Versão Inglês

Ano:  1979  Vol. 45   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 252 a 260

 

CONTRIBUIÇÃO À CIRURGIA DA RINOPATIA ATRÓFICA

Autor(es): Adelmar Cadar*

O autor apresenta a sua experiência pessoal e contribuição à cirurgia da rinopatia atrófica, doença que causa grande problema social, ou seja, fetidez nasal, exigindo muitas vezes o isolamento do paciente. Operou cerca de 200 casos, com resultados excelentes em 80% e melhoras em 20%. Empregou a técnica de Eyriès, que consiste em introduzir bastonetes de acrílico sob a mucosa nasal, a fim de estreitar as fossas nasais, o que provocará o desaparecimento das crostas e, conseqüentemente, da fetidez. Informa a técnica que emprega, bem como o pós-operatório e problemas decorrentes.

O primeiro caso de ozena que operamos foi o de uma mocinha. Embora o resultado não tenha sido excelente, foi o bastante para que ela se casasse. Depois desse, cerca de 200 casos foram por nós operados, a maioria com bom resultado, o que nos animou a continuar praticando a cirurgia. Lembraremos que a rinopatia atrófica ozenosa servirá de exemplo para esta exposição, embora já tenhamos operado, em menor escala, alguns outros casos de rinopatia atrófica de outras etiologias. Ela caracteriza-se pela tríade: atrofia muco-ósteo cartilaginosa, sem ulceração de qualquer elemento constitutivo das fossas nasais; presença de crostas e o odor fétido característico. A anosmia é quase sempre presente.

Segundo Ferreri, é o "Pesadelo da Rinologia". É excepcional no recém nascido e não é de todo rara na infância, em alguns países, onde foi encontrada após sérias pesquisas nos serviços infantis. Os casos começam a aparecer após os dez anos de idade. A curva ascendente agudiza-se na puberdade e no adulto, caindo após os 45 anos de idade. Alguns casos encontrados em crianças foram ligados a difteria, sífilis, tuberculose e escarlatina. É mais comum na mulher. Rara nas altitudes elevadas e no litoral. A maior freqüência é em pessoas de baixo nível sócio-econômico e recua à medida que chegam os progressos da higiene. Isto é confirmado pelo fato de em todos os nossos casos somente três serem particulares, alguns previdenciários e a maioria de não pagantes. Não existe regra de hereditariedade ou de contágio, embora tenhamos casos de várias famílias, com dois ou mais operados. Há uma em que operamos seis irmãos.

As várias teorias sobre a etiologia da ozena mostram a dificuldade em decidir qual a mais certa. Atrofia congênita ou adquirida dos cornetos, atrofia mucosa devido a processo infeccioso, osteomalácia congênita, traumatismos, teoria simpática, teoria simpático-endócrina, sífilis, tuberculose, sinusites, escleroma nasal, difteria e, finalmente, a teoria microbiana, devido ao coco-bacilo de Perez, diplococo de Loevenberg, o pseudo-diftérico de Belfanti e Della Vedova, o pequeno bacilo de Grandenigo e Klebsiela Ozenae. Por tudo isto, vêse que o problema gira, ainda, firmemente, no terreno das hipóteses.

Os sintomas, no período infantil pré-ozenoso, apresentam corrimento purulento e, no período secundário ou de estado, a tríade: odor fétido, atrofia e crostas. A forma de tratamento pode ser paliativa ou curativa. A primeira consiste em eliminação das crostas por algum método, sendo o mais usado as substâncias oleosas instiladas seguidas de irrigação nasal com água e substância alcalina.

O tratamento curativo pode ser pela tentativa de revitalização da mucosa: vitamina "A" e massagens vibratórias elétricas; recalíbragem das fossas nasais, pela injeção de sulfato de bário ou parafina, ou pela cirurgia; métodos biológicos, pela inclusão de placenta sob a mucosa septal e das paredes nasais, pilocarpina e acetil colina, vacinas, autohemoterapia, extrado amigdaliano, procaína intravenosa, radium, crenoterapia sulfurosa e temporadas à beira mar.

O tratamento através de antibióticos foi tentado pela penicilina, estreptomicina, furacin tirotricina, sem resultado.

