Versão Inglês

Ano:  1980  Vol. 46   Ed. 2  - Maio - Agosto - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 113 a 126

 

RECUPERAÇÃO AUDITIVA E ALTERAÇÕES COCLEARES DE COBAIAS EXPOSTAS A RUÍDO COM EXPERIMENTOS AGUDOS E CRÔNICOS. *

Autor(es): José Antonio A. Oliveira **
Lisete T. Campagno***
Graça A. Cicllini****
Maria H. Andrade****

Resumo:
Cobaias expostas ao ruído branco de 115 dB tivera, seus limiares auditivos determinados pelo reflexo de Preyer e os estudos histológicos do órgão de Corti feitos pela técnica de preparações de superfície. Em exposições de 24 horas os limiares se alteraram, diminuindo a sensibilidade auditiva com recuperação incompleta entre 9-24 horas após o término da exposição. As lesões no órgão de Corti foram maiores nas células ciliadas externas da espira apical. Em exposições repetidas diárias de curta duração (1-2 horas) durante tempo prolongado (meses) observou-se que a recuperação após cada aplicação ia sendo dificultada até a instalação de alterações limiares permanentes e que correspondiam a lesões cocleares extensas.

INTRODUÇÃO

A perda da audição relacionada à estimulação sonora é um assunto que muito tem interessado a audiologistas, clínicos e pesquisadores. Nas grandes indústrias, os trabalhadores apresentam, e com uma incidência bastante alta, distúrbios auditivos temporários e não raro, surdez permanente de um ou de ambos ouvidos. Burns e Robinson (1970) trabalhando com operários de indústrias, relacionaram esta perda da audição com a exposição constante ao ruído que suas profissões exigem, e acharam que quanto maior o nível de pressão sonora e o tempo de exposição, maior a lesão provocada.

Além de estudos de poluição sonora relacionados á atividade industrial e militar, investigações foram feitas em jovens expostos á música "pop", "rock and roll" e discotecas, com grande amplificação sonora. Também músicos têm sido investigados de vários pontos de vista; medida da pressão sonora e distribuição de freqüências. Lebó e Oliphant (1968) relataram que exposição prolongada a tais músicas eram nocivas ao sistema auditivo. Kryter (1970) apontou que o ruído nestas situações excede o limite do critério de risco de lesão. Trabalhos com músicos expostos mostraram que 5% de 42 tiveram perdas permanentes de audição segundo Rintelmann e Borus (1968). Outros trabalhos como os de Rice et ai (1968), Speaks et ai (1970) e Jerjer e Jerjer (1970) encontraram que perdas auditivas temporárias estavam presentes em todos os sujeitos expostos e perdas permanentes em 25%. Ulrich e Pinheiro (1974) em experimentos do mesmo tipo em voluntários e usando 100 a 115 dB de intensidade sonora verificaram desvios temporários dos limiares em todos os sujeitos especialmente nas altas freqüências com posterior recuperação da audição. Lipscomb (1969) demonstrou em cobaias expostas à música "Rock and roll" perdas auditivas acentuadas.

Pesquisadores encontraram lesões histológicas determinadas pela ação do ruído.

Engstrõn, Ades e Bredberg (1970), expondo cobaias e macacos a extímulos sonoros intensos tais como, explosões, armas de fogo, ruído de aviões, helicópteros, estabeleceram que tal estimulação é sempre seguida de alguma lesão no ouvido interno: degeneração de células ciliadas, ou mesmo, de áreas inteiras do órgão de Corti, onde as três fileiras de células externas acham-se comprometidas, desintegração das fibras nervosas e de suas terminações; invasão do órgão de Corti por células atípicas e irregulares.

Docison, Bannister, Douek (1978) encontraram em cobaias lesões nas células ciliadas externas da espira apical. Voldrich (1976), Davis (1953), Lawrence e Yantis (1957), Miller e col. (1963), Pronin e col. (1972) observaram com ruído da ordem de 110 dB ou mais lesões do órgão de Corti extensas, inclusive no plano mesotelial timpànico da membrana basilar com ruptura da membrana de Reissnner.

Um achado não usual foi citado por Pugh Jr. Hartwitz, Anderson (1974) em macacos expostos a ruído intenso. Os valores dos potenciais obtidos após a recuperação da exposição ao ruído excediam os da pré-exposição sugerindo um recrutamento de intensidade.

