reduzindo o traumatismo pela tósse, sustando a reinfecção pelo escarro, só pode beneficiar e favorecer a ação reparadora do organismo, que em condições favoraveis vae até á cura. Esta tendencia reparadora do aparelho defensivo quando as condições imunitarias permitem, dá-se com enorme frequencia nos fócos pulmonares, tão frequentemente curados sem intervenção local de qualquer espécie. Não será entretanto muito sensato, sempre que a cura local seja possivel, deixar de fazê-la, á espera desta evolução favoravel, eis porque não compreendemos como é tão frequente tal critério, em relação á lesão laríngea.

Junto a algumas radiografias demonstrativas, transcrevemos resumidamente poucas observações, absolutamente demonstrativas do que expuzemos neste trabalho.

O conceito que encaramos atrás, modifica lógo, o critério clinico habitual, de tomar-se a lesão laríngea, como o elemento que vem piorar a evolução do caso. De fáto, na grande maioria dos fátos observados a lesão laríngea é o indicio de uma piora na molestia geral e não a causa desta piora. E' uma nova localização, que resulta de uma fase de piora da situação imunobiologica, e. esta mesma condição geral, é que vae condicionar o prognóstico.



FIGURA 1



CASO A: - Ficha, 503, Reg. Part..

Doente havia 3 mêses. Gozára até então de saúde, trabalhando intensamente, sem qualquer padecimento. Resfriára-se e ficou rouco. Procurou um especialista que o submeteu por dois mêses a tratamento e não obtendo resultado procedeu a um exame de escarro, que revelou a presença do bacilo de Koch. Decidiu então o laringologista a enviar-nos o paciente para tratamento.

Declarou-nos o paciente achar-se perfeitamente bem, ainda em grande atividade, livre de qualquer outro sofrimento a não ser o disturbio vocal, estando quasi afonico.

Procedendo como sempre o fazemos, á radiografia pulmonar, verificamos o comprometimento de ambos os pulmões, predominando as lesões na porção superior, com aspéto ulcero-fibroso (Fig. 1).

Lesão Laringéa: - Monocordite, com Prolapso de Granulações do ventriculo correspondente.

Análise do caso: - Estado imuno-biológico de equilibrio. Lesão laringéa com caráter tórpido, absolutamente local. Prognostico local ótimo.

Tratamento indicado: - Local: chaulmoogra. Geral: procurar tisiologista.

Sequencia: - Fez com assiduidade as aplicações locais, retornando sua vóz ao normal rapidamente. Não seguio da mesma maneira as prescrições do internista. Não interrompeu a atividade e não teve método nem assiduidade nas aplicações de ouro que lhe foram indicadas. Só chegou a fazer 4 injeções de ouro. Apesar d'isso,
em pouco tempo apresentava o laringe perfeitamente normalizado. Obteve alta da lesão laríngea, com o estado pulmonar inalterado.

Cerca de 2 anos depois teve novo surto de rouquidão que o levou a procurar-nos. Havia discreto comprometimento de uma das cordas vocaes, que cedeu rapidamente ao tratamento local. Considerava-se muito bem, mas o estado pulmonar era o mesmo...

Resumo: - Lesão laríngea de carater local, independente, na sua evolução, do estado pulmonar.



FIGURA 2



CASO B: - Ficha 645, Reg. Part.

Gozou saúde até ha cerca de 30 dias, quando após gripe, ficou rouco. Procurou um laringologista que após tentar terapeutica habitual, submeteu o escarro do paciente a exame bacterioscópico, tendo verificado presença de bacilos de Koch. Enviou-nos então o paciente para tratamento.

Declarou-nos o paciente achar-se em um fase de grande trabalho, obrigado por circunstancias eventuais a não interrompe-lo. Sente-se muito bem e não acreditaria estar doente si não estivesse quasi afonico.

