Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Várias

Páginas: 207 a 214

 

IMPRESSÕES SOBRE O PRIMEIRO CONGRESSO SUL-AMERICANO DE OTORRINOLARINGOLOGIA

Autor(es): FRANCISCO HARTUNG

Era um fato esperado o grande sucesso do Primeiro Congresso Sul-americano de Otorrinolaringologia, que acaba de se realisar em Buenos Aires. Quem conhece a reputação que goza nos meios cientificos de todo o mundo o seu Preclaro Presidente, o Professor Eliseo Segura, bem como a sua operosidade, quem bem julga da magnifica cultura medica do Rio da Prata e sabe do espirito de fraternidade que une os cientistas da America do Sul, poderia sem duvida antecipar o exito e o brilhantismo do certamen. Não poderia pois ser outra a impressão de todos aqueles que acorreram á grande Metropole Platina.

Póde-se quasi dizer que a totalidade dos paises sul-americanos se fez representar; si de alguns deles, a embaixada não impressionava pelo numero, em compensação se percebia que os presentes pertenciam á elite da especialidade nos centros cientificos originarios. O Brasil acudiu pressurosamente ao apelo de Segura; si houve a lamentar, quasi a hora de seguir, a ausencia de algum nome obrigátorio, é incontestavel que os especialistas brasileiros bem compreenderam o compromisso porquanto os estados de Pernambuco, Alagôas, Baía, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Minas Geraes e São Paulo, tiveram condignos representantes no certamen, sendo que os respectivos catedráticos e relatores das Faculdades foram honrados em ser hospedados oficialmente pelo governo argentino.

Graças á esplendida organisação desde a fase preparatoria que lhe imprimiu o Prof. Segura, e aos esforços dos seus dignos secretários, o Congresso não poderia experimentar melhor andamento. Tanto os temas oficiais, confiados a especialistas de grande destaque na America do Sul, como as comunicações avulsas a eles atinentes e subscritas tambem por nomes de grande responsabilidade do nosso departamento de medicina, conseguiram despertar enorme interesse e fornecer copioso material para os debates cientificos.

E' muito conhecida a facinação do grande professor portenho pela patologia do esfenoide e da sela tursica, de modo que entregue o relatório a Segura, não poderia ser apresentado com mais base cientifica e excepcional experimentação pratica. O notavel especialista ainda patenteou pela via endoseptal o mesmo entusiasmo que revelou ha trinta anos, demonstrando quanto é pratico esse caminho através do tabique nasal, para arejar-se a cavidade esfenoidal, e como se pôde arrazar por aí a parede da sela tursica para livrar a hipofise de tumores que nela se assestem. A respeito anotámos um detalhe para o qual chama a atenção o eminente Professor: não curetar ou arrancar os tumores hipófisarios, mas apenas retirar o que vem com suavidade. O tema, tal como foi apresentado, faz notar Segura, conterá uma parte complementar á sua publicação intitulada "Les Sinusites Sphenoidales et Ieur Traitement" aparecida nas Monographies Oto-Rhino-Laryngologiques Internationales, parte complementar que contem uma modificação posterior introduzida ao seu metodo original. O tema encerra, além de seu substrato, duas observações que exigem ser relembradas: em ambas, tratam-se de casos de nevrite retrobulbar, sendo que em ambos os doentes tentou-se abrir o esfenoide por via endonasal; por tecnica deficiente dos operadores, ambos os esfenoides continuaram fechados. Os pacientes experimentaram uma melhoria passageira, para depois se agravarem as suas condições visuaes; ambos, reoperados pelo Prof. Segura, pela via endoseptal, curaram-se definitivamente. Como bem acentua o Prof., a sua publicação não tem outra finalidade que não seja presenciar a diferença de comportamento da patologia do etmoide e do esfenoide, em relação ao nervo optico. Não pôde ser mais concludente a lição!

O tema confiado ao Professor Denegri, da Universidade de Lima no Perú, tambem impressionou muito favoravelmente os meios cientificos portenhos. Diz respeito ás Infecções e ao Tratamento das Cavidades Maxilares. Trabalho muito completo e bem cuidado, focalizado sob a luz da maior atualidade cientifica. Não ha como aborda-lo por partes, porque o trabalho é perfeito e harmonico e sob qualquer perspectiva impressiona magnificamente. Ensinamentos otimos sobre as sinusites e que necessaria torna uma leitura na integra.

