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Ano:  1979  Vol. 45   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 274 a 283

 

ESTUDO DA FLORA BACTERIANA NAS OTITES MÉDIA CRÕNICAS E SUA SENSIBILIDADE A ANTIBIÓTICOS

Autor(es): José Câmara*
Jirair Vosgueritchian**
Paulo Sukehiro Isob**
Roberto A. C. Bonanom**
Lamartine Junqueira Paiva***

INTRODUÇÃO

A mudança da população bacteriana em infecção crônica com o decorrer dos anos é fato constatado por vários autores (1,2,4,5).

A necessidade de um conhecimento mais exato da flora nas otites médias crônicas e de sua sensibilidade aos antibióticos é ponto fundamental no dia a dia do especialista, tanto pela grande freqüência de casos, como pelo fato de cura da supuração ser condição indispensável para uma cirurgia funcional posterior.

Os dados obtidos neste trabalho, apesar de não apresentarem diferenças substanciais com aqueles encontrados na literatura mundial, adquirem valor especial pelo fato de terem sido obtidos em nosso meio.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados 42 pacientes, dos quais só puderam ser aproveitados 33 casos para o presente trabalho por insuficiência de dados nos demais.

Nossa casuística consta de 33 pacientes atendidos no Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, portadores de otite média crônica, colesteatomatosa ou não.

Os pacientes foram sendo introduzidos no presente estudo aleatoriamente, na seqüência natural e causal com que chegaram ao ambulatório.

Todos tinham otorréia no momento do atendimento inicial.

A idade variou de 18 meses a 75 anos (com predominância na faixa etária dos 10 aos 20 anos e uma média de 22,86 t 20,52).

Notar que 63% dos casos estudados situam-se nas duas primeiras décadas. 14 pacientes são do sexo masculino e 19 do sexo feminino.


Tabela 1 - Distribuição da idade dos pacientes



Dos 33 casos estudados 31 são da raça branca; 1 caso de cor parda e 1 caso de cor preta.

A duração da otorréia variou de um mínimo de 2 meses até um tempo superior de 10 anos.
Nove pacientes haviam sido adenoamigdalectomizados (ou simplesmente amigdalectomizados); 14 não haviam sido submetidos a esta cirurgia e em 10 casos esta informação não está referida.


Tabela 2 - Distribuição dos pacientes segundo a duração da otorréla



Do total, 8 pacientes apresentavam otorréia bilateral em 12 a otorréia era à direita e em 13 pacientes à esquerda.

A colheita do material foi feita durante o 1 ° semestre do ano de 1978. Quanto aos antecedentes dos pacientes, 1 fora submetido a transplante renal há 3 anos (posterior ao início do quadro otológico) e 2 pacientes haviam se submetido anteriormente a cirurgias otológicas não especificadas.

A secreção auricular foi colhida por meio de "Culturette" buscando-se obtê-la diretamente do ouvido médio. Em crianças menores com meato acústico externo menos calibroso, a introdução de "Culturette" até o ouvido médio era impraticável, razão por que, nestes casos a colheita foi feita com alça de platina e semeada na "Culturette". Em seguida, o material era enviado imediatamente ao laboratório, onde era semeada em ágar Mac Conkey e em agar sangue.

"CULTURETTE" é um dispositivo próprio para colheita de material constituído de uma haste (tipo bastão) que se encaixa num frasco contendo:

- Meio de transporte modificado de Stuart, 0,5 ml - Tioglicolato de Sódio, 0,1
- Glicofosfato de Sódio, 1,0%
- Dihidrocloridrato de Cálcio, 0,01 %

AGAR MAC CONKEY é constituído de: - Bacto Peptona

- Protease Peptona - Bacto Lactose
- Bacto Sais Biliares n° 3
- Cloreto de Sódio
- Bacto Agar

Bacto Vermelho Neutro - Bacto Cristal Violeta

O antibiograma utilizado é o padronizado pelo Serviço de Bacteriologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e correspondente ao Quadro 1. O método usado é o de discos embebidos em antibióticos.


Quadro 1 - Constituição do antibiograma padrão



Nem todos os antibióticos que compõem o quadra foram testados e sim aqueles mais comumente utilizados conforme a rotina hospitalar e/ou conforme o agente patológico achado na cultura.


Quadro 2 - Resultado das Culturas



RESULTADOS

No quadro 2 estão expostos os casos enumerados de 1 a 33 com o resultado das respectivas culturas.
Todas as culturas que resultam em agente patogênico foram submetidas ao antibiograma; aquelas estéreis elou não patogênicas (consideradas como material de contaminação), não foram submetidas ao antibiograma.

