Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Progressos da O. R. L.

Páginas: 183 a 202

 

Sindrome de Menière

Autor(es): Resumo e tradução de J. E. de Rezende Barbosa

Ao terminarmos a leitura do artigo não pudemos escapar á nossa vontade de executar um alentado resumo, ás vezes reproduzidas as palavras do Autor, tanto pela clareza de exposição da autoridade reconhecida de Brunner, quanto pela atualisação da questão do tratamento do sindrome de Menière.

O artigo, constituído por 44 substanciosas paginas, representa um resumo geral do estado atual da questão, apresentando o A. vastissima documentação alheia, que é amplamente discutida, ao lado de suas idéias pessoais. A materia encontra-se sistematizada em: diagnostico, diagnostico diferencial, patologia, prognostico, tratamento e terminando por rica bibliografia onde foram consultados 69 autores.

Diagnostico

O ataque tipo Menière consta de: 1) sintomas cocleares (zoadas, surdez); 2) sintomas vestibulares, (tonturas, nistagmo expontaneo, hipoexcitabilidade labirintica) e 3) sintomas vasomotores gerais. Retendo-se no sub-consciente essa triade sintomatica o diagnostico é facil. No entanto é possível que falte, em um simples ataque, qualquer um daqueles sintomas mencionados, sendo necessario nesses casos observar e controlar o paciente cuidadosamente, pois para se confirmar um diagnostico de Menière é necessaria a existencia daquela triade.

A' otoscopia a membrana timpanica demonstra-se normal, entretanto pode-se observar, entre as crises, uma membrana retraída, fibrosada ou atrofica, com ou sem cicatrizes após perfuração.

As zoadas adquirem intensidade variavel, exacerbando-se antes ou durante o ataque.

Quanto á audição varia de acordo com a evolução da doença: em casos de Menière de curta duração a audição pôde ser normal; nos casos cronicos instala-se uma surdez progressiva e que apresenta, segundo Crowe, a caracteristica de ser flutuante. Quanto ao tipo de surdez varia: de condução pura, de condução e percepção ou de percepção pura. Quando o paciente acusa queda de audição bilateral, a surdez é mais acentuada de um lado que do outro.

De uma maneira geral o Menière produz um aumento agudo da surdez e que permanece após a crise. Muito interessante, tanto quanto de interpretação difícil, é o fato de que, em certos pacientes, as crises vertiginosas são seguidas por uma acentuada melhora na audição.
Os sintomas vertiginosos e o nistagmo expontaneo não constituem elementos constantes que atormentam o paciente entre as crises agudas.

A pesquiza instrumental dos labirintos, quando bem conduzida, revela quasi sempre uma hipoexcitabilidade, o que não é aceito por certo numero de autores, entretanto, como afirmam De Kleyn e Versteegh, si um metodo rigoroso fôr empregado verifica-se que o vestibulo de um lado reage mais facilmente que o outro, apesar de ambos serem considerados como normais. Tudo isso depende, é claro, da extensão e progressão da lesão.

Merece assinalar, ainda, nesta parte de tests da função vestibular, que Vogel determinou, e outros autores confirmaram, nesses pacientes, a existencia de uma predominancia unilateral do nistagmo provocado (Nystagmusbereitschaft).

Mygind e Dederding assinalam, nesses casos, cefaléas, leve edema da pele, nicturia e queda da pressão arterial. Contrariamente, Crowe assinala a pressão sanguinea normal.

Diagnostico diferencial

Tendo-se em mente a tríade sintomatica do síndrome de Menière, o seu diagnostico torna-se facil. Infelizmente, entretanto, raramente os pacientes são observados durante os ataques vertiginosos, sendo pois o diagnostico estabelecido quasi que somente pela historia. Desde que se estabeleça a presença do nistagmo durante o ataque o diagnostico de Menière encontra-se confirmado. Entretanto, friza o A., todos aqueles que tiveram a oportunidade de observar muitos casos de Menière, concluirão que os sintomas subjetivos são identicos aos observados em casos de histeria, enquanto que nesta perturbação funcional faltam aquelas alterações objetivas tipicas do Menière, isto é, a atrofia cronica progressiva do ouvido interno e o nistagmo expontaneo.

Um fato de suma importancia a se ater, no diagnostico de um Menière consiste em que nem todas sensações vertiginosas acusadas pelo paciente são de origem labirintica. Somente os dois tipos classicos de vertigem: a giratoria e a tactil, encontramse ligadas ao labirinto e portanto ao sindrome de Menière.

E' necessario que não se confunda, no diagnostico diferencial, o Menièie verdadeiro com o "pseudo-Menière" introduzido por von Frankl-Hochwart ha anos e revivido, recentemente, por Dandy. São aqueles sintomas que surgem na aura epileptica ou nos ataques histericos, constituidos por vertigens; zoadas, vomitos, sem, entretanto, surdez.

Dandy estabelece que no "pseudo-Menière" os ataques são identicos áqueles do sindrome de Menière, entretanto nunca surge a surdez. Brunner, ao contrario, considera que os ataques descritos por Dandy são ou verdadeiros sindromes de Menière, nos quais uma observação do paciente por maior espaço de tempo demonstrará a queda de audição, ou constituem simplesmente crises vertiginosas associadas á sintomas cerebelares em vez de sintomas cocleares. Essas crises, que não ocasionam zoadas ou surdez, podem surgir em casos de sifilis, hipertensão essencial, escleroses disseminadas, tumores do angulo-ponto, etc. O A. ilustra essa sua opinião citando pormenorizadamente um caso em que caberia a denominação erronea de "pseudo-Menière", que, no entanto, o exame necroscopico demonstrou a existencia de um verdadeiro tuberculo càseoso tuberculoso do hemisfério cerebelar.

De Kleyn e Versteegh distinguem quatro especies de ataques de Menière: 1) pacientes que sofrem de crises vertiginosas independentes da posição da cabeça; 2) pacientes que sofrem de vertigem e nistagmo com a cabeça em certas posições no espaço (nistagmo de posição); 3) aqueles que apresentam sintomas com a cabeça em certas-posições em relação ao corpo; e 4) aqueles que tem vertigem, que, contudo, não se caracteriza pela sensação de estar o proprio corpo do paciente girando, mas que é caracterizada pelo fato de que o paciente percebe o mundo exterior como que em uma direcção obliqua, enviezada.

