Versão Inglês

Ano:  1979  Vol. 45   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 01 a 07

 

ADENOMA DE GLÂNDULAS CERUMINOSAS DO OUVIDO MÉDIO. (Ceruminoma) Apresentação de um caso

Autor(es): * Décio Renato Campana
** Marco António Gazel
** Lídio Granato
*** Zulmira Almeida Lopes

Resumo:
Os autores apresentam caso de adenoma ceruminoso do ouvido médio, de origem multifocal. Discutem a raridade do achado, anatomia patológica e a possível origem desses tumores.

INTRODUÇÃO

As glândulas cerumínosas são glândulas sudoríparas modificadas apócrinas (deixam parte do protoplasma junto com a secreção).

Essas glândulas predominam na porção cartilaginosa do meato acústico externo, embora sejam encontradas também nas partes mais profundas do meato, principalmente na região póstero superior.

Juntamente com as glândulas sebáceas, são responsáveis pela formação do cerume. O ceruminoma, histologicamente, é em tudo semelhante aos denominados hidradenomas de outras localizações cutâneas, recebendo essa denominação apenas para identificar seu local de origem.

Esse tumor é relativamente comum em gatos e cães, especialmente nesses últimos, onde se comportam geralmente como benignos (Ash-Raum) 1.

Na espécie humana são tumores pouco freqüentes. Em 1957, Johnstone, Lenox and Watsonz2, em levantamento feito na literatura, encontraram dez casos aos quais acrescentaram cinco por eles descritos.

Wetli e col.3 em 1972 fizeram o levantamento de mais trinta casos na literatura Anglo-Americana.

Na imensa maioria dos casos, os tumores estão confinados exclusivamente ao meato acústico externo ou a partir daí, podem invadir estruturas vizinhas, como o ouvido médio ou a fossa craniana, nos casos de comportamento maligno (Hageman e col. 1974)4.
Rarissimamente são encontrados casos com origem extra-meato acústico externo.
Lindquist e col. (1970)5 e Harrison e col. (1974)6 apresentaram casos com origem no ouvido médio.

Peytz e col. (1961)7, descreveram tumor no ouvido médio, com membrana timpánica íntegra, mas anteriormente o paciente tinha sido submetido a biópsia de ouvido externo com diagnóstico de adenoma ceruminoso.

Berlin (1957)8, descreveu hidradenoma com origem no meato acústico interno, mantendo-se o ouvido médio normal.


APRESENTAÇÃO DO CASO

Y.S.S.,41 anos, feminino, parda, casada, queixa-se de hipoacusia do ouvido esquerdo há 1 ano, notada pela dificuldade progressiva em usar o telefone nesse ouvido, zumbido discreto, contínuo. Nega passado otítico ou traumático.

Há seis anos paralisia facial tipo periférica à esquerda com recuperação espontânea total das funções motoras, restando entretanto como seqüela, lacrimejamento do olho esquerdo, ao ingerir alimentos ácidos (síndrome de lágrima de crocodilo).

No exame otorrinolaringológico notamos apenas anormalidade à otoscopia do ouvido esquerdo. Visualizando-se membrana timpânica íntegra porém despolida, com abaulamento dos quadrantes posteriores e da membrana de Shrapneil.

Ao exame sob microscopia, nota-se ao toque que o abaulamento é mole, depreciável e não pulsátil.

A análise de audiometria e impedanciometria, pode ser feita pelas figuras de 1 a 4.

A pesquisa das variações rítmicas da impedância acústica for negativa, o que falava contra a natureza glômica do tumor (Lopes-Granato)9.

O estudo radiológico do osso temporal esquerdo, convencional e politomográfico, mostrou mastóide diplóica com velamento celular, sem sinais de erosão óssea.

Em 23/2/78 a paciente foi submetida a timpanotomia exploradora para colheita de material.

Após o descolamento tímpano - meatal, deparamos com massa tumoral pálida, granulosa, friável, não pulsátil e pouco sangrante, tomando a metade posterior da caixa timpânica, englobando cadeia ossicular e estendendo-se para o áditus ad antrum.

O resultado do exame anátorno-patológico foi: Hidradenoma, não havendo no presente material, evidência histológica de malignidade. Sugere-se exerese da neoplasia para melhor estudo histopatológico.

Com o diagnóstico de adenoma ceruminoso, submetemos a paciente a cirurgia para exerese total em 13/4/78.



Fig. 1 - Audiometria pré-operatória



Fig. 2 - Timpanometria



Após exposição de caixa timpánica e abertura do sistema celular da mastóide, verifica-se que a tumoração tomava a metade posterior da caixa, recesso, áditus e parte do antro. Notando-se longe do tumor, em células da ponta da mastóide, algumas pequenas formações polipóides com características semelhantes às do tumor principal.

Para extirpação do tumor foi necessário derrubar e rebaixara parede posterior do conduto, terminando-se em uma mastoidectomia radical modificada tipo Bondy.

Bigorna luxada porém sem erosão, estribo íntegro e móvel, nervo facial protegido. 0 martelo, envolto em tumor foi retirado juntamente com a bigorna.

Houve perfuração da membrana que foi corrigida com fascia temporal. Fizemos então uma miringostapediopexia, apoiando a membrana sobre o capítulo do estribo, móvel.



Fig. 3 - Complacência



Fig. 4 - pesquisa de reflexos estapedianos



A cavidade cirúrgica, mantem-se epitelizada e sob controle periódico para determinarmos precocemente eventual recidiva.

