Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 2  - Março - Abril - (12º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 185 a 190

 

DISFAGIA E ALTERAÇÕES EMOCIONAIS.

Dysphagia and Emotional Distress.

Autor(es): Onivaldo Bretan*
Maria Aparecida C. A.**
Henry Florente Kerr - Corrêa***

Palavras-chave: disfagia, ansiedade, depressão, tratamento

Keywords: dysphagia, anxiety, depression, management

Resumo:
A deglutição pode ser afetada por certo número de condições onde estão presentes causas emocionais primárias ou associadas. Disfagia secundária a fator emocional, associada ou não a doença orgânica, foi estudada em 5 indivíduos. Um paciente com queixa de disfagia, severa que impediu a realização dos exames exploratórios habituais, mas que aceitou dieta normal durante a internação, despertou atenção. Desde então, frente à suspeita de disfagia de fundo emocional, procurou-se estabelecer, na primeira entrevista, relação médico-paciente, tal que permitisse ao profissional conhecer os problemas e as preocupações, tanto da esfera da saúde, quanto da esfera vivencial do indivíduo. Após esta abordagem, seguia-se explanação clara e simples sobre os mecanismos da deglutição e do possível papel da emoção sobre eles. Os cinco pacientes assim tratados apresentaram desaparecimento do sintoma nas 24 h seguintes. Disfagia de aparecer na ansiedade, na depressão e nos quadros conversivos. Entretanto, embora saiba-se que alterações orgânicas podem estar associadas a estes quadros, eles freqüentemente passam despercebidos. O resultado da conduta utilizada sugere que portadores de disfagia devem ser manejados segundo visão holística da doença, podendo beneficiar-se inclusive indivíduos portadores de disfagia de comprovada origem orgânica.

Abstract:
Swallowing function may be impaired by a number of conditions involving primary or associated emotional distress. When psichogenic dysphghia is suspected, routine investigation using radiological and manometric examination is inappropriate. These cases demand an evaluation of the individual as a whole, interesting the disease as well as the patient's personal problems and concerns. Five cases of patients complaining of swallowing difficulty and showing concurrent emotional distress were studied. Four individuals were ansious and one was depressed. Because of our approach, a close medical-patient-relationship was stablished. Afterwards, an explanation about the normal swallowing mechanisms and the role of the emotions on it was provided. All patients showed improvement of the symptom in the following 24 hours. Dysphagia can be found in anxiety, depression and conversion hysteria, with high incidence in the urban population of the third world countries. However, several professionals are unaware of these disorders. Our results suggest that this plain approach is an useful tool in managing dysphagic patients and it has validity even in individuals bearing dysphagia due to comproved organic disease. The results also emphasize the importante of the medical patient relationship and the utility of a hollistic evaluation of the disease.

INTRODUÇÃO

A disfagia de causa não neoplásica no segmento farigoesofágico ainda é fenômeno insuficientemente conhecido. Ela pode estar associada a doenças nervosas, musculares ou neuromusculares e a fatores diversos, tais como compressão extrínseca por osteoma de vértebra cervical, compressão por artéria anômala, refluxo gastroesofágico etc.1, 2, 3.

A disfagia alta pode ter origem na faringe, no esfíncter superior do esôfago (ESE) ou em ambas as estruturas2. A hipotonia da faringe, uni ou bilateral, leva à estase, menor ou maior, do bolo alimentar2. Pode haver ainda refluxo de alimento para a nasofaringe, por insuficiência velopalatal.

Quanto às alterações do esfíncter superior do esôfago, é necessário recordar aspectos de anatomia e das funções básicas desta estrutura. O esfíncter é formado principalmente pelo músculo cricofaríngeo (MU), que é a porção inferior do músculo constritor inferior da faringe, a qual se insere, lateralmente, na cartilagem cricóide. O MCF permanece em contração ativa, mantendo zona de alta pressão que isola a faringe do esôfago e funciona como proteção contra passagem de conteúdo gástrico para a via respiratória, impedindo também a passagem de ar para o esôfago durante a inspiração4, 5, 6.

