Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (36º)

Seção: Nota Prévia

Páginas: 683 a 688

 

GUNDÚ E OSTEITE HIPERTROFICA DEFORMANTE. CONTRIBUIÇÃO ANATOMO-PATOLOGICA

Autor(es): ARISTIDES MONTEIRO (*)

TRABALHO DA CLINICA OTO-RINO-LARINGOLOGICA DA UNIVERSIDADE DO BRASIL
CATEDRATICO: PROF. JOÃO MARINHO


Desde ha muito que nos interessa o problema da etiologia da osteite pianica, porque nos parece que uma vez eluciadade este ponto muito se poderá fazer no terreno da profilaxia e tratamento do gundú.

Como sabemos Botreau-Roussel que mais se preocupou com o assunto, não conseguiu que as peças operatorios de seus cento e treze casos chegassem a salvo em França, pois foram desviados no seu percurso e não fora umas poucas que ele guardara consigo e seu magnífico trabalho teria esta grande falha na sua feitura.

Para o acervo de casos que o major medico militar francês operou, nada representam como conclusão definitiva os poucos que o Prof. CORNYL de Nancy estudou. Esse autor ao terminar o exame anatomo-patologicos das peças, acaba dizendo: "que o Gundú não é um tumor na acepção anatomopatologica do termo, e simplesmente hiperplasias osteogenias inflamatorias; estas hiperosteoses apresentam caracteres comparáveis aos da osteite sifilítica e finalmente dado o parentesco biologico entre o treponema pertenue e o da sifíle, seria possivel, diz o professor de Nancy, de sustentar, baseando-se nos caracteres histologicos, das lesões ósseas, a origem pianica do gundú.

DURANTE que tambem examinou uma peça operatoria de J. N. ROY, depois de fazer algumas considerações sobre a descrição do que observou, acha que se trata de um processo de inflamação cronica hiperplastica, do tipo inflamatorio, de evolução cronica.

Como vemos, afasta-se um pouco DURANTE da conclusão de CORNYL. Enquanto que este vê nos casos que examinou, modificações trabeculares e medulares comparaveis ás da osteite sifilitica, aquele, nada mais observa que uma inflamação cronica hiperplastica sem carater de especificidade.

ECKERT dá-nos uma descrição minuciosa dos seus casos. Encontra um periosteo fortemente expessado com vasos dilatados, infiltração de pequenas celulas em focos circunscritos e em alguns lugares degeneração hialina do tecido celular compacto. No tumor encontra-se uma pequena superficie compacta, ramificada, de trabeculas osseas com tecido celular preso em suas malhas. MENDES vê entre estas ultimas, celulas mononucleadas de tamanho igual de tipo embrionario. Até aqui estas celulas não foram observadas por nenhum autor.

LINDENBERG no caso de MANGABEIRA-ALBERNAZ depois de uma descrição minuciosa, termina por dizer que se trata de uma neoformação espongiosa exuberante verdadeira por hiperplasia osteoplástica da diploe dos ossos. Seu diagnostico assemelha-se muito ao de DURANTE que termina o seu laudo no caso de ROY, dizendo que se trata de "uma osteite cronica, espongiosa exuberante verdadeira.

AGEU MAGALHAES no caso de JORGE LOBO descreve o exame microscopico com as seguintes palavras: "os cortes examinados, mostram laminas ósseas irregulares de espessura desigual dispondo-se á maneira dos ossos esponjosos, circunscrevendo cavidades onde, ora se encontra um tecido conjuntivo frouxo com ausencia de infiltrações, ora um tecido mais compacto, fibroso fortemente infiltrado de plasinocitos, linfocitos e celulas de morfologia variavel, por vezes comparaveis a macrofagos. Em muitos pontos este tecido se mostra fortemente hiperemiado, e muitas vezes percebem-se formações celulares grandes de natureza pouco precisavel, talvez megariocitos alterados."

