Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (48º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 1675 a 1690

 

A ESTERILIZAÇÃO TOTAL DO AMBIENTE CIRURGICO EM OTO-RINO-LARINGOLOGIA

Autor(es): DR. WALTER MÜLLER DOS REIS - 1

Somos de opinião de que todas as medidas preconisadas com o fito de diminuirem o risco operatorio, devem ser cuidadosamente estudadas, uma vez que ainda muito longe estamos da perfeição em materia de cirurgia. Esta parte da medicina, caminha dia a dia a passos largos, em virtude de investigações criteriosas, orientadas segundo as diversas partes que a compõem. De fáto: a anestesia, a esterilisação, e a técnica operatoria, são problemas que requerem a maior precisão possível, uma vez que de cada um desses fatores depende o sucesso da intervenção. Cada aperfeiçoamento aplicado a uma dessas partes, reflete no todo, marcando época, e, parecendo assim, que a cirurgia tem os seus periodos de grande impulso.

Assim, tivemos a era listeriana, que marcou o advento da antisepsia.

O aperfeiçoamento da anestesia local trouxe conjuntamente um grande beneficio á cirurgia, e, foi sem duvida, um grande passo á frente.

O melhoramento diario da técnica operatoria, controlado pela anatomia e pela fisiologia, muito tem auxiliado a tarefa do cirurgião.

São, como vemos, os treis grandes problemas que se nos apresentam: a assepsia, a anestesia, e a técnica operatoria em si.

Destes treis fatores, o que menos tem evoluido, dando-nos a impressão de que atingiu a perfeição, foi justamente a assepsia. Neste particular, os modernos métodos dão-nos, com efeito, á primeira vista, a impressão de serem suficientes. Se, porem, atentarmos bem, pezando cada fator de per-si, veremos que muito atrazados estamos em relação á assepsia.

O habito de operar diariamente, com os processos usuais de esterilização, faz com que se não medite sobre tal problema, e que alguns cirurgiões hajam mesmo recebido com hostilidade qualquer modificação a esse respeito, embóra tendentes a melhorara técnica.

Poderemos, porventura, dizer que os cuidados usuais de assepsia de que nos cercamos ao executarmos uma intervenção cirurgia., sejam suficientes?

Não nos parece de bom alvitre afirmar um fáto que nem a teoria, nem a pratica confirmam. E, uma vez convencidos desta verdade, porque não procurar solução, preferindo uma situação de comodidade que se amolde a todos os casos, e culpando a natureza dos insucessos decorrentes de uma esterilização imperfeita?

Com efeito: ao executarmos uma intervenção cirurgica, exigimos apenas que o instrumental haja sido esterilizado, que a pele do doente tenha sofrido uma embrocação com tintura de iodo, que os campos hajam sido autoclavados, e que as vestes do cirurgião e suas luvas tambem tenham sido esterilizadas.

Dizemos tenham sido em vez de estejam esterilizadas, por isso que o ar que envolve qualquer sala de operações, não sendo esteril como experiencias concludentes o demonstraram, contamina em pouco tempo o material cirurgião, vestes e luvas do operador, pele do doente etc. E', ao nosso ver, exigir muito pouco para intervir!

Desde as experiencias de Miquel em 1881, sabemos que o ar contem e veicúla inumeras bacterias patogenicas, transmitindo moléstias, e que principalmente o ar dos hospitais e salas de operações é o que se encontra mais contaminado.

Modernamente, experiencias feitas com a exposição de placas de Petri nas salas de operações durante uma intervenção, principalmente quando se trata de uma intervenção demorada, demonstraram que essas placas cultivam sempre numerosos germes tais como estafilococos, estreptococos viridans ou hemolitico, colibacilos, piocianicos cromagenos ou acromagenos, o pneumococo, o bacilo tuberculoso, o tetanico, assim como diferentes variedades de anaerobios.

Vemos, pois, que o ar não pôde ser posto de lado como fonte de infecção.

Esse problema não foi aliás esquecido, uma vez que o sistema de salas de operações sépticas e asepticas existente em todos os hospitais, procurou, embóra deixando a desejar a nosso ver, resolver o problema.

A infecção operatoria pôde ser endógena, ou exógena.

A infecção endógena parte do doente, quando se põe em comunicação com a ferida operatoria qualquer cavidade contendo germes, ou algum fóco de infecção provindo do proprio doente.

