Versão Inglês

Ano:  1980  Vol. 46   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 22 a 31

 

EXAME NEUROFISIOLÓGICO NA PARALISIA FACIAL PERIFÉRICA

Autor(es): De Faria, C. R.,
Cardoso dos Santos,
I., Melo-Souza,
S. E. de. *

Resumo:
Os autores analisam as técnicas tradicionais de exames do Nervo Facial em comparação com as técnicas neurofisiológicas (eletroneuromiografia). A interpretação dos achados eletrofisiológicos é mostrada ser bastante superior para o diagnóstico da natureza e extensão da lesão do Nervo Facial, que as técnicas tradicionais. Por outro lado o valor prognóstico da eletroneuromiografia é também apontado como superior aos parâmetros de topodiagnóstico e de avaliação clínica.

INTRODUÇÃO

A paralisia facial periférica (P.F.P.) é uma patologia comum, e geralmente alarmante pela acentuada deformação estética facial. Dentre todas as causas de P.F.P. a chamada idiopática ou paralisia de Bell, é a mais freqüente. Felizmente a evolução destes casos é boa e cerca de 85% dos pacientes evoluem para cura total independentemente de qualquer tratamento (Hilger, 1949). Nos remanescentes 15% a conduta tem sido bastante discutida e os resultados discutíveis.

No caso específico da paralisia de Bell vários fatores determinam sua evolução. Dentre eles destacam-se: a etiologia, a natureza e a intensidade da lesão. Em que pese os esforços empreendidos até o momento, não se conseguiu comprovar a etiologia da Paralisia Facial Idiopátíca, embora existam evidências fortemente sugestivas de componente virótico elou imunológico (McGovern, Adour, Blat, Esslen, May, Sodé, 1977). Assim, o diagnóstico de paralisia de Bell é feito por exclusão das demais causas conhecidas, como lesões traumáticas, centrais, tumores, zoster, etc.

Tratando-se de uma região anatômica pertinente a várias especialidades, diversos têm sidos os métodos propedêuticos empregados na avaliação da natureza da lesão e de seu prognóstico. Muito difundidos no meio,otológico, além da avaliação clínica foram os métodos de topodiagnóstico (reflexo estapediano, testes salivares e gustativos, etc) e os exames elétricos (teste de estimulação de Hilger).

Por outro lado o tempo de evolução tem sido um verdadeiro tabu na paralisia facial, notadamente entre os otologistas, mormente no que se concerne a uma possível indicação cirúrgica. No ambiente neurológico a P.F.P. vem sendo curiosamente menosprezada. Entretanto vários neurofisiologistas têm dedicado parte de suas pesquisas ao nervo facial, e o atual estágio do exame neuroflsiológico (erroneamente chamado de eletroneuronografia), em qualquer tempo de evolução permite uma avaliação da natureza e extensão da lesão do nervo facial, nitidamente superior a todos os testes de topodiagnóstico ou do método de Hilger e dos parâmetros clínicos.

TÉCNICA

O neurofisiologista dispõe no momento de várias técnicas de abordagem do nervo facial.
1. Reflexo do Piscamento (Kugelberg, 1952) consiste na estimulação do 1 ° ramo do nervo trigêmeo, na glabela, registrando-se a resposta reflexa do músculo orbiculares oculi. Os eletrodos são todos de superfície. O registro é feito por dois eletrodos de prata em forma de disco, com o, 4cm de diâmetro colocados entre o músculo orbicularis oculi, na região infra-palpebral. O terra, uma placa de prata de 2cm X 0,4cm X 0,1cm, é colocado sobre o nariz. O eletrodo estimulador, duas placas de prata de 0,4cm de diâmetro, montada sobre o material condutor, em um suporte de acrílico (fig. 1.)



Fig. 1.: Montagem dos eletrodos.



