Versão Inglês

Ano:  1979  Vol. 45   Ed. 2  - Maio - Agosto - (10º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 164 a 169

 

"DISPLASIA FIBROSA CRANIOFACIAL" ESTUDO DE 14 CASOS

Autor(es): * Carlos Augusto Sottano.
* Carlos Roberto M. Garcia
* Oscar D. V. Valdivia
** Prol. Dr. Lamartine J. Paiva

Resumo:
Os autores apresentam o estudo de 14 pacientes com displasia fibrosa craniofacial da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do H.C. da FMUSP, discutem quanto a idade, sexo, raça, manifestações clínicas, exames auxiliares, diagnóstico, terapêutica e evolução. Chegaram as seguintes conclusões: a idade mais afetada foi entre 10 e 25 anos; quanto ao sexo houve ligeira predominância para o feminino (1,3:1); a raça mais afetada foi a branca (12 pacientes); a localização mais freqüente foi a maxilar (10 casos); a maioria (13 casos) foi da forma monostótica; o diagnóstico foi comprovado através de exame histopatológico; o tratamento foi cirúrgico em todos os casos; houve recidiva em 4 pacientes.

1 - INTRODUÇÃO

A displasia fibrosa é uma osteopatia rara de origem provavelmente congenita caracterizada anatornopatologicamente por uma proliferação de tecido fibroso com invasão, destruição e neoformação óssea disposta em forma multifocal, e clinicamente, por um comprometimento mono ou políostotico geralmente unilateral.

Atualmente aceita-se três variedades clínicas: displasia fibrosa monostótica, poliostótica ou enfermidade de Jaffe-Lichtenste-in e poliostótica com manchas cutâneas e puberdade precoce, conhecida como enfermidade de Allbright.

O tratamento só é cirúrgico nos casos em que o tumor compromete estruturas nobres craniofaciais, ou pelo seu crescimento produz deformidades danosas a estética facial. A radioterapia é formalmente contra indicada por ser um fator de malignização do tumor.

O presente trabalho visa relatar o estudo de 14 pacientes com displasia fibrosa - nos aspectos: incidência, clínico, diagnóstico, tratamento e evolução - atendidos na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Serviço do Prof. Dr. Lamartine J. Paiva) no período de 1945 a 1978.

II- MATERIAL E MÉTODOS

Fizemos levantamento de casos de tumores benignos e de displasia fibrosa craniofacial atendidos na Divisão de Clínica ORL do H.C. da FMUSP no período de janeiro de 1945 a abril de 1978.

Foram encontrados 1.069 casos de tumores benignos da região craniofacial, sendo que 14 correspondiam a displasia fibrosa craniofacial (1,31 %). Previamente elaboramos um esquema de trabalho com a finalidade de anotar os seguintes dados dos prontuários: idade, sexo, raça, antecedentes, tempo de início da doença, sinais e sintomas, exames auxiliares (radiológicos, laboratoriais, histopatológicos), localização do tumor, tratamento e evolução. A distribuição etária pode ser vista na Tab. 1. A idade variou entre 4 e 54 anos. A distribuição por sexo e raça está representada na Tab. 2 e 3.

A localização de lesão displásica está na Tab. 4.

A forma monostótica foi encontrada em 13 pacientes (92,8%) e a poliostótica em 1 paciente (7,1 %).


Tab. 1 - Distribuição segundo a idade.



Tab. 2 - Distribuição segundo o sexo.



Tab. 3 - Distribuição segundo a raça.



Tab. 4 - Distribuição quanto a localização.



III - ANÁLISE E RESULTADOS

A idade dos pacientes variou entre 4 e 54 anos, tendo uma média de 19,2 anos. A faixa etária mais comprometida foi entre 11 e 25 anos. (Tab. 1)

Dos 14 pacientes estudados, 8 eram do sexo feminino (57,1°10) e 6 do sexo masculino (42,8%). (Tab. 2)
A distribuição quanto a raça mostrou um predomínio para a branca com 12 casos (85,7%). (Tab. 3)

Em 10 pacientes a localização da lesão displásica foi maxilar (71,4%), 2 mandibular (14,2%), 1 frontal (7,1 %) e 1 maxilo-mandibular (7,1 %). (Tab. 4)

Apresentaram a forma monostótica 13 pacientes (92,8%) e 1 poliostótica (7,1%).

O tempo de evolução da queixa variou entre os 8 meses e 13 anos, tendo média geral de 4,4 anos.

Os sintomas mais comumente observados foram: deformidade facial em 10 pacientes (71,4%), proptoses com dor ocular em 2 (14,2%), epistaxe em 1 (7,1 %) e obstrução nasal em 1 (7,1 %).

