Ano: 1979 Vol. 45 Ed. 2 - Maio - Agosto - (7º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 149 a 152
A VOZ NAS LESÕES DO NERVO LARINGICO SUPERIOR NOS TIREOIDECTOMIZADOS*
Autor(es):
Paulo Roberto Farenzena **,
Roberto E. do Amaral **,
José Facchin da Costa **
Nicanor Letti ***
Resumo:
Estudamos 24 casos de pacientes portadores de problemas da voz pós tireoidectomia de um grupo de 54 pacientes operados nos últimos anos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Quarenta e seis por cento tinham problemas de voz no pós operatório, sendo que 12 foram por lesão do ramo externo do laríngeo superior que inerva o músculo cricotireóideo anterior, ocasionando glote oblíqua, fraqueza da voz e diferença de posição nas cordas vocais. Seis pacientes tiveram disfonia temporária com recuperação total e foi discutido detalhadamente este problema. A patologia predominante foi o bócio colóide sendo analisada e discutida a atuação do cirurgião nesses problemas.
O estudo das lesões dos nervos laríngicos é muito extenso na bibliografia da otorrinolaringologia e da cirurgia. Os autores geralmente preocupam-se com os cuidados cirúrgicos sobre o nervo laríngico inferior e pouco ou nada comentam das conseqüências da lesão do ramo externo do laríngeo superior, que exerce função básica na manutenção da voz dos pacientes. Nos serviços de cirurgia especializados a freqüência de lesão do nervo recorrente pós tireoidectomia varia de um para outro de 3 a 15%, dependendo de dois fatores básicos: da patologia que envolve a glândula tireóide e do tirocínio do cirurgião. O trabalho analisa o resultado cirúrgico sobre a voz de pacientes tireoidectomizados nos anos de 1972 a 1978 no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, com enfoque especial sobre o traumatismo cirúrgico do nervo laríngeo superior.
MATERIAL E MÊTODO
Foram estudados 54 pacientes operados de tireoidectomia, correspondendo a 56,8% do total de casos chamados pelo serviço para reavaliação da voz no setor de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Destes, 24 apresentaram algumas alterações da voz. Os pacientes foram operados por diversos cirurgiões do Departamento de Cirurgia. Três pacientes eram homens e 21 mulheres, as idades variaram de 14 a 71 anos. Ao se apresentar no serviço com a carta de chamada era convidado a relatar tudo o que acontecera com sua voz desde a cirurgia.
Em seguida era submetido a um exame de laringoscopia indireta completo, procurando visualizar toda a laringe e a mobilidade de suas estruturas na emissão da voz. Após serem anotados todos os dados obtidos era revisada a patologia que o paciente sofria da tireóide e pela qual fora operado. O relato cirúrgico também era minuciosamente examinado procurando correlacionar os dados.
RESULTADOS
Dos 54 pacientes examinados, 46,2% apresentaram problemas da voz como está demonstrado no quadro n° 1. No quadro n° 2 foram correlacionados o tipo de lesão que os pacientes apresentaram e que eram portadores de alterações na voz. Dupla lesão de nervos laríngicos superior e inferior foram encontradas em 5 casos, lesão única do laríngico superior em 12 casos, paralisia isolada do inferior em 1 caso e disfonia temporária com recuperação total em 6 casos. A disfonia desses últimos casos sempre foi precoce, apresentando-se logo após a cirurgia e a recuperação foi lenta mas total, sendo muito variável no tempo de paciente a paciente. Nesses casos não existia alteração anátomo-funcional no momento do exame laringoscópico.