A infecção exógena pôde provir da pele do doente, do material cirurgico, das mãos do operador, do contáto de objétos proximos, contaminados, dos fios de sutura etc., e sobre tudo do ar.

M. Gudin divide, de um módo geral, as operações em tres tipos: 1) Operações onde a infecção é provocada pelo áto cirurgico, colocando o campo operatorio em comunicação com fócos septicos. Histerectomia total, cirurgia gastrointestinal, p. ex. 2) Operações sem fóco endógeno, onde a contaminação só pôde ser provocada pelo instrumental, mãos do operador, ar atmosférico, etc. Exemplo: hernia inguinal. 3) Operações sépticas comuns. O flemão, a osteomielite, por exemplo.

Mauricio Gudin, professor da Faculdade de Medicina de Niteroi - Brasil, e David Madeira; fizeram experiencias no sentido de obterem uma esterilização da pele do doente, e operando em meio esteril, chegaram ás mesmas conclusões de Pierre Delbet, Walther, Marquis e outros, isto é: que a pele depois de cuidadosamente desengordurada com benzina, em seguida embrocada com tintura de iodo recentemente preparada, dez minutos antes da operação, e depois repassada com iodo no momento da operação ficará esteril se não sofrer contaminação ulterior por meio de objétos ou do ar.

Pelas mesmas experiencias, chegaram á conclusão de que o material cirurgico, campos, compressas etc. autoclavados, desde que não sejam contaminados na ocasião da penetração do ar no autoclave, estão perfeitamente estereis, uma vez que a temperatura do autoclave atingiu um certo limite e manteve-se nele por um tempo determinado. Observaram, alem disso, que as mãos do operador após serem cuidadosamente escovadas com agua e sabão esterilizados, durante um certo espaço de tempo, estão em condições de calçarem as luvas para a operação.

Fica-nos, portanto, como me:o de contaminação exógena, um elemento que muito nos preocupa: o ar.

As experiencias nesse sentido, feitas pelos dois citados cientistas brasileiros, foram minuciosas, exaustivas, e rigorosamente controladas. Muitas vezes, expuzeram varias placas de Petri nas salas de cirurgia durante o tempo de uma operação, c essas placas cultivaram sempre. Quenú, Landel e Proust, fizeram experiencias semelhantes e chegaram á conclusões que não podem deixar duvida de que o ar é como agente de contaminação, de uma importancia capital.

Nas operações septicas, poderia parecer a muitos, carecer esse elemento de maior importancia, ainda que pensemos de módo diverso. Não podemos ter a certeza de que operando em meio comum um fóco tuberculoso, levaremos com a intervenção, uma associação de germes? A intolerancia dos abcessos frios pela cirurgia não nascerá dahi?

Quanto ás operações assepticas, onde não encontramos infecção endógena, queremos crer que ginguem porá em duvida a importancia que esse fator assume. Não podemos confiar á natureza a tarefa de reagir contra essa infecção, pois do contrario, de identico módo poderiamos deixar de esterilizar o material cirurgico, uma vez que tanto confiamos na defesa organica.

Quantas supurações consequentes a operações assepticas, onde não ha fóco endógeno e todo o material foi devidamente esterilizado, estando o doente em perfeitas condições, não foram causadas pela intervenção desse elemento de contagio que é o ar!

A incisão operatoria consequente ao método comum, embóra cicatrize em primeira intensão, é em realidade uma ferida séptica, pois podemos constatar sempre uma reação inflamatoria caracterizada por rubor, edema, calor, e goticulas séro-purulentas no orifício dos pontos. Estas goticulas tem demonstrado encerrar numerosos germes, principalmente estafilococos, sendo que a propria gaze que cobre essas incisões, encerra sempre milhares de germes. O Prof. Gudin mostra que a cicatrização por primeira intensão obtida pelo processo usual, é um fenomeno complexo, dependendo da quantidade, qualidade e virulencia dos germes, da reação natural de defeza e da imunidade local. Mostra que é possível obter-se cicatrizações em primeira intensão, operando na cavidade bucal, no nariz, no intestino e no anus, isto é, em pleno meio septico. Mas por outro lado, friza a pouca resistencia do tecido osseo á infecção, onde se observam supurações profusas ao menor descuido de assepsia.

Quanto á cirurgia dos casos onde existia infecção endógena, será oportuno perguntar se temos o direito de ajuntar á esta mais uma contaminação pelo ar. A questão da superposição de infecções levar-nos-ha muito longe, sem duvida. Como poderiamos justificar o aparecimento do estreptococo hemolitico em um fóco antes de estafilococos em cultura pura? Teremos esse direito de arriscar a vida dos enfermos superpondo infecções?