Duas sincronias finas atuam na deglutição: sincronia da contração faríngea, com o relaxamento do músculo esfinctérico, e sincronia da deglutição com a respiração. Durante a deglutição, ocorre a elevação da laringe e tem-se pausa respiratória em inspiração. Qualquer alteração da fisiologia, em particular das sincronias, faz com que parte maior ou menor do bolo alimentar seja impedido de passar para o esôfago. As queixas apresentadas pelos pacientes são várias: sensação de saliva ou catarro parado na garganta, sensação de que parte do bolo ficou parado na garganta, dificuldade para deglutir sólidos e/ou líquidos, tosse e engasgo imediatamente após a deglutição. Durante aqueles eventos, que são praticamente simultâneos, ocorre também o fechamento da glote e da supraglote, graças à musculatura intrínseca da laringe. Além disso, o deslocamento para frente e para cima do osso hióide propicia o deslocamento da epiglote de forma tal que ela se inclina e horizontaliza, fechando o adito laríngeo7. A presença de aspiração, engasgo e/ou tosse indica falha na dinâmica destes movimentos laríngeos.

A sensação de aperto ou bola é queixa relativamente freqüente e pode vir acompanha da queixa de dificuldade a progressão do alimento. Ela seria queixa que, tensificando-se, poderia, eventualmente, transformarem disfagia. A disfagia e o "bolo ou bola na garganta" podem ser manifestações de linha histérica envolvendo simbolismo e o "apelo pela doença", isto é, a maneie chamar a atenção dos familiares e mesmo dos Serviço Saúde. Implica, geralmente, no chamado ganho secunda Segundo alguns autores', a sensação de bolo na garganta é raramente vista na Psiquiatria, pois os pacientes encaminhados para avaliação otorrinolaringológica, sendo posteriormente orientados para procurar psiquiatra quando não há evidência objetiva de alterações físicas) sintoma isolado de globo histérico tem sido investigado por otorrinolaringologistas e gastroenterologistas, à procura de lesões orgânicas que o expliquem. Vários autores encontraram baixa incidência de achados carácter fisiopatológico positivos, particularmente refluxo gastroesofágico, sempre suspeito8, 9, 10, 11, 12, 13. Poucos obtiveram índices elevados de refluxo em indivíduos com queixa de bolo na garganta14. Distúrbios da motilidade do esôfago, da faringe e do ESE têm sido encontrados em muitos pacientes com relatos de disfagia e ou "bolo garganta"11, 15, 16, 17, 18, 19. É possível que haja soma de fator psíquicos e físicos em ação13, 20.

Estudos sobre "bolo na garganta" são encontrados com freqüência na literatura, porém muito pouco tem si publicado sobre disfagia, onde o fundo emocional está presente21. O objetivo do presente trabalho é expor experiência adquirida com grupo de pacientes com queixa de disfagia de instalação recente, onde o fator emocional, foi identificado. Relato sumário referente a este grupo de disfágicos foi incluído em trabalho anterior, em que disfagia é abordada de forma genérica22.

PACIENTE E MÉTODOS

Foram avaliados 5 indivíduos, do sexo masculino, cor idades variando de 28 a 68 anos. Todos apresentavam sensação de que porção menor ou maior do alimento deglutido era retida em alguma parte da vida digestiva entre a borda superior da cartilagem tireóide e a borda inferior da cartilagem cricóide. Serão relatados os método e técnicas usados para a abordagem e investigação do queixas e a evolução dos sinais e sintomas. Em todos os casos foram consideradas a necessidade e a possibilidade de serem realizados: 1) exame otorrinolaringológico (ORL); 2) exame eletromanométrico da via digestiva alta; exame endoscópico de faringe, esôfago e estômago; e exame radiológico (deglutograma). O exame ORL avalio a função motora da língua, palato mole, faringe e laringe. A função motora da faringe foi investigada através de sinais de refluxo nasal de alimento, desvio ou imobilidade do palato mole e da parede da orofaringe, resíduo de alimento na valécula e presença de alimento ou estase de saliva na hipofaringe. De acordo com o quadro clínico inicial, decidia-se sobre a conveniência e a necessidade da realização dos exames. No estudo eletromanométrico (EMM), foram utilizados bomba de infusão de água de baixa complacência, com fluxo de 0,5 ml/min (J. S. Bio Medicals Corp. Ventura, Ca), transdutores de pressão (Sensor Medics, Anaheim, Ca) e polígrafo de 4 canais (Sensor Medics, Anaheim, Ca). Este conjunto manométrico incorporava um catéter com 4 orifícios radialmente orientados e distantes 5 cm entre si, com diâmetro externo e 4 mm e diâmetro de cada abertura de 0,8 mm. A velocidade do papel foi de 2,5 cm/segundo. O catéter foi assado via nasal até o estômago e retirado com puxadas intermitentes de 0,5 cm, aguardando-se a estabilização do registro. Para o estudo radiológico, usou-se contraste de bário a 50%.