Os dados que correlacionam as lesões dos nervos laríngicos com o diagnóstico histopatológico dos pacientes são encontrados no quadro n° 3. Dos 24 casos: 16 (66,6%) tinham bócio colóide, somente três eram de neoplasia, 4 de adenoma da tireóide e um de tireoidite. Como a maioria dos pacientes operados sofriam de bócio colóide, no quadro n° 4 foram comparadas as diversas lesões dos nervos laríngicos e essa patologia. Verificamos que a lesão do nervo laríngico superior predomina amplamente, e ela foi detectada pela presença de glote oblíqua e posição mais inferior da corda vocal afetada durante a fonação. Na glote oblíqua a comissura posterior está sempre desviada para o lado paralisado ea anterior para o lado oposto. Após, temos os casos de dísfonia temporária e somente 1 caso apresentava lesão do nervo laríngico inferior com a corda em posição paramediana.QUADRO N.º 1
QUADRO N.º 2
QUADRO N.º 3
QUADRO N.º 4
DISCUSSÃO
O ramo externo do nervo laríngeo superior ê motor do músculo cricotireóideo anterior e aproxima as cartilagens cricóide se tireóide durante a fonação, o que ocasiona uma contração isotônica da corda vocal. Tem sintopia estreita com o pólo superior do lobo tireóideo onde o cirurgião manipula a glândula para divulgí-la e laquear o pedículo vascular superior. O estudo foi realizado com um apelo por carta aos pacientes tireoidectomizados em um total de 98, dos quais 54 compareceram, relataram seus problemas e foram reexaminados com enfoque especial no comportamento de sua voz no pós operatório. 0 compare cimento de 56,8% dos pacientes foi expressivo sendo correto imaginar uma percentagem que mudaram de residência, faleceram, e mesmo desprezaram o convite por se encontrarem bem. O estudo estatístico foi realizado sobre a amostragem que compareceu. A avaliação dos pacientes foi feita minuciosamente, conseguindo-se visualizar com correção a laringe através da laringoscopia indireta e procurando verificar todos os movimentos e posição das cordas vocais e da aritenóide.
O que despertou atenção de imediato foi a queixa da maioria dos pacientes que apresentavam fraqueza da voz: já não era mais a mesma que de antes da cirurgia e mesmo alguns estavam conformados com tal situação. Quando necessitavam a voz, para gritar, cantar, chamar pessoas e durante a conversação em ambientes ruidosos ela falhava e muitas vezes emitiam um "guincho" incontrolável e constrangedor. Este tipo de voz já foi descrito muito bem por Luschinger e Arnold (1) e coincide com os dados obtidos nessa amostragem de pacientes.
A secção do ramo externo do nervo laríngeo superior nos permite observar dois aspectos típicos da paralisia do músculo cricotireóideo anterior: a obliqüidade da laringe e a corda do lado lesado ao se colocar em posição fonatória situa-se um pouco mais baixa do que a do lado bom. Esse aspecto nem sempre é reconhecido e o examinador necessita pensar no problema para o diagnosticar corretamente. A laringe obliqua como principal sinal da paralisia do nervo Iaringico superior foi descrita inicialmente por Mygind (2) em 1906, que incluía na síndrome a hemianestesia do vestíbulo da laringe e ausência de aproximação entre a cartilagem cricóide e tireóide na fonação dos agudos. Os casos relatados não eram portadores da síndrome completa, somente apresentaram lesão do ramo externo do nervo laríngico superior, ocasionando problemas paralíticos ao nível do músculo cricotereóideo anterior. A observação da obliqüidade da laringe e de sua direção é que nos permite diagnosticar o lado da lesão: a comissura posterior está desviada para o lado que foi lesionado e a comissura anterior para o lado oposto. A fisiopatologia da função do cricotereóideo anterior foi estabelecida por estimulação elétrica com os trabalhos de Isshiki (3) e pelas observações clínicas de vários outros autores (1 ,4,5).
A patologia da lesão tireoidiana pela qual o paciente foi operado não tem relação com seu caráter benigno ou maligno em nossos casos. A maioria dos pacientes operados e que tiveram lesão do nervo laríngico superior sofriam de bócio colóide o que permite afirmar que existiu um fator latrogënico importante na manipulação cirúrgica. Quanto ao nervo recorrente ou laríngico inferior os cirurgiões têm os cuidados suficientes e é muito rara em nossa casuística, a não ser em casos que deve ser realizado esvaziamento pela presença de neoplasia.