Howkins (1971) propôs que neste caso haveria uma vasoconstricção ao nível da cóclea durante a exposição com vasodilatação no final da recuperação. Todas estas experiências vêm nos mostrar que a exposição de animais ou do homem a ruído intensos, determina perdas auditivas e lesões histológicas variáveis no órgão de Corti. Estudos em animais, realizados por Henderson e col. (1974), Ward e Duval (1971) mostraram que após a recuperação da audição nos animais, grande número de células ciliadas externas estavam lesadas, permanecendo as internas normais e conservadas.

As experiências citadas de Ward e Duval (1971) sugerem que o limiar é dependente de uma população normal de células ciliadas internas, sendo independente das células ciliadas externas. Outros autores como Schuknecht (1953), Elliot e McGee (1965), Stebbins e col. (1972) sugerem que o limiar está relacionado com a integridade das células ciliadas externas e infernas.

Sabe-se atualmente, que a lesão provocada na cóclea varia em função da freqüência, do nível de pressão sonora e da duração da exposição ao som. Entretanto muitos aspectos do interrelacionam ento destes fatores, estão ainda por solucionar.

Beagley (1965) registrou os potenciais microfónicos cocleares e em seguida autopsiou cobaias expostas a ruídos de intensidade e duração variáveis. Estabeleceu uma relação entre perda eletrofisiológica (reversível) e lesão histológica (irreversível): com intensidades baixas, mesmo que empregasse durações longas, foi constatada apenas perda fisiológica, uma vez que a histologia se mostrava normal; com intensidades altas, sempre se observava surdez e lesões celulares, independentes da duração. Esta capacidade do organismo de se recuperar ou não de um trauma acústico, dependendo das características do som, foi também descrito por Aubry, Pialoux e Burgeat (1965): a fadiga coclear que se estabelece logo após a estimulação sonora seria uma função do produto duração x intensidade do som. Também para estes autores, o fator intensidade foi apontado como o primordial na perda auditiva. Em gatos Miller, Watson e Covell (1963), descreveram dois estados: TTS (temporary threshold shift) e PTS (permanent threshold shift). Procurando estabelecer os limites de transição entre estes estados, observaram que, com exposição sucessivas e iguais (ruído branco a 115 dB por 7,5 min.), conforme aumentassem o espaçamento entre elas, a perda na audição se tornava menor e mais transitória, havendo recuperação entre as exposições, com diminuição daquele espaçamento obtinham com facilidade um PTS com grande aumento dos limiares auditivos que se mantinham durante a vida do animal.

Expondo cobaias a ruído de intensidade fixa e duração variável, este trabalho visa estudar as alterações dos limiares auditivos dos animais e as lesões do órgão de Corti relacionando os achados e também analisar os graus de alterações e a recuperação de acordo com a duração da exposição.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizadas 32 cobaias, machos, adultos, albinos ou não, pesando em média 450-500 gramas. Para avaliação da audição foi utilizada a técnica de medida dos limiares do reflexo de Preyer. Este reflexo, descrito por Preyer em 1882, consiste na movimentação do pavilhão auricular em resposta a uma estimulação sonora e é um teste bastante seguro para a avaliação quantitativa da audição. Para este teste foi utilizada uma caixa de estimulação acústica, cuja parede anterior, de vidro possibilitava a observação das cobaias. Este sistema consiste de um gerador de audiofreqüéncias (Tech TE 22D), uma chave eletrônica (MK2), comandada por um gerador de pulsos, de duração e freqüência variáveis à vontade do experimentador, um atenuador de 0 a 125 dB (graduação de 1 em 1 dB) e um amplificador, que é ligado aos 4 autofalantes da caixa acústica. Estímulos sonoros, em pulsos isolados, de duração constante (50 mseg) e intensidades crescentes, eram emitidos gradativamente até determinar a movimentação das orelhas do animal. Os valores de estímulo que representavam o limiar do reflexo eram tabelados. Estas medidas eram feitas individualmente para cada cobaia nas freqüências de 2.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hz.

Para a produção do ruído, utilizava-se um gerador de ruído branco, de intensidade variável, padronizada, para este experimento em 110 dB, conectado ao amplificador, comum aos dois sistemas, e este a uma caixa de concreto, adaptada para a aplicação do ruído. Esta caixa possuía 8 autofalantes, um visor de vidro e uma porta, por onde eram introduzidas as cobaias, colocadas em gaiolas individuais de arame. As grandes dimensões desta caixa permitiam que várias cobaias fossem expostas ao ruído ao mesmo tempo.

