Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (39º)

Seção: Nota Prévia

Páginas: 703 a 716

 

TUMORES MIXTOS DO VEU DO PALADAR (Referencia sobre três casos)

Autor(es): DR. SILVA GUIMARAES (*)

Os tumores mixtos fazem parte da categoria das neoplasias, que Barbacci designa sob o nome de tumores complexos ou de complexa constituição. Letulle refere-se a eles como desembriomas, e mais modernamente, Roussy, Leroux e Oberling os encluem no grupo das desembrioplasias. Para Virchow, são tumores de combinação, enquanto, Klebs, Schwalbe e Albrecht classificam semelhantes tumores, respectivamente, como teratoblastomas, tumores desontogeneticos e meroblastomas.

Integrados em tão abundante terminologia, dependentes, como se deduz das expressões mencionadas, dos mais variados conceitos de interpretação dos factos ontológicos, esses tumores constituem assunto de extrema complexidade, e por isso, seu estudo, ainda em nossos dias não atingiu uma situação tal que possa ser tida como decididamente satisfatoria. E é calcada nessa instabilidade de concepções, sobretudo, de ordem etio-patologica, que certos autores preferem nomea-los de "os assim chamados tumores mixtos", os "so called mixed tumors" dos anglo-americanos, a seguirem as normas habituais da nomenclatura cientifica.

O desenvolvimento dos blastornas mixtos pode se dar em qualquer parte do corpo, no entanto, algumas regiões ou orgãos se destacam, dada a frequencia com que eles são vistos, constituindo, via de regra, sedes de predileção.

Como localisação preferencial, as glandulas salivares concorrem com o maior contingente de casos, tocando às parótidas, cifras percentuais elevadas em relação às sub-maxilares e às sub-linguais. As quotas de aproximadamente 90 % para as parótidas, 10 % para as sub-maxilares e 1 % para as sub-linguais, fazem parte do interessante computo estatistico elaborado por Böhne e Küttner.

Excetuando as glandulas salivares, teem sido assinalados tumores mixtos nos orgãos genito-urinarios, nas mamas, nos labios, nas bochechas, no septo nasal, no queixo, no seio maxilar, no paladar, nas amigdalas, etc., ainda que em numero bastante reduzido.

Originários da região do paladar, quer do véu ou da abobada, em toda literatura mundial já foram descritos pouco mais de uma centena de casos, com tudo, entre nós, desconhecemos qualquer publicação relativa a tal localisação. Referente a essa questão, até 1897, Pitance conseguiu reunir 54 observações de autores diversos, e em 1928, um outro trabalho de conjunto foi dado à publicidade por Eggers, perfazendo assim um total de 92 casos. Sonnenschein, a quem se deve a mais recente revista da literatura, diz que cerca de um terço da estatistica de Eggers relaciona-se exclusivamente a tumores do véu, acrescentando, serem esses blastomas raros. Ademais, recordando as observações de Fry, Chamberlin, Moreau, Koch, Davis e Boyco, omitidas da lista daquele autor, chegou a conclusão que o numero dos tumores mixtos do véu do paladar não chegaria a 50, cifra ainda julgada razoável por nós, mesmo incluindo nossos três casos, os de Ombredanne, Kitamura e outros ultimamente publicados.

Reunidas em casuistica pessoal, as observações constantes do presente trabalho, evidentemente, constituem ocorrencia rara, e como tal, julgamos oportuno divulga-las.

Observação n.° 1. Raul P., branco, casado, brasileiro, com 63 anos e residente em Igarapava - Estado de São Paulo. Consulta em 5 de Maio de 1935, por indicação do Dr. Georgides Gonçalves, ilustrado facultativo domiciliado naquele municipio.

Queixa-se de um grande tumor na garganta, cujo crescimento vem se fazendo ha mais de 20 anos. Inicialmente, nada sentia, no entanto, com o suceder dos tempos, foi notando disturbios da voz, da deglutição e da respiração. Taes sintomas se agravaram nos ultimos meses, agora, acrescidos de crises de sufocação durante à noite. Informa que o referido tumor se desenvolveu de maneira insolita, tendo sido casualmente descoberto pelo seu dentista, o qual lhe chamara a atenção sobre estranha deformação de que era portador. Até então nunca sofreu da garganta, e apesar de tudo, considera-se forte e bem disposto.