Etiologia

Existem muitas doenças que podem ou não serem acompanhadas pelo sindrome de Menière: leucemia, trauma craneano, arteriosclerose cerebral, arterioesclerose da arteria vertebral ou da arteria auditiva interna, neurofibroma do coclear, tumores cerebelares, doença de Paget do osso temporal, encefalite, polinevrite cerebral menieriforme com ou sem herpes zoster otico, tabes, neúrolabirintite sifilitica, polinevrite, helmintiases, insolação, otite média cronica adesiva, ostoesclerose.

Em todas essas condições patologicas, e que constituem uma lista incompleta, o sindrome de Menière, quando presente, não passa de um dos sintomas de determinada doença. Trata-se aqui, pois, de um sindrome de Menière sintomatico.

Alem desses casos de um sindrome de Menière sintomatico, existe uma grande serie de casos de etiologia indeterminada. Esses casos são rotulados como "doença de Menière" e não como "sindrome de Menière". Dandy, mesmo, afirma que desconhecemos a causa da "doença de Menière", supondo tratar-se de "meramente uma explosão da função do ouvido interno". ,

Mygind e Dederding definem a "doença de Meniére" como "um mal do oúvido com sintomas labirintos e acusticos que variam periodicamente e que não apresentam qualquer etiologia especial".

Brunner pensa que se deva rotular esses casos de "sindrome de Menière idiopatico", mesmo porque repugna denominar de doença uma entidade de etiologia e patologia desconhecidas. Ainda mais, afirma Brunner, deve existir, forçosamente, uma causa que proporcione esse sindrome de Menière idiopatico, que, até o momento presente, permanece desconhecida. Com toda certeza essa causa será descoberta em futuro proximo, e o sindrome de Menière idiopatico deixará de existir, passando a um simples sintoma de determinada entidade morbida.

A etiologia do "sindrome de Menière idiopatico" tem sido estudada e devassada, ultimamente, por um numero incontavel de laboratoristas e clinicos. Ressaltam entre todos esses estudos aqueles do norte-americano Furstenberg e dos dinamarquezes Mygind e Dida Dederding, visando demonstrar a causa principal do mal vertiginoso em uma perturbação do metabolismo hidrico. Para Furstenberg os sintomas menieriformes correm por conta da retenção do radical sódio pelo corpo. A agua administrada poderá ser tambem retida, no entanto esse fato é de importancia secundaria. Mygind e Dederding afirmam que Furstenberg não dá importancia ao exame das condições auditivas, sendo este o unico que indica o resultado ou falha do tratamento.

Contrariamente a Furstenberg, Mygind e Dederding acreditam que o fator essencial na etiologia do sindrome de Menière idiopatico encontra-se na propensão para reter agua, de uma maneira generalizada como localizada, mas, acima de tudo, nos ouvidos.

Essa alteração do metabolismo hidrico possue uma tendencia a flutuações periodicas, devidas a uma serie de fatores externos e internos que parecem exercer sua ação atravez de um mecanismo vasomotor.

Os fenomenos alergicos, bem como as infecções de fóco são considerados, tambem, na etiologia do Menière idiopatico. A literatura cita diversos casos de sintomas vertiginosos curados pela erradiacão de fócos infecciosos a distancia.

Sem querer forçar os resultados e as expressões de muitos autores, crê Brunner que as infecções focais constituem uma das causas do sindrome de Menière idiopatico e ele mesmo já observou desses casos com infecção de fóco originada na vesicula biliar.

Patologia

O caso primitivo de Menière foi considerado como devido a hemorragia dentro do ouvido interno, entretanto, modernamente, a explicação da patogenia do Menière idiopatico é diversa, não deixando de ser possivel, no entanto, que a hemorragia do ouvido interno ocorra no sindrome de Menière sintomatico.

A dificuldade em se estabelecer a patogenia exata do Menière idiopatico é devida, certamente, á quasi impossibilidade de se obter exame necroscopico desses pacientes, pois os mesmos sobrevivem longos anos e o exito letal é devido a causa diversa.

Consequentemente, como afirma Brunner, "as hipoteses brotam como os cogumelos após a chuva". A origem do sindrome foi localizada no cerebro (Thornvall), n.° 8 par (Dandy), no ouvido interno e no ouvido médio.

Cerebro: segundo Thornvall, cujo ponto de vista é simplesmente teórico, as celulas nervosas do centro otolitico, localizado no tronco do encefalo, carregam-se gradualmente com irritantes e quando essa pressão alcança um determinado ponto estala uma subita descarga e que constitue o ataque de Menière.

Pensa o A. em ser dificil provar essa teoria, sabendo-se mesmo que o sindrome de Menière sintomatico é raramente observado nas lesões organicas do cerebro. Afirma Brunner que, apesar-de inumeros tratadistas enumerarem os ataques de Menière entre os sintomas das escleroses disseminadas, encefalites, etc., carece de importancia essa afirmativa, pois em nenhuma das descrições ficou provado tratar-se, de fato, de um sindrome de Menière completo. No entanto, o sindrome tipico de Menière pôde surgir, raramente, entre os sintomas das lesões organicas cerebrais.

8º par craneano: segundo Dandy o Menière idiopatico encontra-se ligado ao nervo acustico. Afirma esse autor que uma lesão no ouvido interno não pode atingir ambas divisões do oitavo par. Como bem diz Brunner uma afirmativa dessa ordem contraria o estabelecido pela experiencia dos otologistas: "E' fato clinico estabelecido que os sintomas agudos de irritação.ou destruição de ambas divisões do ouvido interno indicam uma lesão dentro do ouvido interno, enquanto que os sintomas agudos de irritação ou destruição de uma divisão do ouvido interno, indicam uma lesão alem do ouvido interno, isto é, no nervo". Consequentemente, o acometimento simultaneo de ambas divisões do oitavo par fala pelo ouvido interno como séde da doença e não o nervo. Outra prova concludente de que a séde do Menière é o ouvido interno, é o fato de que durante o ataque os sintomas vertiginosos aumentam com os movimentos da cabeça.

