Versão Inglês

Ano:  1979  Vol. 45   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 23 a 28

 

PERICONDRITE CRONICA DO PAVILHÃO DA ORELHA

Autor(es): Antonio Celso Nunes Nassif*
Carlos Newton Hatschbach de Aquino**

Resumo:
Os autores fazem inicialmente uma pequena referência sobre as pericondrites de pavilhão de ouvido de modo geral, abordando seus aspectos etiológicos, clínicos e conduta terapêutica. Em seguida, relatam dois casos de pericondrite crônica fistulizada, bem como a terapêutica cirúrgica que empregaram. Os resultados obtidos foram documentados com material fotográfico antes e após o tratamento.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

A pericondrite é uma situação séria, na qual o pericôndrio se infecta, acumulando pús entre ele e a cartilagem. Considerando que o pericôndrio é o responsável pela nutrição da cartilagem, um processo inflamatório à esse nível, pode levar a necrose com deformidades, sendo importante evitá-las à todo custo.

A infecção quando instalada, tende a espalhar-se rapidamente por todo o pavilhão, principalmente nas porções livres ou no seu terço superior.

Sob o ponto de vista bacteriológico, a secreção encontrada é constituída na maioria dos casos, por flora polimicrobiana. 0 bacilo piociânico, que é sempre condrófilo, é o mais freqüentemente encontrado.

Nas infecções mistas se encontram constantemente o bacilo piociânico, associado com anaeróbios.

Esses microorganismos alcançam o plano do pericôndrio mais freqüentemente em três situações:

a) Traumatismos, cortes ou lacerações, precipitando a formação de otohematoma.
b) Cirurgia, principalmente quando se usa a via do conduto auditivo externo.
c) Disseminação à partir de um foco superficial, como pode ocorrer na furunculose do conduto.

Dentro da sintomatologia, os sinais subjetivos são os que primeiro aparecem, com fortes dores irradiando-se para a região cervical e temporal, piorando com o manuseio do pavilhão. A hipertemia é em geral discreta. 0 aspecto nesta fase inicial pode parecer-se com erisipela ou furúnculo de conduto auditivo externo. Entretanto, a evolução posterior nos chama a atenção para o edema do pavilhão auricular, sensível à pressão. O relevo se faz irregular de acordo com a formação de abcesso de localização profunda. A partir daí, quando não se efetua nenhum tratamento medicamentoso ou cirúrgico precoce, podem advir extensas necroses da cartilagem com eliminação de seqüestros e finalmente uma mutilação completa do pavilhão auricular. Em muitos casos, a fistulização espontânea pode acontecer, resultando numa eliminação crônica de pus. (azul esverdeado nos casos de presença do bacilo piociânico).

0 diagnóstico se fará baseado nos sintomas subjetivos, gerais e sobretudo locais.

0 tratamento curativo exige, além de medidas locais, atitudes sistêmicas como o uso de antibióticos. 0 objetivo básico é localizar e confinar a infecção na menor área possível.

0 mais útil antes da formação da coleção purulenta, é a antibióticoterapia, especialmente com penicilina ou derivados como ampicilina. Se apresentar melhora clínica dentro de 48 horas, a medicação programada não deverá ser suspensa antes do 7° dia. Entretanto, o ideal é procurar sempre identificar o germe através dos testes laboratoriais, inclusive com antibiograma para melhor orientação terapêutica.

Quando, no entanto, houver formação de pus, evidenciado pela flutuação, está indicada a incisão e drenagem do pavilhão. A anestesia local deve ser contraindicada nos casos de inflamação aguda, pelo perigo de disseminação da infecção.

Várias são as proposições para as incisões, sendo que alguns autores usam apenas uma e paralela ao contorno de todo o pavilhão. Outros, nos casos de comprometimento extenso do pavilhão, usam múltiplas incisões com abertura de janela na cartilagem. Naqueles casos de destruição severa da cartilagem pode-se fixar por meio de pontos de sutura, o bordo livre do pavilhão na pele vizinha, evitando-se com isto, uma retração e deformidade ainda maior e possibilitando uma melhor correção estética posteriormente.


APRESENTAÇÃO DOS CASOS:


1° caso.: - A. S., 40 anos, masculino, casado, lavrador, residente em Cianorte Paraná. Admitido no Hospital de Clínicas de Curitiba em 10 de Maio de 1977, com inflamação no pavilhão da orelha esquerda. A história do paciente revelou início do processo há mais ou menos 1 ano, após traumatismo local. O exame ORL mostrou tratar-se de pericondrite crônica fistulizada de pavilhão da orelha esquerda, já apresentando sinais de necrose da cartilagem. Através da fístula eliminava secreção mucopurulenta branco-azulada, em cuja cultura evidenciou-se o bacilo piociânico, associado com outros germes gram-positivos. Prepusemos e executamos a cirurgia sob anestesia geral com entubação endotraqueal. A técnica utilizada foi a de múltiplas incisões, com uma pequena variação observando o trajeto através do orifício fistuloso com uma sonda metálica romba. Toda película fibrinosa que revestia a cavidade interna foi delicadamente curetada, procurando-se deixar uma superfície cruenta em ambas as faces. Durante o ato cirúrgico, observamos a ausência por necrose, de 213 da cartilagem da área atingida. Após a caretagem e limpeza, usamos pincelamento com tintura de iodo sobre a superfície cruenta. A sutura foi intradérmica com Dexon 000, seguido de curativo compressivo com gase. A ampicilina foi usada no pós operatório por 8 dias.