Ao exame, notamos um volumoso tumor, liso e de contornos regulares, enchendo toda a loja amigdaliana esquerda, exatamente colocado entre a amigdala e a parede lateral da faringe. O istmo da garganta apresentasse acentuadamente asimetrico. A uvula desviada para a direita repousa sobre a massa tumoral. Os pilares estão bastante bombeados e apagada a ogiva superior formada pelo encontro dos mesmos. A amigdala deixa-se ver projetada para dentro, para baixo e um pouco para adiante. O tumor ocupa tambem uma grande porção do orofaringe, deixando perceptível, apenas, uma pequena parte da parede posterior desta região. O aspecto da mucosa é normal. Pelo toque digital, a consistência do tumor é dura, móle e flutuante em alguns pontos. Ele é pouco movel sobre os planos profundos, entretanto, a mucosa que o reveste desliza facilmente em sua superficie. Os gânglios cervico-faciais não são palpaveis e nem observamos qualquer modificação para o lado do pescoço. O estado geral do paciente é bom.

Em virtude das condições favoraveis inerentes ao caso, sobretudo, por se tartar clinicamente de um tumor benigno, decidimos a intervenção, a qual foi realizada no dia 9 do mesmo mês.

Sob anestesia local, atravez a mucosa velo-palatina, abordamos o tumor pela sua face anterior, por meio de duas incisões superficiais em forma de fuso alongado. Isso feito, dissecamos os rebordos da ferida, e aproveitando de um lado e do outro os planos de clivagem, com uma tezoura curva e consequente afastamento dos seus ramos, conseguimos em grande parte o descolamento do tumor. Dadas as aderencias ao nivel do pólo inferior, mesmo por certas dificuldades de extração, fixamos fortemente a massa tumoral por meio de uma pinça de Musset e finalmente completamos seu desprendimento com o dedo indicador. Deste modo, e muito rapidamente, retiramos todo bloco neoplasico, o qual se mostrava envolto por uma capsula resistente, medindo em seus três diametros,5 X 4 ¹/2 X 4 ¹/2 (fig. 2). A inspecção da região, observamos que a cavidade ocupada pelo tumor apresentava a parede aponevrotica da faringe lisa e sem esfacelos. A amigdala, que alias não participava do processo, presa aos pilares e a base da lingua, pendia na referida cavidade.

Apezar do áto operatorio ter decorrido sem maiores novidades, duas horas após sobreveio abundante hemorragia, que somente cedeu ao tamponamento cerrado da cavidade e imediato pensamento dos labios da incisão. Depois de 24 horas as pinças foram soltas e o tamponamento retirado nas outras 24 horas seguintes. As sequencias foram ótimas e a cicatrização se efetuou em poucos dias.

O exame histo-patologico foi feito graças à gentileza do Dr. Constantino Mignone, docente-livre de anatomia patologica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Seu texto consta do seguinte: o exame histo-patologico revela tratar-se de uma neoplasia constituída por tecidos com varios aspectos. Salienta-se a presença de cordões celulares de varios tamanhos e formas, isolados ou anastomosados, cruzando toda a espessura dos preparados. Estes cordões celulares, às vezes, dispõem-se em massas solidas, onde os elementos se apresentam todos de aspecto e de forma mais ou menos equivalentes: poliédricos, de protoplasma abundante e nucleo vesiculoso, redondo ou oval. Outras vezes, nestes brotos celulares, as celulas mais centrais diferenciam-se sucessivamente nos diferentes elementos da camada cornes do epitelio pavimentoso pluriestratificado, dando formação a verdadeiras perolas córneas (diferenciação epitelial). Outras vezes, ainda na parte central dos brotos epitelisis diferencia-se uma cavidade, contendo frequentemente uma massa homogeneamente corada em róseo, acompanhada de numerosos globulos brancos. As celulas, que limitam estas luzes, apresentam arranjo endoteliforme. Para fóra desta camada endoteliforme, as demais celulas dispõem-se em estratos concêntricos ou com certa frequencia em arranjo radiaria (disposição periteliomatosa). Nua interstícios destas partes epiteliais existem faixas de espessura variavel de tecido colágeno. Em muitos pontos notasse a presença.de uma substancia fundamental amorfa e acidofila, onde os elementos celulares, raros, estão contidos em cavidades arredondadas (tecido condróide). Finalmente, em outras zonas existem áreas caracteristicas de tecido mixomatoso com seus típicos elementos celulares estrelados.