Nenhum dos pacientes apresentou antecedentes heredo-familiares de displasia fibrosa.

A exploração física demonstrou a presença de um tumor de consistência dura, indolor, de bordos regulares, localizado preferentemente em região maxilar com extensão para as fossas nasais e órbita, produzindo proptose ocular e obstrução nasal.

Em 4 pacientes foram feitas dosagens de fósforo inorgânico e cálcio em 5 de fosfatase alcalina, todas elas dentro do limite da normalidade.

Três dos pacientes referiram antecedente de extração dentária, sendo 2 deles de arcada superior e logo aparecimento de tumor maxilar e um caso de extração em arcada inferior, com posterior aparecimento de tumor mandibular no mesmo local. O estudo radiológico e planigráfico dos seios paranasais revelou imagens de densidade de partes moles, opacidade homogênea de bordos regulares, sem sinais de osteolise tomando antro maxilar, células etmoidais, fossas nasais e atingindo em alguns casos o seio esfenoicial. Quando a lesão comprometeu a mandíbula ela se apresentou mais delimitada e nítida no exame radiológico.

O diagnóstico de displasia fibrosa foi efetuado através do estudo histopatológico de biopsia em todos os casos, sendo necessário em alguns casos duas biopsias.

O tratamento foi cirúrgico em todos os pacientes com retirada total do tumor. Em um deles indicou-se também radioterapia (3.600 Rads) - indicação feita por outro Serviço. Tivemos 4 casos com recidiva (28,57%) após tratamento cirúrgico.

IV- DISCUSSÃO

A displasia fibrosa monostótica craniofacial tem enorme importância para o otorrinolaringologista porque o maxilar é freqüentemente comprometido e causa obstrução nasal, obstrução dos óstios dos seios paranasais, deformidade facial, etc...

Em relação ao sexo a nossa série apresentou uma relação de 1,3:1, com ligeira prevalência para o sexo feminino. Esses resultados são semelhantes aos obtidos por outros autores (5, 11 , 16, 20). No entanto discorda com o relatado por um (15) que dá uma ligeira predominância para o sexo masculino, embora autores como Jaffe apud 2 dêem como o sexo feminino o mais freqüentemente afetado numa proporção de 21.

A maior incidência ocorreu na faixa etária dos 11 aos 25 anos concordando com a maioria dos autores (2,4,5,9,11 ,12,16,20).

Geralmente as lesões aparecem na infância evidenciando-se clinicamente nas três primeiras décadas da vida.

A raça mais afetada na nossa série foi a branca, discordando de um trabalho com casuística de 7 pacientes onde há ligeira predominância para a raça negra (16). Não encontramos referência bibliográfica assinalando alguma predisposição racial.

A localização mais freqüente foi a maxilar. Numa revisão de 18 casos de displasia fibrosa monostótica no "Instituto Mexicano Del Seguro Social" (1964-1971), 15 foram de localização maxilar (15). Em 7 casos de displasia fibrosado Serviço Maxilo Facial em Northern, , Nigéria, a localização maxilar foi de 6 casos. Numa revisão de 69 casos da Clínica Máyo, houve 40 casos que correspondem a localização maxilar (Zinmeman-1958 apud 5). A outra localização importante é a mandibular; num relato de 47 casos de displasia fibrosa do "Memorial Hospital", 25 comprometiam a mandíbula e 12 a maxila (11).

A forma clínica mais encontrada foi a monostótica com 13 casos, confirmando o relatado por F. Schajowicz apud 18 que considera uma proporção que oscila entre 5 e 10 a favor das formas monostóticas. Firat e col. apud 18 entre 24 casos assinalaram 15 monostóticos e 9 poliostóticos, sendo desses 1 caso somente de Enfermidade de Allbright.

Os casos por nós estudados tiveram uma média de 4,4 anos, tempo esse considerado como o intervalo, entre o início dos sintomas até a data em que procuraram o hospital para a primeira consulta.

No que concerne as manifestações clínicas, o sintoma mais comumente observado foi a deformidade facial, concordando com (9,11,15,17) embora ela nunca estivesse como sinal único, mas sim acompanhado de dor local ou proptose ocular ou epistaxe, etc.

Não encontramos nenhum antecedente heredo familiar, embora haja relato de uma variedade extremamente rara de displasia ósseo-fibrosa ocorrida em um pai e seus dois filhos nos quais a alteração era estritamente limitada aotecido conectivo do mucoperiósteo oral. Os autores chegaram a conclusão após reverem a bibliografia de casos semelhantes, que a doença é uma alteração do desenvolvimento e não uma neoplasia que é transmitida de uma geração a outra por um gen dominante. (1)

Os nossos achados de exames físicos são semelhantes aos descritos pelos diversos autores (6,8,9,11,15,17).