A técnica de preparação de superfície foi utilizada para os estudos histológicos do órgão de Corti. Esta técnica, desenvolvida por Engstrõn, Ades e Hawkns (1963), e modificada por Oliveira e Marseillan (1976), consiste na decaptação do animal, sem anestesia, remoção da primeira vértebra cervical, abertura da calota craniana com a remoção do osso temporal bilateralmente. Estes eram libertados dos tecidos moles adjacentes dissecados, dando acesso às cócleas, que eram isoladas. Procedia-se então à fixação do órgão de Corti, feita pela injeção de fixador (formalina a 10% em tampão fosfato 0,1 M e pH 7 (Oliveira e Marseillan, 1976), através de uma abertura inferior na janela oval, o líquido fluía pelas espiras, saindo por uma outra abertura feita na parte superior da cóclea, próxima ao helicotrema.

As cócleas, após este tratamento, permaneciam no fixador até posterior do órgão de Corti, que constava de: dissecção da cóembrana basilar com o órgão de Corti, da lâmina espi

entos, correspondentes às várias espiras foram montados com glicerina entre' lâmina e lamínula (otoscópio MC-5 - D.F. Vasconcellos) e montagem de superfíci clea, descolamento da ral óssea, cujos frag

levados ao microscópio de contraste de fase para exame das eventuais lesões que foram registradas e fotografadas (Câmara Zeiss C 35, comandada por um Prontor eletronic Zeiss CS matic).

RESULTADOS

Fase aguda

Nesta parte do trabalho foram utilizadas 16 cobaias divididas de acordo com o quadro abaixo.





Os três grupos de cobaias tiveram inicialmente, determinados seus limiares normais de audição para as freqüências de 2.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hz, durante um período de 10 dias e em seguida foram submetidos ao esquema experimental mostrado acima.

As duas cobaias (A1) que foram sacrificadas para a determinação de um padrão normal de histologia, antes de qualquer estímulação sonora fosse aplicada, apresentavam limiares para o Preyer semelhantes aos das cobaias dos outros dois grupos, durante o período correspondente (controle), e as células ciliadas normais, como se pode observar pela Fig. 1.



Fig. 1: CB 31: Fotomicrografia em contraste de fase (aumento de 640 vezes) do órgão de Corti, mostrando sua histologia normal.



Os outros dois grupos, submetidos ao ruído branco por 24 horas, apresentaram significante alteração dos seus limiares auditivos após a exposição (Fig. 2). Os limiares que anteriormente eram atingidos com atenuação de 32, 20, 24 e 32 dB (respectivamente para as freqüências de 2.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hz), após o ruído não foram alcançados mesmo sem nenhuma atenuação e para a freqüência de 2.000 Hz, só foi atingido com 14 dB de atenuação. Neste momento, as cobaias estavam praticamente "surdas".



Fig. 2: CB 13: Alteração dos limiares do Preyer de cobaia após exposição de 24 horas consecutivas por ruído branco. Em abcissa: tempo; em ordenada: intensidade de atenuação (dB).



Procurando confirmar anatomicamente esta surdez, as cobaias (grupo A2) foram sacrificadas imediatamente após o ruído e suas preparações de superfície, conforme mostra a figura 3, indicam lesões moderadas na espira 2. Na espira 1 , as lesões são também moderadas, sendo mais intensas na espira apical. Em todas as cobaias estudadas, as células ciliadas internas sempre se apresentaram normais. Com o objetivo de se determinar se as alterações anátomofisiológicas observadas para estas cobaias eram reversíveis ou não, um outro grupo (A3) recebeu tratamento semelhante, mas não foi sacrficado após estimulação. A determinação de seus limiares auditivos por um longo intervalo de tempo apóss a estimulação, possibilitou a construção das curvas de recuperação, que indicavam, para a maioria das cobaias observadas, que os limiares se



Fig. 3: Fotomicrografia em contraste de fase do órgão de Corti (aumento 640 x) mostrando as células ciliadas externas após exposição a ruído branco por 24 horas. (Cb 24: espira apical).



recuperam, mas nunca chegavam a atingir os valores, que apresentavam antes da exposição ao ruído, mesmo que se deixasse decorrer vários meses. A figura 4 representa curva característica desta situação. Para esta cobaia (17) os limiares começaram a se recuperar entre 1 e 1,30 horas após o ruído branco, atingindo seus valores mais altos (nunca os anteriores, considerados máximos) 9 a 12 horas após o trauma e se conservando próximos desses valores enquanto as cobaias vivessem.



