Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (47º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 1639 a 1674

 

CASOS INTERESSANTES EM OTO-RINO-LARINGOLOGIA

Autor(es): OCTACILIO LOPES

O presente trabalho compõe-se de algumas observações que apezar de serem apresentadas, quasi todas, bastante incompletas, mesmo assam, merecem de ser registradas por se referirem a casos raramente encontrados na clinica.

OBSERVAÇÃO I - Neurofibromatose plexiforme.

R. R. (Ficha 4068), morena solteira, brasileira, paulista, de 21 anos de idade, residente em Itajobi, veiu á consulta no dia 14 de Agosto de 1936, portadora de uma ecrescencia do lado esquerdo.

Informa que já nasceu com este lado da face bem mais grosso em relação ao lado direito. De uns 8 anos para cá é que o lado grosso começou a aumentar, enrugando como si a pele estivesse crescendo de mais. (Figuras 1 e 2). Não sente dôr nem nunca sentiu.

Sofreu sarampo em pequena e sofre mal de Pot.

Pae, vivo, sadio.

Mãe, viva, sadia, 3 filhos vivos dos quais 1 sadio, outro nasceu aleijado de uma perna e o terceiro é R. R.

Auvray no seu livro já um pouco antigo "Maladies du Crane e de L'Encephale" publicado em 1909, no capitulo sobre Neurofibromatose plexiforme, escreve que esta afecção tem sido descrita sob nomes diversos.

Assim é que Helmholz e Cushing, julgam-no manifestação da Doença, de Recklinghausen e a designam sob o nome de Elefantiase dos nervos; Mott. por Paquidermatocéle; Nelaton, por Elanfatasiasis Moluscum; Maria, por Dermatolise e Rigoli, por Fibroescleroma racemosum.

O mesmo autor, acredita na raridade da molestia pois só conseguiu reunir 40 observações esparsas na literatura medica e que são:

Recklinghausen 2 casos
Valentin Mott 2 casos (1863)
Bilroth 4 casos (1863) 67-70-16)
Bruns 3 casos (1870)
Laroyenne 1 casos (1870)
Rizzoli 2 casos (1870)
Fritsche 1 casos (1873)
Stokes 1 casos (1875)
Cartaz 1 casos (1876)
Marchand 2 casos (1877)
Shuller 2 casos (1878)
Shultze 1 casos (1880)
Shuster 1 casos (1880)
Labbé 1 casos (1882)
Locin 1 casos (1882)
Volkman 1 casos (1883)
Rapok 1 casos (1890)
Andry e Lacroix 1 casos (1891)
Bruns 3 casos (1891)
Magalhães e Manson 1 casos (1893)
Ramarkers e Vincent 1 casos (1894)
Dennis 1 casos (1896)
Chipault 2 casos (1897)
Lauz 1 casos (1904)
Wynn 1 casos (1905)
Helmholz e Cushing 1 casos (1906)
Dolsowolsky 1 casos (1908)

Como não me foi facil encontrar trabalhos sobre o assunto, por não pertencer o mesmo, rigorosamene, á nossa especialidade, sigo a orientação de Auvray.

O tumor não é doloroso mas modifica por completo a fisionomia do doente dando-lhe um aspecto desagradavel e desgracioso e acarretando, conforme sua localização e desenvolvimento, perturbações mais ou menos agraves do orgam auditivo ou visual do lado atacado.

No caso presente, pode-se ver, na fotografia, que o conduto auditivo desapareceu, por completo, recalcado pelo tumor cujo peso já está tambem acarretando perturbações da visão do olho esquerdo pelo repuxamento das palpebras.



Fig. 1



Fig. 2



Fig. 3



Ocupa, sempre, uma linha que parte do angulo interno da orbita, sobre a palpebra superior, atravessa a fossa temporal um pouco acima do zigoma, contorna o rebordo superior do Pavilhão, corta a região mastoidea e termina ao nível da protuberancia ocipital (Chipault).

Auvray diz que não deixa de ter sua importancia o fato desses tumores se desenvolverem sempre partindo da séde já descrita, e que isto próva que aquela séde depende de uma disposição embrionaria que, com a noção de existencia desses tumores, em certos casos, no momento do nascimento e com a de hereditariedade, demonstrada num certo numero de observações, a possibilidade de associações morbidas (manchas pigmentares, neves, angiomas etc.), constitue um argumento poderoso a favor da origem congenita desses mesmos tumores.

