Versão Inglês

Ano:  1958  Vol. 26   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: -

Páginas: 69 a 74

 

INDICAÇÃO DE APARELHOS AUXILIARES DA SURDES (*)

Autor(es): Dr. ANTONIO CORRÊA (**)

(*) Aula do Curso sobre "Surdés e Labirintopatias" da Clínica O.R.L. da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em fevereiro de 1998.
(**) Assistente da Clínica O.R.L. (Serviço do Prof. Raphael da Nova).

I - Evolução da prótese acústica;
II - Palavra falada e audição: _fenomeno do retardo; _curva audiométrica; _fenomeno do recrutamento;
III - Características e tipos de prótese eletrônica;
IV - Indicações etiológicas e audiométricas;
V - Adaptação da prótese.

I

A prótese acústica, ou melhor, a prótese eletro-acústica, tem por objetivo amplificar os sons, principalmente a palavra falada permitindo que as pessoas hipoacúsicas possam entender os seus semelhantes. Considerando o grande número de pacientes surdos, que não podem ter a recuperação da sua função auditiva, seja por meios médicos ou cirúrgicos, haverá necessidade de compensar essa deficiência, objetivo êste procurado pelo ente humano há vários séculos.

No ano de 1650 A. Kircher procurava melhorar a compreensão dos sons utilizando aquele princípio físico das superfícies parabólicas que recebendo a incidência da energia sonora concentra-a em determinado ponto; é a base das cornetas acústicas. Esses eram os únicos aparelhos para surdos, existentes até 1900 quando Alt, da Clínica de Viena, conseguiu fazer o 1.º aparelho de amplificação própriamente dito, utilizando pilha sêca, microfone de granulos de carvão e receptor aéreo. Era um aparelho extremamente desconfortável pelo seu volume, e de amplificação pequena, atingindo uma média de 10-20 db, de valor para indivíduos medianamente surdos.

Foi possível, com o advento da 2.ª guerra, um grande progresso da prótese acústica com o desenvolvimento da válvula eletrônica. As válvulas eletrônicas foram melhoradas, no que se refere à capacidade de amplificar as ondas elétricas que as atravessam, assim como também puderam ser reduzidas de volume. O maior progresso iniciou-se em 1948 quando se conseguiu obter o transistor, liga à base de germanium, que permitiu substituir as válvulas eletrônicas, com a grande vantagem, de maior durabilidade e redução do número de baterias. Com tôdas essas modificações e progressos os aparêlhos que no começo da era eletrônica pesavam em média 500g, em 1951 passaram a 100 g, e hoje existem aparêlhos que pesam 10-30g. Ora, um aparelho desses, de dimensões minúsculas, pode ser utilizado num aro de óculos, ou num adereço, tornando-o pouco visível.

Com tôdas as vantagens de uma amplificação sonora suficiente e um aparêlho confortável, tornou-se quase que uma obrigatoriedade indicarmo-lo a todo surdo que não possa ser curado, e, desde que tenha possibilidade de aproveitar o uso dêsse aparelho . Em geral o receptor que se usa numa prótese é o aéreo; mas há casos em que é vantajoso, embora em pequeno número, utilizar o receptor ósseo. Com os próprios óculos consegue-se adaptar e dar audição suficiente, aos hipoacúsicos.

II

Recordaremos os problemas relacionados com a palavra falada e audição, dizendo que a compreensão da palavra falada depende não só da audição de quem escuta, mas também da dicção de quem fala e do ruído do ambiente. Os pacientes surdos precisam usar a prótese de acôrdo, com o ambiente com quem vai conversar. A compreensão da palavra falada depende do déficit auditivo, e, para medi-la utilizamos a audiometria tonal que mede o limiar dos sons puros. É uma medida que não corresponde bem a palavra, que é um som complexo, que tem outras características; mas, a prática demonstra que o método de exame satisfaz na grande maioria dos casos; são as freqüências de 500, 1000 e 2000 c.p.s. as freqüências da palavra falada.

