Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (41º)

Seção: Nota Prévia

Páginas: 735 a 758

 

A PROPOSITO DE UM CASO DE LARINGOCELE (*)

Autor(es): DR. CAPISTRANO PEREIRA (**)

O laringocele é uma afecção por demais rara, não atingindo a uma centena o numero total de casos relatados na literatura medica mundial, sendo o nosso - ao que nos parece - o primeiro verificado no Brasil.

Este o motivo pelo qual julgamos por bem em trazer ao conhecimento desta douta assembléia a observação que passamos a lêr, de um doente portador de laringocele externo, trans-tireoideo, e que nos foi dado examinar no nosso Serviço, no Hospital São João Baptista, em Nictheroy.

OBSERVAÇÃO:

Trata-se de A. A. S., branco, viúvo, com 40 anos de idade, natural do Estado do Rio e residente no Baldeador, s/n, Nictheroy.

Procurou o nosso Serviço, no Hospital São João Baptista, em 10 de Dezembro de 1938, queixando-se de tumor na região anterior do pescoço, tumor este que aumentava grandemente de volume, quando tossia, diminuindo ou mesmo desaparecendo, quando o paciente se achava em repouso, livre dos seus acessos costumeiros de tosse.

Ausencia de dôr ou sintoma outro local, subjetivo, que despertasse a sua atenção.

E' portador de tuberculose pulmonar, bilateral, extensa, achando-se em tratamento com o Dr. Mullullo da Veiga, ha 6 anos. Acessos frequentes de tosse, já tendo tido, por varias vezes, hemoptises.

Pais falecidos, ignorando o paciente a causa-mortis. Esposa falecida, ha 4 anos, de tuberculose pulmonar, parecendo ter sido contaminada pelo marido (informação prestada pelo medico assistente).

Os antecedentes morbidos pessoais carecem de importancia. Não sabe o doente informar, com segurança, si teve ou não, na infancia, a coqueluche. Diz ter sempre gozado de bôa saude até ha 6 anos, quando foi acometido pela tuberculose pulmonar.

E' funcionario publico estadual e jamais se dedicou á mistéres que exigissem dele esforços fisicos violentos.

Informa que o tumor, de que se queixa, teve seu inicio ha um ano mais ou menos, tendo coincidido com a peora do estado pulmonar: recrudescimento dos acessos de tosse, mais frequentes e violentos, depois de periodo relativamente grande de acalmia, de melhora da tuberculose que havia 5 anos o acometera.

O proprio paciente já observou que ao tossir o tumor aumenta de volume, distendendo-se ao maximo, dando-lhe a impressão de que vae estourar (sic), motivo pelo qual nestas ocasiões procura apoiar o pescoço, comprimindo-o com a mão espalmada.

Nunca sentiu dôr na região do tumor. Informa jamais ter apresentado qualquer alteração na voz. Apresenta dispnéa, porem de origem pulmonar.

Pelo exame verificamos tratar-se de tumor depressivel, móle, do volume de uma noz mais ou menos, reductivel, refazendo-se facilmente si de movo o paciente praticar a manobra de Valsalva ou tossir, com ponto de saida ao nivel da angulo anterior da cartilagem tireoide (sinal de Gayet).

Em estado de repouso, o tumor apresenta dimensões pouco menores, as paredes menos distendidas. Desperta, entretanto, a atenção d.e quem observar - seja de frente, seja de perfil - a face anterior (região infra-hioidea) do pescoço do paciente. Som timpanico a percussão, quando distendido. Ausencia de dôr á apalpação. Ganglios cervicais palpaveis. Coloração da péle do pescoço normal.

Nada digno de registro revelaram a otoscopia, a acumetria, a rinoscopia anterior e a posterior, a oroscopia, a diafanoscopia, bem como a laringoscopia indirecta, a não ser o aspecto pálido, esbranquiçado da mucosa da faringe e palato móle. Não notamos lesão alguma na região aritenoidea, nas cordas vocais, nas comissuras, etc, o que nos fez acreditar que - não obstante a lesão bilateral, extensa, antiga, dos pulmões - o laringe se conservou infenso ao processo tuberculoso, colaborando neste sentido as informações prestadas pelo distinto colega e competente tisiologista que sempre acompanhou o caso, o Dr. Mullulo da Veiga.



Fig. 1- Fotografia do doente (30 - 10 - 1939), notando-se o laringocele.



Fig. 2 - Radiografia de perfil mostrando o laringocele com centraste (neo-iodipina a 20%).



Fig. 3 - Decalque da radiografia anterior, notando-se: 1- a r no laringocele; 2- secreção; 3- iodipina; 4- mento; 5- osso hioide; 6- epiglote; 7- andar medio do laringe; 8- traqueia; 9- cartilagem tireode; 10- espaço pre-vertebral.



Fig. 4 - Radiografia de perfil após injeção de ar distendendo ao maximo o laringocele.



Fig. 5 - Decalque da radiografia anterior, mostrando: 1- ar no laringocele; 2- secreção; 3- neo-iodipina; 4- mento; 5- osso hioide; 6- epiglote; 7- andar medio do laringe; 8- traqueia; 9- cartilagem tireode; 10- espaço pre-vertebral.



Fig. 6 - Radiografia em decúbito ventral, notando-se a mobilização da neo-iodipina e do ar no laringocele.