Quanto ao tratamento cirúrgico, numerosos foram testados: o desaguamento do canal de Stenon nos seios maxilares melhorava os sintomas, mas causava sialorréia nasal durante as refeições, o que levou um paciente ao suicídio; introdução de corpos estranhos sob a mucosa para irritá-la, como pedaços de vidro, fragmento de tíbia, cartilagem costal, cartilagem do septo, enxertos ósseos, cornetos inferiores de outros doentes, enxertos mortos de tendão, gordura, polietileno e bastonetes de marfim. Também a cirurgia de Laustenschlager-Halle, que consiste na recalibragem das fossas nasais pela aproximação cirúrgica das paredes laterais e do septo, foi e ainda é usada, principalmente pelos franceses e belgas.

Em 1938, Eyriès iniciou uma nova era com a inclusão de acrílico sob a mucosa nasal.

De 1948 para cá surgiram, ainda, os métodos de inclusão de enxertos, utilizando a osteotomia baixa de Joseph; a inclusão de paladon; enxertos ósseos da crista ilíaca, ou cartilagem bovina conservada, inserida sob o retalho mucopericôndrico do septo ou mucosa da parede lateral; simpatectornia sobre o sistema carotidiano e sobre a artéria maxilar interna e infiltração anestésica do gânglio estelar.



Fig. 1.: Operação de Lautenschlager - Transfixação, com agulha, das paredes internas dos seios maxilares mobilizados. (Terracol)



Fig. 2.: Fio já amarrado, provocando redução do calibre das fossas nasais (comparar com a figura anterior) (terracol)



A operação de Lautenschlager (fig. 1 e 2) consiste na abertura do seio maxilar, mobilização da parede sínuso-nasal e aproximação da mesma ao septo, através de um fio, e tamponamento dos seios maxilares, sendo antes feita escarificação da mucosa do septo e corneto inferior, com o objetivo de provocar senéquias. Conhecemos um caso de excelente resultado, operado pelo Prol. João Marinho.

Parece-nos, todavia, uma operação muito traumatizante. Em nossa experiência usamos apenas o método de Eyriès, idealizado em 1938, que nos parece mais biológico, e visa a recalibragem fisiológica das fossas nasais. Há casos de rejuvenescimento total da mucosa, comprovado por exames anátomo-patológicos realizados antes e após a cirurgia.

A CIRURGIA

DIAGNÓSTICO - Após estabelecido, a indicação se faz necessária, e, como já dissemos, qualquer caso de rinopatia atrófica pode ser operado, independentemente da etiologia.

SELEÇÃO DE PACIENTES - Eis aí um ponto em que não se fazem contra-indicações. Em princípio, temos os casos melhores e os piores, estes, às vezes, com possibilidades pequenas de bom resultado. Mas o paciente, mesmo que não tenha a sorte de ser bem operado, nada tem a perder. Não há possibilidade de piora para o que já é o pior. Uma anterior cirurgia sobre o seio maxi lar, com contra-abertura ou punções repetidas pode ser contra-indicação, por não se ter condições de fazer a loja ao nível do meato inferior, mas mesmo assim pode ser tentada a colocação de enxertos no meato médio e assoalho. Há, todavia, sobretudo nos doentes mais jovens, próximos à puberdade, um estado chamado por Moure de pré-ozenoso, em que há dúvida de se tratar de uma rinite muco-purulenta ou uma ozena no início. Neste caso a intervenção não é indicada e uma terapêutica intensa com vitaminas, cuidados gerais, antibióticos, etc., poderá promover uma regressão da doença. As crianças deverão esperar, mas a partir de 14 anos a intervenção pode ser realizada, sendo a idade ideal entre 20 e 40 anos. A mucosa nasal íntegra é a condição ideal para o melhor êxito da cirurgia.

MATERIAL - Eyriès usou e nós temos os bastonetes de acrílico importados de 1 ou 2 cm de comprimento, 5 mm de largura, e espessura de 5 mm para um tipo e 3 mm para outro (fig. 3). Usamos o mesmo material, porém, tendo em vista as diversas profundidades que podemos obter (fig. 4), mandamos fazer outras peças de tamanho e espessura variados, tendo o cuidado de mandar também polir suas arestas, para evitar o dilaceramento da mucosa. Colocamos grande quantidade desse material na mesa cirúrgica sobre um pano verde ou azul, para melhor contraste, e os escolhemos no momento de acordo com a andamento da operação. Empregamos, também, o SILASTIC (fig. 5), que pode ser cortado na hora, e preferimos com ele encher os pequenos espaços que não comportam um bastonete que, se forçado, poderia romper a mucosa.



