Versão Inglês

Ano:  1958  Vol. 26   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: -

Páginas: 66 a 68

 

SOBRE O USO INADEQUADO DA GLICERINA FENICADA NO OUVIDO

Autor(es): Dr. JOSÉ DAPHNIS MIL-HOMENS COSTA (VARGINHA, M. G.)

A membrana timpânica, de consistência semelhante á substância pergaminhada e muito resistente, fecha por dentro o cônduto auditivo externo, separando-o da caixa ou ouvido médio.

Segundo Courtade, ela é o espêlho da caixa timpânica, assim como a língua o é do estômago, porque nela repercutem tôdas as lesões do ouvido médio.

Ligando êste às fossas nasais existe uma formação ósteo-fibro-cartilaginosa acanalada, com a forma de um tronco de pirâmide de base inferior, a trompa de Eustáquio.

É revestida internamente por uma mucosa, continuação da mucosa do faringe e, por esta razão, permite que expliquemos a afinidade de tôdas as suas lesões. É muito delgada e coberta de um epitélio cilíndrico baixo com cílios; em a parte vizinha ao faringe; o epitélio é mais alto, pseudo-estratificado e ciliar; ao nível do orifício faríngeo aparecem numerosas células caliciformes.

A mucosa da caixa timpânica é revestida por epitélio cilíndrico do tipo pavimentoso simples e, em vários setores, em especial próximo ao orifício tubário e do bordo da membrana timpânica, é cúbico ou cilíndrico e possue cílios. Nega-se a existência de formações glandulares.

Pelas relações intimas que apresenta como cavidade rino-faríngea onde desemboca através seu orifício timpânico, a infecção da caixa timpânica sóe ocorrer com muita freqüência por que termina muito alto para drenar com eficácia a cavidade timpânica. Esta infecção é mais comum nas crianças do que nos adultos porque ela é mais curta e mais horizontal, sendo mais favorável portanto para o desague, e mais freqüente à esquerda que à direita, por ser mais baixa.

A lesão do ouvido médio em consequência de lesões das fossas nasais, por desvios do septo, por hipertrofia de conchas com predominância na cauda, de lesões dos seios nasais e para-nasais e de lesões do oro-faringe, entre nós, muito mais comuas.

Essa lesão se inicia, geralmente, 3-4 dias após um acidente infeccioso gripal, com a criança em inapetência, anoréxica, com irritabilidade declarada, pálida, a seguir apoplética, em fase mais avançada do processo, febrícula persistente e tenaz e, às vêzes, com fezes diarrêicas.

A maior parte das nossas crianças não faz referência a qualquer alteração para o lado dos ouvidos, habitualmente; no lactente e no menor de 3 anos, com a piora do processo inflamatório, exacerbam-se aqueles sinais, levando a criança a um profundo abatimento, estado febril mais grave e, muitas vêzes, a sinais meníngeos.

À otoscopia, nota-se modificação da coloração cinza azulada que normalmente a membrana timpânica tem: apresenta-se nacarada, levemente retraída e nota-se congestão dos seus vasos, congestão essa que ocorre em toda a sua inserção óssea.

Se o processo evolve, pioram os sinais inflamatórios e a congestão timpânica se generaliza a seguir, trazendo. então, am abaulamento que permite, muitas vezes, visualizar-se coleção de líquido dentro da caixa. Nesta situação, o paciente apresenta-se com dôr, surda ou lancinante, pulsátil, que se exacerba à pressão da orelha e à mastigação.

Afora os cuidados gerais que se levam em consideração, como desinfeção do rino-faringe, compressas quentes ou cataplasma contra o ouvido doente, administração de anti-térmicos e analgésicos, na fase congestiva, mais o tratamento antibiótico e quimioterápico, na fase exsudativa, paracentese e aspiração, na fase de coleção purulenta, muito importante é a medicação local que se impõe.

Há muitos anos, a terapêutica clássica da otalgia, em qualquer uma de suas causas, consistia na anestesia da membrana timpânica e é o que se faz ainda hoje. É uma prática antiga pois data de 1859 com Scherzer em Lima, no Peru, que usou folhas de coca para aquele fim. Depois vieram Nieman, Thomas-Moreno y Maiz, Koller, Zaufel, Bloch e Bonain que, em 1989, usou uma mistura de fenol, mentol e cocaína. Em 1907, êle acrescentou adrenalina após um trabalho experimental de Braun.

Outros nomes que devem ser lembrados são McAuliffe, Max Unger, Neumann, Tiefenthal, Berndt, Albrecht, Denker, Blégrad, Stout, Sturm, Morsman, Sinamark, Freystadtl e o brasileiro Mangabeira-Albernaz que, em 1934, concluiu que a mistura de Bonain é mais eficaz com tetracaina recomendando a seguinte:

tetracaina . . . . . . . . . . . . . ãã
fenol cristais . . . . . . . . . . .ãã
mentol. . . . . . . . . . . . . . . . ãã
glicerina . . . . . . . . . . . . . . 2 ml

Embora tenha já 59 anos, a mistura de Bonain ou suas modificações não nos convenceram porque a glicerina fenicada, em que pesem, as boas qualidades a que muitos autores referern não é ideal, ao contrário, traz alguns maleficios ao paciente, especialmente naquele cuja família, pôr excesso de zelo e cuidado ou por inoperância ou por desejar urna melhora mais rápida, usa-a em demasia porque, em dose pequena, não faz efeito desejável.

Há já muitos anos, o uso odontológico do fenol se generalizou e, com ele, muitas queimaduras de gengivas, de língua e de lábio surgiram por descuido ou inabilidade profissional.

E é o que observamos hoje em ,algumas crianças que vêm à consulta, com história pregressa de otalgia post-resfriado e que fizeram uso, sob receita médica, daquela mistura.

Ela é cáustica e determina na criança grandes necroses timpânicas e do conduto e otite extensa secundária, mais graves, mais difíceis de se tratarem, mais complexas e mais dolorosas que a própria afecção primária e que tão mau prognóstico oferecem, muitas vêzes, motivo porque nós a contraindicarnos formalmente para o adulto e muito mais para a criança.

SUMÁRIO

O Autor apresenta um trabalho tecendo considerações relativas a questões anátomo-histológicas do ouvido médio, sua participação nas afecções agudas e seu tratamento, indevido pela glicerina fenicada, que ele contraindica formalmente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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