Fig. 7 - Decalque da radiografia anterior, notando-se: 1- ar no laringocele; 2- secreção; 3- neo-iodipina; 7- andar médio do laringe; 8- traqueia; 10- espaço- pre-vertebral.



Fig. 8 - Radiografia em posição de Trendelembourg, notando-se a mobilização do ar e do contraste.



Fig. 9 - Decalque da radiografia anterior, notando-se: 1- ar no laringocele; 2- secreção; 3- neo-iodipina; 7- andar medio do laringe; 8- traqueia; 9- cartilagem tireóide; 10- espaço pre-vertebral.



Mandamos que o doente voltasse no dia seguinte para a puncção do tumor e radiografia, com e sem contraste. Devido á forte hemoptise, porém, que tivera ainda no dia do primeiro exame, não mais voltou o paciente ao Serviço, tendo mesmo se ausentado de Nictheroy (em pleno verão - Dezembro) a conselho medico.

A 27 de Outubro de 1939, de novo procurou o nosso Serviço, desejando se submeter ao tratamento, pois estava receioso das consequencias do tumor, o qual aumentara muito de volume, apresentando ainda sinais evidentes de inflamação, de alguns dias a esta parte.

Realmente a péle que recobria o tumor se mostrava, desta feita, vermelha, tensa, luzidia, quente, e a apalpação revelava dôr localizada, não se conseguindo alem disso reduzir como antes o tumor. Este aumentara bastante de volume, e como que "descerá", atingindo á furcula esternal, notando-se, entre a dilatação ampular e o seu primitivo ponto de localização, espaço percorrido por conduto que se podia sentir bem pela apalpação.

Prescrevemos vacina antipiogenica, aplicações de saco de gelo e repouso, tendo melhorado nos dias que se seguiram o estado inflamatorio agudo que bservaramos.

No dia 4 de Novembro de 1939 foi o paciente radiografado (pelo Dr. Victor Rosa, por estar o aparelho do hospital em concerto), tendo-se confirmado o nosso diagnostico anterior de laringocele externo, trans-tireoideo, porem, já infectado. O orifício de comunicação com o laringe estava obstruido (motivo pelo qual não mais se conseguia reduzir o tumor), conforme verificamos pela injeção de ar, distendendo ao maximo a bolsa, sem que se escapasse pelo laringe. Notava-se, ainda, na radiografia a presença de secreção, verificada tambem no momento da punção para se injetar a neo-iodipina.

As radiografias, com e sem contraste, foram feitas em varias posições, notando-se pela mudança de nivel da secreção e do contraste a completa permeabilidade de todo o saco herniario.

Como a intervenção, por nós proposta, fôsse desaconselhada pelo clinico, em vista do estado pulmonar do paciente, praticamos no dia imediato ao da radiografia, a abertura inferior do laringocele, dando saída á secreção abundante, amarelada, de cheiro desagradavel, butiraceo, e ao contraste que ejetáramos na vespera. Com estilete pudemos verificar a extensão do saco herniario, conseguindo fazer saliencia com o mesmo ao nivel do angulo anterior da cartilagem tireoide, proximo ao seu bordo superior, onde encontravamos resistencia á passagem do estilete Desinfecção e drenagem, prosseguindo o paciente com os curativos em sua propria residencia.

Cinco meses após, em 11 de Abril de 1940, faleceu o doente em consequencia da tuberculose pulmonar que apresentava.

HISTORICO:

Foi o Barão Larrey o primeiro a assinalar, em 1829, na Campanha do Egipto, a presença do aerocele nos cantores egipcios, cujo pescoço se enchia, aumentando muito de volume, quando eles entoavam os versos do alcorão, do alto dos menaretes; Larrey teve, ainda, a oportunidade de observar tumores gazozos semelhantes em dois sub-oficiais, os quais foram por ele tratados por meio de compressas canforadas e colarinho de tafetá, exercendo pressão sobre a bolsa aérea durante 5 a 6 semanas. Não obteve, todavia, resultado satisfatorio, pois a recidiva se manifestou alguns dias após a retirada da compressão.

Rendu, acreditando que os casos de aerocele descritos por Larrey fossem antes de traqueocele que de laringocele, atribue á Hutchinson a primeira observação de laringocele, publicada em 1861. Tratava-se de laringocele trans-crico-tireoideo, do tamanho de ôvo de galinha, observado em paciente com tuberculose laringéa, tendo-se verificado pela autopsia a hernia da mucosa, distendida atravez do espaço crico-tireoideo.

Alguns outros casos de tumores aéreos do pescoço encontram-se na literatura medica; entretanto, pode-se tudo do laringocele - a sua individualização, da etiopatogenia, da anatomia comparada, da lógica, do tratamento cirurgico, etc. - pertence ao nosso seculo ou quando muito a partir do ultimo quartel do seculo passado.

Os antigos abrangiam sob a epigrafe de tumores gasoso do pescoço afecções varias, não bem definidas, como demonstra a riqueza da sinonimia então operante: aerocele, pneumatocele, broncocele, traqueocele, laringocele, tireocele, aeroforo, traquectasia cistica, hernia gutural, bocio enfisematoso, bocio aereo, bocio ventoso ou vesicular, tireofima enfisematoso ou herniario, pneumatofima, struma aerea ventosa...