Fig. 1

1° Caso - Pericondrite crônica fistulizada do pavilhão da orelha esquerda.



Fig. 2 - 1º Caso

Foto ampliada para mostrar detalhes da pericondrite crônica fistulizada. Existem vários blocos de retenção purulento e necrose de cartilagem na porção superior do pavilhão. A fístula localizada em direção da concha.



Fig. 3 - 1 ° Caso

Pós-operatório - Visão panorâmica.



Fig. 4 - 1 ° Caso

Ampliada para mostrar detalhes do pavilhão auricular no pós-operatório. Desaparecimento do processo supurativo. Deformidade importante do pavilhão auricular.



2° caso: - M. B. S., 70 anos, masculino, agricultor, residente em Agudos do Sul, Paraná. Procurou o Serviço de ORL do Hospital de Clínicas de Curitiba, em 27-7-78, com queixa de inflamação, dor e drenagem de pús da orelha esquerda. Pela história, verificamos que o início do quadro foi há mais ou menos 1 ano, com prurido e eczema do pavihão da orelha esquerda. A lesão inicial se localizou na dobra superior interna do pavilhão auricular. Pelo exame ORL verificamos tratar-se de pericondrite crônica fistulizada de pavilhão auricular esquerdo com preservação de cartilagem. Através da fistula, com manobras compressivas locais conseguia-se a eliminação de secreção mucopurulenta, cuja cultura revelou presença de flora polimicrobiana, constituída de bacilos gram positivos, cocos gram positivos e estafilococos aureus. Indicamos e executamos a cirurgia sob anestesia geral com entubarão endotraqueal. Foi utilizada a técnica de múltiplas incisões. sempre acompanhando o trajeto fistuloso com a sonda metálica romba. Como no caso anterior, curetamos delicadamente toda superfície interna da cavidade após cada incisão, procurando deixá-la totalmente cruenta. Neste caso, durante o ato cirúrgico, comprovamos a ausência de necrose da cartilagem em 90% da área atingida. A sutura foi intradérmica com Dexon 000, após ter sido pincelada toda superfície cruenta com tintura de iodo. Curativo compressivo com gase em ambas as faces do pavilhão auricular. Cobertura antibiótica com Ampicilina nos pós operatório durante 8 dias.




Fig. 5 - 2° Caso

Pericondrite crônica fistulizada tomando praticamente toda face anterior do pavilhão auricular. Pequena necrose em porção superior.



Fig. 6 - 2° Caso

Detalhes do pós-operatório com 30 dias. Desaparecimento total do processo supurativo e colabamento perfeito do pericondrio com a cartilagem. Houve discreta retração na porção antero superior. As cicatrizes estão quase imperceptíveis



COMENTÁRIOS:

No 1 ° caso, o êxito da cirurgia restringiu-se à parte com reação inflamatória crônica, visto que antes, já havia necrose e destruição de grande porção da cartilagem do pavilhão auricular, sendo portanto difícil evitar-se a retração subseqüente.

Já no 2° caso, a cirurgia foi executada em melhores condições e em tempo hábil pois, não havia necrose com destruição da cartilagem e que pode ser preservada, resultando daí ausência de deformidade importante e a cura total do processo supurativo.

Nos dois casos, verificamos que a técnica de incisões múltiplas com o auxílio da sondagem e a delicada curetagem da película fibrinosa que revestia a cavidade, procurando deixá-la o mais cruenta possível, foram dois pontos importantes para o bom resultado. A sutura intradérmica que usamos tornou possível melhor estética no pós operatório.

CONCLUSÕES:

Os excelentes resultadas obtidos nestes dois casos, especialmente no que diz respeito ao processo supurativo crônico, com o uso dessa técnica, nas autoriza recomendá-la e utilizá-la sistematicamente nos casos de pericondrite crônica fistulizada de pavilhão auricular.


REFERÉNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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8. SHAMBAUGH, G. Perichondritis. In:-. Surgery of the ear. Lon don, Saunders, 1967. p.230-1.




ENDEREÇO DOS AUTORES: Av. Vicente Machado, 1171 - 5° andar.
CURITIBA -Paraná -CEP80.000

* Livre Docente e Professor Assistente de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Paraná
** Doutorando Estagiário da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Paraná.
Trabalho recebido em: 1.12.78.

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