Notavel o desenvolvimento dado pelo Prof. Alonso ao tema confiado aos uruguaios, Cirurgia Conservadora do Ouvido Medio. Todos nós que fomos cientificamente educados sob tendencias manifestamente radicais, necessitamos lêr e meditar estas indicações sobre o conservantismo tão bem apresentadas pelo acatadissimo Professor de Montevidéu. Conclue-se do seu magnifico relatorio que a experiencia o leva a ser francamente favoravel á cirurgia conservadora, não só em casos de otorréas simples, como tambem em face de algumas das complicações da otite cronica, sendo bem sucedido mesmo na coexistencia da paralisia do facial. Este fato demonstra pois que este tipo economico de cirurgia pôde ter o seu campo de indicação muito mais dilatado de que geralmente se pensa. Tudo dependerá de tecnica e conhecimento de causa. Muito interessante o criterio do Prof. uruguaio quando estabelece o plano para tais indicações. A idéia primeira será naturalmente a defeza da audição quando ela existe relativamente em bôas condições, desde porém que esta defeza da audição não vá sacrificar a vida do doente, pela pequena amplitude do campo cirurgico, o que pôde acontecer nas supurações perilabirinticas e nas supurações da ponta do rochedo. Depois, não esquecer as condições do paciente em relação á sifilis e á tuberculose, condições estas que devem ser atentamente julgadas para se fugir a um fracasso. Mas não é tudo entretanto, pondera o Prof. Alonso. Ha condições extrinsecas ao doente. As suas condições sociais pódem impedi-lo de sofrer uma grande trepanação como é a radical; outras vezes as suas responsabilidades de familia não permitem um afastamento da atividade por tanto tempo; em outros casos, ao contrario a operação conservadora seria bem indicada, mas o ponto onde o doente reside não permite uma surveillance afim de sofrer uma operação mais ampla na emergencia de haver uma ameaça para o endocraneo e emfim, uma série de fatores muito interessantes que mistér se torna serem sopesados, e que levam ao Professor a uma atitude que ele mesmo chama de "ecleticismo vigilante". Bem evidencia assim a plasticidade do seu espirito, tão necessaria á formação da mentalidade do medico.

O outro tema, tambem de patologia otica e articulado com o precedente, Resultados Imediatos e Afastados da Cirurgia Conservadora do Ouvido Medio, confiado ao Professor Alfredo Alcaino, de Santiago do Chile, foi tambem otimamente desenvolvido, constituindo mais uma magnifica lição. O Prof. chileno não se limitou propriamente ao objeto do seu tema, porquanto, praticamente exgotou tudo que diz respeito ã cirurgia do ouvido pelo conduto. Na primeira parte, depois de uma noticia historica, passou á fisiologia do orgão; na segunda, estudou as anomalias anatomicas e a classificação das afecções cronicas do ouvido medio; na terceira, depois de repassar o tratamento medico e a via retroauricular, desenvolveu, em detalhe, a via endoaural. Parece que o Professor chileno é ainda mais entusiasta do que o uruguaio, no tocante á cirurgia conservadora, pois que, enquanto Alonso faz restrições á indicação frente aos casos de supurações perilabirinticas e petrosas, o Professor Alcaino não inclue estas contingencias como contraindicação á via endomeatica. Diz ele que a unica restrição manifesta para a via endomeatica, reside nas afecções do seio sigmoide, quando ha necessidade de intervir no proprio seio, pois diz que a via do conduto oferece grandes vantagens sobre qualquer outra tecnica em todas as afecções cronicas do conduto e da area timpanica.

Muito dificil, quasi impossivel se torna focalisar um ponto determinado para uma apreciação sobre o tema confiado ao Professor Errecart, tal o equilibrio da materia e o cuidado com que foi tratado o assunto. Diremos porém que, em conjunto, constitue um verdadeiro tratado sobre Fisiopatologia do Labirinto Posterior, no qual numa linguagem clara e didatica, o otologista encontrará os elementos necessarios para conhecer o equilibrio labirintico e as suas perturbações, sob um criterio rigorosamente cientifico e moderno. Quando dizemos moderno, não significa isto entretanto que o Professor Errequard se tenha descuidado da parte historica da fisiologia do ouvido, porque na verdade ele sintetisou todas as conquistas cientificas desde Flourens até os dias de hoje, de modo a envolver no seu estudo toda a contribuição existente sobre o assunto para o seu admiravel trabalho de conjunto.