O resultado auditivo foi nulo (fig. 5).



Fig. 5 - Audiometria pós-operatório



ANATOMIA PATOLOGICA

Material constituído de formação polipóide, medindo 13,0 x 5,0 x 5,0 mm de superfície granulosa e cor parda, (Fig. 6) e quatro fragmentos enviados separados, correspondendo à tumores menores longe da tumoração principal, medindo cada fragmento cerca de 1,0 mm de diâmetro.



Fig. 6



Os cortes histológicos tanto do tumor principal como dos fragmentos distantes, mostraram-se revestidos por epitélio cilíndrico ciliado simples ou pseudo estratificado com áreas de metaplasia escamosa.

Estroma conjuntivo ricamente vascularizado exibindo neoplasia em arranjo adeno matoso ou sólido.

As estruturas acinares de calibres variados, revestidos por duas camadas de células, a interna representada por células cúbicas ou colunares, de citoplasma eosinófilo, micruvacualizado, com núcleos arredondados com discreta variação de volume, de cromatina regularmente distribuída. A camada externa constituída por células mio-epiteliais (Figs. 7 e 8).

Verifica-se ainda em áreas extensas a presença de células cubóides em arranjo sólido, delimitando cavidades de tamanhos variados contendo por vezes mucopolissacarídeos (P. A. S. +)

Não foram encontradas mitoses ou atipias nucleares.


COMENTÁRIOS

Os ceruminomas são considerados por Friedmann10, como neoplasia intermediárias, pelo fato de sua classificação como benigno ou maligno ser difícil em base histológica.
Originam-se das glândulas ceruminosas (tubulares simples) que são glândulas sudoríparas modificadas, localizadas na profundidade junto com as glândulas sebáceas.



Fig. 7



Fig. 8



Estes elementos glandulares não são encontrados na mucosa normal do ouvido médio (Sadé 1966) 11.

O adenoma histologicamente benigno tpm algumas vezes tendência a recidiva e se Bundo Cankar e Col. 12, isso ocorre mesmo em casos de não adenocarcinomas, pois o tu mor benigno não sendo encapsulado, as excisões podem ser insuficientes e o tumor recidivar, por restos tumorais deixados in situ.

No presente caso, o tumor mostrou-se multi-focal em origem, pois encontramos uma massa polipóide principal e à distância, sem ligação com o mesmo, pequenos polipóide tumorais.

A imensa maioria dos ceruminomas descritos são encontrados no meato acústico externo e explicar a origem desse tumor no ouvido médio é um enigma, admitindo-se sua origem a partir de vestígios ectodérmicos encontrados no ouvido médio, isto é, a partir de elementos embrionários remanescentes (Peytz e col. 1961).

Como diagnóstico diferencial deste tumor poderíamos mencionar: glomus timpânico, tumor neurogênico (neurinoma de nervo facial), tumor giganto-celular, osteocondroma, etc.

SUMMARY

The autoors presented a case of middle ear ceruminous adenoma of multifocal origin. The disease is rare and in this paper the pathologic findings are discussed as well as the possible origin of the turnours.

BIBLIOGRAFIA

1. ASH; J.E.; RAUM; M.: An Atlas of otolaryngology pathology. The American Academy of ophtalmology and otolaryngology, Fourth Edition.
2. JONSTONE. J.M.; LENNOZ. B.; WATSON. A.J.: Five cases of hidradenoma of the external auditory meatus: so-called ceruminoma. J. Pathol Bacterial. 73:421-427, 1975.
3. WETLI. C.V.; PARDO. V.; MILLARD. M.; et al: Tumours of ceruminous glands Cancer 29:1169-1178, 1972.
4. HEGEMQN. M.E.J.; BECKER A.E.; Intracraniai invasion of a ceruminous gland tumor. Arch. Otol. 100:395397,1974.
5. LINDQUIST. S.; BERGSTEDT. M.; A case of ceruminoma (andenomaceruminalis) of the midle ear. Pract Otorhinolaryng. 32:211-218, 1970.
6. HARRISON. K.; CRONIN; J.; GREENWOOD, N.: Ceruminous adenocarcinoma arising in the micile ear. Journal of Laryngology and Otology 88:363-368,1974.
7. PEYTZ. F.; SOEBORG. O.: Ceruminoma in the Tympanic cavity. Acta Oto-Laringologica. 53:391-396, 1961.
8. BERLIN L.: Intracranial ceruminous adenoma. J. Neurosurg. G.: 6:415418,1949.
9. LOPES. F° O.C.; GRANATO. L. O diagnóstico precoce de pequenos tumores glômicos do ouvido médio. Atualização em otologia e foniatria. 1:96-101. 1973.
10. FRIEDMANN. I.: Pathology of the ear. Blackwell Scientic. Publication London 158-167,1974.
11. SADÉ. J.: Midle ear mucosa. Arch. Otol. 84:137-143,1966.




Endereço dos autores:
Rua Marcelina, 241 -Vila Romana São Paulo - Capital - CEP 05044

* Trabalho apresentado no XVI Congresso Pan Americano de Otorrinolaringologia e Broncoesofagologia em Acapulco (México) - de 27 de novembro a 1 de dezembro de 1978 - Recebido para publicação em: 18.1.79
* Assistentes da Clínica de ORL do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
** Prof. Assistente da Clínica de ORL da Fac. de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
*** Assistente de Dep. de Anatomia-Patológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo

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