A confusão reinante era tal que o proprio "laringocele ventricular de Virchow" - descrito por este autor em 1863, e posteriormente por Grüber, Luschka, Rudinger, Meyer e outros - não passava, como judiciosamente ponderam Glückberg e Rendu, de maformação congenita encontrada por aqueles pesquisadoras nos seus trabalhos de dessecação anatomica ou de autopsia, embora constituísse aquela anomalia condição indispensavel ao desenvolvimento do laringocele propriamente dito: "... la persistence du canal vagino-peritoneal n'est une hernie inguinale. Pour qu'il y ait hernie, il faut que le sac soit habité; pour qu'il ait laryngocèle, il faut qu'il soit insufflé".

Gruenwald definia, em 1897, o laringocele como sendo "especie de maformação atavica, analoga ao saco vibrante dos simios antropoides, consequente á dilatação do ventriculo de Morgagni" (Fine Art atavistischer Misbildung ist die analog den Bruellsacken anthropoider Affen volkommen de Ausbuchtung der Morganischen Ventrikel, Laryngokele).

E a Edmund Meyer que se deve, em 1902, o primeiro estudo minucioso das relações existentes entre os laringoceles e os sacos aereos encontrados no colo de certos simios antropoides.

Quem primeiro, entretanto, chamou a atenção para a semelhança dos sacos laringeos do homem ás bolsas aereas dos simios, foi o proprio Larrey, referindo-se, com espirito de arguto observador, á especie singular de papo ou tumor aereo desenvolvido no pescoço dos cegos que, no Egito, de cima dos menaretes, viviam a entoar noite e dia os versos do alcorão: "In Aegypten haben wir die ersten Beispille dieser besonderen Kropfart gesehen; sie zeigt sich bei einer einziger Classe von Individuen, den Blinden, deren Zahl in dieser Gegend so gross ist, dass die Priester sie dazu benutzen, die Verse des Koran von den Minarets alle Stunden des Tages und der Nacht zu zingen. Diese Luftgeschwülste entwickeln sich besonders bei denen, die diesen Gesang jahrelang ausgeübet haben und bilden Taschen, ähnlich denen welche sich unter dem Kiefer von Affen bilden wenn diese dort Nahrungsmittel verbergen und aufbewahren wollen", como nos refere von Hippel, citando Larrey.

Parece ter sido Ledderhose - em 1885 - o primeiro a tratar cirurgicamente, pela extirpação, o laringocele.

Até então os autores aconselhavam a não se operar os laringoceles. Mesmo depois, alguns - como Beausoleil, Gayet (1886) - julgavam ser a operação peor que a doença, ou, ainda, como Castex, em 1907, "Le mieux est de s' abstenir ', ou Botey, em 1925, "En la mayoria de ocasiones es preferible no intervenir quirurgicamente. Pero, aparte de que los resultados de esta intervención son bastante dudosos, no hay que olvidar que, en la mayoria de casos, los enfermos no se hallam muy mollestados por la presencia de estas tumoraciones aéreas".

Verdade é que outros muitos, como Pantaloni, na França, Schech, na Alemanha, fizeram-se desde logo defensores da cirurgia, julgando-a mesmo, Schech, indispensavel: "Die Laryngokele kann nur durch eine Operation von aussen mit Exstirpation des Sackes beseitigt werden".

Zange, em 1933, no Congresso de Dresden, não só se fez apologista da cirurgia, como apresentou tecnica propria para o tratamento cirurgico dos laringoceles internos.

ESTATISTICA

Não atinge a uma centena o numero total de casos registrados na literatura medica mundial. Botey, chamando a atenção para a raridade da afecção, diz ter visto apenas um caso em 72.000 doentes por ele examinados.

Pelletier, na sua tése, em 1900, se refere a 17 casos: Katz-Blumenfeld e Samuel Iglauer a duas duzias; Sonia Glückberg (1904) a 26; Weingãrtner (1916) a 28; Citelli (1920) a 30 e Garel (1921) a 34 observações. Robert Rendu, em 1939, em excelente capitulo no livro de Canuyt "Les Maladies du Larynx", diz ter encontrado, nas pesquizas bibliograficas por ele realizadas, 60 outras observações, o que perfaria 94 casos. A estes teriamos que acrescentar o nosso, ao que nos parece o primeiro dado á publicidade no Brasil.

NOÇÕES ANATOMICAS E FISIOLOGICAS:

O laringe, orgão da fonação e respiração, acha-se situado na linha mediana da porção antero-superior do pescoço. Continua-se superiormente pela faringe e inferiormente pela traqueia.

Na superficie interna do laringe distinguem-se, de cada lado, na sua porção mediana, duas pregas superpostas, dirigidas de deante para traz e que se denominam cordas vocais, distintas em superiores e inferiores.

As cordas vocais nos permitem dividir o laringe em três andares: o superior, ou vestíbulo laringêo, situado acima das cordas vocais superiores; o medio, compreendido entre os bordos livres das cordas vocais e, finalmente, o inferior, localizado abaixo das cordas vocais inferiores

O andar medio do laringe - e em especial o ventriculo de Morgagni - é que nos interessa particularmente no estudo dos laringoceles.

As cordas vocais superiores, distintas em direita e esquerda, são tambem denominadas falsas cordas ou pregas ventriculares. Estendem-se do angulo reentrante da cartilagem tireoide até ás cartilagens de Wrisberg (um pouco adiante das cartilagens aritenoides). Apresentam-se achatadas de cima para baixo e de dentro para fóra, com suas faces dirigidas, em consequencia, a superior para dentro e para cima, e a inferior para fóra e para baixo. Bordo interno livre; bordo externo aderente á parede externa do laringe.

