Ano: 1940 Vol. 8 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (33º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 669 a 674
ESTENOSE DE ESÔFAGO CONSEQUENTE A FOGUETE
Autor(es): DR. A. CAIADO DE CASTRO (*)
Em comemoração ao jubileu do Professor João Marinho, a "Revista Brasileira de Otorrinolaringologia" fará um número especial a êste grande mestre, cujo caráter sem jaça e coração bem formado, aliados a imensa cultura especializada e geral, têm criado amigos até entre aqueles que não tiveram o contentamento de serem seus discípulos. Dessa maneira e solicitados pelo Dr. Aristides Monteiro, não quisemos deixar de prestar as nossas homenagens ao preclaro Professor de quem somos amigo. Assim, a Assistência Pública do Distrito Federal fez realizar uma sessão operatória onde o homenageado demonstrando sua aprimorada técnica, houve por bem realizar uma bela intervenção sôbre mastoidite. Nesse dia, também, tivemos a oportunidade de executar a nossa técnica cirúrgica das sinusites frontais crônicas" que já havíamos apresentado nos Congressos Brasileiros e Sul Americano de Otorrinolaringologia e mais uma vez tivemos o estímulo de rasgados e bondosos elogios de João Marinho. Depois da Sessão cirúrgica, faltava entretanto a nossa colaboração de amizade na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia e devido à premência de tempo e para não deixarmos de lado a nossa satisfação de poder colaborar, nesse número especial, mesmo com um modesto trabalho, iremos dêsse modo trazer, apenas, uma observação, dentre algumas centenas de dilatações de esôfagos que se achavam estenosados por circunstâncias muito variadas. Teremos, também, aqui, a oportunidade de mostrar aos prezados colegas o tipo de sondas que usamos nesses casos, bem como a técnica empregada. Antes, entretanto, queremos esclarecer que a observação dêste caso foi feita- pelo nosso colega Dr. M. P., progenitor do paciente que inadvertidamente havia engolido um foguetinho.
Observação escrita pelo Dr. M. P.: "Menino A. P., branco, brasileiro, com 7 anos, nascido a têrmo, acusando em seus antecedentes mórbidos pessoais apenas sarampo e coqueluche. "Em 17 de Junho de 1939,ao brincar com um foguetinho de S. João, recebeu dentro da boca uma das explosões do referido foguetinho, sofrendo queimadura de toda a cavidade bucal. "Algumas horas depois do acidente, processou-se um edema bem acentuado da língua, bochechas, e, provávelmente da laringe e da faringe porque o doentinho foi acometido de intensa dispnéia, acompanhada de tiragens intercostais, elevando-se a temperatura a 40 °. "O paciente recusava todo e qualquer alimento e, quando era forçado a deglutir, sentia fortes dores, êste estado durou seis dias, inclusive a temperatura que se manteve sempre elevada. "Passada a crise aguda, a deglutição de alimentos sólidos não era possível, ficando a alimentação constituída apenas por mingaus e sopa de legumes muito fina. "Qualquer alimento sólido, mesmo em proporções muito reduzidas determinava, ao ser deglutido, forte espasmo esofagiano, que se mantinha durante 3 a 5 horas, permitindo apenas, e aliás com muita dificuldade, a deglutição de água. "Levado a um conhecido Oto-Rino-Laringologista, em Dezembro, o especialista, depois de uma radioscopia, aconselhou, como único meio capaz de cura, uma intervenção cirúrgica por via externa. "A .radioscopia havia localizado um estreitamento esofagiano, ao nível da sétima vértebra cervical, que se prolongava em oito centimetros para baixo. "A conselho médico, e por achasse o doentinho muito emagrecido, o mesmo foi levado à Caxambu afim de, na medida do possível, restaurar as suas forças perdidas e assim apresentar-se com melhor resistência na ocasião da operação, reputada melindrosa pelo citado especialista. "A 23 de Janeiro de 1940, ainda em Caxambu, ao tentar deglutir um pedaço de carne, com una 3 milímetros quadrados mais ou menos o paciente foi acometido de forte espasmo, como não havia sofrido até então e, desta vez, nem a deglutição da saliva era possível. "O espasmo durou muitos dias sendo trazido o doentinho para o Rio no quarto dia da intercorrência. "Chamado o Oto-Rino-Laringologista que acompanhava. o caso, êste aconselhou a prática de uma gastrostomia para alimentação do menino, a qual se tinha tornado impossível pela via oral. "O cirurgião escolhido para esta operação, foi o Dr. Assis Ribeiro, chefe do Serviço médico da Caixa de Pensões dos Ferroviários. "Ajudaram a operação os Drs. Bruno Zander, Armando e Nélio Melo, também médicos dos ferroviários.