Fig. 4: C8 17: Curvas de recuperação dos limiares para o Preyer após exposição ao ruído branco por 24 horas. O intervalo -24-72 " indica a média das determinações feitas entre 24 ' e 72 ' horas após o fim da exposição.



As preparações de superfície destas cobaias, confirmaram as mesmas lesões encontradas para os animais sacrificados antes que a eventual "recuperação" se estabelecesse: a espira apical mostrava lesões abundantes e severas, com ruptura da célula, dando-lhe a característica aparência estrelada; as outras espiras, lesões esparsas.

Fase crônica

Nesta fase experimental foram utilizadas 16 cobaias provenientes de lotes idênticos ao da fase aguda, as quais foram separadas em três grupos:





Como padrão-controle de histologia, utilizou-se os dados do grupo A1, cujos animais não foram submetidos a nenhuma exposição ao ruído. Durante 10 dias, antes que se iniciasse este esquema experimental, as cobaias tiveram determinados seus limiares auditivos normais para as freqüências de 2.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hz, a fim de que a própria cobaia servisse como controle, quando seus limiares fossem alterados pela estimulação sonora.

As cobaias do grupo C1, que recebiam uma exposição diária de ruído de 30 minutos, não apresentaram nenhum dado concreto, morreram todas, devido a uma infecção que se alastrou pela gaiola em que estavam, antes que qualquer alteração significativa da audição fosse observada. Ficaram em experimentação aproximadamente em 4 meses e meio. Após a determinação do períodocontrole as cobaias dos grupos C2 e C3 passaram a ser submetidas a 1 e 2 horas (respectivamente) de ruído branco por dia. Determinação do Preyer logo após a primeira sessão de ruído, mostravam que ao cessar a estimulação sonora, os limiares se encontravam bastante alterados, mas recuperaram rapidamente (Figura 5), apresentando seus níveis normais 24 horas após, quando foram submetidas â segunda sessão de ruído.



Fig. 5: CB 11: Curva de recuperação dos limiares de Preyer após a primeira sessão de ruídos de 1 hora.



Como se pôde observar, a estimulação pelo ruído branco a 110 d8, durante 1 ou 2 horas, induziu apenas uma perda temporária da audição, seguida de uma completa recuperação. O exame histológico do órgão de Corti realizado em uma cobaia (CB 8) mostrou todas as células perfeitamente normais, em todas as espiras. Entretanto, com o passar do tempo, conforme estas perdas temporárias e suas respectivas recuperações fossem se somando, os limiares auditivos não voltavam aos seus valores anteriores e as curvas, para as quatro freqüências estudadas, começaram a se alterar significantemente até que no período do sexto ao oitavo mês de experimentação (para o grupo C2) os limiares se estabilizaram em valores bastante baixos, de atenuação, indicando que neste ponto, as cobaias haviam perdido, em grande parte, sua capacidade auditiva. Esta elevação dos limiares para o Preyer, pode ser observado na figura 6 que representa a alteração dos limiares auditivos para as freqüências de 2.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hz em função do tempo. Note-se que as quedas ocorrem em todas as freqüências.



Fig. 6: CB 9: Alteração dos limiares para o Preyer, em função do tempo, durante aplicação de ruído branco (1 hora/dia a 110 dB). Abcissa - tempo, em ordenada - intensidade de atenuação em decibéis.



Preparações de superfície do órgão de Corti, obtidas no segundo, quinto, sexto e oitavo mês, mostraram que até o segundo mês, as células ciliadas apresentavam-se normais. No quarto mês, começaram a surgir lesões esparsas, mas em número pequeno nas espiras superiores, eram lesões moderadas que se caracterizavam por distorção celular e alterações ao nível nuclear (Figura 7). A partir do sexto mês, entretanto, as lesões começaram a se intensificar, tornando-se mais graves e aumentando em número: as espiras 2 e 3 apresentavam lesões severas, com completa dissolução nuclear e ruptura da célula ciliada, dando-lhe aparência estrelada (Figura 8, espira 2). Este quadro histológico correspondia no tempo, com um visível deslocamento dos limiares auditivos para níveis mais altos como pode ser observado na figura 6. Já no oitavo mês, as lesões atingiram seu máximo, destruindo completamente as células da espira apical (Figura 9); a espira basal, entretanto, não se mostrava alterada como as apicais embora mostrasse lesões bastante severas e evidentes: muitas células com aparência estrelada; outras dissolução nuclear. Em todas as lâminas observadas, a espira basal ou seja, a espira 1, raramente se mostrava alterada, e quando o era, poucas lesões estavam presentes. Deve-se ressaltar também que as células ciliadas internas sempre se apresentaram normais com o esquema experimental adotado. Um quadro bastante semelhante ao do grupo C2 foi óbservado, se bem que num tempo mais curto, para o grupo C3, que recebia 2 horas de ruído por dia. Os limiares de audição, com o passar do tempo, se deslocavam para níveis mais altos, e as curvas dos limiares de Preyer em função do tempo, caiam gradativamente em direção ao nível 0 dB.