Para reforçar o argumento, afirma aquele autor que tem sido vistos casos de neuro-fibromatose em irmão e irmã, assam como nos ascendentes de varies portadores de
tumores da mesma natureza, ou, pelo menos, pertencentes á grande família dos tumores fibromatosos (neuromas multiplos da pele, fibromas subcutaneos, manchas pigmentares, fibromas multiplos dos nervos, etc.).

Tem-se visto tambem no mesmo doente, a neuro-fibromatose do couro cabeludo associar-se a outras perturbações morbidas da mesma natureza (fibromas, angio-linfangiomas da língua e dos labios).

Esses tumores dão, á apalpação, a sensação de tecido mole, cheio de rugas e algumas nodosidades que têm o aspecto de seios flacidos, de velhos peitos imprensados um contra o outro.

A neuro-fibromatose plexiforme pode ser confundida com a linfangio-fibromatose difusa, Nesta, porém, a inserção é irregular. Alguns lipomas e fibromas do pericraneo podem lembrar a neurofibromatose mas não tem as nodosidades referidas. A fig. 3 é de um caso de lipoma.

OBSERVAÇÃO II - Vertigens por cerume do conduto auditivo externo.

J. L. (ficha 32), branco, russo, solteiro, comerciante, com 27 anos de idade, residente em Itabuna, Bahia, veiu á, consulta no dia 2 de Setembro de 1928, queixando-se de restar com a garganta um pouco inflamada.

Realmente, ao exame, pude verificar uma amigdalite sub-aguda sem maior importancia, tendo-lhe receitado um gargarejo.

Dois dias depois, a 10 do mesmo mês, sou chamado á sua residencia. Encontrei-o de cama, com 39,9 de temperatura.

Informou-me que tomára parte num pic-nic, realizado na vespera, tendo comido, centre outras cousas, empadas de camarão e sandwichs de presunto.

Regressou á casa ã noitinha, sentindo-se indisposto, mal estar geral e um pouco de febre. Mais tarde, vomitou muito e teve colicas intestinais fortes, muita dôr de cabeça e tontura.

Hoje, não tendo melhorado, resolveu chamar-me.

Estava, então, no inicio de minha clinica e, embora só procurasse atender doentes da especialidade, uma vez por outra aceitava doentes de clinica geral, mesmo porque o meio não comportava ainda uma clinica exclusiva da especialidade. Foi o que aconteceu no caso presente.

Examinando o paciente, com o maximo empenho em acertar, conclui que se tratava de uma simples indigestão. Prescrevi-lhe um purgativo salmo que não foi tolerado.

As lavagens de camomila com glicerina deram excelente resultado provocando fartas e fetidas evacuações o timpanismo abdominal melhorou de logo e mais tarde depois de nova lavagem intestinal, as fezes tinham melhor aspecto.

Os vomitos, porém, aumentaram de intensidade.

Chamei, no dia seguinte, um colega em conferencia permanecendo de pé o diagnostico de intoxicação alimentar.

No dia 14 o doente está abatidissimo e continua a vomitar.

Já usou Poção de Riviere e muitas outras formulas com agua cloroformada, com hortelã, mentol, xarope de eter, etc. Sacos de gelo no estomago, injeções de adro glicosado te urotropina na veia.

A febre continua cedendo. De 39,9 que era no dia 10, baixou para 37,9.

Quando o doente move a cabeça, vomita. Sente vontade de defecar e pede o vaso mas ao sentar-se fica tonto e perde os sentidos. E' necessario usar uma comadre. No dia 15, o doente está deitado em decubita lateral esquerda com o ouvido sobre o travesseiro. Entro, chamo-o repetidas vezes, vejo que ele se move mas não dá sinal de me ter ouvido. Somente deu pela minha presença quando falei mais alto e de mais perto. Este pequeno fato levou-me a examinar-lhe os ouvidos, encontrando, afinal, no conduto auditivo esquerdo, a origem de quase todo aquele cortejo morbido tão assustador!

O conduto estava cheio de cerume.