Fig. 3.: Bastonetes de acrílico



Fig. 4.: Diversas profundidades obtidas com o descolamento. (Terracol)



Fig. 5.: Silastic



PREPARO - Tratamento dentário, se necessário. Limpeza das cavidades nasais com óleo gomenolado e lavagens cinco dias antes. Na véspera, limpeza pelo médico. Evitar faze-la na hora, pois a remoção pode ferir a mucosa e o sangramento não permitir identificar uma perfuração pré - cirúrgica. Uma mucosa descolada com perfeição não apresenta o mínimo sangramento dentro das fossas nasais.

ANESTESIA - Operamos a grande maioria, com local e ótimo resultado. Pré-anestésico comum. Nebulização da mucosa nasal com neo-tutocaína a 2%, associado à adrenalina ou previna; infiltração de xilocaína com adrenalina, do sulco gengivo-labial, desde o primeiro molar superior, ultrapassando o freio labial para

o lado oposto e profundamente até a espinha nasal. Anestesíamos, então, o contorno do orifício piriforme e o infra-orbitário. Finalmente, o tempo chave: anestesia do assoalho, meatos inferior e médio com seringa odontológica, montada com uma agulha longa e fina, através da pele do vestíbulo nasal, com o que se consegue, além de não perfurar a mucosa, um triplo efeito: anestesia, isquemia e descolamento, pois este último tempo é muito hermorragíparo, obrigando às vezes ao uso repetido de tampões embebidos em adrenalina.

INCISÃO - Inicialmente, operávamos um lado de cada vez, conforme recomenda Eyriés. Todavia, a prática nos mostrou que podem ser operados os dois lados num mesmo tempo. A incisão é feita, de uma só vez, até o osso. Não há necessidade de seccionar-se o periósteo da maxilar. A incisão vai do 1 ° molar até 1 cm do lado oposto do freio labial, a 1 cm acima do ponto que a gengiva termina sobre os dentes e paralela a esta linha. Quando vamos operar o outro lado, ampliamos esta incisão já iniciada até o 1 ° molar, como do lado oposto.

DESCOLAMENTO , Inicialmente, realizamos o descolamento da mucosa do assoalho e meato inferior, após liberação total da espinha nasal, sendo que este procedimento dá grande mobilidade ao retalho superior. Após este tempo

é que fazemos a exposição total do orifício piriforme e descolamento da zona do meato médio. Aí podemos preparar duas lojas: a primeira, pouco profunda, superior, que fica logo à frente da cabeça do corneto médio, onde poderemos colocar um pequeno bastonete de acrílico; a segunda, no próprio meato médio, compreendida entre o corneto médio e inferior, mais profunda, também chamada de zona inter-turbinal (figura 6). Usando o descolador de Eyriés, por ele idealizado, mas que pode ser substituído pelo de Neves Pinto, não fazemos abrasão de pequena parte do contorno do orifício piriforme, para evitar a saída dos bastonetes. Se for necessário, descola-se também a mucosa do septo, a partir da espinha nasal, para se colocar mais acrílico e completar a recalibragem das fossas nasais.



Fig. 6.: As várias lojas que podem ser obtidas (Terracol).