GASTÃO SAMPAIO, estudando o caso de ROBERTO MARINHO, descreve o achado histologico nos seguintes termos: "O corte histologico mostra tecido osseo recoberto por periosteo muito espaçado, fibroso e dotado de abundante vascularização. A seguir veem-se largas faixas constituirias por trabeculas osseas, coradas intensamente em roseo pela ensina e resultantes do funcionamento e da nova formação da substancia ossea. A grande quantidade de osteoblastos nelas existentes justifica o seu elevado grau de hipertrofia.

"A medula ossea apresenta um tecido celulo-fibroso, irrigado por grande numero de vasos sanguineos extasiados e alguns muito engorgitados.

"Como se pode ver na figura acima, a substancia medular, delimitada por espessa camada de tecido osseo grandemente hipertrofiado, apresenta uma infiltração difusa por celulas redondas, denunciando um processo cronico do tipo linfocitaria, unica lesão encontrada na preparação histologica examinada".

Todos os que estudam cortes de peças, retiradas de pretendidos casos de gundú notam que ha uma fibrose típica, sempre constante, invadindo o osso e a substancia medular. Nos casos de leontiasis ossea esta fibrose tambem se nota e autores alemães como Fraugenheim consideram-na como elemento primordial no diagnostico histologico.

O nosso primeiro caso de osteite hipertrofica deformaste foi publicado em 1934, em artigo intitulado "Contribuição ao estudo do Gundú", o doente era de raça negra, com Wassermann e Hetech negativos. As peças histológicas fornecem reparos interessantes, conforme descreve GASTÃO SAMPAIO: "nas traves osseas verifica-se uma hipertrofia acentuada, havendo uma invasão de tecido fibroso espesso que partindo das trabéculas se continua pela intimidade da medula, que assim se torna francamente fibrosa.

Alem deste achado tambem se observa um "exudato inflamatorio com predominancia de plasmocitos e de preferencia orientados em torno dos vasos."

Esta perivascularite digamos assim, é tipica dos processos sifiliticos bastando, as vezes, para se fazer o diagnostico de sifíle. Não importa que o paciente tivesse o Wassermann negativo, si bem que reativada. Apesar disto fizemos-lhe um tratamento de grama e trinta e cinco centigramo de arsênico intercalado com bismuto. Não regrediram as lesões hipertroficas do maxilar superior.

O nosso segundo caso é o que agora apresentamos:

A.P. homem, preto, de 40 amos, procurou o Hospital S. Francisco de Assis para se "livrar daquelas coisas duras quê tinha junto do nariz". Examinamos o paciente e verificamos que de fato ele apresentava um processo osseo hipertrofico que se localisava nas apofises ascendentes dos maxilares superiores. Não era doloroso á pressão. Nariz livre de secreção, boa permeabilidade. Wassermann e Kant positivos. Nega antecedentes lueticos. Contagem global e especifica pormais. Exame clinico nada de anormal se encontrou. O Raio X deu espessamento das apofises montantes do maxilar.

Internamos o doente para trata-lo e opera-lo com fito de mais um estudo anatomo-patologico dos pretendidos casos de gundú. Injetamos 2,50 gramas de neosalvassan com 1 grama de bismuto, sem se alterarem as condições locais da molestia. Satisfeito o lado estetico do doente retiramos abundante material, para nossos estudos. Queríamos verificar a natureza das lesões que iamos encontrar, si eram diferentes das do primeiro cão, e do caso Roberto Marinho Filho.

Verificamos nos cortes efetuados e coroados por Hematoxilina-eosina que se partindo da periferia para parte central, vê-se um tecido conjuntivo em degeneração hialina, mostrando vasos ainda não atingidos pele processo degenerativo. Logo após encontramos feixes de fibras musculares que recobrem a porção mais externa do periósteo que é constituido por largos feixes de tecido fibroso ora bem destacados e correndo paralelamente, ora confluentes apresentando o mesmo tipo de degeneração.

Na zona de limite entre o periosteo e o tecido esponjoso encontramos uma infiltração por celulas redondas, destacando nitidamente em leve camada esta zona de separação.

