Versão Inglês

Ano:  1979  Vol. 45   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 284 a 291

 

SURDEZ SÚBITA: UMA SÍNDROME COM MUITAS CAUSAS****

Autor(es): Heitor Guerreiro Ribeiro Dantas*
Carlos A. Oliveira**
Francisco A. S. Bandeira***

Resumo:
Uma revisão bibliográfica referente à síndrome conhecida como Surdez Súbita (Sudden Deafness) é apresentada. Três casos desta síndrome vistos pelos autores nos últimos doze meses são apresentados em detalhes e com documentação audiométrica. O segundo caso tem causa conhecida e comprovada enquanto os dois outros têm causa desconhecida mas definitivamente diferente da causa comprovada para o segundo. As múltiplas causas admitidas hoje para perda súbita da audição são discutidas e possíveis causas para dois dos casos apresentados são comentadas.

Snow(1) define Surdez Súbita como sendo uma perda auditiva neuro-sensorial que aparece subitamente ou que se desenvolve num período de alguns dias ou algumas horas. Assim sendo é preciso ter em mente que parotidite epidêmica, sarampo, doença de Meniére, neurinoma do acústico, meningite, encefalite, esclerose múltipla, sífilis congênita, fratura de crânio, drogas ototóxicas e muitas outras causas conhecidas podem levar ao aparecimento de Surdez Súbita(2). Somente depois de excluir todas estas causas comprovadas é que podemos concluir tratar-se de Surdez Súbita idiopática.

As causas para esta última categoria são hipotéticas e serão revistas brevemente:

a) Agentes viróticos-Lindsay e Hemenway (3) documentaram o papel do vírus do sarampo na etiologia da Surdez Súbita. Van Dishoeck e Blerman (4) estabeleceram o papel do vírus da influenza como causa de Surdez Súbita. Outros vírus têm sido circunstancialmente implicados na etiologia desta síndrome (5,6,7). Schuknecht (8) descreveu os achados anátomo-patológicos ao nível do ouvido interno em 4 casos de Surdez Súbita e comprovou a semelhança destes achados com as lesões encontradas em casos comprovados de labirintite causados por parotidite epidémica, sarampo e rubéola pré natal.

Existe portanto considerável evidência, embora de natureza indireta ou circunstancial, para que aceitemos agentes viróticos como causa provável de Surdez Súbita.

b) Causas vasculares-Hallberg (9) em 1960 reviu a literatura sobre Surdez Súbita existente até então e constatou que de 178 casos descritos mais de 89 foram diagnosticados pelos autores como tendo etiologia vascular (vaso-espasmo) e tratados de acordo. Isto dá bem uma idéia da popularidade desta causa hipotética para Surdez Súbita. Entretanto a evidência, mesmo indireta para suportar esta popularidade é pouco convincente (1). Polus (10) cita a existência de patologia vascular em outras áreas da economia como evidência da etiologia vascular para a síndrome em questão e oferece como prova adicional a reversão da surdez neuro-sensorial em um paciente após tratamento com ácido nicotínico, procaína e anticoagulantes endovenosos.

Uma revisão cuidadosa da literatura em busca de evidência experimental suportando a ação farmacológica de substâncias como o ácido nicotínico, procaína e muitas outras sobre a microvascularização coclear realizada por um dos autores(11) foi inteiramente negativa. Daí nossa descrença nas curas de Surdez Súbita através de complicados cocktails de substâncias vasoativas. Muito menos usaríamos tais curas como evidência para etiologia vascular desta síndrome. Entretanto existem casos descritos na literatura, relativamente raros, em que a etiologia vascular parece aceitável. Urban (12) descreve um caso de Surdez Súbita durante uma crise de anemia falciforme. A audição voltou ao normal após o tratamento da crise aguda. Diríamos então que em situações definidas com conhecido potencial para produção de fenómenos trombo-embólicos esta etiologia é aceitável mas certamente resistiríamos à tentação de rotular a maioria dos casos de Surdez Súbita de causa desconhecida como sendo de etiologia vascular.