Certamente este entrou em contacto com o tímpano que, empurrado, fez pressão sobre os ossiculos que, por sua vez, agindo sobre a janela redonda, provocavam aqueles fenomenos labirínticos manifestados no desiquilibrio e nos vomitos incessantes.

Retirada a rolha, no mesmo dia, após aplicações repetidas de agua oxigenada, o quadro modificou-se. A principio, para peor, decepcionando-me um pouco. Deixei o doente vertiginoso, eram cerca de 10 horas da noite. No dia seguinte, porém, fui encontra-lo sentado na cama com apetite voraz, declarando-me logo á chegada que estava curado. Dois dias depois retomava suas atividades comerciais.

OBSERVAÇÕES III e IV - Protosifiloma extragenital.

Protosifiloma da amigdala. - D. B. (ficha 395), branco, 38 anos, casado, comerciante, sirio, residente em Buriti Alegre, Goiás, compareceu á consulta no dia 11-9-931, recomendado pelo Dr. Diogenes Magalhães, de Uberlandia.

Queixava-se da garganta. Ha um mês, mais ou menos, sofreu um resfriado forte que lhe deixou com a garganta inflamada. Passou alguns dias melhor mas, nos ultimos dez dias, recrudeceram as dores e as glandulas do pescoço ficaram mais inchadas e doloridas.

Ao exame, verifiquei uma ulceração arredondada, de bordos mais ou menos regulares, esbranquiçada, localizada na amigdala direita. Tinha o diametro mais ou menos de 12 milimetros.

Da boca, desprendia um halito nauseabundo, típico das infecções fusoespirilares. Isto nos levou a pensar numa angina desta natureza embora de forma não perfeitamente típica. Os ganglios submandibulares e do pescoço, engorgitados e dolorosos.

O paciente informa que nunca sofreu molestia veneres, que sempre gozou de bôa saude e não se lembra de ter sofrido outra molestia a não ser gripe, algum desarranjo intestinal ou, em criança o sarampo.

Receitei-lhe gargarejos antisepticos, sol, de azul de metileno e nitrato de prata para uso típico e, no consultorio, apliquei localmente uma solução de Iodobismutato de quinino e fiz-lhe um banho de Ultra-Violeta sobre os ganglios engorgitados - 4 dias seguidos, repeti estas aplicações sem conseguir o mínimo resultado. Ao contrario, o doente queixava-se que passava ao noites sofrendo muitas dores e que não podia alimentar-se pois a disfagia dolorosissima prohibia-o.

No outro dia, queixou-se de dores em todo o corpo e de ter tido febre alta durante a noite e mostrou-me algumas manchas que lhe estavam aparecendo no corpo. Sairam primeiro no peito e estavam se espalhando pelo abdomen a pelos membros.

Era um quadro típico, indubitavel, de pleno secundarismo sifilítico. O corpo estava todo marcado de roseolas. Indagando então sobre o passado venereo dos dois ultimos mêses, informou que ha cerca de 45 dias tivera relações com uma mulher suspeita, mas que nada sentira. Não contraíra absolutamente nenhuma infecção do penis.

Somente então cheguei á conclusão de que a ferida da amigdala era um cancro duro. Tive oportunidade de mostrar este paciente portador de lesão tão rara, ao distinto colega Dr. João de Alcantara que confirmou, inteiramente o meu modo de pensar. Tambem conhece o caso o ilustre colega Dr. Diogenes Magalhães a quem dias depois devolvi o doente para conclusão do tratamento especifico que imediatamente iniciei com os melhores e ma's prontos resultados - Realmente, o protosifiloma, desde a segunda injecção de Neosalvarsan, entrou a regredir, cicatrizando em breve prazo.

Cancro amigdalino

A lesão da amigdala pode ser confundida com um epitelioma ou uma ulceração fuso espiroquetica ou com a tuberculose.

Apesar de haver quasi sempre aspectos mais ou menos particulares a cada um desses casos, aspectos que podem orientar o diagnostico, este, ás veses, encontra alguma dificuldade pois nem sempre a lesão apresenta carácteres tipicos.

Num trabalho sobre o assunto, Paul Ardoin (1) diz que quatro fatores parecem preponderantes no estabelecimento do diagnostico diferencial entre cancro sifilitico, epitelioma e tuberculose ulcerosa da amigdala: a coloração dos tegumentos, a uni ou bilateralidade das lesões, o numero destas e a duração de sua evolução.