Diagnostico: Tumor mixto (predominancia do aspecto linfo-angioendoteliomatoso).

Assinado: Dr. Constantino Mignone.

Observação n.° 2. Honório S. A., preto, casado, brasileiro, com 41 anos e residente neste município de Uberaba - Estado de Minas Gerais. Consulta em 29 de Dezembro de 1937, a conselho do Dr. Cacildo Rodrigues da Cunha, acatado e proficiente clinico desta cidade.

Informa que é portador de um "caroço" no céu da boca e proximo da garganta ha cerca de 5 anos, acrescentando que seu crescimento se fez rapidamente nestes dois ultimos meses. Julga-se possuidor de excelente saude, apenas sentindo os incômodos decorrentes da localização e volume do referido "caroço".

Verificamos pelo exame, a existencia de um tumor saliente, cupuliforme, liso e de contornos regulares, localizado na metade direita do vou, junto à abobada, sem no entanto ultrapassa-Ia. Sua consistência é dura, mole e flutuante em determinados pontos. A mucosa que o reveste, de aspecto normal, desliza com facilidade sobre seu bojo. Deixa-se mobilizar com certa dificuldade, dando a impressão que se insinua profundamente.



Fig. 1- Obs. 1- Desenho esquemático.



Fig. 2- Obs.1- Aspecto macroscópico do blastoma, após remoção cirúrgica.



Fig. 3- Obs. 1- Arranjo endoteliforme das células em torno de uma cavidade central. Disposição periteliomatose das celulas mais externas.



Fig 4. Obs.1- Substancia fundamental amorfa e acidofila, englobando raros elementos celulares (tecido condroide).



fig. 5- Obs.1- Cordões celulares anastomosados, alguns providos de cavidade central, contendo substancia corada pela eosina.



Fig. 6- Obs. 2- Desenho esquemático.



Fig. 7- Obs. 2- Aspecto macroscópico do blastoma, após remoção cirúrgica.



Fig. 8- Obs. 2- Cordões epiteliais, células adiposas (tecido gorduroso) e tecido conjuntivo fibroso, traduzindo a complexidade estrutural do blastoma.



Fig. 9- Obs. 2- Tecido mucoso, parte integrante do blastoma



Fig. 10- Obs. 3- Desenho esquemático.



Os gânglios cervico-faciais são impalpáveis. O doente aparenta ótimo estado geral.

A intervenção feita sob anestesia local, decorreu normalmente: duas incisões superficiais em fuso; descolamento do tumor pelo afastamento dos ramos de uma tezoura curva; apreensão do bloco neoplasico por meio de uma pinça de Musset e seu consequente desprendimento digital, foram em linhas gerais o que constou do áto operatória. O tumor revestido por capsula propria, foi extirpado com muita facilidade, deixando como vestígio, uma profunda loja obliquamente orientada para cima, para fóra e para traz, atravez da qual se podia ver a musculatura da região em que ele estava contido. Seu conjunto media 4 X 3 ¹/2 X 3 ¹/2 (fig. 7). Abstivemo-nos de suturas e tamponamento. Dias após o doente teve alta com a ferida operatoria completamente cicatrizada.

O exame histo-patologico, como no caso anterior, devemos ao Dr. Constantino Mignone, cujo laudo foi o seguinte: histologicamente trata-se de uma neoplasia que reproduz aspectos polimorfos dos tecidos em proliferação. Grande parte destes ultimos é constituiria por massas celulares sólidas, cujos elementos apresentam os nucleos redondos ou ovóides, vesiculosos, mais raramente hipercromaticos. O protoplasma é pouco nitido assim como os limites celulares. Em muitas areas destas massas celulares se dispõem sob a forma de cordões alongados, e regulares na forma e tamanho e em disposição desordenada. Aqui as celulas tendem a forma nitidamente alongada. No interior das mesmas diferenciam-se cavidades revestidas ora por celulas achatadas, endoteliformes, ora por celulas cubicas, glanduliformes. Na luz das cavidades notam-se muitas vezes massas hialinas, homogeneamente gradas em roseo. Ao lado das partes já descritas, integra o parenquima tumoral um tecido mucoso disposto em áreas focais, que se intercalam com os cordões celulares. Num ou outro ponto, veem-se ainda pequenas ilhas de tecido gorduroso. Na periferia da neoplasia, nota-se à guiza de capsula, uma faixa de tecido fibroso.