No tecido osseo vemos as traves muito espessadas, de bordas irregulares, ricas em osteoblasto. Ha zonas em que elas se fundem circunscrevendo pequenas ilhotas de tecido medular. Este com grande numero de vasos apresenta uma acentuada hiperplasia de seus elementos colagenos. Nesta região o processo inflamatorio crônico esboçado na zona limitrofe acha-se bem aumentado. Numerosas celulas plasmaticas encontram-se aí discriminadas e com orientação nítida para o contorno dos vasos.

Deste exame se conclue a existencia de um processo crônico do tipo
plasmocitario com o carater especifico como nos encontrados na sifíle.

Mais uma vez a anatomia patologica com seu relatorio a acentuar um processo crônico do tipo plasmocitario e perivascularite, sinais mais que evidentes para se pensar em afecção sifilítica.

Dos três casos observados no Hospital S. Francisco de Assis, dois nossos e outro de Roberto Marinho Filho, ha sempre presente uma fibrose intensa que caracterisa em parte as lesões observadas. Nos nossos dois casos havia ainda a perivascularite, encontradiça nas lesões sifiliticas, apresentando-se ambos os casos como um exudato inflamatorio com predominancia de plasmocitos e de preferencia orientados em torno dos vasos. No de Roberto Marinho não havia esta disposição tipica de perivascularite, e sim uma lesão constituida por um processo cronico do tipo linfocitario.

Nos três casos citados, ha a descrição de um processo inflamatorio cronico sem caracteristicas proprias. No caso de MANGABEIRA ALBERNAZ tambem havia um tecido osseo esponjoso, daí o final de LINDENBERG que fez os estudos histologicos das peças examinadas "neoformação esponjosa exuberante verdadeira. Assemelha-se grandemente ao encontrado por DURANTE em casos de gundú".

O caso de JORGE LOBO é o que até agora consideramos o mais completo porque se seguiu até a necropsia. Pena é que o exame histologico só se tenha limitado ao osso, não sendo examinado o periosteo. O interessante no caso é que o doente era um sifilitico, como foi verificado enquanto esteve internado, WasserMann no sangue com quatro cruzes, e mais tarde confirmado pela necropsia, pois entre outras lesões, havia "aortite sifilítica, arteriosclerose da aorta, com espaçamentos ateromatoso da tricúspide, sigmóides e mitral com estenose."



Fig. 1- Doente de frente.



Fig. 2- Doente de perfil.



Fig. 3- Radiografia de frente.



Fig. 4- Radiografia de perfil mostrando o espessamento da apofises montantes do maxilar superior.



Fig. 5- Aspecto geral do corte.



Fig. 6- Zona limitrofe entre o periosteo e o tecido esponjoso, mostrando a infiltração por celulas redondas.



Fig. 7- Zona de tecido medular em que se vê a infiltração linfo-plasmocitaria.



Este caso de raça negra, é para nós o mais lindo e concludente caso do gundú que conhecemos. Os dois tumores para nasais do paciente são do mesmo tipo dos encontrados nos casos de BOTREAU-ROUSSEL. Neste caso o Wassermann controlado pelo Sachs-Georgi e as lesões anatomopatologica verificadas na necropsia falam em favor do gundú, ou melhor da osteite hipertrofica deformaste, ter origem luetica. A descrição de AGEU MAGALHAES não é concludente quanto a sifíle ou não insinua como Gastão Sampaio a provável natureza sifilitica do achado histologico.

O que podemos concluir é que nos nossos dois casos os exames histologicos nos fornecem dados que se podem presumir uma estreita relação entre a sifíle e a osteite hipertrofica deformante. Si no nosso primeiro doente o Wassermann foi negativo e no segundo positivo, isto não altera a nossa idéa do parentesco entre as duas molestias, por isso que, ha casos patentes de lues com Wassermann negativo. O segundo dos nossos observados com Wassermann e Hetsch positivos não se alterou quanto ao local das lesões, apesar do nosso intenso tratamento arseno-bismutico. Nenhum deles nos antecedentes pessoais acusava bouba ou molestia similar. Ambos negavam passado sifilitico.