Muita espectativa se notava no ambiente do grande certamen, para ouvir a palavra do Prof. João Marinho, da Universidade do Brasil, tal a nomeada, que gosa tambem fóra de nossas fronteiras o nosso festejado patricio. Era ele o relator do tema correspondente ao Brasil Norte e garantia com a autoridade do seu nome um estudo de conjunto sobre Sinusite Fronto-etmoidal e seu Tratamento. Assim, todas as delegações colocaram-se atentamente a postos para seguir o pensamento do Prof. Marinho, e conhecer em sintese os ensinamentos que a sua solida base cientifica, a sua grande experiencia e invejavel cultura haveriam de proporcionar sobre o objeto prometido. De fato, o magistral trabalho do eminente Professor, não poderia ser mais aplaudido, porque os citados predicados a todo instante transpareceram com brilho, na relação do tema. Depois do Entendimento Previo, como se fôra introdução á materia, o Prof. entra na Anatomia Medico Cirurgica, descrevendo na perfeição do seu vernaculo todos os detalhes de manifesta finalidade. Releva notar que o estudo é todo baseado em material anatomico proprio, selecionado e trabalhado no anfiteatro de anatomia. Nada de desenhos antiquados e gravuras conhecidas tomados de emprestimo a classicos anteriores, com ou sem anuencia dos originais como tantas vezes acontece em obras similares. Os cortes osseos sucedem-se uns aos outros em perspectivas que muito elucidam e fotografias magnificas que tão bem comprovam o texto. É de notar a parte clinica, pela interdependencia das sinusites, as sinusites maxilares de "causa nasal", quer dizer causadas pelas outras sinusites exigindo atenção pelo seu conceito. Cada uma das vias, nasal, transmaxilar e externa é tratada com muita minucia e detalhe. Depois de muito ensinamento util sobre as varias modalidades das frontoetmoidites, bem acentuada a diferença entre a cura clinica e a cura anatomica, o A., nos outros capitulos, passa a descrever a anestesia, instrumental, para chegar ás conclusões. Na primeira subordina a sinusite maxilar de causa nasal ás frontoetmoidites; na segunda, apezar do seu ecleticismo quanto aos tres tipos de cirurgia, diz que a via transmaxilar será uma via corrente para o tratamento da fronto-etmoido-maxilite; na terceira, sustenta o principio classico de não operar-se as sinusites agudas, a não ser em desespero de causa, pelas complicações, ao mesmo tempo que tambem, em principio, afirma que todas as fôrmas cronicas têm sempre indicada a operação, urgente ou não segundo o aspecto do caso. Em linhas gerais, eis a nossa apreciação de conjunto. Trabalho de muita solidez cientifica, perfeitamente sedimentado pela experiencia, cultura e que tanto elevou as letras medicas do Brasil no grande certamen realisado nas margens platinas.

Não poderia ser mais feliz o relator paulista, "last but not least" ao qual foi confiado o tema do Brasil Sul, sobre as localisações Otorrinolaringologicas das Blastomicoses. Não poderia também ser mais oportuno o Dr. Rafael da Nova, demonstrando nos meios cientificos do Rio da Prata, qual o verdadeiro sentido da palavra Blastomicose, para cujo esclarecimento os cientistas do Brasil têm contribuido decisivamente, focalisando com melhor luz certos recantos ainda obscuros deste capitulo de patologia, porque, como diz o Dr. Nova com muita exatidão, o termo blastomicose é generico e inexpressivo. Depois de um estudo completo e exaustivo das verdadeiras e falsas blastomicoses, fartamente documentado com macro e micro fotografias, passa o A. á sua abundante casuistica contendo ricas, minuciosas e detalhadas observações. A extensão e a natureza do trabalho não comportam uma apreciação em detalhe neste momento mas não me furto ao prazer de afirmar que o Dr. Rafael da Nova sustentou a alta reputação de que gozam os meios cientificos de S. Paulo e que integrou com brilho a delegação do Brasil.

Esses os temas oficiais. Sobreleva entretanto dizer que o exito do Congresso não se apoiou unicamente neles, porque entre o material cientifico avulso, apareceram comunicações interessantissimas subscritas por nomes da maior responsabilidade no mundo medico sulamericano. Gravitando sempre em torno dos temas principais, apareceram comunicados, observações, estudos criticos, concepções modernas sobre etiologia, novas orientações terapeuticas, variantes de tecnicas cirurgicas, enfim assuntos e objetos que foram muito apreciados pelo ambiente cientifico do momento e que demonstraram o grande avanço experimentado pela nossa especialidade nos diversos paizes da America do Sul.