RELATO DE CASOS

1. Paciente PM, de 68 anos, passou a queixar-se de disfagia alta, progressiva, um mês e meio após cirurgia realizada na coluna cervical, com acesso por via posterior, para correção de problema traumático após acidente automobilístico. Foi internado para avaliação clínica. A hipótese inicial para a disfagia estabelecia relação entre cirurgia e alguma repercussão adversa sobre o ESE de origem orgânica, já que o esfíncter está em contato íntimo com as vértebras C5 ou C6. Ao tentar realizar exame radiológico contrastado da via digestiva, o paciente recusou-se a ingerir o bário. Ao realizar a EMM, o paciente ficou agitado, reagindo à manipulação e impossibilitando a passagem do catéter além da região do ESE. O exame ORL revelou presença de saliva nos seios piriformes, indicando obstáculo na transição faringoesofágica. Houve 3 tentativas de deglutição, seguida por deglutição final, sentida pelo paciente como tentativa bem sucedida. No dia seguinte ao da internação, pela manhã, o paciente aceitou dieta sólida. Tal comportamento levantou a suspeita de problema de ordem emocional. Conversou-se então calmamente com o mesmo, tendo-lhe sido explicado o mecanismo da deglutição. Foi transmitida a ele a impressão do profissional sobre a possível causa emocional da disfagia. Utilizaram-se enfoque cuidadoso e estilo didático, procurando demonstrar preocupação e interesse pelos problemas pessoais e de saúde que o afligiam. À noite, foi prescrita medicação ansiolítica. No dia seguinte, aceitou alimentação normal e o exame ORL nada mais revelou. Não se insistiu na realização de exames subsidiários. Foi solicitada avaliação psiquiátrica, a qual revelou indivíduo com idéias suicidas, em quadro de depressão reativa.

2. Paciente SF, de 28 anos, apresentava disfagia alta, súbita, há 3 dias, com sensação de aperto e sufocação na altura da garganta e de bola que "subia e descia", apontando a região da cartilagem cricóide. A entrevista médica revelou rapaz ansioso, em conflito com a esposa e com problemas no trabalho. Conversou-se sobre seus problemas e foi-lhe explicada a possível causa emocional de sua disfagia. O paciente foi internado para investigação e, à noite, recebe, medicação ansiolítica. O exame ORL, realizado no primeiro, momento, nada mostrou de anormal. No dia seguinte, o paciente estava sem disfagia, aceitando dieta normal. Novamente, o exame ORL foi normal. Decidiu-se, então; por alta hospitalar e realização de exames peia rotina. Ele, entretanto, não retornou para realizar os exames programado.