Em identicas condições, autoclavamos todo o arsenal cirurgico na ocasião da intervenção, embóra hajam sido esterilizados após a operação anterior. Porque motivo não negligenciamos quanto a esta esterilização, uma vez que a operação é séptica?

Porque motivo tememos que os ferros uma vez esterilizados e depositados em uma bandeja tambem esteril, e expostos ao ar ambiente estejam horas depois em más condições de assepsia para serem sem mais cuidados usados em uma intervenção dessa ordem?

E', que admitimos, com justa razão, que o contagio pelo ar merece ser tomado em conta.

Mesmo porque, decorre da noção do contagio em massa, a grande importancia da quantidade de germes, a menos que vá por agua abaixo toda a bacteriologia.

O problema está, então, em conseguirmos uma sala de operações contendo ar esteril em seu interior, de módo a que os objétos expostos a essa atmosféra, uma vez esterilizados, não voltassem a ser contaminados por esse mesmo ar.

Diversas tentativas realizadas com o intuito de solver tão importante problema, foram efetuadas desde tempos atraz, sem que contudo nada de pratico estabelecessem.

Mauricio Gudin, um dos pesquizadores incansaveis, após profundos estudos, chegou a realizar a obra em que muitos outros fracassaram. Em 19 de Maio de 1930, em comunicação feita ao Colegio Brasileiro de Cirurgiões expõe as bases do seu método esteril, já havendo publicado um trabalho na Presse Medicale em 10 de Abril de 1930. Era seu objetivo tornar o ambiente de uma sala de operações esteril e respiravel.

Após inumeras pesquizas, fez construir um blóco cirurgico de cinco salas fechadas por portas e janelas estanques, com uma galeria doe vidro sobre a principal de módo a permitir á assistencia apreciar a operação de fóra, e em uma delas colocou o seu esterilizador total, completado por um sistema proprio de ventilação, e um dispositivo regulador da temperatura interior. Todos esses aparelhos são controlados automaticamente do exterior.

O problema estava, agóra, em introduzir um antiseptico poderoso no interior dessas salas, faze-lo agir por um tempo suficiente para tornar o ambiente esteril, e depois de tudo isto, conseguir que o ar interior continuasse respiravel.

Após muitas experiencias com um sem numero de agentes fisicos e quimicos, fixou sua atenção sobre o aldeído fórmico. Esta substancia góza de um alto valor antiseptico (experiencias Eleitas demonstraram que o bacilo subtilis, germe esporulado e de muita resistencia, não resistia á acção do formól, morrendo em treis horas numa atmosfera contendo 2cc. desta substancia por metro cubico) góza da vantagem de não deteriorar os objétos expostos á sua acção, tendo porem o inconveniente de possuir um fraco poder de penetração. Esta desvantagem, aliás, foi posta de lado com a introdução nas salas, de ventiladores, que ágitando o ar constantemente fatiem com que o formól seja movimentado em todas as direções.

Resolvido sobre o emprego do formól, supondo as cinco salas estanques, impregnadas desta substancia, que agiria por um determinado espaço de tempo matematicamente calculado e suficiente para tornar esse ar esteril, como torna-lo respiravel sem voltar a contamina-lo?

O problema, foi resolvido, fazendo agir nesse meio, sempre sem que as salas fossem postas em comunicação com o ar exterior, um corpo que combinando-se com o formól, désse em resultado um produto inodóro e inofensivo, de módo a existir nas salas uma atmosfera perfeitamente respiravel. O agente escolhido foi a amonea, que combinando-se com o aldeído fórmico produz a hexametilenotetramina, que por sua vez é um corpo neutro, inodóro e inofensivo, preenchendo as condições exigidas.

A experiencia mostrou que é impossivel combinar-se matematicamente molecula com molecula, e que ha difusão, perda de formól, e possivel combinação deste agente com poeiras ou outros corpos existentes no interior das salas. Teremos, então, no interior do blóco estanque, hexametilenotetramina (combinação do formól com a amonea) e um excesso de amonea.

Para tornar-se esta atmosfera respiravel, deve-se, então, fazer desaparecer esse excesso, o que se consegue fazendo borbulhar o ar atravez de uma solução aquósa de acido tartarico. A amonea, combina-se com o acido tartarico, dando em resultado um tartarato alcalino, que se deposita na solução; a hexametilenotetramina dissolve-se na agua, ficando retida.