Nem todos os antibióticos numerados no quadro 1 foram testados em cada caso e nem houve uniformidade quanto ao número e tipo dos que o foram, pois isto estava na dependência da disponibilidade dos estoques do laboratório.

Notar que os casos de número 2, 30 e 32 apresentaram culturas com 2 agentes patogênicos.
Baseado no quadro 2, registramos na tabela 3 a incidência de culturas com agentes patogênicos, não patogênicos ou estéreis.


Tabela 3 - Ocorrência de números de germes nas Culturas



Das 7 culturas que resultaram em bactérias não patogênicas, 6 eram Staphilococus epidermidis e 1 Streptococus faecalis.

Na tabela 4 estão expostas as incidências dos resultados das culturas positivas, sem relação com a sua patogenicidade.

Na tabela 5 estão expostas as incidências de cada bactéria patogênica.


Tabela 4 - Incidência dos diferentes germes nas culturas



Tabela 5 - Incidência dos germes patogênicos nas culturas



Na tabela 6 estão expostas a freqüência das bactérias patogénicas encontradas, relacionando com a faixa etária.


Tabela 6 - ocorrência de germes patogênicos por faixa etária



Na tabela 7 estão relacionadas as incidências das bactérias patogênicas com a duração da otorréia.


Tabela 7 - Relação de germes com a duração da otorréia



Na tabela 8 há uma relação entre a incidência do agente patogênico com o fato da otorréia ser uni ou bilateral.


Tabela 8 - Relação entre agente patogênico e acometimento uni ou bilateral



Na tabela 9 está relacionada a natureza dos germes em pacientes amigdalectomizados e não amigdalectomizados, no total de 22 casos em que esse dado foi relatado.


Tabela 9 - Ocorrência de germes em pacientes amigdalectomizados e não em igdalectomizados



Na tabela 10 há uma relação dos agentes patogênicos com os antibióticos mais comumente testados e sua eficácia "in vitro", ou seja; o percentual de germes sensíveis em relação ao número total de cada germe testado por determinado antibiótico.


Tabela 10 - Relação entre agente patogênico e sensibilidade aos antibibticos.



O primeiro número de cada quatro refere-se ao número de culturas em que o germe mostrou-se sensível ao antibiótico e o segundo ao número total de culturas em que o mesmo foi testado.


Na tabela 11 está relacionada a eficiência geral de cada antibiótico, isto é, a porcentagem global de germes sensíveis para determinada droga.


Tabela 11 - Eficiéncia de cada antibiótico em relação aos germes patogénicos. O primeiro número exprime o número de culturas em que o antibiótico está eficaz e o segundo o número de culturas em que foi testado. O valor percentual exprime a relação entre os dois valores absolutos anteriores.



DISCUSSÃO

A modificação da flora bacteriana na otite média crônica ao longo dos anos é um fato descrito por diversos autores (1,2,4,5).

Em 1935 Waltz Donnely (1) e Babbit (1.935)1 determinaram, no Hospital Pediátrico de Philadelphia, a seguinte incidência de germes em portadores de otite média crônica por ordem de freqüência: Streptococus, Staphylococus aureus e Staphylococus albus. Este material foi colhido através da perfuração timpânica. Os mesmos autores (1) obtiveram resultados semelhantes realizando colheita de material por meio de paracentese, em membranas timpânicas que ainda não haviam sofrido perfuração.

Nota-se, portanto, uma predominância de gram-positivos.

Em pesquisas mais recentes, LEMOINE e FLEURY (1959) citados por PALVA, HALLSTRON e WAYOFF (4) encontraram 60% de germes gram-negativos, com predominância de bacilo piociânico, ficando em segundo lugar o Staphylococos aureus e Proteus mirabilis.

Proctor (5) Friedman (1.957)3 encontrou a seguinte flora em OMC também admite a predominância de germes gram-negativos atualmente, onde os gram-positivos superam os gram-negativos:

1. Staphylococosaureus(31,7%)
2. Staphylococos penicilino - resistentes (12,9%) 3. Proteus mirabilis (25,4%)
4. Pseudomonas aeruginosa (12,8%) 5. Escherichia coli (8,1 % )
6. Streptococus pyogenes hemolitico (7,0%)
7. Streptococus viridans e pneumoniae (4,6%)
8. Estéril (10,6%)
9. Mais de um tipo de germes (8,4%)

Barreto e Sernada (1.958)2 estudando em nosso meio as otites médias purulentas agudas e crônicas não colesteatomatosas em 33 pacientes chegaram as seguintes conclusões:

1. Os germes mais encontrados foram Staphylococcus pyogermes var. aibus (42,4%) Proteus Vulgaris (39,1 %) Pseudomonas aeruginosa (15,1 %) Alcaligenes fecalis (12,1%) bacilo difteróide (12,1%) Escherichia coli (9,9%) e Neisseriacatarrhalis (9,9%)

2. Entre os antibióticos usados In vitro e em in vivo, o cloranfenicol foi o que se mostrou mais eficaz para todos os germes.

