Versão Inglês

Ano:  1980  Vol. 46   Ed. 2  - Maio - Agosto - (10º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 172 a 177

 

OS LIMITES DA MICROCIRURGIA ENDOLARÍNGEA: AMILOIDOMA PRIMÁRIO DE LARINGE.***

Autor(es): José Cláudio de Barros Cordeiro*
Carmem Zorita Piera *
Jorge Bosch Torrent **

Resumo:
Apresentação de um caso de amiloidose primária de laringe, extirpado por via endoscópica baixo controle microscópico, que por sua sintomatologia e recidiva, obrigou a uma extirpação por via natural com o apoio de traqueostomia para sua resolução. Estudamos estes tumores benignos desde o ponto de vista bioquímico, histológico e patogenético.

Sendo o amiloidoma primário de laringe um tumor benigno e de difícil erradicação, de forma isolada rara, tendo como característica depósito freqüentemente extracelular de substância amilóide, de forma nodular ou difusa, tendo preferência em ordem decrescente pelas regiões supraglótica, epiglótica, ventricular, prega aritenoepiglótica e subglótica. (Leroux-robert, 1962) Bioquimicamente as fibras amilóides dividem-se em imunoglobulínicas e não imunoglobulínicas, tendo como a proteína A sua constituição, havendo entre as cadeias ligeiras de imunoglobulinas e substâncias amilóide reação antigênica cruzada, observa-se fibrilas imunoglobulínicas principalmente na amiloidose de laringe e associado ao mieloma múltiplo.

A proteína A supõe-se que seja um fragmento da proteína SAA circulante no soro, aumentando a concentração com a idade intervindo assim as endotoxinas na imunorregulação. Tanto a proteína A, como a SAA, possuem poder antigênicos semelhante. Este tipo de fibrilas (imunoglobulínicas) encontramse em todas as amiloidoses secundárias, em algumas primárias e em processos amiloidogênicos.

Outros componentes da fibrila amilóide foram descobertos, tal corno a proteína P isolada por Blander em 1968, com características parecidas a uma gamaglobuiína e uma subunidade do complemento, encontrada por Lacman e Schultz.

Próximo aos tumores amilóides, foram encontradas fibrilas amilóide, desprovido de triptofano e tirosina.

Histologicamente encontramos a substância amilóide no espaço extrácelular, observando-se ao microscópio eletrônico sua constituição fibrilar. Aparecem formas paraamilóide nas preparações histológicas junto ao amilóide genuíno tingido pelo Vermelho Congo, ou pardo Bismark ou violeta de metilo, nas formas laríngeas.



Na Fig, n° 1 há 100 aumentos, observa-se depósitos amilóides rodeados por células gigantes tipo corpo entranho, fazendo parte da reação inflamatória apreciamos linfócitos, histiócitos e células plasmáticas.



Na Fig. n° 2 há 450 aumentos observamos linfócitos, histiácitos e células plasmáticas rodeando a substância eosinófilas.



Por não haver uma teoria definitiva sobre a patogenia da amiloidose, encontramo-nos em hipóteses diversas. A amiloidose resultaria do acúmulo de cadeias ligeiras e proteínas SAA. Observa-se assim, que está aumentada a concentração de SAA no soro na amiloidose secundária e em algumas primárias, e segundo afirma Osserman, em um 95% das amiloidoses primária há uma gamapatia monoclonal de cadeias ligeiras.

A fibrila amilóide seria excretada ao exterior, em conseqüência da proteálise dos macrófagos que fagocitariam a proteína SAA e cadeias ligeiras. A formação dessas fibrilas (imunoglobulínicas), adicionaríamos a possibilidade de que estas cadeias possam ter afinidades por antígenos, de modo que atuariam como auto-antígenos e as fibrilas como anticorpos, como resultado dessa união Ag-Ac haveria troca na fibrila, facilitando a formação da substância amilóide.
Entretanto, em ocasiões outras, poderia ocorrer uma falha na proteólise intrasomal com saturação das enzimas que participaram, produzindo digestão incompleta na cadeia ligeira e formação do amilóide.

Não se descarta a possibilidade que exista estreita relação entre a proteína de Bence-Jones, discrasia de células plasmáticas e amiloidose primária. Acerca da formação da fibrila amilóide não imunoglobulínica, encontramos que a proteína SAA se acha no soro sangüíneo de todas os indivíduos normais e que com a idade, com infecções agudas recidivantes, faz com que a concentração matenha-se alta e com isso, desdobra a capacidade dos macrófagos.

Quanto á distribuição da amiloidose, nos faz crer que nas formas localizadas, as fibrilas se depositam no lugar onde foram sintetizadas, e que nas formas generalizadas, o depósito seria determinado por afinidade a alguns tecidos sistêmicos como por exemplo o endotélio vascular.