As cordas vocais inferiores - direita e esquerda - tambem denominadas cordas verdadeiras ou pregas vocais, situadas abaixo das falsas cordas, paralelamente a estas, se estendem do angulo reentrante da cartilagem tireóide á apofise vocal das cartilagens aritenoides. Na fonação, o bordo livre das cordas verdadeiras ultrapassa para dentro, para a linha mediana, o bordo livre das falsas cordas, o que nos permite o exame das cordas inferiores pela laringoscopia.

A corda vocal inferior apresenta na sua espessura o ligamento tiro-aritenoideo inferior e a camada interna do musculo tiro-aritenoideo inferior,

A corda vocal superior encerra o ligamento tiro-aritenoideo superior e pequenos feixes musculares, estes descritos por Rudinger, em 1876, sob a denominação de "Taschenbandmuskel" ou musculo da banda (faixa) ventricular. A existencia destes feixes musculares é importante, pois justificam, pela sua contração, o fechamento do orifício superior do andar medio e consequente dilatação do ventriculo de Morgagni (de importancia na etiopatogenia dos laringoceles), bem como a mobilização das falsas cordas (durante muito tempo não admitida) permitindo a conclusão de Ch. Jackson: "a good voice may be developed by systemic training of the false cords" e a de Tarneaud: "a justaposição mediana das falsas cordas serve para reforçar a funcção esfincteriana do laringe, realizada principalmente pelas cordas verdadeiras".

O andar medio do laringe apresenta, de cada lado, um prolongamento, verdadeiro diverticulo, denominado ventriculo de Morgagni, descrito por este autor em 1723.

Em numero de dois, direito e esquerdo, estes ventriculos ou seios laringêos se desenvolvem entre as cordas vocais superiores e inferiores, apresentando em media 2 cms. de comprimento. Da sua porção anterior parte um prolongamento vertical, que sobe até ao bordo superior da cartilagem tireoide (1 cm. de altura) e que se designa por apendice do ventriculo de Morgagni.

O apendice pode apresentar dimensões maiores, ultrapassando o bordo superior da cartilagem tireoide, perfurando mesmo, ás vezes, a membrana tiro-hioidea. Esta anomalia representa regresso atavico, explicado pela filogenia: "When greatly enlarged the condition resembles that found in anthropoid apes in which great Wind .sacks are normally present in the larynx" (Barnhill).

Os fundos de saco, resultantes do desenvolvimento exagerado do apendice do ventriculo de Morgagni, podem se dirigir (como verificaram .Virchow, Grüber, Meyer, Joseph Beck e outros) : seja para cima e para traz (para a prega ariteno-epiglotica), seja para cima, entre o osso hióide e a epiglote, em direcção á fosseta glosso-epiglotica, seja ainda para deante, entre o osso hióide e a cartilagem tireoide, perfurando a membrana tiro-ioidéa (como no caso de Joseph Beck).

Estes sacos, entretanto, longos e delgados, achado de dissecções anatomicas ou de autopsias, apresentam cavidade virtual. Para que se transformassem em laringocele, propriamente dito, necessário teria sido insufla-los, donde a critica judiciosa de Glückberg sobre a denominação errônea, de "laringocele ventricular de Virchow", dada a estas maformações.



Fig. 10 - Simio antropoide (Gibbon) com seu saco laringeo (Boulenger, in Rendu).



Fig. 11 - Esquema mostrando as diversas anomalias congenitas dos ventriculos do laringe: 1 - ventriculo de Morgagni; 2, 3 e 4 apendices do ventriculo anormalmente desenvolvidos; 5 - ventriculo de Coupard; C, cartil. cricoide; E - epiglote; H . osso hioide; L - lingua; T - cartil. tireoide (Robert Rendu).



Certos simios antropoides (chimpanzé, orangotango, gorila ... ) apresentam, na superfície do pescoço, saco membranoso, cheio de ar, em comunicação com o laringe pelo apêndice do ventriculo de Morgagni. Edmund Meyer (em 1902) e, recentemente, Robert Rendu (Congresso de Paris, 1938), estudando melhor este assunto, concluem "sejam estes sacos aereos homologos dos laringoceles externos observados no homem" e consequentemente que "a patologia humana, neste particular, esteja calcada na anatomia normal de certos mamiferos".

Existe uma pequena depressão mediana, anterior, ao nivel do angulo reentrante da cartilagem tireoide, na região onde as quatro cordas vocais se originam. E' a fosseta central de Merckel, em relação com a face posterior da cartilagem intertireoidea de Testut (pequena peça cartilaginosa impar e mediana, reunindo as duas porções laterais da cartilagem tireoide).

A fosseta central de Merckel pode-se desenvolver, formando pequena bolsa hemisférica, graças a ausencia da cartilagem intertireoidea de Testut. E' esta bolsa - ventriculus tertius ou ventriculo central de Coupard - que insuflada vae constituir o laringocele externo trans-tireoideo (nosso caso).

Ainda aqui, a anatomia comparada nos permite descobrir a origem atávica, filogenetica, deste tipo de laringocele, pois certos simios possuem saco membranoso, impar e mediano, que se comunica com a cavidade larngéa por meio de orifício localizado no angulo anterior da cartilagem tireoide. Tambem os solipedes possuem membrana vibratil ocluindo depressão profunda, situada na mesma região.