E' preciso que se frize que, como não foi provado encontrar-se a origem do Menière idiopatico ligada ao 8.° par, não quer isso dizer, entretanto, que o sindrome de Menière sintomatico não possa surgir entre os sintomas de certas lesões do 8.° par, tais como os tumores do acustico ou na polinevrite cerebral menieriforme.

Ouvido Interno: nesse capitulo temos que considerar, separadamente, quatro interpretações diversas da patologia do Menière idiopatico, todas elas, no entanto, baseadas em alterações no ouvido interno: Sistematizando consideraremos, em ordem, as idéias de Wittmaack, de Berggren, de Hallpike e Cairns e, por ultimo, as idéias pessoais do A., Hans Brunner.
O caso examinado e descrito por Wittmaack demonstrou, na autopsia, uma obstrucção do aqueduto coclear em consequencia a uma concreção. Concluiu Wittmaack que essa concreção impedia o livre transito da perilinfa, produzindo um aumento de pressão nos espaços perilinfaticos e, consequentemente, o ataque vertiginoso. Wittmaack compara os ataques de Menière com as crises devido aos calculos da vesicula biliar e renais.
De outro lado Berggen, em paciente portador de intensos ataques de Menière, não conseguiu demonstrar, na autopsia, alteração alguma para o lado dos ossos temporais quanto no cerebro. Quanto ao estado do aqueduto coclear ha falhas de dados em sua observacão.

Hallpike e Cairns contribuem ao estudo da patologia do Menière com dois casos controlados pela autopsia.

Resumidamente os achados foram os seguintes: 1.° caso: otite média cronica adesiva bilateral; no temporal E. grande dilatação (ectasia) da escala média da cóclea e saculo, com obstrucção dos espaços perilinfaticos do vestibulo e escala vestibular; aqueduto coclear esquerdo cheio em toda sua superficie por coagulo roseo; aqueduto coclear direito livre. 2.° caso: exame do temporal esquerdo: 1.°) grande dilatação (ectasia) do saculo e escala média da cóclea, com obliteração da cisterna perilinfatica e da escala vestibular, o aqueduto coclear contendo em toda sua extensão densas massas de eritrocitos com esparsos e raros pequenos linfocitos e polimorfonucleares; 2.°) degeneração do orgão de Corti; 3.°) degeneração do epitelio da macula e da crista dos canais semi-circulares; 4.°) degeneração da estria vascular.

Hallpike e Cairns identificaram seus achados microscopicos ao Hydrops labyrinthi descrito por Wittmaack, como sendo o resultado da reacção do ouvido interno á agressão pelas bacterias ou outras 'toxinas que o atingem atravez da janela redonda ou pela corrente sanguinea.

Não resta duvida que a contribuição trazida por Wittmaack, Berggren, Hallpike e Cairns, ao esclarecimento da patologia do Menière idiopatico, não é das mais satisfatorias nem das mais ricas, pois o numero de casos examinados com critério é minimo. De outro lado as conclusões desses AA. são discordantes em parte. Para Wittmaack trata-se de uma obstrução do aqueduto da cóclea com o consequente aumento de pressão nos espaços perilinfaticos; para Hallpike e Cairns não passa de um hidrops labirintico com consequente aumento de pressão nos espaços endolinfaticos e, finalmente, Berggren nada encontrou.
Entretanto, em um ponto comum, mais ou menos, todas teorias se tocam: as alterações que ocasionam o Menière originam-se nos fluidos do ouvido interno.

Baseado nesses fatos, e para melhor intender e demonstrar a patologia dos fluidos labirinticos, Brunner executou uma serie de experiencias e que passaremos a descrever: após traumatisar o craneo de uma cobaia, sem produzir fratura, o exame microscopico do osso temporal demonstrou que o ouvido médio encontrava-se normal, mas o ouvido interno apresentava infiltração perivascular linfocitaria, exudato seroso com raros linfocitos nos espaços perilinfaticos, e discreta dilatação da escala média.

Determinadas essas alterações, e que não podem ser consideradas como artificiais, surge uma questão, como afirma Brunner, e que consiste na classificação desses achados patologicos. Não podem ser imputados como um hidrops labirintico, pois, segundo Wittmaaek, o hidrops labirintico é consequente á invasão toxica, quimica ou de irritantes fisicos que ganham o ouvido interno atravez a janela redonda ou meato auditivo interno. Nada disso aconteceu nas experiencias de Brunner. Ainda mais, o hidrops é o resultado da hipersecreção da estria vascular, ao passo que nessas experiencias as alterações originaram-se nos vasos sanguineos. O hidrops não passa de uma hiperprodução de endolinfa normal, ao passo que na experiencia de Brunner trata-se de um exudato, com linfocitos, nos espaços perilinfaticos, acrecido de hipersecreção de endolinfa. Finalmente, no hidrops as alterações se passam nos espaços endolinfaticos, ao passo que nas experiencias de Brunner elas são acentuadas nos espaços perilinfaticos e menos evidentes nos espaços endolinfaticos.

As alterações patologicas do ouvido interno obtidas pelo trauma craneano da cobaia, sem fratura, não constituem um simples hidrops labirintico, como afirma Wittmaack, mas sim uma otite interna serosa, com certas particularidades. Comumente a otite interna serosa é devida á invasão bacteriana ou, com mais frequencia, á invasão do ouvido interno por metabolitos bacterianos advindos do ouvido médio, da meninge (raramente) ou carreados pela corrente sanguinea. Nas experiencias de Brunner, entretanto, o ouvido médio e a meninge eram normais e não havia infecção sanguinea. Consequentemente trata-se não de uma otite interna serosa de origem bacteriana, mas de uma forma especial de otite interna serosa. Segundo Brunner, a patogenia é de facil explicação. Desde que as alterações vasomotoras no cerebro constituem uma das principais consequencias de um trauma craneano, e desde que os vasos sanguineos do ouvido interno pertencem ao circulo arterial de Willis, é logico admitir-se como sendo produto de perturbações vasomotoras todas aquelas alterações encontradas no ouvido interno da cobaia. Consequentemente, Brunner denomina a otite interna serosa, determinada experimentalmente na cobaia, de otite interna vaso-motora. Trata-se de uma otite interna serosa produzida por qualquer irritante que afete os nervos vasomotores do ouvido interno, excepção feita aos irritantes bacterianos.