Quando se estimula o trigêmeo, provoca-se duas respostas diferentes: o 10 e o 20 componentes do reflexo do piscamento. O primeiro provavelmente via tronco cerebral e o segundo seguramente cortical (fig. 2) (Kugelberg, 1952). A amplitude destas respostas, ainda que variável por influência cortical (acomodação) é sempre igual ou maior que 1 mV e as latências são ao redor de 10 ms para o 10 componente e 25 a 30 ms para o 20 componente (fig. 3).



Fig. 2.: Esquema das vias e das respostas do reflexo do piscamento (ponto I) e da resposta direta ao estímulo do tronco do facial (ponto ii).



Fig. 3.: Registro do reflexo do piscamento normal.



2. R agulha concêntrica é importante em lesões com mais de 10 dias de evolução, uma vez que a presença de atividade espontânea evidencia a presença de fibras desnervadas (fig. 4). Usa-se uma agulha bipolar colocada no interior do músculo e observa-se a existência ou não de atividade espontânea e potenciais voluntários. De uma forma grosseira este teste pode indicar o número de fibras nervosas funcionantes.



Fig. 4.: Potenciais de fibrilação.



3. A estimulação direta do tronco do facial na raiz da mandíbula permite avaliar a onda M. O registro é semelhante à técnica anterior, apenas que mudase o ponto de estímulo (fig. 5-a). A amplitude de onda M oscila de 1,5 a 3 mV com latência ao redor de 3 a 4 ms.

A amplitude da onda M (fig. 5-b) dá uma idéia imprecisa (ao contrário do suposto)do número de unidades motoras funcionantes, e é um excelente parâmetro para indicar a integridade anatômica do nervo facial.



Fig. 5.: Registro da onda -M -no músculo orbiculares oculi.



4. Já a técnica de contagem de unidades motoras do músculo orbiculares oculi (De Faria et ai 1979) permite estimar o número de U.M., com relativa precisão (fig. 6). A técnica consiste em registrar-se as respostas do músculo orbicularis oculi a estímulos crescentes aplicados no nervo facial. Este procedimento baseia-se no trabalho de McComas et ai (1971).



Fig. 6.: Contagem de unidades motoras (U. M.) calcula-se a amplitude média das UsMs dividindo-se por N a amplitude da resposta n° N, que é obtida através de estímulos aplicados no tronco do nervo facial. O número de U. M. é calculado dividindo-se a amplitude máxima de todas as UsMs, representada pela onda "M "_ pela amplitude média (A.0.).


AM=R1+R2+........................ Rn / n

UM= onda M / A. M.


COMENTÁRIOS

O propósito deste trabalho é mostrar os resultados do exame neurofisiológico (eletroneuromiografia) na avaliação da natureza e da extensão do comprometimento do nervo facial, com finalidade prognóstica. Do ponto de vista neurofisiológico pode-se classificar as lesões nervosas em funcional (neuropraxia) ou anatômica (neurotmese) ~Comas, 1977). No primeiro caso há um bloqueio na transmissão dos impulsos nervosos através do segmento lesado, embora o nervo permaneça anatomicamente íntegro e viável. Na neurotmese a lesão é anatômica: há uma solução de continuidade do nervo, seguida de degeneração waleriana de seu segmento distal ou, ocasionalmente, também do segmento proximal (fig. 7).



Fig. 7.: (de cima para baixo)



Resposta a estímulos nos pontos I e ll.

1 - No nervo normal, com as duas respostas normais.
2 - Na compressão do nervo, com a 11 resposta, prolongada.
3 - Na lesão neuropráxica não há a 11 resposta, devido ao bloqueio fisiológico.
4 - Na lesão neurotmétrica não há nenhuma resposta, devido à degeneração waleriana.

Nas lesões funcionais o reflexo do piscamento geralmente está presente, entretanto os dois componentes apresentam latência prolongada e amplitude discreta ou moderadamente reduzida (fig. 8). Existem casos de lesão funcional total, em que o reflexo do piscamento está completamente abolido. Nestes casos o diagnóstico é feito pela presença de onda "m" normal ou levemente reduzida com laténcia normal (fig. 9). Em ambos os casos a agulha concêntrica não evidencia atividade espontânea.



