Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 72 a 74

 

GRANULOMA DE WEGENER - RELATO DE CASO QUE SE INICIOU POR MANIFESTAÇÕES OTOLÓGICAS.

Wegener's Granulomatosis - Case Report with Otological Manifestation as first Symptom.

Autor(es): Samir Cahali*
Marcia Maria Ale de Souza**
Marcos da Cunha Silveira**
Michel Buriban Cabali***
Rafael Buriban Cahali****

Palavras-chave: Granuloma de Wegener, surdez, paralisia facial

Keywords: Wegener's granulomatosis, deafness, facial palsy

Resumo:
Relata-se raro caso de granuloma de Wegener que se manifestou inicialmente por hipoacusia do lado esquerdo e, a seguir, por paralisia facial periférica deste mesmo lado. Em curso rapidamente progressivo, houve acometimento das fossas nasais, rins e pulmões. Material colhido tanto da mastóide, durante cirurgia descompressiva do nervo facial, como de lesões granulomatosas das conchas nasais, não permitiu o diagnóstico histológico da doença. O exame de dois nódulos solitários retirados da base do pulmão direito permitiu afirmar que as lesões eram compatíveis com o diagnóstico de granuloma de Wegener. A melhora e a estabilização do quadro apresentados pelo paciente com tratamento imunossupressor, que vem sendo acompanhado á 4,5 anos, confirmam o diagnóstico.

Abstract:
The authors present an unfrequent case of Wegener granulomatosis in which the first symptom was hearing loss on the left side, followed by peripheral facial paralysis on the same side. In a short time, there was involvement of the nose kidney and lungs. The examination of tissue obtained either from the mastoid, during surgical facial nerve decompression, or from lesions in the nasal turbinates did not make the diagnosis. Histologic examination of two nodes obtained from the right lung has resulted in a Wegener granulomatosis compatible tissue. After immunosuppressor treatment, the lesions were controlled and the patient clinically improved. This and the follow-up of the patient, during the latest 4,5 years, presenting no recurrence of the lesions, confirm the diagnosis.

INTRODUÇÃO

O granuloma de Wegener é doença rara1, 2, 3, 4 e sua prevalência é desconhecida3. Foi descrito inicialmente por Klinger (1931) e depois caracterizado por Wegener (1936, 1939) pela tríade patológica constituída por granuloma ecrosante de vias aéreas, vasculite e glomerulite necrosante3, 4. Embora sua etiologia seja desconhecida, ela é geralmente tida como doença autoimune3, 4. Não parece existir preponderância de idade ou de sexo e não se conhecem fatores desencadeadores6. Seu início pode ser agudo ou insidioso. A doença é fatal se não for tratada logo no início o envolvimento renal reduz o prognóstico de recuperação1, 3, 4.

O diagnóstico de granuloma de Wegener é freqüentemente difícil, principalmente quando as primeiras manifestações limitam-se ao trato respiratório superior4. O diagnóstico é reservada para os quadros histológicos de granuloma epitelióide necrosante e vasculite envolvendo as pequenas artérias e veias2.

O envolvimento otológico é precoce e freqüente, ocorrendo em 20 a 40% dos casos, podendo ser o primeiro e único sinal1, 5. A manifestação pode ser através de otite média secretora, determinada pela ulceração na rinofaringe com a conseqüente obstrução da tuba auditiva ou através de otite média aguda, por envolvimento primário das cavidades da orelha média coma conseqüente destruição granulomatosa e disseminação através do osso temporal1, 7, 8.

O tratamento com ciclofosfamida e prednisolona pode levar a 95% de remissões1, 3.

O propósito deste trabalho é relatar um caso de granuloma de Wegener que se iniciou com manifestação na orelha esquerda e teve curso rapidamente progressivo.