A radiografia dos campos pulmonares obtida na ocasião (Fig. 2), revelou grave processo bilateral, com aspéto intersticial, como "miolo de pão", predominante nos 1/3 superiores de ambos os pulmões. Imagen tipica de processo miliar.

Lesão Laringéa: - Monocordite ulcerosa.

Tratamento indicado: - Local: chaulmoogra. Geral: dependente da indicação do tisiologista.

Nossa impressão nos leva a contra-indicar qualquer tratamento ativo pulmonar, ou mesmo geral, temeroso de perturbar o equilibrio imuno-biologico do momento. Tivemos a satisfação de ver nossa opinião endossada pelo internista que tambem declarou tratar-se de uma situação muito delicada, em que qualquer estimulo inadequado poderia levar a graves consequencias.

Prescrevemos repouso e regime higienico-dietético.



FIGURA 3



Sequencia: - A's aplicações de chaulmoogra o laringe adquire rapidamente o aspéto normal, readquirindo o paciente sua vóz habitual. Não lhe foi possivel submeter-se ao repouso. Quando já tinha seu laringe normalizado, poude tomar férias e fez uma cura de repouso por 60 dias, já sem tratamento local laringêo. Retornou cerca de 3 meses da 1ª. consulta, com o laringe normal. Procedemos a uma nova radiografia (Fig. 3 - em 6/7/37), qeu revelou o mesmo estado pulmonar. O paciente deante dos resultados obtidos com esta cura de repouso resolveu proceder ás medidas necessárias para obter um periodo mais longo de férias e de fáto, pouco depois iniciava um periodo de meio ano de repouso que lhe beneficiou extraordinariamente. Atualmente em plena atividade, nunca mais tendo sofrido do laringe, julga-se plenamente curado, apesar de não ter se submetido ao exame radiologico dos pulmões.

Analise: - Caso grave, miliar pulmonar. Estado imuno-biológico de equilibrio, tendo sido perturbado pela estasamento. Interrompendo o fator agravante que era o trabalho foi possivel obter duradoura cura clinica. Laringe curada sem qualquer tratamento local pulmonar ou geral ativo.



FIGURA 4



CASO C: - Ficha 1076 Reg. Part.

Caso muito interessante pelo diagnostico e prognostico, que fizemos logo que vimos o paciente, contrários a toda opinião emitida até então por alguns especialistas.

Trata-se de um rapaz que nos procurou por apresentar dores na garganta ao deglutir já ha cerca de 20 dias, tendo estado com alguns especialistas que o trataram com medicação varia, como processo infeccioso banal. A' anamnése declarou ter tido raros escarros de sangue, que no entanto atribuía a um ferimento gengival e mais ainda, o diagnostico de tuberculose já fora afastado por exame clinico.

Ao exame constatamos de fáto a existencia de uma ulceração gengival sangrando facilmente. Mas alem disso, havia uma zona de poucos milimetros de diametro no polo superior da amigdala esquerda atingindo os pilares, edematosa, com pequenos tubérculos sub-mucosos que não passam desapercebidos a um olho experimentado. A' laringoscopia verificamos uma zona identica sobre a aritnoide do mesmo lado.

Bastaram-nos estes achados, insignificantes em extensão, para diagnosticarmos um processo tuberculoso inicialmente hematogenico e assim de pessimo prognostico, segundo nossa experiencia.

Insistimos para que se fizesse o exame radiologico periodico do tórax, pois o exame do escarro era ainda negativo. De fáto, logo a primeira radiografia procedida veio revelar um processo miliar extenso, predominando nos 2/3 superiores de ambos os pulmões. (Fig. 4).



FIGURA 5



E' curioso constatarmos que após taes elementos, ainda o diagnostico de tuberculóse ficou em duvida para varios colegas, até que as lesões se ulcerassem, dando Togar a exames de escarro positivissimos. Não referimos até aqui a um elemento anamnéstico de enorme importancia: o paciente tinha estado preso por cerca de um ano, por questões políticas. O regimen a que foi submetido e talvez algum contagiante no seu convívio, explicam o disparar de tal processo.