c) Ruptura de membranas-Simmons (13) aventou a hipótese de que mudanças súbitas de pressão transmitidas ao meio líquido do ouvido interno poderiam provocar rupturas nas membranas cocleares (membrana de Reissner) com conseqüente surdez neurosensoriai súbita. Tal surdez poderia ser reversível se as membranas cicatrizassem ou permanente caso contrário. Ele demonstrou a reversibilidade desta síndrome sem tratamento específico exceto repouso no leito. Assinalou ainda que estes casos seriam certamente rotulados como de causas vasculares e tratados com cocktails vasodilatadores. Os que voltassem ao normal seriam creditados ao tratamento. Fee (14) descreveu 3 casos de Surdez Súbita conseqüentes a traumatismos cranianos em que a exploração cirúrgica revelou fistulas da janela oval. Stroud e Calcaterra (15) descreveram 3 casos de fístulas na janela oval. Eles estenderam a teoria de Simmons a outras membranas do ouvido interno incluindo as janelas redonda e oval. Goodhill (16) acrescentou outros casos de fístulas perilinfáticas de janela oval e propôs a teoria da implosão e explosão: na Implosão pressões transmitidas pela trompa de Eustáquio ao ouvido médio seriam transmitidas ao ouvido interno causando ruptura de membranas. Na explosão pressões ao nível do líquido céfalo-raquideo seriam transmitidas via aquedutos coclear ao ouvido interno causando as rupturas.

Esta etiologia é pelo menos parcialmente comprovada peia demonstração cirúrgica das fistulas de janelas redonda e oval. A demonstração anátomo-patológica de rotura de membrana de Reissner em seres humanos está por ser feita. A ruptura da membrana de Reissner causada por som intenso foi demonstrada em animais por Davis (17) e serviu de base para a teoria proposta por Simmons.

É nossa intenção apresentar 3 casos de Surdez Súbita tratados por nós recentemente e discutir sua etiologia à luz das hipóteses existentes.

Apresentação dos Casos

Caso 1: E.T. Paciente do sexo masculino com 60 anos de idade, branco. Havia sido visto por um Clinico Geral no dia 11 de novembro de 1978 queixando-se de sensação de pressão e diminuição de audição no ouvido esquerdo há duas semanas. Esta sintomatologia teve início durante um episódio de resfriado comum. Queixava-se também de sensação de deseqüilíbrio desde o início da sintomatologia. A história otológica pregressa era negativa. O exame feito pelo Clínico Geral demonstrou otite média serosa à esquerda. O paciente foi tratado com actifedrin. No dia 19 de novembro de 1978 ele foi visto por um dos autores com as mesmas queixas. O exame otoscópico foi negativo e o audiograma é apresentado na figura 1. Nesta ocasião foi discutida a necessidade de internação e tratamento com vasodilatadores intravenosos e decidiu-se por recomendar repouso em casa e repetir o audiograma após uma semana. No dia 27 de novembro novo audiograma (figura 2) foi feito. O paciente estava subjetivamente bem.



Fig. 1



Fig. 2



Caso 2: L.A.B. Paciente do sexo masculino com 32 anos de idade. Início súbito de vertigem, tinnitus e perda de audição ao fazer esforço para urinar 5 anos atrás. Desde então tem tido tinnitus que descreve como barulho de água correndo, perda de audição que parece flutuar e desequilíbrio. Pressão no pescoço faz aumentar a sensação de vertigem. Esforço para limpar o nariz provoca vertigem. Paciente recomendado a um dos autores como provável doença de Menière. Audiograma feito no dia da primeira consulta é apresentado na figura 3. Raios-X panorâmicos de condutos auditivos internos normal. Timpanotomia exploradora foi indicada com base na história e no audiograma. A observação cuidadosa da janela oval com grande magnificação (X25) revelou área brilhante na estremidade anterior da platina do estribo. Não havia vazamento óbvio de perilinfa, entretanto a área suspeita foi cuidadosamente coberta com gelfoam. O audiograma feito após 3 semanas da timpanotomia é apresentado na figura 4. A sintomatologia desapareceu completamente e a audição tem se mantido estável durante os últimos 6 meses.