Diagnostico: Tumor mixto.

Assinado: Dr. Constantino Mignone.

Observação n.° 3. Julia R., Branca, casada, brasileira, com 38 anos e residente em Catalão - Estado de Goiás. Consulta em 23 de Janeiro de 1938.

Conta que ha 6 anos mais ou menos notou uma pequena saliência na garganta, que pouco a pouco foi crescendo até atingir o tamanho atual. Refere-se ao enorme mal estar que essa tumefação lhe proporciona, como tambem a modificação de sua voz, a qual nos ultimos meses tomou uma feição anasalada. Considera sua doença bastante esquisito, porquanto nunca sentiu dores e nem tão pouco inflamações de garganta.



Fig. 11- Obs. 3- Aspecto macroscópico do blastoma, após remoção cirúrgica.



Fig. 12- Obs. 3- Finos cordões de celulas de epiteliaid, apresentendo em certos pontos, uma cavidade central, contendo substancia homogenea, eosinofila.



Fig. 13- Obs. 3- Células epiteliais diferenciadas no sentido de celulas espiculadas. Em uma das margens, celulas epiteliais queratinizadas.



Fig. 14- Obs. 3- Tecido mucoso, parte integrante do blastoma.



O exame evidencia um tumor ao nivel do pilar anterior direito do véu do paladar, com todas as caracteristicas tumorais dos casos anteriores. O bloco projeta-se para o lado bucal, porem, faz tambem saliencia para dentro e para baixo, com isso, dando garganta.

Intervimos seguindo às normas do costume, isto é, de modo identico aos casos referidos anteriormente. As dimensões do tumor eram as seguintes: 3 ¹/2 X 3 ¹/2 X 3 (fig. 11). A alta foi dada a pedido com a cicatrisação quasi por se completar.

Devemos às atenções do Dr. A. Penna de Azevedo chefe de laboratorio do Instituto Oswaldo Cruz, o exame histo-patologico. Ei-lo: o exame histo-patologico do corte revela a estrutura de um blastoma complexo, constituido pela proliferação de tecido mucoso, osseo (em pequena quantidade) e epitelial. As celular epiteliais ora são pouco diferenciadas, mais do tipo basal, ora em pequenas areas apresentam diferenciação no sentido da produção de celular espiculares. Em algumas regiões, observa-se,que as celular epiteliais se orientam em torno de uma luz central, contendo substancia homogenea, eosinofilía. O estroma do tumor apresenta em algumas regiões, degenerescencia hialina. Uma capsula fibrosa reveste regularmente o blastoma.

Diagnostico: Mixo-osteo-carcinoma (tumor mixto do tipo de glandula salivar).

Assinado: Dr. A. Penna de Azevedo.

Sob o ponto de vista anatomo-patologico, os tumores mixtos apresentam a interessante particularidade de nunca mudarem suas caracteristicas fundamentais, qualquer que seja o setor orgânico em que se desenvolvam. Eles são quasi sempre encapsulados, não entrando por isso em relação de continuidade com os tecidos vizinhos. Teem geralmente a forma arredondada, ovóide ou muito raramente se mostram lobulados. Sua consistência é dura, porem, comumente se observam pontos moles e flutuantes. O volume varia conforme o periodo da evolução, com tudo, ao nivel do véu do paladar, teem sido observados tumores, cujo tamanho oscila entre um grão de ervilha e uma laranja. Quando cortado, oferecem maior ou menor resistencia ao gume afiado do instrumental, deixando ver na superficie de seção áreas isoladas, nitidamente distintas em aspecto e coloração: massiças e de coloração nacarada, caracteristicas do tecido cartilaginoso; solidas e brilhantes, proprias da trama conjuntiva-fibrosa; gelatinosas, transparentes, viscosas e amareladas, constitutivas do tecido mixomatoso; moles e acinzentadas, do tecido epitelial. Alem disso, de modo não muito excepcional, zonas de calcificação e formações cisticas ou necroticas, integram a massa tumoral. Histologicamente, esses tumores se distinguem, tanto pela heterogeneidade de tecidos que entram em sua constituição. quanto pelo caráter sistematoide com que proliferam seus elementos celulares.

