Versão Inglês

Ano:  1979  Vol. 45   Ed. 1  - Janeiro - Abril - (10º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 63 a 70

 

A TÉCNICA DE PREPARAÇÕES DE SUPERFÍCIE DO EPITÉLIO VESTIBULAR.*

Autor(es): José A.A. Oliveira**

Resumo:
Uma técnica para preparações de superfície do epitélio vestibular é descrita. A fixação do epitélio é feita em formalina 10% em tampão fosfato 0,1M sendo então microdissecado com um estereomicroscópio cirúrgico. As preparações de superfície são estudadas e fotografadas com um microscópio de contraste de fase.

INTRODUÇÃO

Os nossos conhecimentos sobre o labirinto membranoso e regiões sensoriais vestibulares que nele se encerram não são satisfatórios. Isto pode ser explicado porque estas estruturas ficam na porção mais resistente, a porção petrosa do osso temporal e ainda porque constituem um todo muito complexo.

Com o grande desenvolvimento atual da pesquisa espacial, houve um estímulo no sentido de se conhecer o aparelho vestibular. Também do ponto de vista otocirúrgico, cresceu o interesse pelo ouvido interno. Isto porque hoje são feitas operações em regiões previamente inacessíveis, requerendo esta técnica conhecimento exato dos detalhes anatômicos e das relações entre as diferentes estruturas do ouvido interno.

A maioria dos métodos histológicos usados tem várias limitações. Estes estudos têm sido realizados em secções de ossos temporais descalcificados. Deste modo, um número limitado de secções perpendiculares ao epitélio é impróprio para análise apurada, podendo estudar-se somente pequenas áreas das regiões sensoriais vestibulares em cada osso temporal. Além disso, a descalcificação e inclusão são processos que demoram muito tempo e são causas freqüentes de artefatos, muitas vezes interpretados enganosamente como alterações patológicas. É também perdida a relação de certas células com outras vizinhas.

Durante a década passada, os estudos de microscopia eletrônica trouxeram nova luz sobre a estrutura das regiões sensoriais vestibulares. Contudo, a microscopia eletrônica, usada sozinha, é de valor limitado, principalmente em estudos quantitativos. Somente áreas pequenas são investigadas por estes métodos, e a perda de orientação nestes estudos com alto poder amplificador é inevitável, tornando-se difícil a realização de investigações sistemáticas de áreas definidas. Na verdade, uma investigação detalhada da estrutura das várias partes das regiões sensoriais, um estudo sistematizado de diferentes áreas deve ser feito com microscopia óptica.

O método mais adequada, baseado em técnica de microdissecção do labirinto membranoso e do epitélio sensorial vestibular, tenta:

a) ter acesso às regiões sensoriais vestibulares para demonstrar a anatomia do labirinto membranoso;

b) investigar se há um padrão especial nas regiões sensoriais vestibulares, com respeito à estrutura e inervação de epitélio sensorial e à estrutura da membrana estatoconial sobre a mácula;

c) realizar uma estimulação quantitativa do número e distribuição dos tipos de células sensoriais;

d) investigar se há ou não alterações patológicas no aparelho vestibular em certas condições.

O trabalho pioneiro sobre a técnica de microdissecção foi o de Retzius (1.881, 1.884). Este autor combinou o estudo das secções de espécimes fixados principalmente com ácido ósmico. As lâminas de Retzius então mostraram preparações do epitélio vesti bular sensorial, onde o modelo de células suportes e sensoriais aparecem na mácula do século do jacaré, na mácula do utrículo do pombo e da crista do coelho e gato.

A microdissecção do osso temporal foi também usada em alguma extensão para estudos anatômicos do labirinto, na primeira metade do presente século (Kolmer, 1.927, Burlet and Hoffmann, 1.929), mas não para estudo direto da estrutura do epitélio sensorial. Similarmente, na última década, a microdissecção sob o estereomicroscópio, de partes do labirinto, para inclusão e estudo de microscopia eletrônica deu uma boa idéia da anatomia da orelha interna.

Este tipo de estudo sistemático das preparações de superfície tem sido pouco realizado nas regiões sensoriais vestibulares. Neumann e Neubert (1.958) retiraram a mácula do utrículo com seu tecido subepitelial e estudaram o epitélio diretamente sob microscópio óptico. Contudo, provavelmente, por causa da espessura do espécimen e a técnica usada sem fixação e coloração, estes estudos não trouxeram informações acerca dos modelos celulares, nem dos cílios das células sensoriais e outros detalhes estruturais. Engstrôm et ai (1.962) e Ades e Engstróm (1.965) usaram microdissecção para estudo de epitélio vestibular fixado e não fixado.