Temos, assim, uma atmosfera perfeitamente respiravel, esteril, e pronta para ser utilizada. Como bem se deve compreender essas reações devem ser controladas de fóra das salas, uma vez que estas não podem ser abertas.

Isso é conseguido por intermedio de um quadro de controle contendo as chaves eletricas que comandam o esterilizador, sistema de ventilação, estabilizador da temperatura, e o exaustor, e que está colocado fóra das salas. Esse quadro por sua vez é comandado por um relogio eletrico, bastando para que todas as reações se processem, uma em seguida á outra, e em espaço de tempo adrede calculado, dar uma unica volta a um interruptor.

O esterilizador total Mauricio Gudin consta essencialmente de quatro pratos térmicos sobre os quais estão colocados quatro (balões; dois contendo aldeído fórmico, e os restantes contendo amonea. Mais em baixo, possue um reservatorio contendo a solução de acido tartarico, reservatorio esse que possue um sistema exaustor, que faz com que o ar ambiente seja colhido atravéz de um tubo, e borbulhe na solução.

O sistema de ventilação consta de ventiladores possantes, colocados no interior das cinco salas, e que uma vez postos a funcionar, agitam o ar em todas as direções.

A refrigeração, de módo a manter uma temperatura constante, coisa aliás sumamente necessaria em um paiz tropical como é o Brasil, é assegurada por um sistema proprio, de módo a não permitir em hipotese alguma, a contaminação do ar interior. Alem disso, a esterilização da temperatura evita a transpiração, eliminando mais esta causa de infecção. O grão higrometrico tambem não foi esquecido, sendo que foi fixado em 50%.

Recapitulemos, então, a maneira porque funciona essa aparelhagem.

As portas de comunicação entre as salas, devem ficar abertas tendo-se o cuidado de fechar hermeticamente as portas estanques que comunicam o blóco cirurgico com o exterior.

Liga-se, então, a chave que corresponde aos pratos termicos sobre os quais estão colocados os balões contendo o aldeído fórmico. Este, com o aquecimento, é posto em liberdade.

A quantidade de aldeído fórmico colocada nos referidos balões, é rigorosamente dosada de acordo com a cubagem das salas, e com o que ficou estabelecido em virtude de rigorosas experiencias feitas por distintos bacteriologistas patricios, experiencias gessas que se acham detalhadamente descritas nos -trabalhos do Prof. Mauricio Gudin.

Uma vez a atmosfera impregnada de vapores de formól, são acionados automaticamente os ventiladores, que agitam constantemente o ar, fazendo com que o formól penetre em todos os recantos. Os vapores de formól, ficam em contáto com o ambiente por um tempo determinado, inversamente proporcional á quantidade desta substancia que foi empregada. Assim, para uma esterilização rapida do ambiente, uma quantidade maior de aldeído fórmico. Ha uma tabela organizada que indica a quantidade desse antiseptico a ser usada para a esterilização do ambiente em determinado tempo. Geralmente é de uma hora o tempo gasto para que as salas estejam em condições de serem utilizadas.

Uma vez que o formól tenha agido convenientemente, automaticamente entram a funcionar os pratos térmicos sabre os quais estão colocados os balões contendo amonea. Esta é posta em liberdade e combina-se imediatamente com o formól, resultando dessa combinação, hexametilenotetramina. Nessa ocasião quem estiver na galeria da assistencia, colocada sobre a sala principal, vê atravéz do vidro uma tenue nuvem esbranquiçada que se fórma imediatamente.

Os ventiladores continuando a funcionar, facilitam essa reação. Resta, como vimos, neutralizar o excesso de amonea e retirar da atmosfera a hexametilenotetramina, ainda que esta ultima possa permanecer em estado livre no interior das salas, sem o menor inconveniente para a saúde.

Nessa ocasião, é ligado o comutador que comanda o exaustor, e o ar passa borbulhando atravéz da solução de acido tartarico, solução essa que retem a amonea dando em resultado a formação de um tartaro alcalino, e retem a hexametilenotetramina, que se dissolve na agua.