Do que acabamos de expor conclue-se que as malformações congenitas, responsaveis pelo desenvolvimento dos laringoceles; encontram a sua explicação na filogenia, no estudo da anatomia normal de certos mamiferos e em especial dos simios antropoides.

DEFINIÇÃO:

O laringocele, ou hernia do laringe, nada mais é. que o tumor aereo, extra ou intra-laringeo, resultante da projeção da mucosa do laringe atravez de trajeto anomalo, que se explica por maformação congenita.

CLASSIFICAÇÃO:

Os laringoceles podem-se classificar em simples e combinados.

Os simples podem ser endo-laringeos e exo-laringeos.

Os exo-laringeos, conforme a origem e trajeto do saco herniario, dividem-se em: trans-tireo-hioideo (o laringocele saindo atravez da membrana tiro-hioidea), trans-tireoideo (atravez do angulo anterior da cartilagem tireóidea), trans-crico-tireoideo (atravez da membrana crico-tireoidea) e glosso-epiglotica (dirigindo-se para a fosseta glosso-epiglotica).

Os trans-tireo-hioideos se dividem em medianos e laterais, estes se sub-dividindo em infra e supra-hioideos (conforme se dirijam para baixo, para a região infra-hioidea, ou para cima, para a região supra-hioidea).

Os combinados, ou mixtos, resultam da coexistencia de laringoceles endo e exo-laringeos (casos de Reich, Samuel lglauer, Adolf Hinojas, Neumann, Marchand ...) ou, ainda, de diferentes tipos de exo-laringeos: trans-tireo-hioideos bilaterais (caso de Burger), glosso-epiglotica e trans-tireo-hioideos (caso de Robert Rendu, publicado em 1912).






Fig. 12 - Laringoceles exo-laringeos: C - cantil. cricoide; T - cantil. Tireóide; H - osso hoide; E - epiglote; 5 - laringocele trans-brito-traqueal ou melhor, traqueocele. Os numeros 1, 2, 3, 4, 6 correspondem ao quadro acima (R. Rendu).



ETIO-PATOGENIA:

Para que se desenvolva o laringocele duas condições se fazem indispensaveis: a primeira, a existencia da maformação congenita, e a segunda, a hiperpressão no laringe, esta possibilitando a projeção da mucosa atravez daquele trajéto anomalo.

Logico que a presença apenas de uma das duas condições não se faça suficiente, assim: a) quantos individuos talvez perambulam por aí, portadores da maformação laringéa sem que tenham "insuflado o seu saco laringeo", para adotarmos a expressão feliz de Sonia Glückberg; b) por outro lado, quantas pessoas não vivem a exercer sobre as paredes do seu laringe pressões elevadas em consequencia de tósse, exercicios violentos, sôpro de instrumentos musicais, etc, sem contudo conseguirem insuflar um laringocelezinho ...

A maformação congenita justifica-se, como vimos, pela filogenia, não representando sinão regresso atávico, a persistência no honro sapiens daquilo que é normal em certos vertebrados inferiores, como alguns símios antropoides, solipedes, etc.

A hiperpressão se explica pelo acolamento das cordas vocais durante a fonação e, principalmente, pelo fechamento do orifício superior do andar medio do laringe, durante o esforço e a tosse, em consequencia da contração não só do musculo de Rudinger (feixes musculares contidos na corda vocal superior) como tambem dos musculos do faringe.

A oclusão dos orifícios narinais e bucal (ao assôar-se, ao praticar a manobra de Valsava, ao insuflar bolas de borracha ou tubos de vidro, ao tocar instrumentos de sopro ... ) naturalmente que contribuem para aumentar a pressão endo-laringéa. Nós verificamos que a imagem radiografica do laringe é diversa conforme o individuo (normal), pratique ou não a manobra de Valsava: a hiperpressão endo-laringéa se manifesta pelo aparecimento de imagens rõntgenograficas correspondentes á dilatação da membrana tiro-hioidea.

A pressão expiratória do ar, que é normalmente de 2 mms. de hg., eleva-se no esforço e na tosse, podendo atingir 50 e mais vezes a sua pressão, ou sejam 100 ou mais mms. de hg.!

A velocidade do ar no laringe - normalmente de 1 metro a 1,20 por segundo (cerca de 4 klms. por hora) - pode atingir, na tosse, á 50 ms. por segundo, ou sejam 180 klms. á hora, velocidade de um avião!

Afecções varias das vias aereas e do parenquima pulmonar atuariam como causas adjuvantes no desenvolvimento dos laringoceles, pelo aumento da pressão endo-laringéa que possam acarretar. Assim agiriam a difteria (casos de Weingãrtner, Broca), os polipos (Labarraque, Garel), os neoplasmas (Fraenkel, Zollner, Meyer), do laringe; a tuberculose (Hutchinson, Benda e Borchet, Rendu, Capistrano), a sifilis (Alexander, Pelletier), a coqueluche (Guerra Estapé), a bronquite cronica (Beausoleil, Georges), as traqueites, certos corpos extranhos, a estenose laringéa... bem como qualquer outra causa capaz de produzir a elevação daquela pressão, como no caso de Pantaloni (atribuido ao esforço no transporte de um saco de farinha), no de Calabresi (devido á ginastica) ou no de Ledderhose (em consequencia do toque de clarim, em marcha).