Lindeman (1.969), com esta técnica de microdissecção e preparações de superfície, estudou o efeito da aplicação intratimpânica de estreptomicina e de injeções parenterais da kanamicina sobre o epitélio sensorial vestibular. Watanuki e Gottesberg (1.971) estudaram as alterações patológicas do epitélio sensorial da crista ampoiar da cobaia depois da administração de estreptomicina e kanamicina.

DESCRIÇÃO DA TÉCNICA DE PREPARAÇÕES DE SUPERFÍCIE

Epitélio Vestibular


Do mesma modo que para a preparação do órgão de Corti, as cobaias jovens são mais favoráveis para estuda, pois a parede óssea do labirinto posterior (vestibular) é delgada, facilitando a dissecção. Não usamos anestésicos, evitando possíveis alterações da estrutura histológica pela droga hipnótica:

Pudemos dividir a técnica utilizada em fases:

1. Preparação da peça (fixação do assa temporal)
2. A montagem das preparações de superfície
3. 0 estudo das preparações

1. Preparação da peça

1.º Tempo - Decapitação da cobaia. Em primeiro lugar, fazia-se a tricotomia cervical e cefálica. Em seguida, com uma guilhotina ou instrumento cortante forte, separava-se a cabeça do restante do corpo por um só golpe cervical (Fig. 1).

2.° Tempo - Acesso ao osso temporal e remoção deste. A cabeça era lavada rapidamente. Em seguida, com tesoura, retiravam-se as partes moles (pele, subcutâneo e músculos) inclusive o pavilhão auricular de cada lado, deixando-se expostas a calota craniana e as partes laterais do crânio. Com boticão de dentista, retiravam-se as primeiras vértebras cervicais; a seguir, com "fórceps quebra ossos" forte, cortava-se a calota óssea craniana longitudinalmente, separando-se os dois terços posteriores da cabeça em duas partes. Assim, conseguia-se exposição perfeita para a retirada dos dois ossos temporais. Colocavam-se os polegares em cada metade da parte posterior do crânio e os indicadores nas partes médias laterais do mesmo, aplicando-se, simultaneamente, esforço de sentido horário no lado direito e de sentido anti-horário no lado esquerdo. Os temporais eram, assim, arrancados de uma só vez. (Fig. 2).



Fig. 1. Vista inferior do crânio da cobaia, mostrando as bulas timpânicas abertas para visualização da cóclea.



Fig. 2.
1. Membrana timpânica
2. Martelo
3. Bula timpânica
4. Ponta do rochedo



3.° Tempo - Dissecção do osso temporal e isolamento da cóclea: Lima vez isolado, o osso temporal era separado dos tecidos moles por um fórceps forte. Em seguida, com o mesmo fórceps, retirava-se a calota óssea da bula timpânica de uma só vez, com a extremidade de uma das valvas do instrumento introduzida parcialmente pelo orifício timpânico.

Com movimento enérgico, expunha-se o ouvido médio, com a cadeia ossicular e a cóclea. (Fig. 3 e 4). Com instrumentos delicados (estiletes com ponta curva), retiravam-se a bigorna e o estribo, rompendo-se a ponte óssea que prendia este último à panela oval.



Fig. 3.
1. Articulação incudo-estapedia
2. Cóclea
3. Janela redonda
4. Apófise da bigorna



Fig. 4.
1. Espiras cocleares
2. Bigorna
3. Estribo



4.° Tempo - Fixação das estruturas vestibulares: Para isso, fez-se uma larga abertura da parte basal da cóclea ao vestítulo. Esta abertura atingia a janela oval e redonda, formando uma só abertura ampla, expondo-se assim o labirinto membranoso onde se via o sáculo e o utrículo (Fig. 5).



Fig. 5.
1. Cóclea
2. Primeira espira da cóclea
3. Sáculo
4. Utrículo



Após a abertura, injetava-se lentamente o fixador, com pouca pressão, durante alguns minutos. A agulha devia ser pouco introduzida no vestíbulo para não lesar o sáculo e utrículo.

0 fixador usado foi a formalina 10% em tampão fosfato 0,1 M pH 7.0 (Oliveira, Marseillan, 1.969). A peça podia ser deixada no fixador por tempos variáveis. A preparação permanecia no fixador em frascos etiquetados, até a montagem posterior das preparações. Todas estas manobras descritas eram feitas ao estereomicroscópio cirúrgico (otoscópió D.F. Vasconcelos).

2. Montagem das preparações de superfície

Usando estiletes e fórceps fortes, e muitas vezes broca dental, o canal facial era aberto e o nervo facial removido. A parede lateral, do vestíbulo era então removida junto com partes das paredes das ampolas ósseas, expondo-se o Báculo, o utrículo e as três ampolas membranosas. Este procedimento levava somente alguns minutos na cobaia.

Uma boa idéia da anatomia do labirinto membranoso era obtida durante a dissecção. (Fig. 6 e 7)



Fig. 6.