3. Paciente JP, de 48 anos, apresentava disfagia alta, progressiva há 6 meses, agravada no último mês. Temendo engasgar, passou a reduzir a ingestão de alimentos. Havia queixa de incômodo e, ultimamente, sensação de sufocação na garganta. Na semana anterior à primeira consulta, este sintoma acentuou-se, sentindo progressiva falta de ar piora da disfagia, chegando a procurar o Pronto Socorre onde nada foi encontrado. Há alguns meses, havia ido ao psiquiatra por estar estressado, recebendo medicação ansiolítica, que não trouxe melhora de seus sintomas. A avaliação inicial mostrou dirigente de unidade universitária sobrecarregado de tarefas. Havia queixas gastroesofágica vagas. Pensou-se, inicialmente, em refluxo gastroesofágica atingindo o ESE, com hipertonia secundária, reativa, d MCF. Alternativamente, o estresse seria o principal fator de hipertonia. O exame ORL mostrou-se normal. Conversou-se com o paciente e foram-lhe explicados, cuidadosamente, os possíveis mecanismos, emocional e orgânico, de sua disfagia. Recebeu orientação e tratamento anti-refluxo, tendo sido providenciadas, em seguida, exames endoscópio de via digestiva, radiológico e EMM. No dia seguinte, o quadro disfágico havia desaparecido. desaparecido. O exame EMM posterior nada revelou, o radiológico contrastado (deglutograma) mostrou presença de hérnia de hiato discreta e, à endoscopia, viu-se esofagite grau I e duodenite edematosa e eritematosa. O paciente solicitou demissão do cargo que ocupava, nada mais sentindo desde então.

4. Paciente JL, de 60 anos, portador de mieloma múltiplo, que havia recebido, há alguns meses, tratamento radioterápico na mandíbula. Relatava disfagia alta e sensação de corpo estranho na garganta há 1 mês e disfagia total, há 10 dias. Mostrava-se muito preocupado com a evolução da doença, que já impedia sua deambulaçâo. Está ingerindo opiáceo para dor e penicilina para infeção pulmonar em fase de cura. O exame revelou lesões esfoliativas na língua e região jugal, xerostomia não acentuada, discreta hiperemia de orofaringe e de epiglote e retenção de saliva nos seios piriformes. A impressão inicial foi a de que a xerostomia, levando a lesões de mucosa e prejudicando a preparação lubrificação do bolo alimentar, estaria dificultando a propulsão do mesmo. A xerostomia poderia ser conseqüência da radioterapia ou até mesmo da desidratação do paciente. A presença de saliva nos seios piriformes, entretanto, sugeria distúrbio na altura do ESE. Pensou-se em componente emocional, primário ou secundário, acentuado ou instalado após o aparecimento da xerostomia. Após a internação, conversou-se com o paciente sobre a natureza de sua disfagia, tendo-lhe sido explicado o que julgávamos estar acontecendo, inclusive sob o ponto de vista emocional. Cerca de 12 horas após, passou a deglutir, ingerindo, nas 48 horas subseqüentes, até mesmo grandes comprimidos. A EMM não foi realizada posteriormente, inclusive porque o paciente vinha apresentado sangramentos espontâneos pelas narinas. O exame radiológico da via digestiva, obviamente, não era aconselhável. Seguimentos posteriores mostraram indivíduo ingerindo normalmente.

5. Paciente ANS, de 55 anos, portador de doença cardíaca, desenvolveu disfagia alta total e certa confusão mental nas primeiras 24 horas de pós-operatório de cirurgia para colocação de prótese aórtica. Estava recebendo anticoagulante e corticóide. Era portador, há três anos, de discreta disfagia devida a megaesôfago incipiente (confirmado por EMM e radiografia) que pouco lhe incomodava. Seus cardiologistas consideravam-no emocionalmente lábil. A consulta mostrou indivíduo em razoável estado geral, muito preocupado com o resultado da cirurgia. O exame ORL revelou estase de saliva nos seios piriformes e discreta paresia do palato mole e das cordas vocais. Notava-se, também, discreta oftalmoplegia. Surgiu a hipótese de acidente vascular cerebral, a qual foi descartada pelo neurologista. Havia também a hipótese do agravamento do quadro de megaesôfago. Na conversa subseqüente com o paciente, foi dito a ele, usando-se palavras adequadas, da possibilidade de a disfagia ter fundo emocional, devido a seus temores com o coração e favorecida pela disfagia prévia que, até então, pouco lhe incomodara. No mesmo dia, o paciente recuperou sua condição anterior de deglutição. Exames radiológico contrastado e endoscópico da via digestiva alta foram considerados desnecessários de imediato, sendo o radiológico, particularmente, contra-indicado. A EMM foi realizada vários dias após, revelando ondas aperistálticas no corpo esofágico, qualitativa e quantitativamente semelhantes àquelas encontradas no exame EMM, executado 3 anos antes.