Fig. 3



Fig. 4



Caso 3: G.C. Paciente do sexo feminino com 51 anos de idade. Recomendada a um dos autores com queixa de tinnitus e perda acentuada de audição no ouvido direito. A sintomatologia teve inicio 3 semanas antes da primeira consulta de maneira súbita. A paciente estava resfriada e viajou de avião do Rio de Janeiro para Teresina. Durante a viagem sentiu dor no ouvido direito e sensação de pressão neste ouvido. Na viagem do aeroporto para casa percebeu que não estava ouvindo no ouvido direito. Foi examinada por um Otorrino-Laringologista em Teresina e o diagnóstico de surdez neuro-sensorial profunda no ouvido direito foi feito. A história otológica pregressa era inteiramente negativa e o audiograma feito na primeira visita (2614179) é apresentado na figura 5. O exame otoscópico era normal e a timpanometria apresentou curva normal. Foi decidido então recomendar repouso em casa durante uma semana após o que o novo audiograma seria feito. No dia 4/5/79 novo audiograma foi feito (figura 6). A paciente relatou então desaparecimento do tinnitus.



Fig. 5



Fig. 6



Comentários:

O Caso N° 2 apresenta história típica de fístula perilinfática e o audiograma é compatível com esta causa etiológica. Não fora a forma da curva audiométrica (perda neuro-sensorial acentuada nas freqüências mais altas) o diagnóstico inicial de doença de Menière poderia ter sido aceito. Entretanto o dado audiométrico chamou a atenção do autor que procedeu então a uma anamnese cuidadosa inquirindo especificamente sobre modo de início dos sintomas, relação com esforço, etc. É interessante também notar que a fístula de janela oval estava presente por 5 anos provavelmente com vazamento mínimo de modo que o fechamento da janela oval possibilitou o retorno da audição a níveis normais, permanecendo apenas pequena deficiência em 8kHz. Outro ponto que nos parece importante salientar é a necessidade de se examinar as janelas redonda e ovai sob grande magnificação e por bastante tempo. Nem sempre a fístula é óbvia, mesmo sob intensa magnificação. Neste caso comprovamos apenas uma área que nos parecia suspeita e o completo desaparecimento de uma sintomatologia que já durava 5 anos parece comprovar a existência da f ístula.

Os casos N° 1 e N° 3 são semelhantes e a causa, provavelmente comum, tem que ser tratada no terreno das hipóteses. Tivessem os autores aceito a etiologia vascular, o curso conseqüente teria sido internação para tratamento com cocktails vaso-dilatadores e os resultados teriam sido os mesmos mas com crédito para o tratamento e portanto para a etiologia.

Armstrong (18) em 1975 apresentou 2 casos de surdez neuro-sensorial profunda com vertigem aparecendo durante resfriados comuns e apresentando otite média serosa concomitante. Em todos 2 casos a surdez neuro-sensorial foi revertida mediante simples miringotomia e inserção de carretéis. É possível que uma efusão serosa no ouvido médio provocada por um resfriado comum possa causar dano temporário ao ouvido interno através da passagem de substâncias tóxicas pela janela redonda. Paparella (19) demonstrou histopatologicamente a permeabilidade da membrana da janela redonda as substâncias tóxicas contidas no ouvido médio cronicamente infectado e atribuiu a este mecanismo a surdez neuro-sensorial freqüentemente vista acompanhando as otites médias crônicas. Uma efusão serosa causada por vírus pode teoricamente causar danos ao ouvido interno e neste caso o dano parece ser passageiro. Quando se trata de invasão do labirinto pelo próprio vírus (sarampo) a surdez é irreversível.

Temos procurado testar esta hipótese em nossa experiência e agora a formulamos para que outros possam comprová-la ou contestá-la.