Esses achados experimentais de Brunner foram confirmados, pelo mesmo A., em temporais humanos. Em 1921, examinou, Brunner, o temporal de paciente idoso, que apresentava em vida um sindrome menièriforme, com vertigem, surdez, hipoexcitabilidade labirintica, e que falecera de erisipela. O exame microscopico dos temporais revelou um caso tipico de doença de Paget dos temporais. Não havia inflamação do ouvido médio. No ouvido interno, do lado esquerdo, acentuada ectasia da escala média, saculo e parcialmente do utriculo, acentuada degeneração do orgão de Corti e nervo coclear, atrofia da macula e crista e obliteração do aqueduto coclear. Em resumo, existiam as mesmas alterações descritas por Hallpike e Cairns, excepto a doença de Paget do osso temporal.

Em 1931, teve Brunner ocasião de observar e controlar pela autopsia outro caso, de passado mais ou menos identico, em que os achados microscopicos revelaram um Paget tipico dos ossos temporais, ausencia de inflamação do ouvido médio, e a existencia de uma otite interna serosa tipica, em ambos os lados, com ambos aquedutos coclares livres.

Diz Brunner que em cinco casos de doença de Paget, ele encontrou otite interna serosa quatro vezes. As conclusões do A. são as seguintes: "si uma osteite, como a doença de Paget, atinge o endosteo do ouvido interno em grande extensão, pôde desenvolver-se uma labirintite serosa. Desde que não exista bacteria piogenica no ouvido médio, meninge ou na corrente sanguinea, e desde que a doença de Paget não é de origem bacteriana, de acordo com nossos conhecimentos atuais, a otite interna serosa encontrada em nossos casos não é produzida por bacteria ou por seus metabolitos. Consequentemente, trata-se de uma otite interna vaso-motora, como foi determinada, experimentalmente, após trauma craneano".

Tal como acontece na labirintite serosa, a otite interna vasomotora poderá desaparecer sem deixar rasto, isto é, conservando-se a integridade anatomica e funcional dos elementos nobres do ouvido interno. Nesses casos o exudato formado elimina-se, principalmente, atravez do aqueduto coclear.

No entanto, em casos de otite interna vaso-motora grave, tal como acontece no Paget onde o mecanismo vaso-motor neural encontra-se comprometido, os orgãos terminais do ouvido interno podem estar comprometidos: 1.°) a pars inferior (orgão de Corti e macula saculi) e 2.°) a pars superior (macula utriculi e crista ampolar).

Desde que o exudato, como já foi estabelecido, escapa-se do ouvido interno atravez do aqueduto coclear, produz-se, facilmente, uma parada do exudato dentro do estreito canal, resultando em obstrucção desse canal pelo exudato, tecido conjuntivo ou concreção. Consequentemente, a obstrucção do aqueduto coclear não é, como acredita Wittmaack, a causa; é antes a consequencia da otite interna vaso-motora.

Encontrando-se perturbados em seu livre transito, devido ao bloqueio do aqueduto coclear, o exudato e a perilinfa encarcerados nos espaços perilinfaticos ganham, por difusão, os espaços endolinfaticos. Disso tudo resulta alteração marcada das membranas do ouvido interno: o exudato dos espaços perilinfaticos, por viscosidade, atrae as membranas, e o hidrops labirintico empurra-as na mesma direcção. Esse deslocamento das membranas
póde-se tornar permanente desde que o exudato dos espaços perilinfaticos se organize em tecido conjuntivo. Processo identico, e em curto espaço de tempo, é observado nas labirintites serosas.

E' claro que esse deslocamento póde ocorrer somente naquelas partes do ouvido interno onde normalmente não existe tecido perilinfatico, isto é, na coclea, saculo e parcialmente no utriculo.

Desde que a organisação do exudato necessita um certo espaço de tempo, observa-se a dilatação (ectasia) da pars inferior do ouvido interno somente em casos que tenham sofrido do sindrome de Menière por um longo periodo.

Brunner colocou o assunto nesse pé, com respeito a patogenese do Menière idiopatico, mas por ultimo levantou a questão da possibilidade ou não de serem essas alterações patologicas, descritas no ouvido interno, a causa atual do sindrome de Menière. A felicidade que teve o A. de observar, seguir e praticar o exame necroscopico de um caso que passamos a descrever, esclareceu a questão levantada pelo mesmo autor.

Uma mulher, com 68 anos de idade, adoeceu repentinamente com ataques vertiginosos giratorios, vomitos, zoadas e queda de audição em ambos õuvidos. Wassermann positivo no liquor. Duas semanas e meia após o ataque de Menière a paciente falecia. O exame microscopico revelou uma doença tipica de Paget dos ossos temporais. Não havia inflamação do ouvido médio, mas existia uma otite interna serosa tipica com degeneração de todos orgãos terminais do ouvido interno.

Crê Brunner que esse caso "encerra a questão" ("closes the circuit"), pois o mesmo, um Meni.ère tipico estabelecido poucos dias antes da morte da paciente, demonstrou, anatomo-patologicamente, tratar-se de um caso tipico de otite interna vaso-motora. Não resta duvida, para Brunner, que o ataque de Menière corresponde a um ataque de otite interna vaso-motora.

Para terminar essa questão da patologia do sindrome de Menière e ouvido interno, relataremos, aqui, algumas importantes diferenças entre a otite interna vaso-motora e a rinite vaso-motora: 1.°) a secreção aquosa na rinite vaso-motora origina-se dos vasos sanguineos e glandulas da mucosa nasal. No ouvido interno não existem glandulas; 2.°) os vasos sanguineos da mucosa nasal encontram-se mergulhados em tecido frouxo. Como consequencia, a mucosa nasal pôde inflamar-se ou retrair-se com facilidade. Os vasos sanguineos do ouvido interno repousam em estreitos canais osseos ou exatamente abaixo do endosteo. Uma acentuada inflamação desses tecidos não é possivel; 3.°) a secreção produzida pela rinite vaso-motora escôa-se facilmente das fossas nasais pelas narinas ou pelas coarias. A secreção produzida pela otite interna vaso-motora escôa-se do ouvido interno somente por estreitissimos canais. Em consequencia essa secreção pôde ser facilmente bloqueada dentro do ouvido interno; 4.°) não existem estruturas no nariz que possam ser alteradas pela secreção. No ouvido interno. existem os delicados orgãos terminais que podem ser alterados temporaria ou permanentemente pela secreção.