DISCUSSÃO

Como se pode depreender dos relatos, em 4 dos 5 casos havia possível lesão orgânica subjacente à disfagia. Em 3 dos 5 pacientes havia estase de saliva nos seios piriformes, indicando obstáculo mecânico ou déficit propulsivo. Chamou atenção o episódio do paciente 1, com história de disfagia alta total e evidência objetiva de obstáculo mecânico na via digestiva (estase de saliva na hipofaringe), mas que, logo após a internação, alimentou-se normalmente. Até então, a investigação de qualquer queixa de distúrbio de deglutição era feita realizando-se, rotineiramente, os exames disponíveis em nosso meio: eletromanometria de via digestiva, endoscopia de faringe esôfago e estômago e deglutograma. O comportamento do paciente alertou para a necessidade de mudar a rotina de investigação, não aplicável a todos os casos, como havia sido percebido em portadores de disfagia de caráter orgânico, cujo estado geral e intensidade da disfagia contra-indicavam radiografia contrastada, devido ao a risco de aspiração e conseqüente broncopneumonia. Percebeu-se que o indivíduo necessitava receber tanta atenção quanto sua doença. Seria desejável estabelecer relação maior de confiança entre médico e paciente, de forma que este pudesse externar as preocupações, não somente relativas à sua doença, mas a outras questões da vida pessoal. Este enfoque holístico, logo ao primeiro contato, permitiu que fossem expostas a ele, em condições emocionais mais favoráveis, as causas e os mecanismos que estariam provocando o sintoma, sem que isto levasse à reação negativa do paciente, ao pensar que os médicos estariam insinuando ou que a disfagia era uma farsa ou que "estaria apenas em sua cabeça".

O papel do estresse sobre a pressão de repouso do ESE foi demonstrado em grupo de jovens voluntários submetidos a situações artificiais de tensão, observando-se elevação significativa da pressão à EMMZ20, 23. Esta pesquisa revelou o efeito que a tensão emocional exerce sobre pressão de repouso do ESE. Drogas usadas por muito tempo, em certas doenças mentais e neurológicas, podem levar à disfagia. É o caso dos neurolépticos, psicotrópicos e tranqüilizantes maiores. Os pacientes relatados presente trabalho não estavam ingerindo nenhum de fármacos.

Os exames subsidiários foram utilizados de acordo com os dados clínicos de cada paciente. De qualquer forma, os cinco mostraram desaparecimento dos sintomas, o que dispensaria EMM, deglutograma e endoscopia, segundo o nosso entendimento. Dois deles, porém, foram investigados posteriormente. O primeiro (paciente 3) porque sua queixa já durava 6 meses e o outro (paciente 5) porque apresentava quadro disfágico anterior à cirurgia. Neste último caso, interessava comparar o estado atual da motilidade esofágica com o estado anterior. Todos os pacientes foram seguidos por alguns meses, de qual forma.

Deve-se salientar aspecto relativo ao tempo duração do sintoma. A instalação rápida, súbita ou recente de disfagia não indica a patologia subjacente. Todo os casos devem ser considerados, em princípio, como tributários de exames que permitem desvendar doenças orgânicas. Não se deve atribuir os sintomas à causa emocional e não realizar exames armados.

O paciente 1 foi considerado depressivo, enquanto que os de números 2, 3, 4 e 5 apresentaram quadros ansiosos, o 2 em particular, com características histéricas. Insidera-se difícil, portanto, concordar com autores12 que consideraram o globo faríngeo sintoma único e paradigmático para o estudo da conversão. Cabe investigar, em cada paciente, se predominam sintomas ansiosos, depressivos ou conversivos (histéricos).

