Ano: 1940 Vol. 8 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (28º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 617 a 622
OSTEOMA DO MAXILAR SUPERIOR
Autor(es): DR. PAULO SAES (*)
Convidado a contribuir com algum trabalho para este numero especial dedicado ao prof. J. Marinho, tão justa acho esta homenagem que ouso faze-lo com esta modestissima observação clinica, rebuscada entre os casos não publicados de nosso arquivo. O pequeno valor, no entanto deste trabalho é inversamente proporcional á grande, a enorme admiração que tenho pelo ilustre Mestre da oto-rino-laringologia brasileira. Aqui, pois, associo-me, de coração, a todas as homenagens que forem prestadas ao nosso preclaro e eminente amigo.
OBSERVAÇÃO
I. T., com 31 anos, brasileiro alfaiate, casado, residente á Rua Ruy Barbosa, 291. Em fins de março de 1935 apareceu á consulta oto-rino-laringologica da Santa Casa, no então serviço do Dr. Scmidt Sarmento.
Queixa - Ha cerca de 2 anos começou a notar no Maxilar superior direito um aumento de volume da gengiva, em correspondência com os pequenos molares. Julgando tratar-se de afecção dentaria, mandou extrair esses 2 dentes, sem que com isso conseguisse estacionar a molestia. Pelo contrario, o aumento da gengiva mais se acentuou e aos poucos foi invadindo as regiões dos dentes visinhos, os quais foram se tornando moles, podendo assim ser extraídos com facilidade, mais os dois grandes molares superiores direitos. Continuaram, pois, a existir nesse maxilar o ultimo molar superior para traz e o canino para frente. Nunca sentiu dor nessa região, mas o volume do tumor gengival, que lentamente se desenvolveu, perturbava muito a sua mastigação, alem de que já influia sobre a sua estetica facial. Wassermann-negativo. Não contraiu sifilis. Na sua familia, ninguem teve molestias nos ossos.
Fig. 1
Fig. 2
Fig. 3
Fig. 4
Fig. 5
Exame - O paciente apresenta-se, estando a boca fechada, com uma pequena saliencia externa no rosto, na hemi-face direita, como si tivesse qualquer inflamação devido a dente. Ao abrir a boca, a mucosa da bochecha nada apresenta de anormal. Chama a atenção logo o tumor do maxilar superior direito, duro, consistencia ossea, embora completamente revestido por mucosa integra, perfeita.
Apresenta mais ou menos o tamanho de um limão grande (vide fig.l), indo desde o canino até o ultimo molar superior, ainda existente. (Vide fig. 2). - Os dentes entre esses já não mais estão presentes.
O tumor fazia muita proeminencia externamente sobre o rebordo da gengiva (Fig. 3), e para dentro tambem invadia boa parte do palato duro (Fig. 3 e 4).
Radiografia. - Praticada no Serviço Radiologico da Santa Casa mostrou a presença de um tumor tomando o rebordo gengival do maxilar superior direito. Vemos assinaladas com as setas os bordos desse tumor, que sobe quasi até a altura do seio maxilar, mas não chega a invadi-lo. Vemos o seio de aspecto normal, razão porque não foi feita a radiografia com meios de contraste, em virtude tambem das dificuldades do momento (Fig. 5).
Diagnostico - Em vista dos caracteres clínicos e de evolução do tumor: evolução lenta perfeitamente localisada, sem metastases, consistencia dura, ossea, e pelo exame radiografico, fizemos o diagnostico clinico de osteoma ou hiperosteose do maxilar superior. Nos comentarias sobre o caso, entraremos em detalhes sobre esta questão. Tratando-se de um tumor benigno, localisado, perfeitamente delimitado, era indicada a intervenção cirurgica para remove-lo.
Operação - Proposta a intervenção, foi esta aceita pelo paciente, que no entanto fez ver o seu desejo de que esta fosse a menos mutiladora possivel, afim de poder posteriormente ser aplicado alguma prótese dentaria. Assim, resolvemos extirpar o tumor ósseo, de pré-suposta natureza benigna, o mais conservadoramente possivel, de maneira a serem aproveitados os dentes ainda presentes, isto é o canino direito e para traz o ultimo molar superior desse lado. Anestesia local, isto é, após pincelações com sol. cocaina a 20%, injecção de sol. de novocaina a 1 % em varias pontos ao redor do tumor e em sua superficie.