Pouco conseguimos no que concerne a um resultado positivo quanto a lesões tipicas nos casos pretendidos de gundú. Dos casos nacionais que foram relatados como contribuição ao estado do gundú nenhum deles pode ser considerado como tal. Aliás, façamos justiça aos seus autores, pois todos eles e são Souza Mendes, Mangabeira-Albernaz, Roberto Marinho Filho e nós, concluímos como osteite hipertrofica deformante, leontiasis ossea. O caso de Jorge Lobo porem é de tal natureza que me parece o unico típico desta doença dos que conheço descrito no Brasil. E tanto mais interessante porque tratava-se de um heredo sifilitico, cuja molestia começou a evoluir aos dezoito anos de idade. O pae morto porasfixia provavelmente asistolia, pois assim que a gente do povo assim a designa, e a mãe com dois abortos falam à esse favor, apesar do negativismo pessoal do doente quanto aos seus antecedentes venereos.

Concluindo, em todos os exames histologicos dos casos nacionais rotulados ou não de gundú e leontiase ossea, ha uma lesão constante: uma hiperplasia ossea que se assemelha a um tecido esponjoso com uma fibrose dominante e infiltração plasmocitarìa, ás vezes intensa e perivascularite.

Esta é em si a predominancia das lesões observadas em ultima analise. E' um quadro histologico que se encontra nas afecções cronicas e processos inflamatorios. Não se pode pois a luz dos conhecimentos atuais fazer uma distinção histologica entre gundú, leontiasse ossea ou osteite hipertrofica deformante.

Clinica e radiologicamente falando, temos dados bastantes para rotular este ou aquele caso, mas ha os difíceis, nos quais falham todos os dados anameneticos e sinais objetivos, permanecendo sempre as mesmas duvidas. Com o exame retrospectivo que fizemos dos casos nacionais que conhecemos e lendo com atenção os laudos histologicos das peças operatorios, achamos que ainda não estamos de posse de conclusões indiscutiveis para que possamos diagnosticar com segurança gundú ou leontiasse ossea. Ainda é o conjunto de dados clinicos, anameneticos e de laboratorio que nos podem auxiliar. A histo-patologia ainda é nebulosa nesse particular, por não apresentar um quadro tipico de uma doença unica. Não é com uma fibrose, uma osteite cronica esponjosa e perivascularite que podemos afiançar que se trata desta ou daquela doença, pois como vemos, o clima de todas elas condiciona aqueles achados histologicos. Disto estamos agora convencidos até que novos estudos provem o contrario.

BIBLIOGRAFIA

BENJAMINS, C. E. - Die Tropenkrankheiten der Luftwege und der Mundhohle. Denker e Kahler Bd IV. 5.612. 1928. Springen. Berlin.
BOTREAU-ROUSSEL - Ostéites pianiques. Goundú. Masson. Paris. 1925. DURANTE - In Botreau-Roussel op. cit.
ECKERT, L. - Inaug. Dias. Leipzig. 1913 in Benjamins. Op. cit.
LOBO. J. - A proposito de um caso de gundú - Archivos de Cirurgia e Ortopedia. Tomo II - Fasc. I. pag. 55. Recife.
MANGABEIRA-ALBERNAZ - Contribuição ao estudo do gundú. O gundú no Brasil. Clinica Oto-rino-laringologica, pag. 253. 1933. Campinas. S. Paulo.
MARINHO FILHO, R. - Contribuição ao estudo do gundú. Arquivos do 1.° Congresso Brasileiro de O.R.L. Vol. I. pag. 249. 1940. Rio.
MENDES - Rev. de Chirurgie 1901. pag. 445 ap. Benjamins op. cit.
MONTEIRO, A. - Contribuição ao estudo do gundú. Arquivos de clinica oftalmologica e oto-rino-laringologica. Vol. I. n.° 1. pag. 3. 1934. Porto-Alegre.




(*) Docente na Universidade. Assistente na clinica.

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