E' verdade que a concepção da patologia do Menière, de Brunner, basea-se em estudos de casos de sindrome de Menière sintomatico (trauma craneano, doença de Paget). Contudo, como Brunner considera o sindrome de Menière idiopatico como sendo um sindrome de Menière sintomatico com uma etiologia desconhecida, parece logico estabelecer-se, como pondera Brunner, que em ambos os sindromes, idiopatico e sintornatico, a patologia é identica, como ficou provado pelos casos de Wittmaack, Berggren, Hallpike e Cairns.

Ouvido médio: existem duas entidades morbidas do ouvido médio, não purulentas, que são, algumas vezes, acompanhadas por um sindrome de Menière sintomatico: a otoesclerose e os processos adesivos cronicos do ouvido médio. Em ambos processos ainda não se conseguiu determinar alterações do ouvido interno e que explicassem os ataques de Menière. Poder-se-ia explicar os ataques de Menière, na otoesclerose, pela possivel existencia de fócos de esclerose na concavidade do canal semicircular superior, nas paredes do meato auditivo interno ou a concomitancia de um processo de otoesclerose associado a um processo adesivo cronico do ouvido médio.

Apesar das observações em contrario, Brunner pensa, e tem longa e rica observação de casos, que os processos cronicos adesivos do ouvido médio não raramente apresentam, entre seus sintomas, ataques de Menière. Segundo Brunner a patogenia, nesses casos, é hipotetica. Nos processos adesivos cronicos existe sempre algum exudato entre as adesões, contendo, ás vezes, acentuado teôr celular, exudato esse que se localiza, com frequencia, nos nichos das janelas. E' muito possivel que as proteinas originarias desse exudato atravessem, por difusão atravez as janelas, para o ouvido interno e originem uma otite interna vaso-motora. Essa hipotese é tanto mais plausivel si se considerar a observação clinica que nos processos adesivos cronicos do ouvido médio os nervos vaso-motores do ouvido são hiperexcitaveis, como o prova facilmente observando os vasos da membrana e conduto auditivo externo, e que se injectam facilmente após qualquer manobra delicada no conduto.

Entretanto, como afirma Brunner, não existem razões para se considerar o ouvido médio como o sitio de origem do sindrome de Menière idiopatico.

Prognostico.

No capitulo do prognostico do sindrome de Menière temos que considerar tres sintomas que interessam tanto ao medico assistente quanto ao paciente: os sintomas vertiginosos, a surdez progressiva e as zoadas. Quanto á queda progressiva da excitabilidade labirintica interessa somente ao clinico e não ao paciente.

Os sintomas vertiginosos são mais acentuados durante as crises que no intervalo das mesmas. Para Frankl-Hochwart que observou, talvez, o maior numero de casos, 208 pacientes, o prognostico das vertigens é relativamente bom, podendo persistir desde poucas semanas até certo numero de anos. No fim de certo tempo essas crises vertiginosas cessam bruscamente ou diminuem gradativamente em intensidade e frequencia.

Thornvall, que observou 15 pacientes por longo tempo, é da mesma opinião, tendo verificado que os sintomas vertiginosos persistiram em alguns casos pelo espaço de 6 mezes e em outros durante 12 anos e cessaram em seguida somente com o tratamento sintomatico ou sem tratamento algum.

Brunner advoga a opinião comum dos dois autores, entretanto tem observado casos em que as crises vertiginosas desapareceram mas não as crises de nistagmo expontaneo. Esses pacientes queixam-se de cefaleas e certa instabilidade corporal, mas conseguem erguer-se do leito sem auxilio e podem, tambem, caminhar sem apoio, necessitando, somente, de prestar maior atenção ao ambiente. Examinando-se esses pacientes topa-se com um nistagmo expontaneo do 3.° gráu.

Resumindo, não existem duvidas quanto a possibilidade de desaparecimento expontaneo dos sintomas vertiginosos no sindrome de Menière. No entanto esse acontecimento não pôde ser prognosticado em cada caso e quando irá acontecer. Esse fato adata-se muito bem á fisiologia do labirinto humano. Já foi demonstrado por Maupetit que existe uma adatação á vertigem labirintica, e os casos de labirintite purulenta aguda provam esse fato, lembrando-se que as vertigens podem desaparecer apesar de permanecer um nistagmo expontaneo do 2.° gráu.

Consequentemente, afirma Brunner, torna-se dificil compreender o que conduziu Dandy a afirmar: "Uma vez iniciado o mal de Menière ele jamais cessará expontaneamente". No que diz repeito aos sintomas vertiginosos, diz Brunner, essa afirmativa certamente não é verdadeira. McKenzie, Olivecrona e Horrax, todos neuro-cirurgiões, citam casos de sindrome de Menière que ficaram livres de suas crises vertiginosas expontaneamente ou após tratamento conservador.

Quanto ao prognostico da audição, como já afirmou FranklHochwart, é máu. Si o complexo sintomatico for de curta duração é muito possivel que o sindrome de Menière não altere de todo a audição. Si, contudo, estabelecer-se uma queda de audição unilateral, essa queda torna-se progressiva e pôde atingir o lado oposto, apesar da surdez bilateral total, nesses pacientes, ser rara.

Todos autores que se interessaram pelo assunto observaram alguns casos em que a audição melhorava sensivelmente após os ataques de Menière e assim permanecia. Thornvall lembra que tal fato, de dificil explicação, surge no inicio do estabelecimento do sindrome.
Quanto ao prognostico das zoadas é pessimo, sendo entre os sintomas do Menière o que pior prognostico apresenta. São raros os casos de Menière, controlados a distancia, que não apresentam o sintoma zoada. O comum, ao contrario, é o estabelecimento inicial do sindrome com zoadas e que persistem mesmo após surdez completa do paciente. Rara, tambem, é a observação de casos em que as zoadas cessaram antes do estabelecimento de uma surdez completa.

