Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 179 a 182

 

POLINEVRITES POST-DIFTERICAS (*)

Autor(es): DR. SILVIO OGNIBENE (**)

O assunto que vamos expôr, mostra como são frequentes em nosso meio, as complicações posteriores á difteria, e que em muitos casos, talvez tenham passado despercebidas, custando a vida a doentes que facilmente poderiam ter sido curados. Entre os casos que vamos descrever, um houve que foi por muito tempo tratado como tuberculose, em um estabelecimento oficial, especialisado nessa molestia, e só por um fortuito acaso foi ter a um especialista em oto-ripo-laringologia.

Como já deveis ter verificado, as polinevrites post-diftericas, não são esplanadas detalhadamente nos tratados da especialidade, merecendo apenas referencias ligeiras, e isto mesmo sobre casos de paralisias do palato mole. No entanto, não são tão raras, pois vou apresentar-vos 5 casos todos de minha clinica particular. Tratarei separadamente de cada caso, com sua evolução; mas antes, embora não se trate de casos identicos aos nossos, pois a paralisia somente atingiu o palato mole e laringe, o que é bem mais frequente, lembraremos que:

No n.° 2 do 1.° volume da Revista Oto-laringologica de S. Paulo, o Dr. Roberto Oliva, apresenta um caso de V. E. Wessely, de paralisia da deglutição.

Em 1 7-7-938, o mesmo colega faz nesta secção uma comunicação sobre "Paralisias do recorrente de natureza indeterminada", na qual refere-se (1.° caso), a uma paciente com angina flegmonosa, que posteriormente á abertura cesta, acusou um sindroma de Longhi-Avellis associado, isto é, alem de paralisia de corda vocal e palato mole, mal podia suster-se. Pensa tratar-se de um caso de angina flegmonosa, posterior a uma difteria, chegou mesmo a aplicar soro antidifterico, mas como não se fizera o exame bacteriologico, nada de positivo pode afirmar. Aliás, nessa mesma comunicação, feita com o escrupuloso cuidado que caraterisa o autor, temos o modo de vêr de Baldenweck, que, sem um carater absoluto, atribue estas paralisias, a um virus neurotropico, mesmo nos casos comprovados de difteria.

Ainda, na sessão de 12 de Outubro de 193-6, desta secção, o Dr. Paulo Mangabeira Albernaz, apresenta um brilhante trabalho, sobre paralisias diftericas, no qual expõe, discussões varias, havidas entre alguns autores estrangeiros, sobre as causas destas paralisias, bem como o seu tratamento. Chega mesmo a apresentar uma observação, em que curou o paciente pelo sôro não especifico.

Não é nosso escopo, analisar estas contraditas, mas apenas contribuir com mais material para o assunto, material este que se torna interesasnte por, a paralisia, atingir em alguns casos, alem do palato mole e pilares, outras partes do corpo, algumas de grande importancia vital, como vereis logo mais. Nestes casos, o nosso tratamento, obedeceu sempre á mesma orientação.

1.° caso - ,J. B., com 13 anos, em 7 de março de 1934, veio ao nosso consultorio, carregado ao colo, excessivamente magro (pele e ossos), afonico, mal podendo respirar, com diagnostico de tuberculose. (Era pedido o exame de laringe, pois presumia-se o comprometimento desta).

Ao exame do faringe, verificamos paralisia do palato mole; o do laringe revelou-nos a anatomia integra, uma paralisia da corda vocal esquerda e uma paresia da c. v. direita. Não podia manter-se de pé e não dava nenhum passo. Pela anamnese conseguimos saber de um passado de angina, em que o clinico, 6 mezes antes mandara aplicar uma injeção de sôro antidifterico de 1.500 unidades, não tendo sido fixado o diagnostico de difteria. O doente melhorou, e só uns 3 mezes depois é que começaram a manifestar-se os primeiros sintomas da atual doença.

Fizemos o diagnostico de polinevrite post-difterica. O exame bacterivlogico foi positivo. Aplicamos 30.000 unidades de sôro antidifterico, e instituimos um tratamento com injeções de estricnina em doses crescentes. Após o tratamento pelo sôro e algumas injeções de estricnina, o doente já apresentava melhoras, já podia engulir não mais refluindo os liquidos pelo nariz. A melhora no andar foi bem mais rapida que a da voz, como esta demorasse, fizemos algumas aplicações eletricas no palato mole.

Cerca de 2 mezes depois, vimos o doente completamente restabelecido, e apenas aconselhamos alguns tonicos gerais.


2.° caso - W. N., de 10 anos, procurou-nos em 20 de janeiro de 1937, para ser operada das amigdalas e adenoides, pois sofria frequentemente de anginas, tendo tido um surto bem forte cerca de 20 dias antes. Operada em 22 de janeiro, teve um post-operatorio magnifico, tendo tido alta 6 dias depois.

Cerca de 20 dias mais tarde, procurou-nos falando fanhoso e queixando-se de refluirem os liquidos pelo nariz na deglutição. Sua marcha era desequilibrada, mal podendo dar alguns passos. Este fato inicialmente havia passado despercebido, por ter a doente um defeito numa das pernas.

O exame revelou-nos paralisia do palato mole, paresia das cordas vocais. bem como dos membros inferiores e superiores.

A anamnese não demonstrou difteria anterior á operação, mas desconfiamos que a angina anterior tivesse sido difterica em carater benigno e passado desapercebida.

O exame bacteriologico foi positivo. Prescrevemos 30.000 unidades de sôro antidifterico e logo a seguir injeções de estricnina em doses crescentes. Não houve necessidade de aplicações eletricas pois a doente restabeIeceu-se totalipente ao fim deste tratamento. Posteriormente vimos varias vezes esta doente, completamente sã.