Outro dado importante é que os sons da conversa são constituídos de vogais e consoantes, e no conjunto a compreensão da palavra depende das consoantes, que dão a inteligibilidade. Si se ouvir bem as vogais e mal as consoantes falha a compreensão; o som chave é a consoante. As consoantes são mais fracas, e são mais agudas, e no audiograma ocupam a zona acima de 1.00 c.p.s.;

as vogais mais fortes e na zona dos graves abaixo de 1000 c.p.s. Se temos um paciente que tem queda auditiva brusca acima de 500 c.p.s., escuta bem os graves e mal os agudos, êle vai se queixar que não entende bem as palavras; haverá um deficit que será mostrado pela audiometria tonal e que nos orientará comparativamente, qual a razão da deficiência para a linguagem.

Se o indivíduo tem queda mais ou menos uniforme para todas as freqüências, certamente vai apresentar dificuldades de compreensão relacionada com a intensidade desta queda global. O aspecto da curva audiométrica e quais as freqüências prejudicadas, as vêzes, tem mais importância do que o grau de hipoacúsia. Muitas vêzes, existem pacientes com queda auditiva uniforme de 35 db, tendo compreensão para a palavra muito melhor do que aqueles que têm deficiência só em uma ou duas freqüências agudas.

Além dêsse problema há outro que já foi comentado, em aula anterior que é o recrutamento. Os indivíduos com hipoacúsia de percepção têm distorsão sonora; escutam mal, mas se queixam quando se conversa com êles em voz alta. É uma queixa real porque ao se elevar a intensidade da palavra o recrutamento provoca uma elevação muito grande de sensação de volume, com limiar doloroso abaixado, e a sensação acústica extremamente desagradável.

Na prótese se o aparelho amplifica os sons agudos, atinge logo o limiar doloroso. O técnico encarregado de fazer a adaptação do aparelho deve saber que há recrutamento, e portanto a amplificação deve ser progressiva e não brusca.

Existe também aquele fato, em que a deficiência audiometrica tonal é muito menor do que a deficiência da compreensão da palavra. Há perda de discriminação e por mais que se aumente a intensidade sonora, nunca se chega a compreender 100% dos fonemas. São casos difíceis, principalmente de surdes de percepção com caráter progressivo. A aparelhagem nunca será satisfatória e deve ser completada com treino auditivo. Ao se fornecer um aparelho ao doente dêste tipo, êle deve aprender a leitura labial e, o treino auditivo, para aproveitar sons que êle não entende bem.

Existe outro fenômeno na compreensão da linguagem; é o fenômeno do retardo. É um problema psíquico em que o paciente, principalmente idoso, com surdes senil, tem a capacidade de integração diminuída por alterações corticais. Se nós falarmos com velocidade de emissão da palavra em torno de 100 unidades por minuto esse paciente pode entender perfeitamente; se aumentarmos o ritmo para 150 palavras o surdo senil tem dificuldade de compreender. Neste caso não bastaria usar o aparelho, é preciso pedir aos locutores a redução de velocidade da emissão da linguagem.

III

Com essas noções sôbre acústica estamos aptos a orientar a indicação de uma prótese, conhecendo os tipos de aparêlhos e suas características. Todo aparêlho tem um ganho acústico; entre a entrada do som no aparêlho e a sua saída no microfone há uma ampliação em torno de 50-80 db. O som já chega ao aparêlho com certa intensidade, vamos dizer 50 db; se êsse som é amplificado vai ter um nível de saída que pode ir até 130 db. Outro dado físico é a curva de resposta; o aparêlho amplifica, nem sempre de modo uniforme; os diferentes sons são amplificados, de maneira irregular. É preciso que o aparelho obedeça certas características e essas exigem que as freqüências graves sejam menos amplificadas que as agudas (2000-4000); é uma vantagem auditiva porque a maioria dos doentes têm dificuldades para os agudos e uma amplificação idêntica favorece a compreensão das consoantes. Os aparêlhos têm um contrôle de volume; de acôrdo com o ambiente, é preciso regular o volume. Haverá necessidade de um contrôle de freqüência, de acôrdo com a deficiência auditiva, o contrôle de freqüência é conseguido pelos técnicos através de modificações dos fios, dos moldes, dos fones, obtendo predominância dos agudos ou dos graves, de acôrdo com a hipoacúsia. O aparêlho além de tudo deve fornecer um som agradável; é o que se chama de tolerância; é um dos problemas difíceis para os indivíduos idosos, aceitar o som fornecido pela prótese.