Três dos nossos pacientes têm antecedentes de trauma cirúrgico (extração dentária) como possível fator desencadeante da doença. Considerando as afirmações do Schlumberger-1946 apud 19, é incerto que este tumor represente um desenvolvimento anormal ou seja uma reparação anormal após um pequeno trauma. A correlação com o trauma foi baseada devido ao fato de um terço dos casos apresentaram-se com história de trauma. Isso não é comprovado mas anteriormente não existia evidência de doença (Fries apud 2).

Os índices normais de fosfatase alcalina, fósforo inorgãnicoecálcio obtidos em nossos pacientes são concordantes com vários autores (8,13,17), embora (11) em 47 pacientes, tenha encontrado 29 com fosfatase alcalina alta e 3 com cálcio sérico elevado. A fosfatase alcalina pode estar elevada quando o desenvolvimento ósseo é intenso (17).

Os dados laboratoriais têm pouco valor, cálcio e fósforo não têm grandes alterações e em raras vezes háaumento da fosfatase alcalina (14).

0 diagnóstico em todos os casos foi baseado em dados de anamnese, exame clínico, exames auxiliares e confirmado pelo estudo histopatológico. Na atualidade o melhor conhecimento da doença e a biopsia permitem o diagnóstico. Quando a biopsia não pode ser feita, o Raio X pode fazê-lo (7).

Nos 14 pacientes o tratamento foi cirúrgico, indicado devido as deformidades faciais progressivas, comprometimento ocular e nasal. Em um dos casos foi associado após a primeira cirurgia, o tratamento radioterápico, indicado por um outro Serviço. Nesse caso houve recidiva com exacerbação do crescimento do tumor cuja localização era maxilo-mandibular, necessitando nova intervenção e após uma má evolução de 5 meses a paciente foi a óbito por caquexia, embora não tenha sido comprovada malignização pelo estudo histopatológico.

Em 3 pacientes houve recidiva com necessidade de recuperação. Os nossos resultadas confirmam os obtidos par outros autores.

É consenso geral de que o tratamento deve ser cirúrgico e conservador e é indicado nos casos de dor permanente na região das tesões ósseas; fratura patológica; alterações funcionais ou suspeita de transformações malignas (8).
A ressecção completa na maioria das vezes não ë possível, sobretudo na face, onde as recidivas são de 50 a 75% (9). A chance de recidiva aumenta nos pacientes mais jovens (Ward apud 2).

Em uma casuística de 47 casos a recidiva foi de 23,5% (11).

O prognóstico da displasia fibrosa é benigno e ela geralmente estaciona ao se chegar a puberdade, podendo recidivar numa etapa da vida sexual ou por mudanças das condições fisiológicas ou patológicas em conexão com o processo (3).

RESUMO E CONCLUSÕES

Os autores apresentam o estudo de 14 pacientes com displasia fibrosa craniofacial da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do H.C. da FMUSP, discutem quanto a idade, sexo, raça, manifestações clínicas, exames auxiliares, diagnóstico, terapêutica e evolução. Chegaram as seguintes conclusões: a idade mais afetada foi entre 10 e 25 anos; quanto ao sexo houve ligeira predominância para o feminino (1,3:1); a raça mais afetada foi a branca (12 pacientes); a localização mais freqüente foi a maxilar (10 casos); a maioria (13 casos) foi da forma monostótica; o diagnóstico foi comprovado através de exame histopatológico; o tratamento foi cirúrgico em todos os casos; houve recidiva em 4 pacientes.

SUMMARY AND CONCLUSIONS

The autores present the study of 14 patients with craniofacial fibrous dysplasia of H.C. Otorrinolaringology Clinic from FMUSP, and have discussed about the age, sex, roce, clinic manifestation, auxiliar exams, diagnosis, therapeutic, evolution and have concluded: the most affected age is between 10 and 25 years old. As for the sex there was a slight predominance to females (1,3:1). The most affected race was the white one (12 patients); the most frequent localization was the maxillary one (10); most cases were monostotic. The diagnosis was proved by histopatological features. The treatment was surgical In ali cases, there were 4 recurrences.

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ENDEREÇO DOS AUTORES:

Dept° de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da F.M.U.S.P.
São Paulo/SP

* Residentes da Clinica O.R.L. do H. C. da FMUSP.
** Chefe do Serviço de Oftalmo e Otorrinolaringologia do H. C. da FMUSP. Trabalho recebido para Publicação em 9.6.79

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