3.° e 4.° casos - O. A., de 12 anos, em abril de 1939, foi trazida ao nosso consultorio, carregada ao colo, muito emagrecida, cujos paes relataram, que esta não podia andar nem manter-se de pé, não podia se alimentar, e mal se compreendia o que falava, tal a afonia apresentada.

Constatados estes sintomas, verificamos a paralisia completa do palato mole, das cordas vocais (quasi completa), e dos membros quer inferiores quer superiores. A vóz era quasi imperceptivel e os alimentos solidos sufocavam enquanto os líquidos só eram ingeridos em posição recostada.

A respiração era ofegante e penosa.

Diagnosticamos uma polinevrite post-difterica, e pedimos o exame bacteriologico. Iniciamos imediatamente o tratamento com injeções de estricnina em doses crescentes. O resultado do exame bacteriologico foi negativo para difteria, apezar disso preconisamos o tratamento pelo sôro antidifterico, pois o interrogatorio dós antecedentes, nos revelara ter a doentinha tido uma angina muito forte e rebelde, conjuntamente com uma sua irmansinha. Pedimos a vinda desta ao consultorio, o que se deu no dia seguinte e constatamos que esta M. P. O. de 9 anos, falava fanhoso e apresentava uma paralisia do palato mole. Queixava-se de saírem os líquidos pelo nariz quando os engulia rapidamente. O exame das cordas vocais nada revelou de anormal.

O exame desta nova doente veio nos encorajar no tratamento antidifterico. Assim, mandamos aplicar 30.000 unidades de sôro em cada uma das creanças e continuar com as injeções de estricnina, em dias alternados.

Tivemos diariamente noticias das creanças, que se queixaram muito das injeções. Após 15 dias vieram novamente ao consultorio. A menor completamente restabelecida e a maior, já podendo falar, embora ainda fanhoso.

Podia manter-se de pé, mas não dava passos. Ao deglutir ainda se engasgava. Achamos de bom alvitre, ouvirmos a opinião de um neurologista, sobre a, polinevrite. Foi então procurado o Prof. Aderbal Tolosa, que confirmou-o diagnostico de polinevrite post-difterica, e aconselhou iniciar-se logo aplicações eletricas, bem como massagens nos membros, o que foi executado.

Aos poucos a paciente foi se restabelecendo do andar e alguns mezes depois estava completamente curada. Vimo-la em janeiro de 1940, bem disposta e crescida.

5.° caso - L. A. P., de 6 anos, a 6 de novembro de 1939, foi examinado em sua residencia, apresentando placas diftericas em ambas as amígdalas, e uma zona necrotica já bastante. extensa nos polos superiores. Como sua respiração já estivesse bastante precaria, removemo-lo imediatamente para o Hospital de Isolamento, donde saiu bom no dia 20 de novembro. A 22 fomos chamados para ve-lo, pois estava com febre de 39 e 40 gráus.

Diagnosticamos uma angina lacunar, preconisando o tratamento habitual com protargol, compressas quentes, etc.. Não mais vimos o doente, mas soubemos que não mais sentira dor na garganta, mas que estava ainda de cama pois tivera sarampo e posteriormente otite media bilateral, continuando sob os cuidados de 2 clinicos.

Em principios de Dezembro tivemos noticia que ainda continuava de cama devido á otite que muito o enfraquecera. Estranhamos o fato, e aconselhamos ser util ve-lo novamente, o que se deu no dia 12 de dezembro.

Notamos sua voz fanhosa, e verificamos que ao tomar liquido, este refluia pelo nariz. Sua marcha era desequilibrada, mal podendo manter-se em pé. Apresentava paralisia do palato mole, e diminuição dos movimentos das cordas vocais. Não podia segurar um objeto pois não fechava bem a mão.

Aplicamos 20.000 unidades de soro e iniciamos o tratamento com estricnina em doses crescentes. Dois dias depois,demos mais 10.000 unidades de sôro. No dia 19 já apresentava melhoras. No dia 15 de janeiro de 1940, apresentou-se ao consultorio, já completamente restabelecido, voz clara e andar correto embora claudicasse ligeiramente ao correr.

Como vimos, em todos os casos a terapeutica com seu brilhante resultado, veio comprovar o diagnostico feito em alguns deles, mesmo com exame bacteriologico negativo.
Esta consistiu sempre na aplicação de sôro antidifterico, conjuntamente com injeções de estricnina em doses crescentes, diarias ou em dias alternados, conforme o caso. As aplicações eletricas e massagens só foram preconisadas nos casos rebeldes e sempre após algum tempo de tratamento.

Posteriormente aconselhamos o uso de tonicos gerais, isto é, medicamentos contendo, ferro, arsenico, extrato de figado e vitaminas A e D.

Geralmente 30.000 unidades foram o suficiente, mas aumentaríamos a dose, caso a cura não tivesse sido completa.

Quanto ao aparecimento destas nevrites, achamos que tenham sido devido exclusivamente á insuficiencia da dose do sôro aplicado, ou á falta deste.

Nos nossos casos de difteria, costumamos aplicar sempre, inicialmente 30.000 unidades, aumentando 2 dias depois, caso não tenham desaparecido as placas. Ainda não tivemos conhecimento de algum caso de paralisia, posterior a tratamento difterico por nós feito, pensamos por isso que as doses que acima preconisamos sejam o suficiente




(*) Trabalho apresentado á Secção de O. R. L. Associação Paulista de Medicina em 17-6-1940.
(**) Adjunto da Santa Casa. São Paulo.

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