Os otológistas baseados no audiograma completo do paciente, sabendo que não há possibilidade de cura médica ou cirúrgica vão indicar um aparêlho, sabendo que existem 3 tipos. O aparêlho por via aérea e amplificação uniforme, é o mais comum e de uso mais geral.

Nós casos especiais em que o audiograma mostra queda grande nos agudos e conservação dos graves, precisamos dar orientação ao técnico, solicitando aparêlho de via aérea com amplificação seletiva. Audição normal na zona de 500 e 1.000 c.p.s., não permite amplificação dessa zona com o que se provoca mascaramento completo dos agudos. Haverá casos mais raros em que o paciente vai obter melhor resultado com aparêlho por via óssea; o indivíduo tem um Rinne muito negativo, condução óssea extremamente elevada em relação a condução aérea, convém o técnico verificar se o vibrador ósseo não dá melhor resultado que o aéreo.

IV

As indicações decorrem do ponto de vista etiológico e audiométrico. Na surdês senil sabendo que depois de 60 anos a capacidade de adaptação é sempre menor, não há paciência para treino auditivo e, para controlar o volume de acôrdo com o ambiente, a aparelhagem é sempre difícil, mas vantajosa.

No caso da surdes congênita ou da primeira infância o problema é complexo, para uso das organizações especializadas, principalmente instituto de surdo-mudos; a prótese acústica vai facilitar o aprendizado da linguagens.

Sob ponto de vista da audiometria vamos recapitular o que já foi dito. A surdes com aumento da impedância acústica, ou seja, condução, é melhor para a aparelhagem e também melhor para a cirurgia. Se há possibilidade cirúrgica propomos primeiro a cirurgia; caso contrário, ou se o paciente não deseja tratamento, será indicada a prótese. A surdes de percepção é constituída quase sempre por lesões irreversíveis, sem possibilidade médica ou cirúrgica e de aparelhagem difícil. Tem o fenômeno do recrutamento e do retardo que dificultam o bom resultado profético.

V

De modo geral e principalmente em pessoas idosas, o simples fato de indicar o aparelho não satisfaz. De antemão temos elementos para saber se vai ser possível usá-lo, se tem capacidade de adaptação, e se vai obter vantagens auditivas. O indivíduo hipoacúsico em regra é deprímido, recalcado e neurastênico; com esperança de melhora auditiva compra um aparelho, e se não consegue usá-lo cai em situação psíquica ainda pior. O aparelho sempre melhora a sua audicão, mas é preciso completar a prótese fazendo adaptação, treino auditivo e muitas vêzes aprendendo a leitura labial. A amplificação nem sempre permite compreender a linguagem; é preciso aprender a olhar na boca; ensinar as pessoas da família, a falar com o doente de frente, nunca gritando e sempre pronunciando as palavras.

Só o otologista esta em condições de indicar uma prótese amplificadora, prévio diagnóstico e prognóstico.

Julgam outros que o papel do especialista deve ir além da indicação da prótese; deve concorrer para reintegrar o paciente, enfermo sensorial, dentro da comunidade; orientar o surdo a se readaptar e orientar os seus familiares para colaborar nesta função médico-social.

Há necessidade da criação de centros e reabilitação para os duros de ouvido e para os semi-surdos, assim como existem para os surdos-mudos.

PRAÇA DA REPÚBLICA, 386 - 5.º ANDAR - S. PAULO

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