A coloração, é capital. O vermelho violeta do cancro sifilitico (vermelho framboeza de Portmann) é inesquecivel.

Não pôde ser confundido com o vermelho sombrio do cancro, ou cinza amarelado da tuberculose. O mesmo autor acha que a unilateralidade da lesão fala a favor dum cancro ou dum epitelioma pois estes são quasi sempre unicos, o que não acontece nas outras afecções da garganta.

"A duração da evolução (tão diferente no cancro, cancer e tuberculose como tambem nas outras afecções amigdalianas) é um elemento notavel para o diagnostico".

Protosifiloma da bochecha

M. L. G., (ficha 616) branca, 22 anos, casada, profissão domestica, brasileira, mineira, residente em Uberlandia, veiu â consulta no dia 6-5-932.

Faz cerca de dois anos está sofrendo ardor nos olhos, ardor que aumenta quando trabalha em costura e que precisa firmar a vista. Esses ultimos dias, os olhos têm estado muito mais vermelhos e o ardor aumentou. Não foi este, porém, o motivo principal da consulta. Veiu principalmente por que ultimamente tem passado muito mal da garganta, sofrendo muitas dôres, principalmente á deglutição. Doem-lhe tambem todos os ossos do corpo e a cabeça. Alimenta-se mal porque a bochecha está ferida do lado direito e doe muito aos movimentos da mastigação. Aliás, essa dor da bochecha começou antes de ferir. Notou, ha cerca de uns dois meses, um carocinho duro que faz cerca de 40 dias ulcerou-se.

Faz mais de um mês que está com o corpo todo pintado de vermelho. Tem notado até que as pintas estão desaparecendo, nesses ultimos dias.

Ao exame, pude verificar uma angina catarral cronica e principalmente a ulceração da bochecha para a qual a doente me chamara a atenção - Era uma lesão de forma eliptica, de bordos regulares e endurecida.

Procurando informações a respeito da historia pregressa, soube que está casada ha cerca de 3 meses.

A não ser o ardor nos olhos de que já sofria, todos os outros incomodos surgiram depois do casamento.

Com as devidas reservas procurei ouvir o marido. Contraiu ha tempos cancro duro e fez tratamento muito irregular.

De alguns meses para cá está com a boca sempre ferida mas julga cousa sem importancia.

Ao exame pude verificar a presença de varias placas mucosas nas bochechas e no faringe.

Não foi preciso mais nada para esclarecimento de caso tão interessante.

O marido contraiu sifilis e não fez tratamento regular preocupando-se exclusivamente com a cicatrização do lesão venerea. E ao beijar a esposa não somente lhe transmitiu a prova do seu carinho e do seu amor. Foi mais longe: transmitiu-lhe tambem uma carga de treponemas. Instituido o tratamento especifico, no começo pelo mercurio e depois pelo Neosalvarsan, ambos, mulher e marido, entraram numa fase de nova lua de mel pois os sofrimentos foram aos poucos desaparecendo.

QUINTA OBSERVAÇÃO

Pseudo corpo estranho do esofago

E. C. O. (ficha 556) branco, 44 anos, casado boiadeiro, brasileiro, Goiano, residente em Ipameri, conta-nos a seguinte historia:

Esta manhã, ou melhor, esta madrugada, enguliu, dormindo, uma dentadura de 8 dentes que usava. Acordou sobresaltado e logo cêdo correu ao consultorio de ilustre clinico de sua cidade. Até então, sentia perfeitamente a dentadura apalpando o pescoço. Com as tentativas frustradas da extração sentiu que descêra um pouco mas "não estava muito longe". A conselho do colega, veiu a minha procura.

Levado imediatamente aos Raios X, duas grandes capsulas de bismuto passaram da boca ao estomago com a maior facilidade sem nenhum tropeço, sem encontrarem o menor impecilho. Será que a dentadura tendo distendido o esofago deixou passagem bastante larga por onde ao capsulas puderam descer? A esofagoscopia nos informaria melhor. Feita esta, nada encontramos. O esofago estava livre. Mesmo assim, o paciente continuava a sentir a dentadura encravada. E apalpava desesperadamente o pescoço. Num supremo esforço seus olhos brilharam de satisfação. Os dedos abarcavam a cartilagem tiroide e lhe imprimia movimentes de lateralidade. - Dr. está ela aqui! Mas era apenas a cartilagem tiróide.