O ar interior das salas, está nesse momento esteril e perfeitamente respiravel, sem que fosse necessario abrir uma unica porta pois essas reações são comandadas automaticamente do exterior. Não só o ar está esteril, como todo o interior das salas e todos os objétos a ele convenientemente expostos. Isto significa, uma grande comodidade para o operador, uma vez que ele tóca em tudo sem o menor constrangimento, quebra tubos de cat-gut, empolas, aproxima e afasta um balde; etc. etc.

A hemato-aspiração, essa grande auxiliar do otorinolaringologista, é manejada, então, facilmente, com desembaraço, e sem riscos do cirurgião incorrer em falta da assepsia. Com efeito uma vez que todo o aparelho está esterilizado, o operador ou seus auxiliares podem livremente ligar e desligar o comutador, mudar a posição de fios, etc. Quando nas operações intra-craneanas se faz necessario o uso do trepano eletrico, se o especialista operar em ambiente esteril eliminará uma serie de precauções e não se verá constrangido quando precisar tocar na caixa do aparelho, nos fios, ou mudar o proprio instrumento de posição. Nas operações correntes o metodo estes facilitará o operador na tarefa diaria permitindo que o especialista retifique, quando necessario, a posição do espelho frontal, ou aumente ou diminua a luz do seu espelho de Clar, etc. etc. O uso da electro-cirurgia que como sóe acontecer em cirurgia geral, vae dia a dia ganhando terreno na oto-rino-laringologia, é enormemente facilitado pelo emprego da esterilização total. O operador dominará o instrumental, regulará a intensidade da corrente, ligará e desligará cumutadores, sem que corra o risco de infetar o doente. Em suma: o metodo dá esterilização total, liberta o cirurgião, especialmente o otorinolaringologista, dessa preocupação constam que é a de não contaminar o doente pelas multiplas manobras que necessita realizar durante o áto cirurgião, com instrumentos não esterilizados. E' alguma coisa de pratico e ninguem o contestará, poder tocar em tudo livremente, sem o menor constrangimento.

Mas, como fazer o operador, seus auxiliares, e o doente, penetrarem nas salas sem as contaminarem? Em primeiro lugar, o numero de pessoas que penetram nas salas cinge-se ao operador, dois auxiliares, e o doente. A assistencia fica colocada, como vimos, do lado de fóra e pm uma galeria de cristal que permite ver comodamente toda a operação.

A meza de cirurgia, é de modelo especial, montada sobre rodas, e possue tambem um dispositivo que mantem duas bandejas destinadas, uma aos ferros a serem usados nos tempos assepticos da operação, outra para os ferros dos tempos septicos. Alem disso, tem em cada lado duas alças sustentando recipientes de pano, destinados a receber compressas, empolas quebradas, etc.

A porta da primeira sala é aberta por um enfermeiro que Permanece do lado de fóra, nela penetrando, então, o operador, e seus auxiliares. A porta é imediatamente fechada. O doente entra por outra porta, para a sala ao lado, onde é preparado pelo assistente. Imediatamente a porta é fechada. Uma vez pronto, passa o doente á sala contigua, onde é feita a anestesia. E' fechada a porta que comunica esta sala com a anterior e com a sala de cirurgia. Após lavagem das mãos passa o operador á sala ao lado, onde se veste e calça, as ulvas. O avental do doente já foi substituido por outro de modelo especial, que se acha esterilizado dentro da sala, pelos vapores ide formól. Este avental, assim como os dos cirurgiões, assemelha-se a uma vestimenta de escafandro e reveste o enfermo completamente, deixando apenas á mostra o local do campo operatorio. Estes aventais, são abertos atraz, onde tem um dispositivo moderno de correr, de módo que uma vez fechados, envolvem o cirurgião idos pés á cabeça, tendo uma unira, abertura no lugar dos olhos, sendo que á altura do nariz possuem uma mascara contendo uma camada de algodão. A indumentária do operador é completada por oculos de modelo especial, e refletor frontal.

Uma vez o doente anestesiado e o operador e seus auxiliares vestidos e já de luvas, as portas de comunicação são abertas, penetrando então os medicos e o doente na sala ide cirurgia. Um dos assistentes faz caminhar a propria meza de cirurgia, sobre a qual está deitado o doente. Nesta ocasião tem-se o cuidado de penetrar lentamente na sala, procurando deslocar o menor volume de ar possivel. São então fechadas as portas de comunicação da sala de cirurgia com as outras salas. Os medicos trocam, então, as luvas que calçavam por outras que se acham montadas sobre um dispositivo especial de circulação dos vapores de formól, e iniciam a operação.