Enquanto o paciente, ao fim de certo tempo, acostuma-se com os sintomas vertiginosos, quanto ás zoadas essa adatação do inviduo raramente se dá. Outra diferença é aquela de que o desaparecimento da vertigem depende mais do ouvido interno do que as zoadas. Si o labirinto for destruido, a vertigem comumente desaparece, pois está provado que não existe lesão do nervo ou do cerebro que por si só gere o sintoma vertigem. O estado vertiginoso é sempre compensado por um mecanismo central, exista ou não lesão no ouvido interno, ao passo que as zoadas continuam a perseguir o paciente mesmo que o fóco do ouvido interno tenha sido removido. Não se conhece um mecanismo central de compensação das zoadas. Como consequencia, o estado vertiginoso não só possue um melhor prognostico que as zoadas, desde que é possivel uma compensação central para as vertigens como para o nistagmo, como é mais facilmente influenciado pelo tratamento.

Tratamento.

O tratamento do sindrome de Menière depende da doença causal, existindo, é claro, tratamento adequado para a doença causal, como por exemplo, na lues, nos processos adesivos cronicos do ouvido médio. Não existindo tratamento especifico para a doença causal, como por exemplo, na doença de Paget ou após choque cerebral, o sindrome de Menière sintomatico tem de ser considerado como sindrome de Menière idiopatico.

Existem dois tipos principais de tratamento do sindrome de Menière idiopatico: o radical e o conservador. O tratamento radical, iniciado com Charcot, consiste em destruir o ouvido lesado. Isso pode ser obtido por diversos metodos: a) pela administração de certos medicamentos, como a quinina (Charcot) ; b) abertura cirurgica e curetagem do labirinto e seu conteúdo (Hautant, Putnan); e c) pela secção do 8.° par craneano (Dandy). São tambem recomendados os seguintes processos cirurgicos: abertura do saco endolinfatico (Portmann), operação no simpatico cervical (Brunetti) ou injecção de alcool atravez de um orificio praticado no canal semi-circular horizontál (Mollison) ou atravez a janela oval (Peacock). Esses processos, entretanto, não entraram na pratica corrente.

O tratamento conservador encontra-se, ainda, em sua fase experimental. Alem das medidas higienicas corriqueiras (atmosféra livre de pó, abolição de excitações de qualquer especie), recomenda-se, tambem, a administração de brometos, luminal, pilocarpina, atropina, adrenalina, preparados ovarianos, ferro, irradiação com luz a arco de carvão, banhos carbo-gazozos, banhos sulfurosos, etc., etc. Thornvall utiliza-se de tabletes de paratiróide e calcio. Alguns otologistas recomendam punções raqueanas, o que Brunner combina com insuflação de ar no canal espinal. O A. recomenda o tratamento combinado com iodo e calcio. Von Frankl-Hochwart obteve bons resultados com a galvanização da cabeça, e German com ondas ultra-curtas.

Não resta duvida que esse tratamento conservador é como que "andar-se ás apalpadelas no escuro", apesar de, indiscutivelmente, um bom numero de casos ter obtido sucesso com essa conduta terapeutica. Finalmente, Mygind e Dederding, de um lado, e Furstenberg, de outro, colocaram o tratamento conservador sobre bases cientificas. De acordo com seus trabalhos, os casos são tratados com medidas dietéticas, diéta esta que consiste essencialmente numa restrição na administração de liquidos e sódio; e prevenindo o acumulo de sódio no corpo pela administração de sáis que produzem acidos, como o cloreto de amônio, Furstenberg descreve, detalhadamente, a lista de alimentos que são permitidos e aqueles que devem ser proscritos. Brown relata resultados com esse tratamento. Brunner inclue, no tratamento conservador, a erradicação dos fócos infecciosos do corpo, como afirmou, recentemente, Wright.

Existe, pois, um grande numero de medidas terapeuticas empregadas no sindrome de Menière. Todos autores obtem sucesso com seu proprio tratamento, desde que proximamente todos possuem suas proprias idéias a respeito do sindrome de Menière. Antes de instituir a terapeutica é necessario, como pondera Brunner, verificar si estamos tratando com um caso de Menière sintomatico ou com um caso idiopatico. Somente em caso de falha dos meios clinicos em revelar a etiologia é que poderemos considerar o caso como um sindrome idiopatico. Alem disso, surge outra questão: o caso deve ser tratado conservadora ou radicalmente? Para que se julgue, então, é necessario que se conheça os diferentes resultados dos processos cirurgico e conservador. E' o que passaremos a considerar.

Na apreciação dos tratamentos radicais, em vista da falta de estatisticas convincentes, deve-se considerar somente os resultados obtidos pela seção cirurgica do 8.° par craneano. Crowe relata 49 casos nos quais ambos os ramos do 8.° par foram seccionados. Em todos os casos os sintomas vertiginosos cessaram, mas somente em 24 casos (49 %) as zoadas desapareceram, e todos os casos ensurdeceram do lado operado. O mesmo Crowe relata, tam bem, 72 casos em que o ramo vestibular, somente, foi seccionado. Entre esses casos, 22 deles (30,5 %) acusaram peiora da surdez do lado operado; em 36 (50 %) a surdez do lado lesado permaneceu imutavel e, em 14, ou 19, 5 % , a surdez do lado atingido melhorou bastante, enquanto que os sintomas vertiginosos, em todos os casos, pelo menos aparentemente, desapareceram. Todos autores que se interessaram pelo assunto (Dandy, Crowe, McKenzie, Coleman, Olivecrona, Hallpike e Cairns e Horrax) afirmam que as zoadas desaparecem somente em certo numero de casos, mesmo no caso de secção completa do 8.° par; contudo não se pôde obter dados exatos.

Na apreciação do tratamento conservador, podemos considerar somente os resultados publicados por Mygind e Dederding e Wright. Mygind e Dederding trataram de 157 pacientes pelo seu processo dietético. Cento e cincoenta desses pacientes restabeleceram-se das vertigens e nistagmo, e em 85 deles a surdez apresentava melhoras acentuadas quando os mesmos deixaram o hospital. Os resultados foram permanentes em 67 pacientes sofredores de vertigem, e em 29 com queda de audição.