Atualmente, as pesquisas na área da amiloídose, se orientam ao estudo da produção do precursor, mecanismo de transformação do mesmo e sua eliminação, uma vez depositado o material amilóide.

CLASSIFICAÇÃO DA AMILOIDOSE

1 - GENERALIZADAS:

a) Primária; b) Associada ao mieloma múltiplo; c) Secundária; d) Herança Familiar.

2 - LOCALIZADAS:

3 - ASSOCIADAS À VELHICE

A forma primária, quando não há evidência de enfermidade prévia. A secundária, por ocasião de afecções inflamatórias crônicas, tais como: tuberculose, sífilis, lupos eritematoso, colites ulcerosas e neoplasias (sarcoma, hipernefromas, carcinoma de cólon etc.) e a hereditária, tem como base o tipo genético como acompanhante a febre mediterrânea ou a familiar com urticária e hipoacusia. (Muckle y' Wells)
Nas formas localizadas, são massas tumorais amiloídeas que, se podem situar em órgãos diversos como: laringe, língua, pulmão, mediastino, sistema nervoso etc.

AMILOIDOSE PRIMÁRIA

Clinicamente, se acompanha com quadros correspondente ao órgão afetado, cuja gravidade condicionará sua clínica. É uma atitude observada em ambos sexos, geralmente em pacientes com mais de 40 anos, (Della Vedova, 1934) descreve uma caso em uma criança de 11 anos.

O enfermo é portador de um quadro disfônico, mais ou menos acentuado variando se circunscrita ou algo infiltrante, sendo a dificuldade respiratória o sintoma dominante.

Para o diagnóstico é necessário o exame histoquímico, prévia toma de biópsia, com o Vermelho Congo (que é específico) e seu exame ao microscópio, dá intensa birrefringência amarelo-verdosa, observando a típica estrutura fibrilar.

Deve ser descartado as enfermidades amiloiciogénicas já citadas e sua existência em outros órgãos. Enfermidade que tem seu prognóstico relacionado à sua localização, sendo de pior prognóstico quando se apresenta na região subglótica, entretanto como seu acúmulo é lento, não dá problemas. A acumulação supraglótíca é mais freqüente (Hatziotis, 1955; Leroux-Robert, 1962) e de prognóstico benigno.

O tratamento de eleição é a extirpação por via endoscópíca com as técnicas de microcirurgia endolaríngea. Neste nosso caso usamos associada a traqueostomia, o que cremos importante segundo a localização e a extensão do processo. O tratamento conforme preconiza (Pagnini, 1955; Mc Call, 1953) com derivados cortisônicos, em nosso caso não deu resultado favorável.

Em casos excepcionais foi necessário a realização de laringectomia.

CASO CLÍNICO

Mulher de 56 anos, que apresenta quadro clínico de disfonia de 3 meses de evolução e dificuldade respiratória de esforço há 1 mês.

Antecendentes Familiares

Pai morto em conseqüência de câncer hepático, mãe falecida vitimada por pneumonia. Seus irmãos e filhos são sadios.

Antecedentes Pessoais

Febre tifóide. A paciente não fuma e nem bebe álcool.

Exploração

Orofaringe, nariz e ouvidos: normal

Laringoscopia Indireta: Hiperplasia de banda ventricular direita com hippmobilidade de C.V.D.

Biópsia

Epitélio cilíndrico alto, mostrando na lâmina própria abundante deposição de material eosinófilo pálido e escassez de núcleos; os vasos mostram um engrossamento de sua parede e deposição de material semelhante; na periferia da massa se observa infiltrado plasmocitário abundante.

Exames Complementares

Rx de Tórax, Mantoux, Exames Hematológicos, Radiologia de perfil de traquéia e de esôfago (por existir traqueoscoliose), amostra biópsia copada para bacilo de Koch: Todos exames negativos.

Diagnóstico

Tumor Amilóide Solitário de Laringe.

Tratamento

Estirpação por via endoscópia, baixo controle microscópico.

Evolução

Aos oito meses e aos vinte e quatro meses da primeira intervenção, apresenta recidiva com o mesmo quadro clínico, procedendo-se a extirpação do processo por via endoscópica.

Aos sete meses da última intervenção, nova recidiva praticando-se extirpação da massa tumorai e exérese de banda e parte do ventrículo direito, por via endoscópica com prévia traqueostomia, que permitiu ampla exérese. Aos dois anos desta última intervenção, não se observa sinais de recidiva à explorações praticadas.