Já estaria no estomago o corpo estranho?

Estaria enganado aquele homem? Uma dentadura de 8 dentes não desceria ao estomago com facilidade!

Insistimos no interrogatorio sobre as circunstancias todas do fato. Informa que dormia, quando a enguliu. E como poude afirmar que enguliu mesmo a dentadura? Pois não estava dormindo?

Então, explicou melhor. Estava dormindo e sonhou que havia engulido a dentadura.

Acordou sobresaltado e não a achou na boca. Percebeu então que estava no esôfago.

- Mas não procurou em casa, antes de viajar? - Não senhor, Não tive tempo. Logo que o medico me aconselhou procurasse o especialista, corri para alcançar o trem.

Alguns dias depores, informaram-me que a dentadura tinha sido encontrada. pm casa. Do paciente, nenhuma noticia tive até hoje.

E' preciso que os especialistas não se esqueçam dos corpos extranhos imaginarios. Lembro-me de um fato ocorrido ha anos na França. Um doente, apresentou-se a uma clinica especializada com um osso de galinha atravessado na garganta. O medico depois de um exame meticuloso nada encontrou. O doente, porém, não se conformando com o resultado negativo da pesquiza, insistiu por nova esofagoscopia. Percebendo o medico tratar-se de um nervoso, talvez mesmo de um desses homens histéricos, lembrou-se de simular a extração de um fragmento de osso. Utilizou-se de uma peça da sua coleção. O resultado não se fez esperar. Foi brilhante! O paciente contentissimo nada mais sentiu declarando-se perfeitamente curado.

Não ficou, porem, encerrada assim a interessante observação. Dois dias depois, apresentou-se novamente á mesma clinica, o mesmissimo doente! Tinha outro osso na garganta! Evidentemente não era possivel ao medico estar a forjar retiradas de falsos corpos extranhos. Pois bem. O desaforo de não querer tirar o outro osso ia custando a vida ao medico. Esperado na porta, foi agredido a punhal, escapando graças ao pronto auxilio de pessoas presentes. Apurou-se, depois, tratar-se de um maniaco.

SEXTA OBSERVAÇÃO

Micose da lingua

A. G. (ficha 2630), 4 anos, branco, brasileiro, paulista, residente em Palmares, veiu á consulta no dia 22 de Novembro de 1983, portador de extranha molestia que prendeu a atenção de todos os clientes, na sala de espera.

Boca aberta, lingua consideravelmente aumentada de volume, a ponta de não caber dentro da boca a ficar como se vê nas fotografias anexas, (figs. n.os 4 e 6) com uma parte bastante volumosa permanentemente exteriorisada, oferece um aspecto inedito aos olhos dos curiosos e infunde compaixão a todos os corações o sofrimento indescritivel de A. G.

Informa, o pae, que poucos meses depois de nascido, o pequeno apresentou na lingua um carocinho que, de tempos em tempos, aumentava de tamanho, diminuindo, depois, expontaneamente, sem auxilio de remedios. De um cinco meses para cá, o carocinho começou de aumentar, Ao contrario das outras vezes, cresceu sempre e sempre até ficar maior que um limão, obrigando a A. G. a posição de boca, aberta.

Assim se passaram quasi quatro meses. Com o uso de remedios do mato (infuso de uma herva de cujo nome não se lembra no momento) a lingua desinchou bastante para que o pequeno pudesse fechar a boca. De uns dez dias para cá começou a inchar novamente e a crescer, mas ainda não estando do tamanho atingido da outra vez.

Ha varios dias, tem febre diariamente. A temperatura sobe e desce irregularmente, informa o pae.

No momento do exame a temperatura axilar era de 36,8 e 110 pulsações por minuto.

O exame incompleto do caso se explica pela fato de ter o paciente vindo ao consultorio apenas uma unica vez. Nesta ocasião prontifiquei-me a fazer o tratamento gratuitamente, fornecendo mesmo os medicamentos em face do interesse que me despertou a esquisitice e a raridade do caso. Apezar de mostrar-se muito grato e prometer ser pontual nos curativos, o pae de A. G. não o trouxe mais ao consultorio e nem me foi possivel obter informações do rumo que tomou sendo baldados todos os passos que dei para encontra-lo.