COLOCAÇÃO DOS BASTONETES - É básico e importante colocar, primeiramente, no meato médio. É o tempo que julgamos nevrálgico para o bom êxito da cirurgia. Devemos utilizar o máximo possível aí, tanto à frente do corneto médio, como na zona inter-turbinal no meato médio, e com isto diminui-se bastante o calibre da fossa nasal. Em seguida, coloca-se no meato inferior e assoalho (fig. 7). Quando não for suficiente para estreitar a fossa nasal, recorremos a uma tentativa de descolamento do corneto inferior. Normalmente, correse o risco de romper a mucosa, que é aí muito aderida. Se não conseguimos, recorremos ao escopo e martelo, e então separamos o corneto e sua mucosa em um só bloco da parede lateral. Cuidado para não abrir o seio maxilar. Se necessário, colocar bastonetes sob a mucosa do septo nasal (fig. 8). A mucosa descolada torna-se frouxa e, apesar de um pouco distendida pela prótese, podemos pensar na possibilidade de obstrução total da fossa. Para saber se o calibre está o ideal, passamos, entre as novas paredes da fossa nasal já tratada, um estilete porta-algodão. Ele deve passar com pequena dificuldade e, se isto ocorrer, ao final de dois meses o doente estará curado e respirando bem. E m dúvida, é preferível correr-se o risco de uma obstrução nasal que pode ser corrigida posteriormente, com retirada do material excedente. O Silastic facilita o trabalho, pois pode preencher pequenos espaços sem risco de perfuração.



Fig. 7.: A mucosa já descolada e introdução de um bastonete de acrílico. (TERRACOL).



Fig. 8.: Posição dos bastonetes de acrílico: A) na região do septo nasal; 8) nos meatos médio, interior e no assoalho; C) posicionamento A e 8 combinados. (Terracol)



Damos, apenas, um ponto no freio labial.

PÕS-OPERATÓRIO - Gelo no rosto nas primeiras 24 horas e antibióticos por cinco dias; introduzimos, diariamente, uma pinça na incisão para drenagem do hematoma e prevenção de abcesso.

PROBLEMAS OPERA TóRIOS - Vários podem surgir, como sangramento abundante. A ruptura da mucosa é o principal e mais grave, podendo mesmo, conforme a extensão, impedir o prosseguimento da cirurgia; neste caso, um ponto com Sertix 5-0 deve ser dado. Na abertura do seio maxilar, podem os bastonetes cair nesta cavidade, e já vimos um caso em que a radiografia mostrou numerosos dentro do antro. Há, também, um caso curioso em que o colega pouco experiente não percebeu a perfuração da mucosa descolada e continuou colocando os bastonetes de acrílico, até que o doente perguntou se aquelas balinhas que estavam caindo em sua boca eram para chupar, engolir ou se ele podia cuspi-Ias...

No pós-operatório, há um edema que se mantém por quase um mês e a única complicação que tivemos foi epífora, que regrediu espontaneamente, ao cabo de 30 dias.

RESULTADOS

Em cerca de 80% dos casos, os resultados foram ótimos, com desaparecimento dos sintomas, embora persistisse a anosmia (nos casos em que ela existia antes da cirurgia). Nos 20% restantes, alguns permaneceram com pequena rinorréia amarela fluida, e alguns com crostas em quantidade mínima, pela impossibilidade absoluta de se colocar mais material, por distensão máxima da mucosa. Nenhum dos nossos casos pôde ser considerado como fracasso. Houve sempre uma melhora.

8I8LIOGRAFIA

1. AUBRY, M. Chirurgie de I'oreille, du nez, du pharynx et du larynx; TRAITMENT CHIRURGICAL DE L'OZÉNE. Masson & Cie., 1949. p. 585-89.
2. EYRIÈS, Ch. ENCICLOPÉDIE MEDICO-CHIRURGICALE - Oto-rhino-laringologie, 1951. 20355, p. 1-10.
3. LAURENS, G. COMPÉNDIO DE OTORRINOLARINGOLOGIA. (Trad. Argemiro Galvão). Liv. Globo, 1935. p. 433-40.
4. LEDERER, F. L. ENFERMEDADES DEL OIDO, NARIZ E
GARGANTA - Rinites atrofica; Barcelona, Salvat Editores, S.A., 1949; p. 462-66.
5. PORTMANN, G. TRAITÉ DE TECNIQUE OPERATOIRE OTO-RHINO-LARINGOLOGIQUE, Masson & Cie., 2 ed. 1951; p. 572-85.
6. TERRACOL, J. LES MALADIES DES FOSSES NASALES - La rhinite atrofica dite ozène, Masson & Cie., 1953; p. 584-621.




ENDEREÇO DO AUTOR:
Rua Washington, 648 - Sion
30000 - Belo Horizonte - MG

*Professor-Assistente de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e Assistente da Clínica Otorrínolaringológica da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte).

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