No nosso caso, a tosse, de origem pulmonar, foi incontestavelmente a causa da hiperpressão laringéa.

Durante muito tempo atribuiu-se á ulceração das paredes laringéas pela sifilis, tuberculose, difteria, neoplasias, bem como ao traumatismo (Koutnik), a origem dos laringoceles, esquecidos 'os autores de que a saída do ar, atravez da lesão da mucosa, produziria o enfisema sub-cutaneo e não a sua colecção em uma bolsa perfeitamente definida, com paredes de estructura histologica analoga ás do laringe.

Certas profissões exercem influencia manifesta na genese dos laringoceles pela hiperpressão que podem acarretar no laringe. Os insufladores na fabricação de vidro, os tocadores de instrumentos de sopro, os carregadores, os mergulhadores... estão natural.mente expostos a esta afecção, desde que sejam portadores da maformação congenita.

Os laringoceles podem-se apresentar tanto nos homens como nas mulheres. As estatisticas, todavia, atribuem ao sexo masculino maior percentagem, bem como á raça branca.

Tem sido observado em todas as idades da vida humana: Kan Leiden, 16 dias; Donadei, 17 dias; Friedmann, 9 semanas; Leriche, 8 meses; Samuel Iglauer, 5 ¹/2 anos (porem a mãe do menino informou ter-se formado o tumor aos 9 meses de idade, após choro) ; Schõtter, 6 anos; Guerra Estapé, 6 anos; Burger, 12 anos; Reich, 30 anos; André Chalier e Charles Dunet, 34 anos; Boinet, Combes, 52 anos; Adolf Hinojas, 64 anos; Petit, ,73 anos; etc. No nosso doente o laringocele se manifestou aos 39 anos de idade.

Pelo estudo dos casos publicados parece não exercer a hereditariedade influencia manifesta. Seria interessante, contudo, a pesquiza de anomalias laringéas, pela autopsia, nos parentes dos portadores de laringocele.

SINTOMATOLOGIA E DIAGNOSTICO:

1) Laringoceles exo-laringeos (excéto a variedade glossoepiglotica).

Os doentes, em geral, procuram o medico queixando-se de tumor ao nivel do pescoço, informando ser o mesmo indolor, não lhes perturbando a vida normal, e ter-se desenvolvido progressiva e vagarosamente. Quasi sempre já notaram que após os esforços violentos, principalmente a tosse, o tumor aumenta muito de volume, reduzindo-se e mesmo desaparecendo quando em repouso.

Raramente se queixam de dôr e inflamação local, presentes quando o laringocele já se tenha infectado.

Alguns casos têm sido relatados de aparecimento brusco do laringocele, bem como outros, nos quais o paciente procurou o especialista por motivo diverso, nada se queixando em relação ao tumor aéreo que apresentava no pescoço.

Pela inspecção, nota-se na face anterior ou lateral do pescoço o tumor, de tamanho variavel, podendo se apresentar pequeno, como azeitona, ou grande, do volume de ovo de galinha ou pêra. A péle que o recobre se mostra, em geral, normal quanto á coloração, mobilidade, etc.

A apalpação nos revela ser o tumor mole, depressivel, o conteúdo gazozo, qual bola de borracha incompletamente cheia (Georges). As vezes nos dá a impressão falsa de flutuação, quando comprimido pela musculatura infra-hioidéa. Pode, contudo, apresentar flutuação verdadeira quando infectado; porem, nestes casos o tumor não se deixa reduzir, como veremos.

Fazendo-se o doente tossir ou praticar a manobra de Valsava (expiração forçada tendo os orifícios narinas e bucal hermeticamente fechados), observa-se a dilatação, ao Maximo, do tumor, mostrando-se este, á percussão, sonoro.

Exercendo pressão com os dedos sobre a massa turnoral, esta se reduz, produzindo, segundo Pantaloni, ruído caracteristico (o qual, entretanto, não observamos no nosso caso).

Uma vez reduzido o laringocele, pode-se exercer pressão com os dedos sobre os diferentes pontos pelos quais se julga deva ele se reproduzir (angulo anterior da cartilagem tireoide, membrana tiro-hioidea.. . ) e ao mesmo tempo fazer o doente tossir ou praticar a manobra de Valsava, tentando a sua reprodução. Este é o sinal de Gayet - descrito por este autor em 1866 -e que nos permite a localização do orifício atravez do qual o ar se escapa do laringe e, portanto, o diagnostico do tipo de laringocele: si trans-tireo-hioideos, trans-tireoideo, trans-crico-tireoideo, etc..

O tumor é móvel, não aderente á péle, e acompanha os movimentos de ascensão e dissensão do laringe, durante a deglutição.

A punção revela a presença de ar e permite a introdução de contraste radiografico (neo-iodipina, lipiodol) de corante (azul de metileno).

A laringoscopia pode evidenciar lesão laringéa (tuberculose, sifilis, polipos, neoplasias...) que tenha favorecido, indiretamente, o desenvolvimento do laringocele, ou nada de anormal revelar (como no nosso caso). A presença do laringocele exo-laringeos não implica na existencia de lesão do laringe, como dissemos tratando da etiopatogenia.

A radiografia é de grande valor diagnostico, pois permite-nos estudar a imagem aérea do laringocele, o seu tamanho, ponto de saída, etc, maxime se nos utilizarmos da tomografia, em córtes sucessivos, e da introdução de contraste radiografico.