Com maior ou menor frequencia, são vistos nos tumores mixtos, tecidos de natureza categoria as mais diversas, os quais, segundo MacFarland, esquematicamente, foram assim discriminados:

Tecido conjuntivo:

Cartilagem de varios tipos
Tecido mucoso de varios tipos
Tecido fibroso
Osso (raramente)
Tecido adiposo (muito raramente)
Tecido muscular (muito raramente)
Tecido linfoide (muito raramente)

Tecido epitelial:

Epitelio glandular (quasi sempre)
Epitelio escamoso (na maioria dos casos).

Dentre essa multiplicidade de tecidos, os tipos mucosos, cartilaginoso, epitelial glandular e epitelial escamoso, são os mais frequentemente encontrados. Com referencia a predominancia dessas variedades sobre as outras, Eggers fez um estudo analítico dos seus 92 casos, encontrando em 84 tumores a presença do tecido epitelial glandular; em 70, o tecido mucoso; em 35, cartilagem; e em 32, tecido epitelial escamoso. Somente em 12 casos, acrescenta o autor, foram constatadas todas as quatro especies de tecidos, enquanto nos outros havia ausencia de uma ou mais dessas formações tissulares.

Proliferando de maneira autoctona, reunidos em as duas modalidades, epitelial e conjuntiva, consoante a opinião de Barbacci, esses tecidos constituem o parenquima tumoral, sendo o estroima representado por vasos e uma trama conjuntiva geneticamente independente daquela considerada parenquimal. Ao microscopio, os elementos epiteliais ora se apresentam sob o aspecto de cordões mais ou menos espessos, isolados ou anastomosados, cruzando toda a neoplasia, ora tomam a feição de massas solidas ou de verdadeiros tubos. Esses elementos celulares, geralmente pouco diferenciados, são poliédricos, cubicos ou alongados, glanduliformes, ou achatados, endoteliformes, formados de protoplasma mais ou menos abundante e nucleo vesiculosos, redondo ou oval. As vezes, na espessura desses cordões, os elementos epiteliais se diferenciam no sentido da produção de celulas espiculares, dando formação a verdadeiras perolas corneas. Outras vezes, salientam-se cavidades no interior dos conjuntos celulares, as quais se encontram cheias de substancia hialina, homogeneamente coradas em roseo. Nos intervalos das formações epiteliais, abundam em areas focais, as multiplas variedades de tecido conjuntivo com seus tipicos elementos caracteristicos, ou quanto mais, elementos celulares diferenciados na especie sarcomatosa. Estruturas cilindromatosas e periteliomatosas podem ser observadas, estas ultimas, sobretudo, nas formações tumores recidivantes.

A interpretação da parte parenquimal do tumor, tem dado motivo a numerosas discussões. Alguns autores acham que os elementos não são mais que endotélio proliferante, outros ao contrario, argumentam serem eles autênticos epitelios. Quanto a participação conjuntiva na textura parenquimatosa, ela é negada por determinados oncologistas, enquanto outros a aceitam como um fato consumado. Enfim, inerente ao conceito da metaplasia, outras tantas hipoteses teem sido invocadas para explicar certas ocorrências dentro da histogenia desses blastoma.

Muito controvertida tambem é a questão que diz respeito à origem dos tumores mixtos. As opiniões são numerosas, as quais expressas em teorias podem ser assim resumidas:

a) Teoria endotelial. E' a teoria de Volkmann, o qual sustenta serem os tumores mixtos, verdadeiros endoteliornas, formados às custas, quer do endotelio linfatico, hipotese admitida pelo proprio Volkmann, Trolestro, Curtis e Phocas, Bose e Jeanbrau e Tonarelli, quer do endotelio sanguineo, argumento lembrado por Kolaczek e Evetzky. A existencia dos tecidos mucoso e cartilaginoso por essa teoria, seria resultante da metaplasia do estroma tumoral. Semelhante teoria aos poucos vem caindo no abandono, por quanto, nem todos os tumores mixtos apresentam os caracteres dos endoteliomas.

b) Teoria embriogenia. A origem desses tumores estaria ligada aos restos ectodermo-mesenquimais isolados em periodo relativamente tardio ao seu desenvolvimento. Em tais condições, o tecido conjuntivo adveria da parte mesenquima e o epitelial da ectodermal. Essa teoria foi admitida por Wilms e conta com numerosos adeptos, inclusive MacFarland. Um valioso argumento em favor dessa teoria, sem duvida, é o que diz respeito a presença dos diferentes tecidos no rudimento ou primórdio de tais tumores.