Com o fito de atender á contaminação trazida ao ambiente quando se abriram as portas: da primeira e segunda ante-camara ou pela respiração do doente, contaminação esta muito ligeira sem duvida, ha um sistema de recirculação do ar da sala principal que é assegurado por um filtro a oleo que retem as poeiras e a ação dos raios ultravioletas que esterilizam constantemente o ar.

Experiencias rigorosamente controladas expondo placas de Petri em diversos lugares das salas durante toda a duração de uma intervenção demorada, mostraram que essas placas nunca cultivaram.

O operador e os assistentes teem, como vimos, inteira liberdade durante a intervenção podendo tocar em tudo sem o menor constrangimento.

O material cirurgico, as compressas, as gazes, e tudo o que fôr necessario á operação, desde que as salas estejam em condições, é posto em seus lugares sobre estantes de tela com malha larga, estando os ferros abertos, não havendo necessidade de previa esterilização pelo calôr. Uma vez fechado o blóco de cinco salas, basta dar uma volta a um cumutador, e o relogio eletrico se encarrega do controle das reações, sem mais necessidade de qualquer intervenção do enfermeiro.

Uma vez terminada a operação o doente sáe na propria meza, assim como os ferros usados, as compressas etc., deixando a sala limpa e promta para outra intervenção.

A outra vantagem do método consiste na economia, pois uma voz que se dispensa o uso do autovlave, esta vae a mais de 60%. O tempo necessario á hospitalização dos doentes é reduzido de 40% na estatistica do Prof. Gudin.

Apezar de que o processo é util em qualquer intervenção, como vimos, sua maior utilidade encontra-se nas operações em que só póde haver contagio exógeno. Em uma ligadura da jugular ou da carotida, por exemplo; em um bocio, em uma laringectomia que pela sua demóra expõe o campo durante longo tempo ao meio ambiente, não é demais encarecer o seu valor.

É de regra em cirurgia a preocupação de não deixar espaços vasios, com o fito de impedir a formação de coleções serosas ou sanguíneas, que infetadas pelo ar ambiente supurarão mais tarde, raramente. Muitas vezes isto não é possível, dahi a drenagem que pondo a cavidade operatoria em comunicação com o meio esterno ao mesmo tempo que drena é um agente de contaminação. Com o emprego da esterilização total, todos esses fatos não se dão, por isso que é suprimido o contagio pelo ar.

Em trabalhos recentes, diversos autores recomendam a assepsia atais rigorosa nas operações do septo, devido ás meningites por infecção ascendente. Porque não poupar, então, a essas folhas de mucósa descoladas até as proximidades da lamina crivosa, uma exposição demorada a uma corrente de ar contaminado, que e aspirado continuamente?

Da grande vascularisação da mucósa nasal e faringéa aliáda á acção do muco nasal e da saliva, decorre a possibilidade da cirurgia dessas duas cavidades. Quem nos dirá, mesmo, depois dos trabalhos de Beresdka, que não existe uma imunidade natural, local, para os germes que ahi vivem saprofiticamente! Devemos pensar que com a introdução de germes extranhos a uma dessas cavidades, produz-se um desiquilibrio da flóra saprofitaria em virtude da mucósa não gozar de imunidade para o referido germe. Por isso devem existir os cuidados gerais de assepsia, embóra operando em cavidade septicas. Quem afirmará que se fizermos uma ressecção sub-mucósa em um indivíduo que não possua o estreptococo hemolitico em sua pituitaria, usando uma sala de cirurgia que contenha esse germe em suspensão no ar, não causaremos complicação alguma ao nosso enfermo? Não se terá o direito de pensar que as meningites por infecção ascendente pela lamina crivosa do etmoide tem obedecido a identico mecanismo?

As lojas amigdalinas, após a estirpação das amigdalas, tambem cicatrizam, apezar do meio séptico que é a cavidade bucal. Porque motivo, então, operamos com toda assepsia, e auxiliamos a cicatrização com a previa eliminação dos fócos septicos de origem dentaria que porventura existam?

E', que a noção do contagio em massa, nós a temos presente e concluimos que devemos eliminar toda parcela possivel de contaminação, embóra operando em cavidades septicas.

Poderemos, então, ter duvidas quanto ás vantagens de eliminar mais essa possibilidade de contagio representada pelo ar?

A intolerancia proverbial do organismo pelos corpos extranhos tais como placas metalicas na cirurgia ossea, fios de sutura, enxertos, etc., pôde ser explicada pelo fáto dessas substancias levarem a contaminação ao local, em virtude de não estarem integralmente estereis.