Analisando os resultados obtidos neste presente estudo nota-se predominâncla dos gram-negativos sobre os gram-positivos: 33 casos estudados, houve apenas uma cultura estéril de 32 com crescimento de germes (Quadro 2).

Das 32 culturas positivas, sete (22%) foram consideradas, como sendo material de contaminação (não patogênicos) (tabela 3) Assim, dos 25 casos positivos, apenas 4 pacientes (16%) apresentaram germes gram-positivos em suas culturas, sendo que o restante era constituído por gram-negativos, o que está de acordo com a literatura mundial (tabela 4).

O germe mais freqüente nesta pesquisa, independentemente de fatores como idade, sexo ou mesmo duração da otorréia, foi o Proteus mirabilis (tabela 5), com uma percentagem de 42,55% de todas as culturas positivas ou ainda 53,57% das culturas com germes patogênicos. 0 fato deste germe não ter sido encontrado nos portadores de OMC' com idade entre 5 a 10 anos (tabela 6) não permite conclusões consistentes, dado o pequeno número de casos em cada faixa etária. Nesta amostragem o Pseudcmonas sp, em seguida apareceram Staphylococcus aureus, Escherichia coli e finalmente Klebsiela sp, (tabela 4 e 5).

Na busca da correlação entre o tipo de germe e a duração da otorréia ou ainda a faixa etária dos pacientes não puderam chegar a conclusões estatisticamente válidas, dado o pequeno número de casos existentes em cada uma das subdivisões adotadas.

Da mesma forma o fato de o indivíduo ser ou não amigdalectomizado não tem correlação com o tipo de germe encontrado.

Tais correlações só poderão ser obtidas em estudos posteriores que aglobem uma casuística maior.
Quanto aos antibiogramas, como era de se esperar, os antibióticos mais eficazes foram aqueles com alta especialidade, para gram-negativos ou seja, a gentamícína (91 % de germes sensíveis) amicacina (89% de germes sensíveis).

CONCLUSÃO

Do presente estudo conclui-se que atualmente no nosso meio a flora bacteriana das OMC independentemente de qualquer fator, é constituída principalmente por gram-negativos.

Outras inferências não podem ser feitas a partir deste trabalho.

Os antibióticos mais eficazes, "in vitro" foram os aminoglicosídeos. Nunca é demais enfatizar os cuidados que devem cercar o uso de tais antibióticos, dada a sua potencial ototoxìcïdade e nefrotoxicidade.

Estes fatos todavia devem manter sempre presente ao especialista a necessidade de uma terapêutica conciente e adequada para se chegar aos resultados desejados.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BABBITT, J.A. - "Chronic Infection of the micidle ear." in Jackson, C.; Jackson, C. L. es. - Disease of the nose, throat and ear. London; Saunders. 1.945, p. 289.
2. BARRETO SOBRINHO, L.P.S. Sernada, D.F. - "Contribuição para o estudo dos germes das otites médias purulentas agudas e crônicas não colesteatomatosas. Sua sensibilidade aos antibióticos." Revista Paulista de Medicina. Vol. 52; Maio, p.l.
3. FRIEDMAN, I. The pathology of otitis média (III) with particular reference to bone changes. J.
Laryng. 7. 313; 320 1957a.
4. LEMOINE S. Fleury - In Laffont, A.; eci. Encyclopédie Médico - Chirurgical - ORL - Paris, Editions Techniques. Vol. 1, p. 20095A10 -1 .
5. PROCTOR, B. "Chronic Otitis Média and Mastoidits" * In Paparella, M.M.S. Schunrick, D.A. ed. Otolaryngology Philadelphia, W.B. Saunders Company, 1.973. Vol. 2. p. 137.




ENDEREÇO DOS AUTORES: Dep. de O.R.L. do Hospital das Clínicas de S. Paulo.
Caixa Postal - 8091 São Paulo - SP.
OMC - otite média crónica

*Assistente-Doutor da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Residentes de20 ano do H.C. da F.M.U.S.P.
*** Professor Titular deOtorrinolaringologia daF.M.U.S.P.

Trabalho realizado na Clínica Otorrinolaringológica do Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (serviço do professor Lamartine Junqueira Paiva). Recebido para Publicação em 16 de julho de 1979.

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