c) Teoria embriogenia dos restos glandulares. Hinsberg considera os elementos embrionarios como restos glandulares isolados e que posteriormente se desenvolveriam em blastomas. Essa teoria é uma variante da anterior.

d) Teoria branquial. A origem embriogenica está aqui tambem presente, entretanto, Cuneo e Veau veem os tumores mixtos como simples branquiomas. Vignard e Mouriquand, Fredet e Chevassu são da mesma opinião.

e) Teoria epitelio-landular. Segundo Planteau, a origem dos tumores mixtos dependeria unica e exclusivamente das celulas glandulares adultas. Contestando em parte essa teoria, baseado em estudos experimentais, Fraser restringiu a concepção de Planteau, concluindo serem esses blastomas derivados tão somente das celulas dos duetos das glandulas . é que a cartilagem é formada por metaplasia dos elementos epiteliais. Fry tem como certa a origem epitelio-glandular, todavia, não admite ser verdadeira a presença do tecido conjuntivo, o qual aparentemente entra na formação do parenquima neoplasiao, mas que na realidade não é outra cousa senão o produto da secreção dos elementos glandulares. Outrossim, afirma que "os assim chamados tumores mixtos", não são realmente mixtos, porem, inteiramente epiteliais de origem.

Considerando à parte os tumores do veu do paladar, o aspeto doutrinario em nada se modifica, contudo, a tendencia moderna é aceitar a origem dessas neoplasias na dependência do epitelio glandular adulto de que são constituídas as glandulas muciparas daquela região. No tocante a histologia, Barbacci diz que eles se mostram menos complexamente formados que seus congeneres localizado nas glandulas salivares. Em aditamento a tal ponto de vista, de acôrdo com Eggers, esses tumores reproduzem com muita frequencia o aspeto glandular, no mais, apresentam uma mais baixa incidencia de cartilagem e alta percentagem de epitelio escamoso que os das parótidas e glandulas sub-maxilares e sub-linguais.

O tumor mixto do veu do paladar, normalmente evolue de maneira lenta, continua e progressiva, a não ser que fatores de ordem externa, sobre tudo traumaticos, perturbem seu ritmo de crescimento. Como consequencia de semelhante comportamento biologico, de inicio, ele se mostra latente, passando mesmo desapercebido ao doente durante alguns anos. Segue-se um periodo de fenomenos objetivos, e desde então o tumor é nitidamente visivel. Nestas circunstancias, a atenção do paciente é dispertada por uma tumefação unilateral, seja junto ou nas proximidades da abobada, seja no pilar anterior. A saliencia é lisa e de contornos regulares, ao nivel da qual, a mucosa que a reveste tem aspecto normal e com facilidade escorrega em sua superficie. O bloco tumoral, perfeitamente circunscrito, não contrai aderencias com os tecidos vizinhos, deixando-se mover mais ou menos em relação aos planos adjacentes. Sua consistencia é dura e elastica, às vezes, com pontos moles e flutuantes. Em regra geral, o tumor se desenvolve para o lado: bucal, entretanto, com o suceder dos anos, ele pode ganhar profundidade e invadir a fossa pterigomaxilar, a loja amigdaliana, a região parotidiana, etc. Já nesta fase extensiva, ele faz saliência no pescoço e projeta-se mais volumoso na faringe, dando as referidas regiões, uma feição deformada. Os disturbios da voz, da deglutição e da respiração, em tais condições, estão sempre presentes. Enfim, o doente queixa-se de uma constante e desagradavel sensação de corpo estranho na garganta, contudo livre de toda e qualquer dor. Os gânglios cervico-faciais nunca se infartam.

O diagnostico não oferece dificuldade em face os tumores malignos, cuja evolução é rapida e de caráter evasivo e ulcerante; ademais, eles provocam dores e sempre se acompanham de engorgitamento ganglionar.

Às vezes, torna-se embaraçoso diferencia-lo dos cistos e outras formações benignas, todavia, os sintomas objetivos são de certo modo bastante significativos para se concluir em definitivo.

A confusão com uma goma sifilítica não se justifica, dado o aspéto congestiva, difuso e tendente à ulceração que caracteriza semelhante entidade morbida.