Assim sendo, e para não deixar caso tão interessante sem registro, resolvi apresentar estas ligeiras notas documentadas apenas com as fotografias que tirei no dia da consulta.

O aspecto da lingua, consideravelmente aumentada de volume, lembrava um carecer. Tipo da língua de papagaio, seca, e rosada na parte media, no ponto por onde a lesão se iniciou (o carocinho a que o pae se referiu). Baba espessa, escorrendo sem cessar. O pequeno apresenta-se desnutrido, pois alimenta-se com imensa dificuldade, conseguindo introduzir apenas comidas que empurra com os dedos, forçando a lingua que lhe arrolha a boca e queixa-se, constantemente, de dôres na lingua não conseguindo tambem dormir a não ser um sono entrecortado de gemidos desesperados.

Pedi ao Laboratorio um exame do esfregaço da parte ulcerada ficando para no dia seguinte retirar um pequeno fragmento da lingua para biopsia.

O Dr. José Rezende, que fez o exame, informou-me haver encontrado um cogumelo que se desenvolveu com grande violencia não conseguindo porem classifica-lo. Aliás a possibilidade de micose já tinha despertado minha atenção. Tanto assim que no paciente injetei uma ampola de micol.

A diserção do doentinho impediu-me de fazer novos exames e, por consequencia, inutilisou o desejo que tinha de apresentar o caso documentado.

COMENTARIOS

Não encontrei na bibliografia que me foi possível consultar outro caso semelhante.

Feuse publica na sua Chirurgie infantil d'urgence, uma observação de Macroglossia cogenita cujo aspecto lembra muito o caso da presente observação.

SETIMA OBSERVAÇÃO

NEOPLASIA DA MASTOIDE

D. P. (ficha 4143), branco, paulista, com 3 anos de idade, residente em Vila Albuquerque, veio á consulta no dia 5 de Outubro de 1935, recomendado pela Dr. Eliseu Souza Lima.

Informa o pae que, faz cerca, de 11 meses, D. P. ficou com o rosto torto e a boca virada. Como não tivesse recursos, andou tratando com farmaceuticos e bemzedores até que começou aparecer um caroço no ouvido esquerdo, caroço que tem aumentado muito, ultimamente. Foi então que procurou o Dr. Eliseu que aconselhou a vinda do pequeno ao meu consultorio, não o tendo feito, porem, naquela ocasião, por falta de recursos para as despezas de jardineira e pensão, só o podendo fazer hoje.

Ao exame do pequeno, que é muito vivo, nota-se imediatamente a paralisia facial esquerda acompanhada de queratite neuroparalitica do mesmo lado. A creança traz, sempre, a mão sobre o olhinho para defender-se contra luz. Epifora intensa. A cornea está ulcerada em grande extensão e a Gamara anterior cheia de pús.

A região mastoidea (figs. 8 e 9) está mascarada por um tumor duro do tamanho de um limão e que na fotografia apresenta o aspecto de um abcesso retroauricular. O tumor
é duro e dá a sensação ac toque, de ser fibroso. O exame do ouvido não poude ser feito por intensa a queda da parede posterior do conduto. O exame de Raios X apezar da indocilidade do doentinho, foi feito revelando, uma sombra na mastoide esquerda (fig. 10). A primeira impressão que tive foi a de tratar-se de uma mastoidite com coleção purulenta retro-auricular.



Fig. 4



Fig. 5



Fig. 8



Fig. 9



Fig. 10



Esta impressão desfez-se, porem, ao primeiro exame. Realmente não era possivel tratar-se de uma coleção retro auricular com aquela marcha. Foi então que Pensei num tumor da mastoide, o que foi plenamente confirmado, posteriormente, pela radiografia.

Propuz a operação mas o pae invocando uma serie de razões, entre outras a necessidade de ouvir outros parentes, ficou de resolver no dia seguinte. Só reapareceu, porem, um mez depois, no começo de Novembro.

O pequeno havia peorado consideravelmente. O tumor cresceu mais, empurrando o pavilhão da orelha para a frente.

A cornea rompeu-se esvasiando-se o globo ocular.

- O estado geral, consideravelmente abalado. A creança queixa-se de muitas dores na cabeça e não pode dormir.