Ante o diagnóstico de Tumor Amiloídeo de Laringe, descartamos a possibilidade de existir esta enfermidade em qualquer outro órgão ou que houvera qualquer enfermidade sistêmica amiloidoigënica. Se pratica as seguintes explorações:

- Biópsia rectal: Negativo

- Proteinograma: Prot. totais: 69%; alb. 61%; glob: a1: 3,75; glob a2: 9,75; 0: 13,25; 7: 12,25.

- Exame Cardiológico com E.C.G.: Normal, apreciando-se uma ligeira arteriosclerose aórtica.
- Exame Vascular Periférico com Oscilometria e Plestimografia: Normal - Exame Nefro-Urológico: Sem alteração

Exame Oftalmológico com fundo de olho: árvore arterial com brilho, relação artéria-veia: normal, cruz artérío venosa com sinais discretos de esclerose. Não há exudatos nem hemorragias.

- Exploração Pulmonar: Clínica, radiológica e biópsia: Negativo - Exames de Sangue e Urina: Discreta hiperglicemia controlada. - Ausência de visceromegalias.

DISCUSSÃO

Pese a benigdade da amiloidose laríngea e a sua rareza, pode acarretar dificuldades no que tange a erradicação completas pelas vias naturais, por sua localização e extensão.

Este caso, marca os limites da microcirurgía endolaríngea, que precisa em ocasiões o apoio de uma traqueostomia prévia, para dispor do campo apropriado para uma completa exérese. Pese as dificuldades, cremos que a via endoscópica é a mais adequada, prescinde de sua extirpação através de uma fissura laríngea, como preconizam outros autores (Stark, 1949; Hatziotis, 1955).

As publicações recentes (Muratti, 1976), são partidários da microcirurgia laríngea, prévia traqueostomia, ou com anestesia sem intubação (Bosatra, 1973), se bem há que ter em conta o perigo de hemorragia pré-operatória. Em nosso caso e pelos antecedentes das intervenções praticadas, cremos oportuno a prática de traqueostomia

RÉSUMÉ

Presentation d'un cas d'amyloidose primaire du larynx extirpé pour voie endoscopique sons contol microscopique que pour sa recidivité y symptomatologie a obligé à una extirpation pour Ia voíe naturefle avec f'appuie du tracheotomíe pour sa resofutíon. On fait une étude de ces tumeurs benignes du ponnt de vue biochimique, histologique et pathogenetique.

BIBLIOGRAFIA

1. BOSATRA, A., MOCAVERO, G. (1973) "The question o? the anaesthetic and related clinical aspects in direct suspension microlaryngoscopy " Proceedings x World Congress, 495-497, Excerpta Médica.
2. DELLA Vedova A. (1934) "Un caso di amiloidosi tumorale Iaríngea in un ragazzo di undici anni" Valsalva; 10,808.
3. HATZIOTIS J. & COAYS A. (1955) "Deux cas d'amylose Iaryngè primitive" Ann. Otol. (Paris) 72, 52.
4. LEROUX-ROBERT J. (1962) "Tumeurs amyloides du farynx" Ann. Otol. (Paris) 79,249.
5. MC CALL J.W. (1953) "Primary amyloid disease of the larynx" Arch: otolaryng; 58,499.
6. MURATTI G. MELATO M. & BARTOLI M. (1977) "Amiloidosi primitiva della laringe" Nuovo Arch. Ital. Otal; 5;95.
7. PAGNINI G. (1955) "Su di un caso di amiloidosi delia laringe trattata e guarita con A.C.T.H." Minerva Otolaring; 5,24.
8. STARK D.B. (1949) "Amyfoíd tumors of the larynx, trachea or bronchi". bronchi". Ann. Otol; 58,11.
9. P: FLEURY et cois. "Quatre Tumeurs rares du larynx" Ann. D'Otol-laryngologie, Tomo 96. Sept. 1979.
10. J. GAILLARD, J.P. HAGUENAUER, J.L. PIGNAL, Ch. DUBREUIL, Ph ROMANET, B. GIFNOUX "L'amylose laryngée - A propos de deux cas,d'amylose sous-glottique traités par laser" Journal Français d'otorhino-laryngologie vol. 28, n° 8, oct.1979.




ENDEREÇO DOS AUTORES:
Calle Muntaner, 366 - 2° 2'
Barcelona, 6 - Espanha.

*** Trabalho apresentado no Vil Congresso Português de otorrinolaringologia. Em dez 179.
** Chefe do Serviço de Otorrínolaríngología e Cirurgia Funcional do ouvido do Hospital de La Cruz Roja de Barcelona - Espana.
* Médicos do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de La Cruz Roja de Barcelona - Espana.
Recebido para publicação em 22.02.80.

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