Nas inclusões de cartilagem costal, fragmentos de tibia, nas operações plasticas em geral, quantas supurações não obedeceram a esse fatôr até bem pouco tão descuidado!

Não ha duvida de que a defesa organica existe, e ai de nós se assim não o fôsse; mas abandonar por comodidade um novo fóco de contagio, não nos parece recomendavel.

Quanto á cirurgia cerebral, onde operações quasi sempre morósas obrigam a exposição demorada do campo operatorio ao ar ambiente, não se pôde deixar de encontrar no método de esterilização total a sua mais formal indicação. E isto é bem patente, quando se sabe que Cushing sobre onze operações perde um doente por meningite. Djorup, Schonbauer, e Schloessmann, tiveram mortalidade por meningite que varia de 5 a 12%.

Situamos aqui, em primeiro plano, as intervenções para a procura dos abcessos cerebrais ou cerebelósos de origem otôgena, onde a introdução da agulha por repetidas vezes em plena massa cerebral, pôde deixar de ser inofensiva, uma vez que essa mesma agulha já deixou de estar esterilizada, uma vez que está mergulhada em uma atmosfera contendo germes. Autores ha, que observaram casos de meningite após neurotomias retro-gasserianas! Que garantia poderiamos oferecer a um doente que necessitasse semelhante intervenção, ou uma secção do coclear ou mesmo uma ventriculografia?

M. Gudin, executando raqueanestesias em meio esteril, observou o desaparecimento das cefalalgias e outros acidentes presentes muitas vezes após essa intervenção. Culpou, então, a contaminação levada pela agulha, desse acidente. A raqueanestesia feita pela mesma técnica por um seu assistente, porem em salas comuns, deu a percentagem usual de 10% de cefalalgias.

Muitos autores teem chamado a atenção para o fáto ide que estando as paredes do seio lateral mergulhadas em meio séptico, as punções tornam-se perigosas, uma vez que a agulha contaminada levará sem duvida a infecção ao seio, se esta ainda não existir. Não seria justo desejar, então, que a agulha que vae penetrar no seio esteja rigorosamente esteril, não havendo portanto sofrido contaminação pelo ar?

Em cirurgia da articulação temporo-maxilar, como em toda a cirurgia articular, o papel do ar como agente de contaminação exógena é patente. Nestes casos, onde não temos a temer a infecção endógena, uma supuração seria por devéras desastrosa.

A cirurgia do facial, assunto atualmente sempre em ordem ido dia, merece ser encarada levando em conta o fatôr contagio exógeno. Nas fraturas da ponta da mastoide, ou em outros casos onde deva ser indicada uma anastomose do facial, uma vez que operamos sem risco de contagio endógeno, devemos tomar toda a precaução para evitar o contagio pelo ar.

Ultimamente, as operações descompressivas sobre esse nervo teem sido praticadas até nos casos de paralisias faciais ditas "a frigore", e o método ao que parece, se vae generalizando.

Os achados operatorios revelam, ora uma serosidade, ora um liquido seco-sanguinolento, enchendo as celulas peri-neurais. Congestão simples da mucosa, ou virus filtravel, como querem alguns, o que nos parece certo é que devemos evitar qualquer contaminação exógena, uma vez que esta poderia ser desastrosa. Seria de fáto, sumamente desagradavel, operar um caso de paralisia facial "a frigore" contando com a regressão désta em plena meza de operações ou horas depois, e ver o resultado comprometido por uma, supuração profusa.

O tratamento cirurgico das vertigens e dos ruidos subjetivos auriculares, a cirurgia dos tumores do angulo ponto-cerebral, a cirurgia da hipofise, inclusão de cartilagem costa-1 no tratamento cirurgico da ozena (Processo de Renato Machado), neurotomias retro-gasserianas, são outras tantas indicações formais para o emprego do ambiente esteril em oto-rino-laringologia.

Não é demais repetir as vantagens deste processo em as operações de plastica. Ao otorinolaringologista compete, ao nosso ver, mais do que a qualquer outro, corrigir as deformidades existentes nos domínios da sua especialidade. As operações plasticas sobre o pavilhão auditivo, a piramide nasal e o labio superior são correntes em cirurgia oto-rino-laringologica. Uma supuração seria fatal quanto ao resultado da intervenção, deixando o doente em peores condições que antes.