Conquanto os tumores mixtos mostrem sinais caracteristicos de malingnidade, clinicamente, portam-se como blastomas benignos. O carater evolutivo lento e sua longa duração, ao par de outras razões anatomo-clinicas são o atestado frisante da benignidade dessas neoplasias.

A transformação maligna pode se dar, mas essa cancerisação jamais atinge todos os componentes histologicos do tumor. Ela é sempre unitissular, sendo mais comumente observada a reprodução dos epiteliomas espino-celulares e dos estratificados glandulares atípicos. As degenerações sarcomatosas são
mais raras, e entre todas, se sobressaí a variedade fibro-blastica.

Segundo Wood, 25 % dos tumores mixtos da região cefalica apresentam indicios de transformação maligna. Fry diz que alguns tumores mostram diversas modalidades de malingnidade, porem, reconhece ser tarefa dificil chamá-lo de benignos ou malignos. Levando em conta a tendencia invasora com que os elementos conjuntivos procuram afogar os epiteliais, Berger considera-os benignos. Outros autores menos extremistas, veem esses blastomas como uma transição anatomica entre os tumores benignos e os malignos. Para MacFarland, eles são positivamente benignos. Referindo-se ao assunto, são suas ás seguintes conclusões:

a) Os tumores mixtos são inerentemente benignos, mas, acontece que após excisão ou seu frequente traumatismo, tornam se localmente destrutivo e invasor, sem no entanto dar metastases.

b) O rapido desenvolvimento de um tumor mixto de longa duração e lento crescimento, não indica transformação maligna.

c) A transformação maligna, quer sarcomatosas ou carcinomatoso em um tumor mixto, deve ser rara e sua ocorrência dificil de provar.

d) Intervalos de 10, 20 ou 30 anos, podem decorrer entre a extirpação cirurgica de um tumor mixto e sua reaparição, de forma que, toda cautela deve ser tomada quando se falar em cura.

Entre os 92 casos de tumores do veu estudados por Eggers, em 2 apenas, foi constatado o aspecto recidivantes e invasor do tumor. Por esta cifra, a qual não chega a 2 %, pode-se concluir, sem incorrer em erro, que os tumores do paladar tendem muitíssimo menos a essa aparente malignidade que os das glandulas salivares, cuja incidencia atinge 25 Te dos casos, de acôrdo com MacFarland. Considerando mais de perto este ponto de vista, o motivo está no simples fato da localisação, pois, em consequencia dos varios disturbios funcionais impostos pelos tumores do paladar, resultaria, sem duvida, o diagnostico precoce e consequentemente uma mais facil remoção cirurgica.

O tratamento dos tumores mixtos não deve ser outro, senão o cirurgico. Sua extirpação é por demais simples, facilitada em grande parte graças a espessa e resistente capsula que o separa dos tecidos vizinhos.

A intervenção geralmente se faz sob anestesia local. Após incisão da mucosa, o tumor é descolado, fixado às garras de uma forte pinça e em seguida enucleado pelo dedo ou pelo proprio instrumental que serviu ao descolamento.

Dadas as circunstancias do tumor invadir a loja amigdaliana, a fossa pterigo-maxilar ou mesmo avançar no espaço maxilo-faringeu, a remoção ainda pode ser efetuada normalmente sem que seja necessario recorrer à via extra-oral. Haja vista um crescimento excessivo da neoplasia, sobretudo nos casos em que a massa tumoral faz saliência no pescoço, torna-se imprescindível utilisar a via externa, sendo então aconselhavel a incisão jugal de Jaeger ou o acesso pela região sub-maxilar ou parotidiana. Em todas essas variantes, convem o cirurgião estar lembrado sobre as possibilidades de recidivas, por isso, toda precaução deve ser tomada no ato operatorio, para não deixar qualquer porção do bloco neoplasico escapar ao seu encapsulamento.

Tendo em conta, finalmente, o carater histologico da malignidade de alguns tumores mixtos, a radioterapia se impõe como complemento do tratamento cirurgico, cuja indicação, ao nosso ver, se afigura oportuna e indispensavel. Foi o que aconselhamos aos nossos três operados. Deles temos tido sempre noticias, em condições tais que se torna preciso afirmar, estarem até a presente data completamente curados.

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(*) Chefe do serviço de O. R. L. da Santa Casa de Uberaba Estado de Minas Gerais.

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