1. Cóclea
2. Canal semicircular ósseo posterior
3. Canal semicircular ósseo lateral
4. Canal semicircular ósseo anterior



Fig. 7.
1. Cóclea
2. Canal semicircular posterior
3. Canal semicircular lateral



A dissecção posterior era feita com 40 aumentos, usando fórceps delicado. 0 sáculo era aberto primeiro. Usualmente, eram suficientes jatos suaves de fluídos através de uma pipeta fina, para separar completamente a membrana estatoconial do epitélio sensorial. Ocasionalmente, era necessário um par de fórceps para sua libertação. A membrana estatoconial era então colocada sobre uma lamínula que era erguida cuidadosamente fora do fluído e colocada numa lâmina. Ela podia agora ser estudada minuciosamente com o microscópio comum ou de contraste de fase, e podiam ser feitas fotografias.



Fig. 8.



Fotomicrografia em contraste de fase, mostrando o epitélio vestibular da mácula utricular. (1.400 x).

0 epitélio sensorial era então separado do tecido subeptelial. 0 estilete era introduzido sob o epitélio sensorial fora de seus limites. Uma vez introduzido cuidadosamente sob o epitélio sensorial permitia sua remoção quase completa. Era em seguida transferido a uma gota de glicerina em uma lâmina com a sua parte superior para cima.. Este espécime de superfície era então coberto cuidadosamente com uma lamínula, ficando pronto para estudo posterior por microscopia óptica e de contraste de fases.

A mácula do utrículo era preparada do mesmo modo. Neste caso, contudo, toda a região sensorial era liberada da sua ligação anterior ao osso. Não era fácil retirar este epitélio sensorial como o da mácula do sáculo, porque é às vezes difícil fixar a peça durante a dissecção. Contudo, se bem preso com fórceps, o tecido subeptelial, é quase sempre possível isolar o epitélio sensorial, completamente, e transferi-lo a uma lâmina para estudo posterior.

Finalmente as ampolas eram dissecadas, primeiro a lateral, depois a anterior e finalmente a posterior. 0 teto e paredes laterais de cada ampola eram removidos de modo que a crista ampolar podia ser exposta. A cúpula era removida e montada em uma lâmina para estudo posterior. 0 epitélio sensorial era separado do mesmo modo que o da mácula.
Segurando o espécime pelo nervo ampolar, era obtida boa fixação, e era relativamente fácil libertá-lo. 0 epitélio que normalmente tem a forma de sela como a crista, era achatado na lâmina para estudo com microscópio de contraste de fases.

3. O Estudo das preparações

0 epitélio sensorial era visto de cima. Era usado baixo poder de amplificação (60-100 x ) para observar a forma do epitélio sensorial e certas peculiaridades estruturais. Amplificação grande (560-1400) era usada para estudo de detalhes. Focalizando-se em um dado nível, as estruturas podiam ser vistas claramente, sem interferências das estruturas, em outros níveis. (Fig. 7).

Movendo-se o espécime, diferentes regiões entravam no campo de visão. Deste modo, a estrutura inteira do epitélio sensorial podia ser investigada rapidamente, e as diferentes regiões, relacionadas umas com as outras.


SUMMARY

A technique for surface preparations of the vestibular epithelium is described. The epithelium is fixed with 10% formaline im 0,1 M phosphate buffer at ph 7,0 and the microdissected with the aid of an operating stereomicroscope. The surface preparations are studied and photographied with a phase - contrast microscope.

BIBLIOGRAFIA

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4. KOLMER, W. - 1927 - In Handbuch der mikroskopischen anatomie des Menschen, vol. III. p. 250-505 (Ed. W.V. Mãllendarf). Berlin.
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7. NEUMAN, G., Neubert, K. - 1958 - Die sensularien des innenohres unter der Einwirking von streptomycin. Arzneim., 8:63-72 (cit. por Marseillan, 1972).
8. RETZIUS, G. - 1881 - Das Gehõrorgan der Wirbelthiere. I. Das Gehõrorgan der Fisch und Amphibien Stockoim. Der Centralchurckrei.
9. RETZIUS, G. - 1884 - Das Gehõrorgan der Wirbelthiere. II. Das Gehõrgan der Reptilien, der Vogel und der Saugetiere. Samson & Wallen, Stockholm.
10. WATANUKI, K., GottQsberg, A.M.Z. - 1971 - Toxic effects of streptomycin and Kanamycin upon the sensory epithelium of the crista ampullaris. Acta otolaryng. 72:5967.




ENDEREÇO DO AUTOR: Campos Sales, 1262 14.100- Ribeirão Preto/SP

*Trabalho realizado.com auxilio da FAPESP.
**Professor Livre-Docente do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e letras de Ribeirão Preto-USP. Professor Livre-Docente contratado - Departamento de Oftalmo-otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.

Recebido para publicação em: 23.01.79

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