Ano: 1980 Vol. 46 Ed. 3 - Setembro - Dezembro - (5º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 243 a 255
TUMOR GIGANTO-CELULAR DE COLUNA CERVICAL com invasão da faringe - Apresentação de um caso *
Autor(es):
Lidio Granato **
Ivo Bussoloti Filho ***
Mário Katsutani Sobrinho ***
José Donato de Próspero ****
Resumo:
Embora lesões com células gigantes tenham sido descritas há 130 anos atrás (9), ainda hoje constituem um grupo de alterações patológicas que necessitam do entrosamento entre clínicos e patologistas, para definição do diagnóstico.
0 aparecimento do tumor giganto-celular verdadeiro, em território de O.R.L. é raro e clinicamente deve ser diferenciado do tumor marrom do hiperparatireoidismo, do granuloma reparador de células gigantes e de outras entidades, embora microscopicamente apresentem semelhança de aspectos histológicos.
No presente caso a lesão localizava-se nas primeiras vértebras da coluna cervical e expandia-se para a faringe, ocupando progressivamente rino, oro e hipofaringe.
APRESENTAÇAO DO CASO
M. L. M. - 45 anos - Fem - branca - R. G. 158.269.
Há 2 anos dificuldade para movimentar o pescoço, dor na região cervical D. e aumento de volume difuso na região.
Há 1 ano formigamento no ombro esquerdo e nos membros superiores principalmente á esquerda.
Ao exame a que foi submetida no Departamento de Ortopedia, a paciente apresentava pescoço curto e volumoso, acompanhado de déficit motor e hipoestesia no membro superior esquerdo, com diminuição dos movimentos e muito doloroso, com reflexos normais.
Nesta época foi feita hipótese diagnóstica de Malde Pott ou Osteoblastoma. Proposta a artrodese de coluna por via posterior. Na cirurgia notava-se destruição parcial de C2 e o material de biopsia foi inclusivo. O Rx. na ocasião revelava destruição da porção de C1 a C3. (figs. 1, 2, 3, 4).
Fig. 1
Fig. 2
Fig. 3
Fig. 4
figs. 1, 2, 3 e 4: Rx simples (figs. 1 e 2) mostrando destruição de C 1, C2 e C3 e Planigrafia ( figs. 3 e 4) mostrando invasão tumoral da faringe.
A paciente recebeu alta hospitalar com halogessado e ficou sob controle ambulatorial.
Após 4 meses foi encaminhada à O. R. L. com sangramento oral abundante e ao exame constatou-se infiltração difusa tumoral de consistência lenhosa que ocupava quase todo o pescoço. A Tomográfica computadorizada mostrava bem a extensão do tumor (figs. 5 e 6).
Figs. 5 e 6: Tomografia computadorizada mostrando destruição de corpos e arcos vertebrais e invasão de faringe.
Na boca podia-se observar grande massa tumoral que ocupava a rinofaringe e orofaringe deslocando o palato mole para frente. O tumor apresentava superfície lisa e cor acastanhada.
Observava-se sangramento discreto que descia pela rinofaringe. O estudo radiográfico, incluindo tomografia, revelou destruição de corpos e arcos de C1 a C4. (figs. 7 e 8).
figs. 7 e 8.- Rx simples mostrando destruição de C1 a C4 na evolução de patologia da mesma paciente.
Feita ressecção parcial do tumor por via oral, com retração do palato mole, pois existiam limitações para a remoção completa da lesão. O exame anátomopatológico revelou "Tumor Giganto-Celular". (figs. 9.10 e 11).
Fig. 9.- Aspecto do tumor deslocando palato mole anteriormente.
Fig. 10. Tumor ressecado parcialmente por via oral.
Fig. 11: Aspecto geral onde se destacam células gigantes com variável número de núcleos, em meio a estroma de mononudeados, com áreas de fibrose 160 e 120x1.
O tumor progrediu, e três meses após, fomos obrigados a nova cirurgia, pelo grande volume que apresentava.
Também a invasão para as partes moles do pescoço era grande, principalmente à esquerda, atingindo mais ou menos 10 cm de diâmetro, dura, indolor e sem limites nítidos.
A paciente permanecia com o halogessado, sempre em maca especial pelo agravamento das alterações neurológicas nos membros superiores. Foi também submetida a traqueostomia e gastrotomia. (fig. 12).
Continua ainda em observação, orientada pelo Departamento de Ortopedia.
Fig. 12.: Paciente mantida em maca especial e com halo gessado em virtude da destruição de vértebras.
COMENTÁRIOS
Como fatos interessantes, neste caso, devemos mencionar inicialmente a raridade desta lesão no esqueleto crânio-facial. Sabemos que este tumor tem preferência pelas epífises dos ossos longos, ocasionalmente em ossos curtos e raramente no esqueleto axial (7).
A evolução clínica desta paciente foi agravada pela agressividade do crescimento que acarretou lise das vértebras e expansão para regiões vizinhas até ocupar toda a faringe.
Havia riqueza de sintomatologia local como aumento global de volume do pescoço, obstrução nasal total, sangramento quase contínuo pela cavidade bucal, disfagia e dispnéia. No entretanto, o estado geral era bom e embora estivesse quase imobilizada com seu halogessado sobre maca especial, praticamente não tinha queixas neurológicas.
Quando a paciente foi por nós examinada, pudemos rever o estudo radiográfico seqüencial e observar como a lesão caminhou destruindo o corpo e os arcos das primeiras vértebras cervicais (C1 a C4).