SUMÁRIO:

As possíveis causas para Surdez Súbita Idiopática foram brevemente revistas. 3 casos de surdez neuro-sensorial de início súbito foram apresentados em detalhe e suas possíveis causas foram discutidas. Uma hipótese para explicara etiopatogenia de Surdez Súbita reversível associada a otite serosa foi apresentada.

SUMMARY:

The possible causative agents for Sudden Deafness were briefly reviewed. 3 cases of sensorineural hearing loss having a sudden onset were presented in detail and their possible causative agents were discussed. An hypothesis to explain the ethiopathogenesis of reversible sudden sensorineural hearing loss associated with serous otitis media was offered for further discussion.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. SNOW, J.B. - Sudden Deafness. In Paparella and Shumrick Otolaryngology, Vol li, 357-364. W.B. Saunders Company, Philadelphia, 1973.
2. SAUNDERS, W.H. - Sudden Deafness and Its Several Treatments Laryngoscope 82: 12061213,1972.
3.LINDSAY, J.R.; Hemenway, W.G. - Inner ear Pathology due to measles-Ann Otol 63: 754771,1954.
4. VAN DISHOECK, H.A.E. - Viral Infection in two cases of sunden perceptive deafness. Acta Otol(Suppl)30-33,1963.
5. JAFFE, B.F.; Maassab, H.F. - Sudden deafness associated with adenovirus infection. New Eng J. Med. 276:1406-1409,1967.
6. GREGG, J.B.; Shaeffer, J.H. - Unilateral inner ear deafness complicating infectious mononucleosis. S. Dak J. Med. 17: 2223,1964.
7. JAFFE, B.F. - Sudden deafness, an otologic emergency. Arch Otolaryngol 86: 55-60, 1967.
8. SCHUKNECHT, H.F.; Benitez, J., Beekhuis, J.; Igarashi, M. Singleton, G.; Ruedi, L. - The pathology of sudden deafness Laryngoscope 72: 1142115.7,1962.
9. HALLBERG, O.E. - Laryngoscope 70: 4081960.
10. POLUS, K. - The problem ofvascular deafness. Laryngoscope 82: 24-27, 1972.
11. OLIVEIRA, C.A. - A study of the cochlear blood vessels under normal and pathological conditions - Ph. D. Thesis University of Minnesota Granduat School, June1977.
12. URBAN, G.E. Jr. - Reversible sensori-neural hearing loss associated with sickle cell crisis.
Laryngoscope 83:633-638,1973. 13. SIMMONS, F.B. - Theory of membrane breaks in sudden hearing loss. Arch Otolaryngology88: 41-48, 1968.
14. FEE, G.A. - Traumatic perilymphatic fistulas. Arch Otolaryngol88:477-480,1968.
15. STROUD, M.H.; Calcaterra, T.C. - Spontaneous perilymph fistulas. Laryngoscope 80: 479487,1970.
16. GOODHILL, V. - Sudden deafness and round window rupture Laryngoscope 81: 1462-1474, 1971.
17. DAVIS, H. et ai - Temporary deafness following exposure to loud tones and noise. Acta Oto laryng 86 (Suppl), 1950.
18. ARMSTRONG, B.W. - Serous effusion of the middle ear. Laryngoscope 85:129-131,1975.
19. PAPARELLA, M.M.; Oda, M,; Hiraide, F.; Brady, D. - Pathology of sensorineural hearing loss in otitis media. Ann Otol 81: 632-647,1972.




ENDEREÇO DO AUTOR
SQS 211 - BI. B - Apto. 101
Brasília - DF - 70274

* Chefe da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital Presidente Médici (INAMPS). Brasília, D.F.
** Professor de Otorrinolaringologia da Universidade de Brasília, Brasília, D. F.
*** Chefe da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Forças Armadas Brasília, D.F.
**** Trabalho realizado no CRAEL (Centro de Reabilitação da Audição, Equilíbrio e Linguagem). Brasília, D.F.

Recebido para Publicação em 9.09.79.

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