"A fístula gástrica permitiu uma ótima alimentação que reconstituiu as forças do doentinho dentro de poucos dias, conduzindo-o a um estado que permitia a operação do estreitamento. "Porém, marcado o dia da intervenção, esta não foi praticada, porque antes do dia fixado, o doentinho apresentou-se com uma estomatite que, embora de índole benigna, não deixou de comprometer o seu estado geral, por muito que custou a ser debelada, conduzindo-o a um estado de emagrecimento bem pronunciado. "Restabelecido de sua estomatite e dois mêses e meio depois de praticada a gastrostomia, tinha o menino aumentado 8 quilos (antes da gastrostomia pesava 21 quilos, na época referida estava com 29). "Todos os seus órgãos apresentavam-se normais, como também os exames de laboratório, mas o especialista achou prudente não intervir ainda porque, à tardinha a temperatura bucal do paciente era de 37,1, embora o hemograma feito apresentasse um resultado normal. "Essa temperatura bucal se manteve durante muito tempo... "Em Maio a operação foi fixada para o dia 31 dêsse mês. "Aberta a faringe por via anterior (a incisão foi feita ao nível e para cima do osso hióide) e não sendo possível atingir a região estreitada, o cirurgião achou prudente fechar a ferida..., dando em seguida alta ao doente. "A 13 de Junho o doentinho foi levado por mim ao consultório do Dr. Caiado de Castro, que pediu uma radiografia. "Feita, a radiografia acusou uma estenose no mesmo nível já mencionado. "O Dr. Caiado, após estudar o caro, aconselhou uma série de dilatações. "Tal tratamento foi iniciado a 18 de Junho, e, fato notável, dias depois o doentinho pôde saborear, com uma satisfação imensa, um pastel, guloseima predileta, do que havia sido privado durante um ano. "Depois da 12a. dilatação foi feita uma segunda radiografia, a qual demonstrou que o estreitamento já se apresentava com uma luz 4 vezes maior do que antes das dilatações, isso a 17 de Julho. "A 23 de Agosto o Dr. Caiado aconselhou a retirada da sonda gástrica, por desnecessária, pois o doentinho já deglutia facilmente todos os alimentos - carne, pão, etc. "O Dr. Asaís, com os mesmos auxiliares, com muito bom resultado, fez a 26 de Agosto a retirada da sonda e fechou a fístula gástrica. "O Dr. Caiado continuou as dilatações com intervalo de 7 dias (até a retirada da sonda gástrica os intervalos entre duas dilatações eram de 3 dias), conseguindo aumentar a luz da região esofagiana estreitada para 12 milímetros. "O doentinho teve alta a 30 de Novembro, deglutindo normalmente, como já se referiu, qualquer alimento, depois de 30 dilatações. "Rio, l.° de Dezembro de 1940. Ass: Dr. M. P.".
Como vimos, pela própria observação do Dr. M. P., o caso era interessante:
a) Estreitamento muito grande em extensão e diâmetro - (vide radiografias).
b) Estreitamento pouco recente.
c) Estreitamento em que um conhecido e distinto especialista julgava difícil dilatar, porque lhe parecia ser isto impossível, devido a muitas circunstâncias, tanto que o único recurso tentado foi a operação por via externa que, aliás, não deu resultado satisfatório.
Após radiografia e esofagoscopia, após estudar devidamente o caso, pareceu-nos que se podia dilatar êste esofago sem maior perigo para o doente.
Com muita sorte chegamos ao fim desejado: aumentar o calibre do esôfago, inicialmente de dois milímetros, para doze milímetros, fato que permitiu ao doente retirar sua sonda gástrica e alimentar-se sem maior preocupação, deglutindo facilmente tôda a espécie de alimentos.
Usamos, para êsses casos, habitualmente a técnica:
Sondas metálicas e controle esofagoscópico. Essas sondas são feitas sob medida e obedecem, mais ou menos, ao tipo das gomadas de Ch. Jackson.
Adotamos o critério:
A proporção que o calibre do esôfago estenosado vai aumentando, as sondas vão sendo substituídas por outras de ponta cada vez mais grossa. Essas sondas, como já dissemos, são metálicas e de diâmetro progressivo. Dessa forma temos conseguido grandes dilatações em tempo bem menor que o usado habitualmente e sem risco de perfuração porque tudo é feito sob controle da esofagoscopia.
Neste caso, fizemos duas dilatações por semana, permanecendo a sonda 20 minutos no esôfago. Terminamos, mostrando as sondas usadas e as radiografias do paciente antes das dilatações, durante e quando obteve alta curado, com a sonda radiografada dentro do esôfago.
RESUMÉ:
Pour ne pas laisser d'apporter sa colaboration d'amitié au numero spécial que la Révue Brésilienne d'Oto-Rhino-Laryngologie a dédié au Professeur J. Marinho, l'au'teur nous presente une observation sur le cas d'esténese de l'oesophage du à une fusée d'artifice.
Il nous montre, ensuite, la tecnique qu'il pratique pour les dilatations de l'oesophage et finit en attirant natre attention, tantôt sur ses sondes en metal, comme sur les radiographies qui éclaicissent le cas.
(*) Chefe do Serviço Otorrinolaringológico da Assistência Pública do Distrito Federal.