O aspecto clínico da lesão ao exame otorrinolaringológico, por apresentar limites pouco precisos, porém com superfície lisa e íntegra, nos fez pensar em Cordoma. Como não apresentasse caracteres de tumor maligno, também examinamos a possibilidade de tratar-se de Tumor Giganto-Celular, Granuloma Reparador de Células Gigantes, Tumor Marrom do Hiperparatireoidismo ou Osteoblastoma. O tumor Giganto-Celular foi o diagnóstico firmado em definitivo.
Inicialmente descrito em 1849, por Charles Robim (5), o Tu Giganto-Celular pela sua raridade em território O. R. L. e pela controvérsia que ainda hoje provoca entre patologistas é processo de diagnóstico difícil.
A interpretação das células gigantes multinucleadas foi realizada em 1878 por Mallassez (apud Forgue), enquanto o tumor giganto-celular surgiu na literatura médica em 1910, e se deve a Blodgood lll.
A célula fundamental deste tumor é a célula gigante multinucleada, com caracteres de osteoclasto que se dispõem de modo isolada, dispersa ou agrupada em meio a estroma de células mononucleadas, cujos núcleos se assemelham aos das células gigantes.
Com o resultado anátomo-patológico da peça ressecada da faringe e aliando o comportamento da lesão, o diagnóstico de tumor giganto-celular tornou-se definitivo.
Todas as outras hipóteses foram cogitadas em virtude da presença de osteoclastos, mas foram descartadas não só pelo aspecto histológico, como também pelos dados clínicos, radiográficos e laboratoriais que permitiram afastar a hipótese de Hiperparatireoidismo.
O granuloma reparacional de células gigantes embora histologicamente apresente semelhanças com tumor giganto-celular, é clinicamente menos agressivo, não chegando mesmo a constituir uma neoplasia. Muitos autores relacionam o seu aparecimento a processo infeccioso ou traumático.
O verdadeiro tumor giganto-celular, de cabeça e pescoço, é lesão expansiva localmente, de crescimento lento e usualmente ocorre em adultos (6).
No esqueleto crânio-facial é raro. Dahlin e Cupps levantaram 195 casos num período de 60 anos da Clínica Mayo, apenas 3 envolvendo ossos do crânio (3). Os sintomas e sinais provocados por este tumor, dependem da localização. Se ocorrem no seio maxilar provocam cefaléias, obstrução nasal e dependendo do tamanho, determinam deformidades faciais, dentárias e palatal com destruição progressiva dos limites do sinus.
A progressão do tumor pode atingir outros seios e determinar alterações visuais por compressão do globo ocular.
A mandíbula também pode ser sede deste processo determinando alterações estéticas e funcionais.
Nestes casos o tratamento terá sempre a extensão necessária para a remoção total da área afetada.
O tumor giganto-celular pode também atingir o osso-temporal levando a alterações cocieares e vestibulares (8).
O aparecimento do tumor na faringe, oriundo da vértebra, é raríssimo e não encontramos descrição semelhante na literatura.
Geoffrey e Paul H. Ward em 1978 publicaram trabalho com 7 casos de tumor de cabeça e pescoço, um deles na 3.8 vértebra (6).
O estudo radiográfico do tumor giganto-celular não é patognomônico por se confundir com outros processos tais como: displasia fibrosa, cistos, fibromas, miomas, osteoblastoma e cisto ósseo aneurismático.
As lesões com células gigantes múltiplas são raramente vistas na prática. Há casos descritos com alterações de vários ossos que poderiam tratar-se de displasias ósseas-poliostóticas, querubinismo, ou hiperparatireoidismo.
O tratamento para o verdadeiro tumor giganto-celular é cirúrgico, reservando-se a radioterapia para aqueles cuja localização é inacessível à cirurgia.
Nestes casos administra-se 4 a 6.000 rads, durante um período de 4 a 6 semanas.
De maneira geral os resultados são bons, porém estes pacientes nunca serão definitivamente curado (6).
SUMMARY
The authors presented a case of Giat-Cel Tumor of vertebral column that destroied progressively C1 through C4 with simultaneous invasion of ali pharynx.
INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
1. Blodgood, J. C.: Benign bone cysts, ostitis fibrous, giant cell sarcoma and bone aneurism of the long pipe bones. Ann. Surg. 52, 145-154, 1910.
2. Bloom, J. and Cols: Multiple Giantcell lesions of bone. Oral Surg. 15, suppl. 2: 74-83,1962.
3. Dahlin D. C., Cupps R. E: Giant-cell Tumor: A study of 195 case. Cancer 25:1061 - 1070, 1970.
4. Emley, W. E: Giant-cell tumor of the sphenoid bone. Arch Otolaryngol. 94:369 - 374, 1971.
5. Forgue, E.: Patologia Externa. Esposa Madrid, 1955.
6. Geoffrey A. Smith, Paul H. Ward: Giant-cell lesions of the facial skeleton.
7. John W. Ray, John E. Arthurf Giant-cell lesion of the face and mouth. 27:12, 1966.
8. McNemey J. C.: Giant-cell tumor of bones of the skull. J. Neurosurg. 6:369 - 174, 1949.
9. Peirce, C. B.: Giant-cell bone tumor, Am. J. Boentgenol. 28:167, 1932.
Endereço dos Autores:
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Rua Cesério Motta Jr. - 112 01221 - São Paulo 1 SP
* Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Assistente do Departamento de O. R. L. da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
*** Médicos residentes do Departamento de O. R. L. da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
**** Professor Titular do Departamento de patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.