Reich (1913) , Marschik, Neumann e outros emprestam particular valor ao exame roentgenografico. Laschi e Vigi, referindo-se á radiografia - un metodo Che num enganam - dizem: "Esaminando il soggetto nella proiezione laterale si osserva, a livello della laringe, un'imagine piriforme molto luminosa, a contorni netti, il cui colletto risale in alto verso l'osso ioide; ... puô modificare la sua ampiezza e la sua transparenza in rapporto a variazioni della tensione nella sacca".

Moulonguet e Trepssat, contudo, apresentando uma observação de laringocele, asseveram: "la radiographie ne dorme aucun renseignement", o que se explicaria no caso particular que lhes foi dado observar, pois tratava-se de laringocele infectado, com varios surtos inflamatorios, e a radiografia só poderia ter fornecido elementos para o diagnostico si tivessem recorrido á injeção de contraste ou de ar (afim de distender e delimitar as paredes do laringocele).

O diagnostico se faz pela inspecção, apalpação, percussão, punção, radiografia... com relativa facilidade.

A manobra de Gayet, como dissemos, permite determinar o tipo de laringocele e ainda diferençar os laringoceles dos traqueoceles.

O diagnostico diferencial deve ser feito com as adenopatias, as neoplasias, os cistos, os diverticulos do esofago e, nos laringoceles infectados, com as coleções purulentas cervicais.

No nosso caso - como o aproveitaramos, no segundo exame, para aula pratica aos nossos alunos da Faculdade Fluminense de Medicina - houve um aluno que fizera a hipotese (pela simples inspecção) de etasia da aorta, e, de facto, o aspecto então do tumor - baixo, junto á furcula esternal, recoberto por péle muito vermelha, tensa, luzidia - poderia lembrar esse diagnostico, facil, todavia, de ser eliminado, pois não havia a pulsação classica das dilatações aorticas, e a apalpação, a percussão, etc, retirariam qualquer duvida que pudesse pairar.

Os diverticulos do esofago podem-se prestar, realmente, a confusão com os laringoceles trans-tireo-hioideo laterais, porquanto ambos são formados por bolsas redutíveis; porem, o conteúdo de ambos é diverso, o sinal de Gayet se mostra negativo nos divertículos do esofago, e, alem disso a radiografia com contraste (ingestão de bário) e a punção, introdução de corante, resolvem os casos em que a duvida persista.

2) Laringocele glosso-epiglotico:

O laringocele glosso-epiglotico é exo-laringeos, isto é, externo em relação ao laringe, embora não seja visto externamente, na superficie do pescoço.

Ele se desenvolve, como dissemos, na fosseta glosso-epiglotico ou valecula - região compreendida entre a base da lingua, a epiglote e as pregas glosso-epigloticas mediana e laterais.



Fig. 13 - Laringocele glosso-epiglotico, caso de Robert Rendu (public. em 1912).



Pela sua localização, pode acarretar perturbações faringéas (disfagia) e laringéas, como dispnéa, disfonía, e mesmo a morte do paciente por asfixia, exercendo compressão sobre a epiglote que, como sabemos, é o operculo do laringe.

A oroscopia, a faringoscopia, a laringoscopia indiréta, a apalpação digital, ou dom estilete, do tumor na fosseta glosso-epiglotica, a sua punção, a radiografia ... permitem o diagnostico deste tipo de laringocele.

3) Laringoceles endo-laringeos:

O laringocele endo-laringeo, embora geralmente de pequenas dimensões (grão de milho, avelã, azeitona), ocasiona não raramente perturbações laringéas - disfonia, dispnéa, asfixia - as quais obrigam o doente a procurar o medico, ás vezes com urgencia.

A laringoscopia indiréta ou diréta, o toque com estilete recurvado, a redução do laringocele por compressão com porta algodão laringeo, a sua reprodução pelo esforço ou tosse, a radiografia simples ou, melhor, a tomografia, a punção com agulha longa, recurvada (laringoscopia indiréta) ou reta (laringoscopia diréta), facilitam o diagnostico.

A eversão ventricular, os polipos, as neoplasias são facilmente diferençadas do laringocele endo-laringeo ou interno.

4) Laringoceles combinados:

Como dissemos, os laringoceles combinados, ou mixtos, resultam da coexistencia de duas ou mais variedades de laringoceles. Os sintomas são, portanto, os resultantes da soma dos devidos aos tipos de laringocele que apresente o paciente, devendo-se apenas acrescentar a possibilidade de se fazer, pela compressão, o ar passar de uma bolsa aérea para a outra, quando a comunicação entre elas seja suficientemente larga.

TRATAMENTO:

1) Laringoceles exo-laringeos:

O tratamento dos laringoceles exo-laringeos deve ser cirurgico.

Durante muitos anos, contudo, foi contra-indicado, asseverando os autores de antanho ser a intervenção peor que o mal (Gayet, Beausoleil, Garel), atribuindo-lhe resultados duvidosos e concluindo que o melhor seria evitá-la.

Petit - assinalando os resultados satisfatorios obtidos pelas operações praticadas por Fardeau, Textor, Langenbek e tros - sentenciava em 1883: "l'ostracisme prononcé par Gayet contre l'interventon chirurgicale dans la cure dês aérocéles n'est pás justifié aujourd'hui". Não obstante, ainda no presnteseculo, alguns autores continuam a se manifestar contra a operação nos laringoceles, em posição á maioria que opina hoje pelo tratamento cirurgico.