Não foi porém somente a parte teorica que interessou e absorveu a atenção no grande conclave de Buenos Aires. Tambem a demonstração pratica, durante as sessões cirurgicas nos hospitais em muito concorreu para abrilhantar o certamen. Mais uma vez, o Prof. Segura teve ocasião de demonstrar a excelencia e a grande vantagem da via endoseptal para a cirurgia do esfenoide e da sela tursica. Em um caso de tumor da hipofise a que tivemos o prazer de assistir, si ficou evidenciada a sua precisão cirurgica não impressionaram menos a sua elegancia e simplicidade, todos esses fatores que lhe garantem o renome mundial de que desfruta. Depois Cetrá - o homem das 300 laringectomias, si foge ás dissertações de ordem teorica, entusiasma os circunstantes com mais uma demonstração da sua experimentada tecnica. Alonso impressiona á assistencia com um tempo preliminar ás laringectomias, e Alcaino prova com habilidade o porque das suas tendencias para a via endomeatica. Agora os brasileiros, Ermiro de Lima, Estevam de Rezende, Caiado de Castro, Aristides Monteiro, Mauro Perna, operam todos, cada um de per si a evidenciar os seus primores de tecnica. A via transmaxilar porém, seduz a todos, e Ermiro de Lima, o seu campeão, é instantemente reclamado á cena. Tem que multiplicar-se e dividir-se porque si alguns querem conhecer em detalhe os seus pontos de reparo, outros desejam apreciar, em minucias, a sistematisação anatomo-cirurgica do especialista brasileiro. Si o tecnico é aplaudido, o cirurgião tambem convence, e honra, no extrangeiro, a especialidade do Brasil.


Aqui terminam as impressões sobre o grande congresso sulamericano, segundo as notas de um especialista extrangeiro, no tocante ao seu aspeto cientifico. Terão naturalmente falhas e deficiencias decorrentes de erros de perspectivas, facilmente removiveis quando os colegas dispuzerem dos futuros anais. Podemos pois da-las por encerradas.

Ha, todavia, um outro aspeto não menos interessante, que não figurará nos anais, e a respeito do qual se nos impõem algumas palavras, porque não temos o direito de silenciar sobre as cortesias e finezas dispensadas aos congressistas extrangeiros durante a sua estadia em Buenos Aires. Pessoalmente, já nos tinhamos acostumado em visitas anteriores, á fidalguia da acolhida por parte dos nossos amigos do Sul; a oportunidade do instante obrigamos, entretanto, a dizer aos promotores e participantes argentinos do congresso findo, que não foi sem tristeza e saudade que os brasileiros do Norte e do Sul, deslisando pelas aguas tranquilas do Prata, perderam no horizonte as planuras argentinas.

Desde o instante do desembarque, quando atracou o Conte Grande, o ambiente foi propicio, para que em toda a parte se respirasse uma atmosfera de simpatia e de fraternidade, tanto no recinto cientifico do Congresso, como nas recepções particulares, nas salas de cirurgia como nos ambientes elegantes das reuniões, nas excursões aos pontos pitorescos do Prata, como nas visitas aos parques e ás "haciendas" e tudo, enfim, concorrendo para que o acontecimento social em nada ficasse a dever ao sucesso cientifico do certamen.

Assim pois, ao Prof. Segura, cuja impressionante personalidade cientifica não sobreleva ao vulto do cavalheiro, aos Prof. Arauz, Prof. Zambrini, Prof. Errequart, Drs. Tato, Mercandino, Casteran, Haedo, Franchini, Tesone, Cetrá, Bello, Lacarrère, enfim a todos os colegas argentinos, extensivas estas palavras ás Exmas. Snràs. que, com flores tão sómente poderão ser homenageadas, pela graça e encanto cedidos aos nossos passeios e reuniões, por intermedio da "Revista Brasileira de Oto-rino-laringologia", enviamos, comovidos, o nosso agradecimento sincero.

Nota de sonoridade muito agradavel e que no nosso meio fatalmente ecoará, foi a recepção proporcionâda pelo Instituto Argentino Brasileiro de Cultura.

E' bem conhecido o elevadissimo conceito em que é tido, nos meios intelectuais da America Latina, o seu ilustre Presidente, o Professor Arauz Alfaro. Conhecedor profundo da produção brasileira no mundo espiritual, humanista de surpreendente cultura, amigo sincero do Brasil, proporcionou-nos ele, na Séde do Instituto, uma tarde da qual não nos esqueceremos jamais, tal o carinho que reinou no ambiente social então dominante. Na sua formosa alocução saudando os nossos patricios, demonstrou soberbamente o nível intelectual em que vive e quanto inteligente é o seu trabalho por uma perfeita compreensão entre os argentinos e brasileiros. Com muita felicidade e brilho de sempre, o Professor Moraes respondeu á fidalguia do gesto.
Em verdade, não poderia ser mais oportuna e bem recebida a atitude do notavel medico e pensador argentino, nestas horas de tanta angustia, incerteza e desolação para a humanidade.

22-5-40

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