Wright erradicou todos os fócos de infecção encontrados, em 23 casos. Os resultados foram os seguintes: 10 casos curaram-se, isto é, os sintomas vertiginosos desapareceram e a audição voltou ao normal. Em 13 casos as vertigens desapareceram mas a audição permaneceu inalterada, ou as melhoras não foram definitivas. E' lastimavel, afirma Brunner, que todas estatisticas não consideram a importancia das zoadas, desde que, a respeito do prognostico do sindrome de Menière, as zoadas constituem o mais rebelde dos sintomas e apresentam pouquissima tendencia á remissão expontanea e á sua cura expontanea. Portanto, esse sintoma constitue o melhor criterio do sucesso ou falha do tratamento. Outra falha nessas estatisticas é a falta de observação dos pacientes por longo espaço de tempo. Somente Crowe cita que a média de observação dos casos, no espaço de tempo decorrido entre a operação e o ultimo exame, foi de dois anos mais ou menos. Apesar disso, temos que comparar a presente estatística desde que não exista coisa melhor.





Considerando somente a cura dos sintomas vertiginosos, Dandy e Crowe obtiveram os mesmos resultados com a secção do 8.° par, como Wright com a erradicação dos fócos infecciosos. Os resultados de Mygind e Dederding são, aproximadamente, 50 % piores. O ultimo numero, entretanto, necessita uma explicação. Mygind e Dederding dividem os seus resultados em curas transitorias e permanentes. Si considerarmos os resultados transitorios, eles curaram, no que diz respeito aos sintomas vertiginosos, não 42,7 % mas 95;5 % de seus casos. Desde que não é exato que Wright, Dandy e Crowe, controlaram seus casos pelo mesmo espaço de tempo que o fizeram Mygind e Dederding, não se deve considerar, definitivamente, que o menor numero de casos de cura relatados por Mygind e Dederding se explique pela menor acção de seu processo de tratamento. De qualquer maneira, a comparação estatistica prova que é possivel obter-se, com os processos conservadores, particularmente com a erradicação dos fócos infecciosos, quasi que percentagem de curas identica áquela obtida com a secção do nervo.

Considerando-se a melhora definitiva da audição, não existe diferenca acentuada entre o numero de curas obtidas pelo processo radical e o numero das verificadas pelo tratamento conservador. Aqui, os resultados de Wright são bem melhores que os de Dandy e Crowe. Entretanto, acentue-se, o numero de casos observados por Wright é bem menor que aqueles observados por Dandy e Crowe. E' possivel, no entanto, que os casos tratados por Dandy e Crowe encontravam-se em fase mais avançada que os de Wright.

Resumindo, afirma Brunner, temos a dizer que os resultados obtidos pela secção do 8.° par não são convincentemente superiores áqueles verificados após o emprego de metodos mais conservadores, especialmente si tivermos em mente, primeiro, que existe, indiscutivelmente, uma cessação expontanea ou remissão da vertigem por longo espaço de tempo; e, segundo, que os resultados da operação quanto ao prognostico das zoadas são definitivamente piores que aqueles para as tonturas. Ainda mais, não podemos concordar com Dandy, afirma o A., quando o mesmo diz: "O tratamento, praticamente, não acarreta risco". Os dois casos publicados por Hallpike e Cairns, que morreram após secção do nervo, provam o contrario. Tambem, McKenzie perdeu um caso entre 12, e, finalmente, Rutherford cita um caso fatal. Admite o A. que essas fatalidades ocorrem raramente, acrescido, ainda, pela ultima estatistica de Dandy, 264 operações sem nenhum caso fatal. Essa brilhante estatistica, contudo, não exclue o fato que outros cirurgiões observaram casos fatais; e que essa ocorrencia não é plausivel em uma doença que, por si só, jamais conduz á fatalidade.

Entretanto existem riscos menores que necessitam de consideração. O proprio Dandy fala de paresia facial post-operatoria em dois casos, o mesmo acontecendo a Munro, Coleman e Cairns. Esse acidente, contudo, é distituido de importancia, desde que a paresia desaparece após curto intervalo, ainda mesmo que Olivecrona e Ombrédanne, apresentem paralisia facial após a operação.

Muito mais importante é o perigo de lesão do coclear. Inicialmente, a secção de todo 8.° par, isto é, ramos vestibular e coclear conjuntamente, foi indicada como tratamento do sindrome de Menière. Em 1933, Dandy recomendou aquela intervenção "porque o paciente nada perde pela secção do nervo auditivo exceto o resto de audição que é distituido de valor pratico". E' recomendavel, entretanto, salvar qualquer resto de audição que se encontre presente, e constitue um grande prejuizo para o paciente si o mesmo perder francamente uma bôa capacidade de audição pela operação. Casos tais são citados por Crowe, Mc Kenzie e Ombrédanne, e, provavelmente, não foram mencionados por outros autores. Contrariamente, Coleman e Lyerly afirmam que quasi todos seus pacientes asseveram que passaram a ouvir mais nitidamente apesar do sacrificio do ramo coclear do lado afetado, fato este devido, provavelmente, ao desaparecimento das zoadas perturbadoras no ouvido doente. Essa observação é de interpretação dificil, pois como falar em melhora de audição si o ramo coclear foi inteiramente sacrificado.

Apesar desses resultados milagrosos, Brunner está de pleno acordo com Crowe quando afirma que a operação ideal é aquela em que todas fibras vestibulares são secionadas e todas fibras cocleares são poupadas. Tal operação, contudo, é dificil. Coleman e Lyerly acreditam-na impossivel. McKenzie, que estudou de uma maneira completa, a anatomia do 8.° par, encontrou uma ausencia de septo fibroso separando as fibras vestibulares e cocleares no 8.° par. Esse A. conclue que não é possivel, com exatidão, fender o nervo; contudo, ele acredita que a secção pode ser suficiente para os fins clinicos a que se propõe si a metade cefalica e dorsal do nervo auditivo for sacrificada. Cairns e Brain recomendam a secção da metade externa do 8.° par, a qual, supõe-se, contem as fibras vestibulares. Dandy acentua que a audição permanece perfeita ou quasi perfeitamente intáta, si 3/4 ou 4/5 do nervo auditivo são seccionados. Ombrédanne secciona atravez do ramo vestibular no 1/3 médio do 8.° par quando a porção coclear repousa por detraz do ramo vestibular, sendo que o ultimo parcialmente recoberto.