RELATO DE CASO

Paciente de 46 anos, pecuarista, procedente de Campo Grande (MS), apresentou-se para exame em 14.02.91, com queixa de hipoacusia na orelha esquerda há 4 meses. Paralisia facial periférica esquerda há 8 dias, de início súbito. Otoscopia normal. À tomografia computadorizada, Importante velamento da caixa do tímpano, antro e células mastóideas da orelha esquerda. Havia integridade da cadeia ossicular, bem como o osso temporal direito. Em 15.02.91, as dosagens séricas estavam dentro dos padrões normais, exceto a velocidade de hemosedimentação (127 mm na 1a. hora). Sedimento urinário: 50.000 hemácias/ml e 460.000 leucócitos/ml. Urocultura: negativa. Coagulograma: normal, com 337.000 plaquetas. Audiometria: audição normal à direita e hipoacusia mista à esquerda, com a via aérea ao redor de 80 dB e a via óssea ao dor de 50 dB, com discreta diminuição da discriminação vocal esquerda. Em 16.02.91, foi submetido à timpanomastoidectomia, com técnica fechada, e descompressão da 2ª e 3° porções do nervo facial. A abertura a bainha do nervo não mostrou nenhum edema do mesmo. Os septos intercelulares da mastóide estavam aparentemente conservados, mas todas suas células, o antro mastóideo e a caixa do tímpano estavam preenchidos por tecido claro-amarelado, consistente, aderido às estruturas ósseas. Realizou-se elaborada limpeza cirúrgica das cavidades e a cadeia ossicular pode ser preservada. O exame anátomo-patológico o material colhido na cirurgia mostrou tratar-se de "tecido conjuntivo com fibrose intersticial, reação inflamatória crônica não específica, proliferação de tecidos de granulação e focos e calcificação". Pós-operatório sem anormalidades, porém no 12° dia de pós-operatório foi reinternado para tratamento de cálculo calicial do rim direito (ultrassonografia e urografia excretora). Em 28.02.91, a primeira audiometria de pós-operatório mostrou grande piora da audição do lado esquerdo, com a via aérea ao redor de 100 dB e a óssea ao redor de 70dB. Em 13.03.91, com queixa de obstrução nasal bilateral progressiva nos últimos cinco dias e com discretas epistaxes à esquerda, foi submetido à biópsia das granulações que surgiram principalmente nas cabeças das conchas nasais inferiores. O exame anátomo-patológico do material retirado não permitiu conclusão diagnóstica. Tomografia computadorizada de tórax em 22.03.91, realizada devido sobretudo à tosse persistente, mostrou duas imagens nodulares na base do pulmão direito. A retirada cirúrgica destes nódulos e o exame anátomo-patológico dos mesmos permitiu afirmar que havia compatibilidade com o diagnóstico de granuloma de Wegener. Iniciado o tratamento à base de ciclofosfamida e corticóide, a melhora do paciente foi lentamente progressiva, apesar da intercorrência de úlcera gástrica hemorrágica em 20.4.91. Teve alta hospitalar em 15.591. Em 6.8.91, encontrava-se em bom estado geral, tendo restado discreta paresia facial e tendo a audição esquerda ficado com perda neurossensorial pura de cerca de 55 dB, com excelente discriminação vocal. Os periódicos exames clínicos, laboratoriais, radiográficos, audiométricos etc. vêm mostrando estabilização do quadro, em particular da audição e da discreta paresia facial, tendo o último controle sido feito em abril de 1995, quando o paciente ainda fazia uso de ciclofosfamida.

DISCUSSÃO

Na maioria dos pacientes, o primeiro sintoma de granuloma de Wegener inicia-se na área otorrinolaringológica, particularmente no nariz3, 4, mas outras áreas podem ser acometidas já que a doença tem manifestações proteiformes3, 7, 9. Assim, o otorrinolaringologista tem grande responsabilidade, pois o prognóstico depende do diagnóstico precoce e do tratamento adequado9.

A primeira manifestação nasal é a obstrução devida ao edema da mucosa que atinge sobretudo as conchas nasais. É freqüente a rinorréia sero-sangüínea, mas epistaxe franca é rara3. O diagnóstico definitivo com base na biópsia nasal é raro3. Estes dados descrevem exatamente o ocorrido com o caso aqui relatado.

Manifestações aurais como sintoma inicial têm sido relatadas: otites médias agudas, otites médias secretoras e surdez súbita7. Nos casos de hipoacusia progressiva, o granuloma de Wegener deve ser incluído no diagnóstico diferencial, especialmente quando a afecção da orelha média não responde aos tratamentos convencionais1, 7. A deficiência auditiva, geralmente, é do tipo condutiva e as quedas sensorioneurais, de patogênese desconhecida3, 7, podem ser conseqüência da vasculite que afeta os "vasa vasorum" do VIII par, da artéria auditiva interna ou de seu ramo coclear10. Outras hipóteses incluem a compressão do nervo acústico pelo granuloma e o depósito de imuno-complexos na cóclea3. Estas hipoacusias sensorioneurais podem ser reversíveis com tratamento imunossupressor. No caso apresentado, houve grande melhora da audição com o tratamento imunossupressor instituído.

Diagnóstico histológico a partir de tecidos obtidos da orelha média não é comum3. No caso relatado, o diagnóstico partir do material colhido da mastóide e das conchas nasais não possível para o anátomo-patologista.

O quadro histológico típico ou completo nem sempre é essencial para o diagnóstico do granuloma de Wegener. Se o quadro clínico é sugestivo deste diagnóstico, o quadro histológico não tão típico pode ser aceito e o tratamento iniciado2.

Muitos autores têm descrito paralisia facial periférica como complicação da otite média na granuloma de Wegener e o tratamento destas paralisias com imunossupresso parece ser mais efetivo que a mastoidectomia. Não se pode saber se no caso aqui relatado a grande melhora da paralisia facial foi devida à cirurgia, ao tratamento clínico ou aos dois fatores.

O acometimento pulmonar pode determinar to persistente com expectoração purulenta, hemoptise e, radiografia, podem aparecer imagens nodulares6. No caso aqui relatado, houve tosse rebelde e duas imagens radiográficas nodulares na base do pulmão direito.

O acometimento renal manifesta-se por proteinúria com hematúria e insuficiência renal crônica, às vezes complicada por hipertensão arterial.

É interessante assinalar que o teste para anti-estrutura citoplasmática dos neutrófilos granulócitos (ANCA) extremamente específico para o granuloma de Wegener e tem sido usado para o diagnóstico e monitorização da doença1, 7.

Para concluir, é muito importante ter o diagnóstico de granuloma de Wegener em mente nos casos de inflamação atípica e de longa duração da orelha5.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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* Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
** Residentes R3 do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
*** Residente RI da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Académico do 4° ano de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Rua Pedro de Toledo, 1800. São Paulo (SP) - CEP 04039-004.
Apresentado na 11ª Reunião da Sociedade Brasileira de Otologia, de 11 a 4/11/95, em Belo Horizonte/ MG.

Artigo recebido em 5 de janeiro de 1996. Artigo aceito em 15 de abril de 1996.

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