Chalier e Dunet, preocupando-se com a questão, lembram de facto nos traqueoceles, a intervenção não nos deva oferesultados satisfatorios que nos laringoceles, e, dada a confusão então reinante quanto aos tumores gazozos do pescoço, talvez os antigos generalizassem, atribuindo tambem aos laringoceles os resultados mãos obtidos com a cirurgia dos traqueoceles.

A simples compressão não pode produzir a coalescencia das paredes do saco laringeo, revestido por mucosa analoga á do laringe, e sim apenas manter reduzida a hernia laríngea, da mesma forma que o tratamento compressivo nas hernias inguinais ou crurais. Nestas, tambem, as recidivas ás vezes se manifestam, não constituindo, entretanto, motivo para se contra-indicar a cirurgia.

a) Tratamento medico:

As preparações iodadas, interna e externamente, foram durante muito tempo indicadas, por se confundir o laringocele com o bocio.

As compressas canforadas, as fricções com emolientes varios, com vinagre, etc, eram de longa data empregados pelos antigos.

A compressão - com lamina de chumbo revestido de mercurio, com colarinho de tafetá, com adesivos, com ataduras, etc, - já era usada pelos egipcios, como observou Larrey. E' o metodo de tratamento que se deve aconselhar quando o doente não possa, por este ou aquele motivo, se submeter á intervenção.

Alguns autores atribuem-lhe a cura de casos de laringocele (Béhier, Devalz, Calabrési, Rigaud e Viela).

Heidewich tentou a cura de um laringocele incizando-o e deixando-o supurar, porem, sem resultado.

Parece-nos seria mais logico tratar o laringocele imitando o metodo empregado no hidrocele-pela punção e injeção de liquido modificador, seguida de compressão. Não temos, porem, experiencia e, como já dissemos, somos partidarios da intervenção, acreditando nos resultados satisfatorios que ela nos deva fornecer, quando praticada corretamente.

Nos laringoceles infectados logico que se deva recorrer ao tratamento geral anti-infeccioso, aos revulsivos locais ... e, caso se faça necessario, incisar e drenar o abcesso. De acôrdo com o caso em particular, a extirpação do saco herniario será feita posteriormente ou no momento da abertura do abcesso.

b) Tratamento cirurgião

O tratamento cirurgião consiste na incisão da péle, tecido celular sub-cutaneo, aponeurose superficial, afastamento dos musculos subjacentes, seguido de descolamento e extirpação do saco, com ligadura do seu colo. o mais proximo possivel de seu ponto de saída do laringe: membrana tireo-hioidea, cartilagem tireoide ... Sutura dos planos superficiais, da péle e curativo compressivo local.

Como na hernia inguinal, seria interessante rebater o plano muscular e proceder a sutura deste, reforçando o ponto de fechamento do colo do saco laringeo.

Chalier, ao contrario de Petit, aconselha a dissecar a bolsa sem a abrir, o que nos parece preferivel, sempre que se torne possivel.

A anestesia geral é que tem sido empregada com maior frequencia, poucos operados tendo se servido da loco-regional, a qual, entretanto, nos parece deva merecer a preferencia, entre outros motivos, por permitir ao doente o enchimento do laringocele durante o áto operatorio, sempre que o cirurgião julgar necessario.

2) Laringoceles endo-laringeos

A intervenção pode ser praticada pela cavidade oral, com o auxiliar da laringoscopia indireta ou da direta, ou por via externa, por meio da tirotomia, como preferem Semon, Seiffert, Hoffa e outros.

Zange aconselha a rebater para baixo a membrana tireo-hioidea, depois de seccionadas suas inserções no osso hióide e grande como da cartilagem tireoidea, afim de se obter bôa visibilidade, sem sacrifício dos vasos e nervos que atravessam a membrana tiro-hioidea.

A punção do laringocele interno muitas vezes deve ser feita de urgencia, devido a asfixia, o que se consegue facilmente com agulha longa, recurvada.

A traqueotomia já tem sido praticada por varias vezes de urgência (Rendu, Lemaitre, Halfen...), seja no laringocele interno, seja no glosso-epiglotico. No caso de Rendu o doente foi traqueotomizado e, não podendo se submeter á intervenção (era portador de tuberculose pulmonar e laringéa), deixou o hospital com a canula traqueal, vindo a falecer ires meses após.

A intubação pode ser praticada de urgencia, enquanto se aguarda a intervenção por via externa para extirpação do laringocele interno ou combinado.

3) Laringoceles combinados:

Nos casos em que coexistam laringoceles endo e exo-laringeos pode a intervenção ser realizada pela via de acesso ao laringocele exo-laringeos, como aconselham Ledderhose, Reich, Georges, Zange e outros.

Concluindo, diriamos que o laringocele é afecção muito rara, reconhecendo como causa maformação congenita e hiperpressão endo-laringéa, devendo o seu tratamento ser cirurgico, pela extirpação, por via externa, do saco herniario laringeo.

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(*) Comunicação apresentada á Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de janeiro, em Outubro de 1940.
(**) Livre-Docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil e na Faculdade Fluminense de Medicina - Chefe do Serviço de Oto-rino-laringologia do Hospital São João Baptista, Niterói Laureado com Medalha de Ouro pela Faculdade Nacional de Medicina.

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