E' claro que não exitse metodo que seccione unicamente o ramo vestibular, e ainda naqueles casos nos quais ambos ramos parecem correrem separadamente, na operação, um exame anatomico revelará, provavelmente, que esta divisão não é verdadeira. Dandy parece concordar com aquela afirmativa, desde que escreve que a secção da metade anterior do nervo deixa o ramo auditivo "intáto ou praticamente como tal". Brunner admite que, microscopicamente, os ramos coclear e vesitbular podem, muitas vezes, serem distinguidos, desde que as bainhas de mielina do ramo vestibular são mais espessas que aquelas do ramo coclear, fato este já assinalado por Alexander ha anos.

No entanto, sob o ponto de vista anatomo-cirurgico, aquela secção não é possivel, sabendo-se que o nervo saculo-ampular muitas vezes repousa quasi que na espessura do nervo coclear. Consequentemente, si um neuro-cirurgião pretende seccionar todo nervo vestibular, parece-me, diz Brunner, que o mesmo afirma executar mais do que, até o momento, é possivel, desde que raramente pôde conhecer exatamente quantas fibras ele cortou. Essa incerteza explica os casos nos quais o labirinto responde á prova calorica, apesar da secção de "todo" nervo vestibular, os casos nos quais a audição foi salvaguardada apesar da secção de "todo" 8.° par, e, finalmente, os casos em que as funções do labirinto e da coclea desapareceram após a secção isolado do ramo vestibular. Diversos neuro-cirurgiões, portanto, acentuam que para fins praticos, isto é, para a cura das crises vertiginosas, não é necessaria a secção de todo nervo vestibular. Nesse caso, a operação em si não preenche a doutrina patologica, desde que uma doença aguda de uma parte isolada dos canais semi-circulares ou de um ramo do nervo vestibular é desconhecida.

Todos esses argumentos apresentados, diz Brunner, não visam desacreditar a operação. Eles acentuam, somente, as indicações precisas para a operação, ponto esse com o qual concorda um grande numero de neuro-cirurgiões. Encontramo-nos, sem duvida, longe de considerar o tratamento conservador como o ideal, ainda que não concordemos com Cawthorne e Fawcett que consideram o regime dietético como somente um paliativo, mas nunca como curativo.

Sem duvida, uma desvantagem do tratamento conservador, especialmente o dietético, é a necessidade de hospitalização do paciente. Mygind e Dederding, bem como Furstenberg, acentuam esse ponto e conservam o paciente hospitalizados pelo espaço de 8 a 10 dias. Finalmente, Olivecrona determinou que certos individuos são muito sensiveis ao tratamento dietético.

Resumindo, diz Brunner, precisamos dizer que, no momento, a seguinte conduta parece ser recomendada: em cada caso de sindrome de Menière é preciso, primeiramente, que se estabeleça a natureza do caso, isto é, si estamos em face de um sindrome de Menière sintomatico ou si se trata de um Menière idiopatico. Sem duvida, que com o maior apuro do exame geral do paciente o numero de casos de sindrome de Menière idiopatico diminuirá. Si, após exame completo do paciente, o caso tiver de ser rotulado como um sindrome de Menière idiopatico ou como um sindrome de Menière sintomatico com uma patologia intratavel (doença de Paget), é necessario instituir-se o tratamento conservador.

Quanto ao tratamento dietético, diz Brunner não possuir experiencia pessoal a respeito. Este deve ser experimentado desde que o paciente se hospitalize. Nos casos avançados é recomendavel a administração de brometos, preparados de iodo e calcio. Brunner, pessoalmente, continua a usar a faradisação dos ouvidos. Afirma o A. que não ousa dizer si, na faradização, o que atua é a corrente elétrica ou a sugestão.

Quanto ao cateterismo da trompa de Eustaquio, Brunner executa uma tentativa em cada caso, mesmo naqueles com membrana timpanica normal. Trata-se de experiencia antiga, acentuada particularmente por Bezold, de que existem processos adesivos cronicos do ouvido médio que são associados a uma membrana timpanica inteiramente normal. De acordo com a experiencia do autor, o mesmo supõe, que nesses casos, as adesões encontram-se somente para dentro dos nichos das janelas, não atingindo, dessa maneira, a membrana. O diagnostico, nesses casos, pôde ser feito: a) pelo raio X da mastoide, demonstrando uma pneumatização incompleta; b) pelo timpano, que, apesar de aspéto normal, muitas vezes apresenta os sinais descritos do Wittmaack como significativos de uma pneumatização incompleta; e c) pelo fato de que o paciente pôde possuir, do outro lado, um timpano definitivamente retraido. Desde que Bezold já acentuou o fato que o processo cronico adesivo do ouvido médio, combinado com timpano normal, incomoda o paciente mais que aqueles com acentuada retracção timpanica, o cateterismo da trompa encontra-se mais indicado nos primeiros. Infelizmente existem muitos casos de sindrome de Menière que não suportam o tratamento mecanico dos ouvidos. Nesses casos tal tratamento deve ser proscrito.

Não existe duvida quanto ao estabelecido que todos fócos de infecção no organismo devem ser erradicados. A esse respeito Brunner chama atenção para os fócos intra-abdominais. Si o tratamento conservador não surtir efeito de todo, ou si o paciente não deseja sujeitar-se a ficar sob observação por longo tempo, nesses casos, portanto, deve entrar em cogitação a secção do 8.° par. Mas, mesmo nesses condições, não se deve indicar a operação em qualquer caso. Na opinião abalisada de Brunner, existem duas condições em que a indicação cirurgica de secção do 8.° par deve ser adiada tanto quanto possivel: a) si por outra razão o paciente é surdo do lado não afetado e possua restos de audição do lado atacado pelas crises menièriformes, e, b) si a audição do lado lesado é bôa.

a) Si, por exemplo, um paciente portador de colesteatoma do lado esquerdo, tornando-o inteiramente surdo desse lado, for acometido de crises de Menière devido a processo adesivo cronico do lado direito, o nervo não deve ser seccionado á direita, mesmo que a audição, desse lado direito, seja pobre. Essa conduta é ditada pela possibilidade de, durante o ato cirurgico, o ramo coclear do lado direito ser lesado e o paciente tornar-se completamente surdo em ambos os lados.

b) Si um individuo é portador de ataques de Menière e bôa audição do lado lesado, a operação pode ser indicada com conhecimento, por parte do paciente, dos riscos que correrá sua audição. Como afirma Brunner, bôas indicações e contra-indicações aumentam o valor da operação; o entusiasmo diminue esse valor.

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