A eliminação de fragmentos de cartilagem, pedaços de tibia ou de marfim, as supurações de retalhos plasticos, com resultados desastrosos, são fátos por demais conhecidos e observados por quem pratica essa classe de intervenções. Em que percentagem terá concorrido a contaminação trazida pelo ar, para o descredito desta cirurgia?

Em Buenos Aires, vimos o Prof. Becco usar a mais rigorosa assepsia durante os curativos banais em mastoidectomisados e em outros operados de processos purulentos. Mostrava-nos, ele, as vantagens de assim proceder, citando desastres post-operatorios por descuido nos curativos, e sinceramente admiramos sua maneira de pensar.

Atualmente, no tratamento das osteites invasoras dos ossos planos do craneo, ao lado da vacinoterapia autógena, cuidamos de que o tratamento cirurgico seja feito obedecendo sempre a uma regra fixa, e que é, proceder á ressecção do osso do tecido são para o tecido doente. Reconhecemos, como de primeira importancia o fáto de evitar toda contaminação possivel durante o tratamento cirurgico. Não seria o caso de cuidar de que o ar ambiente tambem estivesse esteril ? Sabido que o tecido osseo pouco ou nada reage á infecção, não parece logica a aplicação do método da esterilização total á especialidade?

Durante a intervenção, na ocasião em que os tecidos incisados estão expostos ao ar ambiente, e quando ainda se não formaram barreiras de defesa nem se iniciou o processo de cicatrização, é justo pensar que o contagio exógeno representado pelo ar atmosferico com suas poeiras e germes patogenicos deve significar muito. As hipertermias post-operatorias, ligeiras por vezes, outras vezes mais acentuadas, e com as quais já nos habituamos, talvez nos digam alguma cousa, se tentarmos bem nesse fatôr de contagio. Quantos décimos de temperatura correrão por conta desses germes depositados pelo ar, já que como diz Lescene "ao fim da operação a mais corréta, a ferida operatoria que se vae fechar não está praticamente absolutamente sem germes"? Por todos estes motivos, julgamos acertado estender á oto-rino-laringologia esse método que vai ganhando terreno em cirurgia geral, para que pudessemos formar um juizo sobre sua aplicabilidade no terreno da nossa especialidade.

Nossa experiencia consiste em varias operações correntes em cirurgia oto-rino-laringologica, tais como amigdalectomias pelo Sluder e por dissecção, ressecções submucosa do septo nasal, da criocistorinostomias, mastoidectomias, radicais do seio maxilar, fronto-etmoidectomias, operação de Renato Machado para o tratamento cirurgico da ozena, etc. etc. Estas operações foram auxiliadas pelo nosso assistente Dr. Weber Nascimento e pelo doutorando Guilherme Rutledge, nosso interno. Tivemos, ainda, oportunidade de auxiliar treis intervenções no dominio ida especialidade, inclusive um caso de esvasiamento petreo-mastoidêo por bala e que foram executadas pelo Dr. J. Portugal.

As sequencias operatorias de todos os doentes foram as melhores possiveis, e lamentamos que uma estatistica maior não nos permita dizer algo de definitivo sobre o método.

O fáto de ainda não possuirmos em os nossos serviços, blócos cirurgicos estereis, fez com que operassemos os nossos casos no Hospital São João Batista, o que dificultou muito nossa estatistica, devido ao grande movimento cirurgico que possue o referido Hospital.

Dia a dia, porém, esse método vai ganhando terreno, e no Brasil já contamos uma dezena de hospitais que possuem a esterilização total do ambiente cirurgico.

Recentemente, o Prof. Mauricio Gudin fez uma serie de conferencias na Europa, onde foi entusiasticamente aplaudido, e em consequencia já se acha em construção o primeiro jogo de salas estereis a ser construção na França.

Outrosim, os trabalhos do professor brasileiro têm sido acompanhados com vivo interesse no extrangeiro, e é de esperar que dentro em breve, colegas de especialidade de outros paizes, digam a ultima palavra a respeito da aplicação da esterilisação total do ambiente cirurgico á oto-rino-laringologia.




1 - Chefe do serviço de Oto-rino-laringologia do Dispensario São Vicente de Paulo. Assistente do Prof. Renato Machado na Cruz Vermelha Brasileira, e da Fundação Medico Cirúrgica Otorinolaringologista do Instituto de Assistencia e Pronto Socôrro do Rio de Janeiro.

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