Incisão da parte mucosa e periostal no sentido longitudinal do tumor, descolamento externamente para cima até a região do seio maxilar e internamente no palato duro, isolando pacientemente toda a parte tumoral. Com goiva e martelo fomos cuidadosamente secionado o tumor da parte ossea não tumoral, tomando a grande precaução, o que conseguimos, de não abrir o seio maxilar. Foi assim destacado o tumor ossea, do tamanho de limão, foram acertadas as parte moles que o recobriam e cuidadosamente suturadas com fio de seda fino.
Post-operatório - Foi ótimo. Cicatrização facil da grande incisão mucosa e pariostica, tendo ficado aí esta formação ultima, geradora de tecido osseo.
Cinco dias após foram retirados os fios e notou-se completa cicatrização e perfeita adaptação das partes moles em sua nova posição. Pedimos ao paciente deixasse passar algum tempo para depois providenciar o aparelho protético. Decorridos poucos meses, sem esperar, vimos de novo o paciente, com uma ponte razoavelmente adaptada, mal deixando entrever a anterior lesão. Devia voltar depois, afim de ser fotografado, mas não foi mais encontrado. Com a sua mais importante documentação truncada, ficou o caso guardado por tanto tempo, até que hoje o desentranhamos, mesmo sem a fotografia necessaria, mas com a explicação de sua ausencia.
Exame anatomo-patologico - Foi a peça retirada enviada ao Laboratorio anatomo-patologico da Santa Casa, tendo sido o exame histo-patologico praticada pelo Dr. Humberto Cerruti. Voltou-nos o diagnostico de osteoma, que já houvéramos feito clinicamente. Assim era "tecido osseo, apresentando uma estrutura esponjosa, porosa, vendo-se os espaços medulares homogeneamente espalhados entre as trabeculas osseas.
Não foram encontradas celulas gigantes, nem osteoblastos, nada afinal que pudesse lembrar um tecido sarcomatoso, nada que demonstrasse um carater maligno. Conclusão: - tumor osseo de carater benigno - osteoma".
Osteoma são tumores circunscritos, constituidos por tecido osseo.
Si eles se assestam sobre a superfície do osso, formando pequenas excrescência, denominam-se exostoses. Si se desenvolvem para dentro, tomam o nome de enostoses.
Estas ultimas formas são raras e observam-se na calota craneana e nos ossos e cavidades da face. Os osteoma dos maxilares são raros. Eles variam muito em sua forma. Vão desde pequenas saliencias até massas osseas muito estensas.
Dá-se o nome de osteofito a uma neo-formação ossea periostica. As exostoses são um pequeno grupo de osteofito que se elevam a maneira de tumor.
Um aumento difusa de volume do osso denomina-se hiperostose. E' a denominação que tambem podemos aplicar a este nosso caso: hiperostose do maxilar superior.
No maxilar inferior, eles constituem pequenas condensações, de forma varias, ora de tecido osseo esponjoso, mais raramente de tecido ebúrneo, assestando-se preferencialmente na região da linha obliqua interna. Esses tumores levantam e tornam adelgaçados os revestimentos de mucosas, ficando abaixo da lingua, no espaço sub-lingual.
Os osteomas têm evolução lenta e indolor, e são encontrados em adultos, de 20 a 40 anos. Estes tumores impedem o uso de aparelhos de prótese, pois que a pressão destes ulcera com facilidade, o fino revestimento de mucosa e tambem constituem obstaculo para tomar moldes.
As enostoses, que tem origem quasi sempre nos seios etmoidais, seios frontais e maxilares, podem, pelo aumento gradual do tumor, dilatar amplamente as cavidades, podem ainda perfurar as paredes ósseas e invadir a cavidade craniana e a orbita. Esses tumores constituem massas ósseas muito estensas que invadem o maxilar superior e inferior, alterando os ossos em suas partes profundas, chegando a desfigurar o rosto e mesmo a deforma-lo grandemente. No maxilar superior, o osso se condensa por tal forma, que o seio maxilar desaparece por completo. Os contornos do osso se arredondam, os bordos se achatam, a abobada palatina torna-se plana e as fossas nasais e cavidades orbitarias se estreitam. Não podemos deixar de mencionar o que se denomina leontiasis ossea.