Flg. 8.: Registro de reflexo do piscamento em caso de compressão do nervo facial com as duas respostas prolongadas e de baixa amplitude.



Fig. 9.: Registro do reflexo do piscamento (direita) e da onda "M" (esquerda) e um caso de bloqueio total do nervo facial.



Nas lesões anatômicas o reflexo do piscamento está abolido, não há onda "M" e após o 10° dia há presença de atividade espontânea (fig. 10) ao estudo com a agulha concêntrica.



Fig. 10.



Na prática é freqüente a existência de lesões anatômicas parciais muitas vezes associadas à lesão funcional. Nestes casos o reflexo apresenta seus componentes com amplitude bastante reduzida, latência prolongada e onda ''M'' de baixa amplitude. São as melhores indicações para a contagem de unidades motoras, que permite avaliar o número de fibras comprometidas.

A interpretação destes achados poderia ser assim resumida:

a) Os pacientes com lesão neuropráxia, ainda que total, podem ser considerados de bom prognóstico.

b) Os pacientes com lesão anatômica (neurotmese) que entretanto conservam parte das fibras íntegras (mesmo que estas tenham sofrido neuropraxia) freqüentemente apresentam recuperação parcial e demorada; e,

c) Os pacientes com lesão anatômica total dificilmente recuperam e quando o fazem é de modo incompleto e tardio.

Para os pacientes dos grupos b e c tem-se indicado cirurgia de descompressão do nervo facial que, de acordo com vários trabalhos publicados (Adour et ai 1974), (McNeil, 1974) não apresenta resultados melhores que os do tratamento conservador. Uma provável explicação é que estes pacientes sofrem uma degeneração completa do nervo facial (De Faria, 1978). Provocada por mecanismos intrínsecos, de origem vascular virótica ou imunológica, que independem de fatores extrínsecos (como compressão do perinervo por exemplo).

SUMMARY

The thecniques facial nerve examination others than the neurophysiological are analised. When compared with the newurophysiologie examination (eletroneuromyography) it is shown that this new aproach for the facial is much more sensitive and acurate both for diagnostic and prognostic purposes.

RESUMÉ

Les auteurs font une comparaison entre les técniques traditionelles d'examen du nerf facial et les técniques neurofisiologiques (électoneumygraphie). L'interpretation des résultats par Ia técnique elestrophisiologique a prouvé, sa superiorité sur les examens traditionels pour I'analyse de Ia nature et I'etendue des lésions du nerf facial.

D'autrepart Ia valeur prognostique de I'electroneuromyographie est aussi supérieur aux paramétres de topdiagnostique et de I'evaluation clinique.

BIBLIOGRAFIA

1. ADOUR, K.K. and WINGRED, J. - Idiopathic facial paralisis (Bell's palsy); factors affecting severity and Autcome in 446 patients. Neurology 24:1112-1116, 1974.
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3. GANDIGLIO, G. and FRA, L. - Further observation on facial reflexes. J. of Neurological Sciences 5:273-285, 1967.
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5. KIMURA, J., POWERS, J.M., VAN Allen, M. - Reflex response of orbicularis oculi muscle to supraorbital nerve stimulation. Archieves of Neurology 21: 193-199,1969.
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9. MCNEILL, R. (1974) Facial verve decompression. Jornal or Laryngology and Otology, 88:445455.
10. RUSWORTJ, G. - Observations on Blink Reflexes; J. Neu-rolog. Neurosurg. Psychiat. 25 93-108,1962.




Endereço do autor:
Caixa Postal - 157 74.000
Goiânia-Goiás

* Instituto de Neurologia de Goiânia, Hospital Otorrino de Goiânia, Escola Superior de Educação Física de Goiás.

Trabalho recebido para publicação em 30101180.

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