O que é mais importante em nossos casos é o problema da voz após a cirurgia da tireóide, quando lesado o laríngeo superior, torna-se fraca, com timbre diferente e tempo de fonação diminuído o que transtorna sobremaneira a comunicação do paciente. Não há tratamento para este problema, foi tentada há anos uma aproximação através de cirurgia com pontos metálicos da cartilagem cricóide e da tireóide, mas a técnica é pouco utilizada face os resultados precários.
A disfonia temporária que surge precocemente após a cirurgia é que deve ser analisada, ela tem recuperação total, variando no tempo de paciente a paciente. As causas principais dessas disfonias passageiras são as seguintes: a manipulação excessiva dos recorrentes causando uma neurite traumática, principalmente quando o cirurgião é cuidadoso e procura expor adequadamente os nervos para evitar sua secção. Apresensa do tubo endotraqueal, semi-rígido, deitado junto da comissura posterior da laringe, que através da manipulação externa da glândula poderão ser causa de deslocamentos da aritenóide ou de artrites da articulação crico-aritenoidéia.
Finalmente verificamos que a maioria dos pacientes eram portadores de bócio colóide: de um total de 24 que tiveram problemas disfônicos pós tireoidectomia, 16 sofriam de bócio colóide, portanto uma patologia benigna e não infiltrativa junto aos tecidos vizinhos, por onde trajetam os nervos laríngicos superior e inferior. Em vários casos o bócio estava mais localizado de um lado e a lesão ocorreu no lado oposto. Nesses casos predominam amplamente os problemas da voz por secção do laríngeo superior e a disfonia temporária com recuperação total. Para solucionar tal incidência de patologia iatrogénica recomenda-se ao cirurgião maior cuidado na manipulação da glândula e realizar a laqueadura do pedículo superior por via intracapsular e bem junto ao pólo superior.
SUMÁRIO E CONCLUSõES
Estudamos 24 casos de pacientes portadores de problemas da voz pós tireoidectomia de um grupo de 54 pacientes operados nos últimos anos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Quarenta e seis por cento tinham problemas de voz no pós operatório, sendo que 12 foram por lesão do ramo externo do laríngeo superior que inerva o músculo cricotireóideo anterior, ocasionando glote oblíqua, fraqueza da voz e diferença de posição nas cordas vocais. Seis pacientes tiveram disfonia temporária com recuperação total e foi discutido detalhadamente este problema. A patologia predominante foi o bócio colóide sendo analisada e discutida a atuação do cirurgião nesses problemas.
SUMMARY
The authors estudied 54 patients who had been operated of thyroidectomy. Twenty four patients had developed disturbs in the voice aften the surgery. The authors examine and debate the action of the surgeon in this problems.
BIBLIOGRAFIA
1. LUSCHINGER, R., Arnold, G.E. - Clinical Communicology: Its Physiology and Pathology - pag. 218-224, Wadesworth Publishing Company, Belmont USA, 1965.
2. MYGIND, H. - Die Paralyse des M. cricothyreoideus. Are. Laryngol. 18: 403, 1906 (citado por Luschinges e Arnold).
3. ISSHIKI, N. - Regulatory mechanism of the pitch and volume of the voice. Oto. Rhino Laryng. Clin. Kyoto 52: 1065, 1959.
4. FREEDMAN, L.M. - The role of the cricothyroid muscle in tension of the vocal cords. Are. Otolaryngol. 62: 347, 1955.
5. ARNOLD, G.E. - Paralysis of the superior laryngeal nerve. Are. Otolaryngol. 75: 549,1962."
ENDEREÇO DOS AUTORES: Hospital de Clínicas de Porto Alegre Área 19 - ORL
Porto Alegre.
* Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
** Médicos residentes.
*** Professor Chefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da UFRGS.