São casos em que a hiperplasia ossea estende-se aos grandes segmentos do rosto, alterando completamente os contornos do esqueleto da face, estreitando as fossas nasais, e achatando quasi completamente a cavidade orbitaria.
Estudando a estrutura dos osteoma, distinguimos três formas: a) a forma eburnea em que o tumor é compacto, eburneo, lapideo, composto de laminas osseas que não apresentam nenhum traço de medula e possuem poucos canais de Havers; b) a forma esponjosa, na qual está o nosso caso, em que o tecido osseo é poroso, com muitos espaços medulares espalhados entre as trabéculas osseas; e c) a forma medular, na qual os espaços medulares são muito amplos e contribuem em boa parte para o aumento de volume do tumor. As medulas nesta forma têm o comportamento das medulas dos ossos em geral.
Estudando a patogenia dos osteoma, vemos que uma osteo-periostite produtiva, de origem traumatica ou inflamatoria, pode ser a causa de uma neo-formação nitidamente delimitada, por superposições osseas á face profunda do periosteo, em um determinado ponto do esqueleto. Esta deve ser a causa patogenica do tumor desta nossa observação, como o é tambem em certas exostoses profissionais, consequentes a contusão ou contactos constantes sobre uma região. Nesses casos, formam-se hiperosteoses em placas e não constituindo saliencias.
Esta constitue pois á gêneses de origem conectiva (periostal e mesmo tendinosa).
Ha porem, a genese de origem cartilaginosa (de cartilagem ou epifisaria) em que só se observam os tumores nos pontos do esqueleto em que ha pré-formação cartilaginosa e que, segundo Virchow, estão em relação com alterações no desenvolvimento do osso. As exostoses cartilaginoso observam-se nos individuos
jovens e são quasi sempre multiplas. Estas neo-formações se detêm quando o esqueleto terminou o seu desenvolvimento. Este tipo não tem relação alguma com o nosso caso, cuja forma é encontrada principalmente em pessoas de uma certa edade.
O nosso osteoma está pois incluído nos de genese conectiva.
No grupo dos osteomas de origem conectiva existem varios sub-grupos.
O tumor do nosso paciente pertence ao sub-grupo dos osteomas corticais ou exostoses periostais moveis, os quais, partindo do periósteo, ficam solidamente unidos com ele, inversamente ao que sucede ao sub-grupo denominado de exostoses periostais moveis, em que, como seu nome indica, o tumor que teve origem da parte mais externa do periosteo se mostra movel.
Os osteomas corticais observam-se sobre a calota craneana, como espessamentos achatados ou verrugosos, mais raramente como escrecencias ósseas maiores, de larga base. A este subgrupo pertencem os osteomas cavitareos, que se desenvolvem nos seios da face e que ficam eburneos, atingindo um grande volume. São estes que, por atrofia do pedúnculo, tornam-se livres constituindo então os osteomas mortos de Tillmans ou osteomas encapsulados, pois as vezes já estão incluidos em uma capsula ossea.
Ao grupo dos osteomas conectivos ainda pertencem os tumores osseos permanentes produzidos por um calo exuberante, isto é, o osteoma das fraturas.
Nos maxilares, existem alem das pequenas exostoses, tambem as grandes exostoses, constituídas por ossos providentes, do tamanho de um dedo e que se destacam do osso em forma mais ou menos pontiagudas. Tem-se visto assim se destacarem do maxilar inferior, em sua parte media e no angulo do maxilar. Como em outros ossos de esqueleto, no maxilar pode haver hiperosteoses mais difusas ainda.
Nos maxilares podem ser encontradas ainda neoformações cartilaginosas, que são mais raras que as osseas e cuja origem está relacionada com perturbações do desenvolvimento do esqueleto do maxilar.
(*) Adjunto da Clinica de O. R. L. da Sta. Casa de Misericordia de S. Paulo - Chefe da Especialidade na Beneficência Portuguesa - Oto-rino-laringologista da Assistência Escolar.