Fig. 7: Fotomicrografia em contraste de fase (aumento 640 x) de preparação de superfície do órgão de Corti, (Exposição de ruído por 4 meses).



Fig. 8: Fotomicrografia em contraste de fase (aumento 640 x) de preparação de superfície do órgão de Corti, (Exposição de ruído por 6 meses).



Fig. 9: Fotomicrografia em contraste de fase (aumento 640 x) de preparação de superfície do órgão de Corti, (Exposição de ruído por 8 meses).



Estudos histológicos do órgão de Corti realizados a 1 e 112 mês (CB 10) e 4 meses (CB 12) de estimulação, mostraram que a partir de 45 dias, já se observavam lesões esparsas e moderadas das células ciliadas externas nas espiras 2 e 3, semelhantes às obtidas para o grupo C2, no quarto mês. Durante o quarto mês, estas lesões se mostravam bastante evidentes: na espira 2, observava-se comprometimento moderado da fileira mais externa das células ciliadas externas (distorção celular e alterações nucleares) e lesões mais esparsas nas outras duas; na espira apical um quadro semelhante ao da segunda, bem mais intenso. Como no grupo anterior, a espira 1 raramente se mostrou alterada, como também as células ciliadas internas até este ponto (4 meses de estimulação) nunca se mostraram alteradas.

DISCUSSÃO

A exposição de cobaias ao ruído branco de 110 dB de intensidade por 24 horas consecutivas, causa lesões permanentes na cóclea o que é confirmado histologicamente pelas alterações celulares observadas ao nível das células ciI fadas.

A exposição determinou também a elevação dos limiares do reflexo de Preyer maior nas freqüências agudas, com recuperação de 9 a 24 horas. Estes achados estão de acordo com os de Ward e Duval (1971), Henderson e col. (1974) que encontraram lesões de células ciliadas externas após a recuperação ao trauma acústico. Daí a conclusão daqueles autores que o limiar é dependente de uma população normal de células ciliadas internas. Entretanto como os limiares que encontramos após a recuperação eram menores que os de antes da exposição, acreditamos que as lesões das células ciliadas externas explique o achado. Deste modo concordamos com Schucnecht (1973), Stebbins e col. (1972) que sugerem que o limiar estaria relacionado às células ciliadas internas e externas.

Não encontramos em nossos experimentos o fenômeno encontrado por Pugh Jr., Hartwïtz, Anderson (1974) de recuperação auditiva a níveis maiores que antes da exposição, sugerindo um recrutamento. Quando as cobaias eram submetidas a exposições mais curtas de ruído branco de mesma intensidade, ou seja, 1 ou 2 horas a perda da audição observável era reversível pois os limiares auditivos voltavam a seus valores normais e histologicamente não se observava nenhuma lesão ao nível de células ciliadas. Estas observações vêm mostrar a importância do tempo de exposição ao ruído, de intensidade mantida constante, na recuperação dos limiares auditivos. As alterações induzidas nos limiares auditivos por estimulação sonora (Eldredge et ai, 1959) é uma função direta do produto intensidade x duração do som, se a intensidade não exceder a 135 dB. O presente experimento vem confirmar tal fato: com intensidade não muito alta (110 d8) o produto intensidade x duração, torna-se dependente da duração do som empregado, uma vez que a intensidade sempre foi mantida constante. Realmente foi observado que os limiares eram muito mais alterados quando as exposições eram de duração mais longa.