Acompanhamos por algum tempo a evolução das lesões no nosso território, que aliás não progrediam muito em extensão. Tivemos mais tarde confirmação do nosso prognostico inicial. O caso teve uma evolução rapida e fatal.

CASO D: - Ficha 1372, Reg. Part.

Caso interessante por ser uma demonstração das multiplas possibilidades na interdependencia das varias localisações. Neste caso a paciente teve seu processo inicialmente faringêo, segundo nos informou, sendo só após o diagnostico das lesões faringéas que se procedeu á verificação do estado pulmonar aos Raios X, pois o exame clinico era negativo. Vemos na figura 5 a reprodução da 1ª, radiografia que lhe foi feita em 15/V/39, apresentando "Infiltrações micro-nodulares esparsas nos dois campos pulmonares principalmente á Esquerda.



FIGURA 6



Em certas zonas ha confluência destes micro-nodulos, apresentando-se o aspéto de infiltrado caseoso (apice esquerdo e região infra-clavicular direita). Curva do hemidiafragma esquerdo deformada por retração cicatricial".

Foi submetida a tratamento local faríngeo e geral pela tuberculina muito bem orientada, obtendo esplendido resultado, tanto que a radiografia que reproduzimos na figura 6, de 28/XI/39, 6 mêses após o inicio do processo apresentava "Acentuada melhora. No pulmão Direito ha alguns nodulos infra-claviculares e raros esparsos, quasi imperceptíveis. Pulmão Esquerdo tambem muito modificado, nodulos esparsos, tenues, sem exudação peri-focal. No apice esquerdo ha imagem que faz supor uma cavidade."



FIGURA 7



Melhorara de tal forma a paciente que foi para uma estação de clima com o objetivo de consolidar sua cura aparente.

No entanto em Maio deste ano, é atacado de rouquidão e o exame radiologico e clinico dos pulmões não demonstrou nenhuma agravação.

Tornou ao Rio e procurou-nos em Outubro ultimo. Havia um processo faringêo com micro-ulcerações e raras zonas de infiltração, alem de extensissimo e grave processo laringêo. Todo o vestibulo intensamente infiltrado obstruindo quasi completamente a glote, notando-se nodulos sub-mucosos abundantes. Coloração esbranquiçada lardacea da mucosa. (Fig 8).



FIGURA 8



CASO D - Ficha 1372 Reg. Part.

Esboço do estado laringêo em Outubro 1940.

O exame radiologico pulmonar obtido então foi o mais inesperado possivel, dentro do conceito da dependência laringo-pulmonar: - Fig. 7, chapa de 14/X/40: Extraordinaria regressão do processo anteriormente observado. Feixe fibroso inter-cleido-hilar. Esquerdo, raros e tênues nodulos no campo esquerdo. Sequelas calcificadas no campo Direito. O radiologista considera como aspeto de cura com nodulos cicatriciais.

Como explicar o surto laringêo em taes circunstancias?

Só a analise do mecanismo inicial do processo nos permitirá compreender o que se passou agora. O fóco inicial não estava localisado nos pulmões. Ao obter o equilibrio imuno-biologico a paciente conseguiu ver regredir tanto o foco faríngeo como o pulmonar. A uma nova fase de desequilibrio o foco primitivo talvez ainda em atividade deu lagar a uma disseminação que se localizou no laringe. E' nossa impressão de que o fóco que favoreceu esta nova localisação laringéa está situado no sistema linfoide do faringe e o processo laringêo se deu por via linfática.

Este caso ainda está sob nossos cuidados, apresentando aspéto muito sério pelo tipo estenosaste da lesão. O estudo do estado imuno-biológico da paciente nos demonstra que a lesão atual tem carater estritamente local, mas tem contra si a circunstancia de estar sujeita a pequenas reinfeções por descargas do fóco primitivo que se repetem de quando em quando.

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