Sensação de "bola" ou aperto na garganta, como resposta à emoção, é tão comum que chega à incidência de 45% entre jovens e pessoas de meia idade de ambos os sexos11. As formas graves são bem menos comuns, totalizando 4% dos encaminhamentos para clínicas otorrinolaringológicas, com proporção de 3 mulheres para 1 homem9, 10. Seria sintoma tão freqüente na histeria que ainda hoje é chamado de globo histérico. É também denominado globo faríngeo. Do ponto de vista da psiquiatria, a disfagia poderia ser, na maioria das vezes, manifestação de quadros ansiosos depressivos ou conversivos (histéricos)24. Aliás, segundo vários autores, toda doença é psicossomática25, 26, 27. Assim, mesmo gripe produz astenia, falta de concentração, baixa do rendimento intelectual e alterações do humor, entre outros sintomas. Também a doença psiquiátrica mais clássica leva a queixas somáticas. Na depressão, um dos critérios diagnósticos fundamentais é a presença de queixas físicas, chegando à hipocondria. Existem depressões mascaradas que se apresentam apenas com queixas somáticas, não havendo alteração do humor (tristeza, mau humor). Número não desprezível de homens e mulheres terão depressão importante em algum momento de suas vidas. O mesmo se diga dos transtornos ansiosos, que ocorrem em 30 a 40% dos adultos28. Todos os quadros acima mencionados podem ocorrer após evento psicológico desencadeante.

Na população urbana brasileira, entre os problemas de saúde mental, prevalecem os quadro ansiosos, seguidos depressão e alcoolismo28. Frente a diagnóstico de depressão que o clínico pode fazer, o mesma poderá ser posta emocional normal à perda de entes queridos, da de, da auto-estima ou da segurança. Ele sofre remissão o tempo e não interfere com as atividades físicas e intelectuais da pessoa. Porém, quando a depressão permanece e compromete o desempenho das atividades mais, ela requer auxílio do especialista. Da mesma ansiedade também só é patológica quando interfere com o cotidiano. A ansiedade, particularmente, implica em preocupação excessiva, tensão motora e sinais de hiperatividade autonômica (sudorese, taquicardia etc.). Os órgãos de choque e sintomas físicos variam de pessoa para pessoa. Angústia e angina são manifestações que aparecem muitas vezes juntas, sendo, inclusive, palavras de mesma raiz, significando aperto, constrição: Daí, a origem das denominações médicas "angina pectoris" e "angina" da garganta. Nas manifestações de ansiedade, é comum encontrar-se a queixa de aperto na garganta e ou de dor no peito.

A experiência adquirida com os pacientes mostrou que, quando há fortes fatores emocionais prévios, mesmo alterações orgânicas não relacionadas com a via digestiva podem ser ponto de partida para a instalação de quadro grave de distúrbios da deglutição. A experiência sugere também que, em indivíduos com disfagia devida a lesões orgânicas da via digestiva alta, pode ocorrer reação emocional secundária, levando ao agravamento do quadro inicial. A redução da intensidade do sintoma vai facilitar a realização dos exames necessários. Esta possibilidade indica que todos os pacientes com transtornos da deglutição devem ser avaliados segundo a óptica aqui exposta.

Este trabalho mostra casos de disfagia que foram tratados através de avaliação direcionada para o indivíduo. Como é propugnado, o primeiro profissional que realiza o atendimento deve ser também o primeiro psicólogo ou psicoterapeuta do paciente. Este procedimento está de acordo com o que é preconizado desde os primórdios da Medicina. Entretanto, embora seja de amplo conhecimento a existência de doenças psicossomáticas, o papel do emocional é freqüentemente ignorado ou desconsiderado no dia a dia. Nos casos de disfagia e de globo faríngeo, em particular, os erros podem ocorrer tanto quando se atribuem estes sintomas a fatores emocionais, nada sendo feito para confirmar ou afastar esta hipótese, quanto quando se ignora esta possibilidade. Este trabalho espera contribuir para melhorar a condução clínica destes casos, reduzindo manipulações, custos e riscos.

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* Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Botucatu / SP. ** Professora Titular da Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Botucatu / SP. *** Professora Adjunta da Disciplina de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Botucatu / SP.

Endereço para correspondência: Onivaldo Bretan - Depto. de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Botucatu - / SP - CEP 18618-000. Artigo recebido em 29 de novembro de 1996. Artigo aceito em 27 de dezembro de 1997.

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