Entretanto conforme os dados dos experimentos crônicos, as exposições curtas e espaçadas (possibilitando portanto a recuperação) repetindo-se no tempo determinavam gradativamente irreversibilidade nas alterações (PTS) e no final de um tempo relativamente longo (B a 8 meses para o grupo de 1 hora, 4 meses para o grupo de 2 horas) podia-se observar lesões permanentes ao nível das células ciliadas. Isto vem evidenciar um fato bastante importante: o intervalo entre exposições sucessivas ao ruído, protege a audição, uma vez que permite recuperação, mas não evita a perda auditiva, caso estas exposições continuem a se repetir. É também evidente que esta perda constitui uma função inversa do intervalo entre as exposições. O intervalo de 22 horas (para o grupo de 2 horas diárias) entre exposições sucessivas, associado à maior duração dessa exposição, produziu lesões semelhantes, mas num tempo bem mais curto que o intervalo de 23 horas (para o grupo de 1 hora diária). Miller, Watson e Covell (1963) chegaram a resultados semelhantes, usando duração de exposição não superior a 7,5 minutos. Sabe-se que a quantidade de células lesadas independe da freqüência usada (é uma função do produto intensidade x duração como já foi discutido) mas que a localização da lesão depende da freqüência. Ao se usar ruído branco, que nada mais é do que uma mistura de todas as freqüências, esperava-se que as lesões se distribuíssem igualmente por toda cóclea, o que não ocorreu. Na maioria das cócleas observadas a maior concentração de lesão se encontrava na espira apical, situada próxima ao helicotrema. Isto poderia ser explicado pelo sistema de som usado para produzir o ruído pois medidas de freqüências sonoras dentro da caixa de estimulação acústica indicaram que ela apresenta um grande grau de reverberação para as freqüências mais baixas e estas, predominando sobre as altas lesariam preferencialmente as espiras mais apicais da cóclea. As células ciliadas internas, que se caracterizam por um elevado limiar e por serem extremamente resistentes, pouco foram afetadas, o que também é descrito pela maioria dos autores.

Um outro fato interessante que adveio deste experimento,' foi a comparação das inclinações relativas da queda e recuperação da audição durante a determinação das curvas de recuperação, em diferentes fases do experimento. Logo após a primeira sessão de ruído, tanto para as cobaias do grupo C2 quanto para as do grupo C3, a recuperação, como já foi comentado, foi quase instantãnea e completa. Com o prosseguimento da experimentação, a queda dos limiares auditivos, após uma sessão de ruído, não era tão drástica quanto a inicial, como também não tão rápida a recuperação aos limiares anteriores. Imaginando-se retas que representam a queda da audição, durante a exposição ao ruído, ou na recuperação, após o mesmo, pode-se observar que a inclinação das retas diminui conforme é decorrido o tempo de experimentação. A progressiva diminuição na inclinação das retas, conforme decorrido o tempo de experimentação supõe a possibilidade de que essas retas constituam um índice mais sensível na determinação de lesões do que a medida dos limiares do Preyer diariamente. Entretanto, estudos posteriores de eletrofisiologia (determinação dos limiares pelos potenciais microfônicos cocleares) necessitariam ser feitos para que se chegasse a uma quantificação da relação -reta x lesão".

SUMMARY

Auditory recovery and cochlear alterations in guinea pigs after noise exposure in acuteand chronic experiments.
The effect to exposure to 115 dB SPL white noise was tested in guinea pigs by means of the pinna (Preyer) reflex thresholds and by histological examination of Corti's organ with the "surface preparation" technique.

After a continuous 24-hour exposure, thresholds were increased, and incomplete recovery observed from 9 to 24 hours after the end of the noise. Lesions in the inner ear were more apparent in the external hair cells of the apical turn. With short (1-2 hour) daily exposures for several months, it was observed that recovery was progressively slower, up to a point when permanent threshold changes appeared. At this stage the cochlear lesions were extensive.

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ENDEREÇO DOS AUTORES:
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
Ribeirão Preto - U.S.P. Departamento de Biologia
Av. Bandeirantes sln - Campus de Ribeirão Preto 14.100
Ribeirão Preto - SP.

* Trabalho realizado com auxílio da FAPESP e CNPq.
** Professor Livre Docente, Disciplina Fisiologia Animal e Humana. Departamento de Biologia. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeírão Preto, U.S.P.
Professor Livre Docente contratado no Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. U.S.P.
*** Professor Assistente Doutor do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. U.S.P.
**** Estagiárias do Laboratório de Fisiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. U.S.P.

Recebido para publicação em 23.02.80.

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