A principio recusei-me a operar. Que seria possível conseguir mais? Entretanto, resolvi intervir o que fiz com o auxilio do Dr. José Reis, sob anestesia geral. Logo após a incisão cutanea pareceu o osso reduzido a uma lamina delgadissima envolvendo um tecido friavel e esbranquiçado.

Desse tecido foi retirado um fragmento para exame.

O tumor apresentava o aspecto microscopico de osteosarcoma e invadis em grande extensão o ocipital o parietal e o frontal.

Diante daquela extensão imensa por mim não esperada retirei o quanto pude daquelas massas friaveis e resolvi não continuar.

Houve pronta recidiva. O pequeno que voltou para casa, onde ficou fazendo curativos com o Dr. Eliseu, faleceu cerca de 2 meses depois, caquético e com o tumor maior do que da primeira vez.

OITAVA OBSERVAÇÃO

Dente extranumerario localizado no nariz

Aos 22-11-29, veiu á, consulta, S, F. branca 14 anos de idade, solteira, estudante, brasileira, (districto Federal), residente em Itabuna, Bahia. E' portadora de um dente com o aspecto de canino, implantando no meato inferior direito, muito firme. Deste lado o cartucho inferior é atrofiado e se esconde por traz do referido dente. Conta a seguinte historia clinica: - estava com 2 anos de idade quando lhe apareceu um dente extranumerario por sobre os incisivos medianos superiores. O dentista achou conveniente extraí-lo, fazendo-o sem anormalidade. Surge 3 anos depois, grande inflamação do olho direito a da face (mesmo lado), inflamação que não cedeu a todos os recursos empregados pelos especialistas consultados. As regiões do seio maxilar e do saco lacrimal supuraram abundantemente, durante uns dois meses, atravez de fistulas que se abriram na face. Aos 6 anos, surgiu o dente já referido na fossa nasal. Então, com o aparecimento deste dente, coincidiu a cessação completa da supuração, ficando, na face, na região do saco lacrimal direito, uma forte cicatriz deprimida que se estende tambem para a região dos ossos proprios do nariz. Este, ficou achatado, em sela, tipo de nariz sifilitico. Na agudez do processo inflamatorio os ganglios sub-maxilares engorgitaram-se e supuraram, deixando tambem extensa cicatriz.

Desde que adoeceu foi-lhe sumindo a audição do lado direito e depois tambem do lado esquerdo.

Ao exame acumetrico verificamos grande baixa, da audição. Do lado direito não ouvia o relogio, nem a voz cochichada nem o Politzer. Do lado esquerdo apenas ouvia o Politzer a 50 centímetros. Schwabach: positivo; Rinne positivo; Weber, lateraliza do lado direito.

Pela narina direita aponta o dente com forma de canino, sahindo do meato inferior.

Regras normaes desde os 12 anos. Não sofre dores nas juntas nem na cabeça. Catarrho constante e espesso. Nevralgia rebelde do lado direito. Zumbidos. Sofreu sarampo, catapora, coqueluche.

Pae, vivo, sadio, Mãe viva, sadia, teve 10 filhos e 2 abortos.

Trepanação do maxilar direito para retirada, por via transinusal, do dente. Osso resistente e um tanto friavel. Mucosa antral excessivamente branca, retraída e endurecida, Antro, bastante amplo.

A parede nasal, muito resistente, deixa ver a bossa de implantação do dente. A retirada deste fez-se com facilidade, fendendo com a goiva o contorno de sua implantação.

Sequencia operatoria, ótima.

Dois dias depois a paciente informa que está ouvindo melhor assim como quasi não sente mais zumbidos.

15-4-930 - Volta ao consultorio para informar que está passando bem, ouvindo muito melhor (Politzer a 1 m 20 do lado esquerdo e a 20 centímetros do lado direito). Estado geral muitíssimo melhorado. Não sente mais zumbidos. Nunca mais teve nevralgia.

Alem da melhoria consideravel para o lado estetico, a retirada do dente extranumerario da fossa nasal direita, determinou, tambem, um grande bem estar para a paciente com volta, parcial, da audição, desaparecimento dos zumbidos e da nevralgia. Basta registrar a frase da paciente: sinto um alivio tão grande que parece um sonho.

Este caso presta-se a considerações mais minuciosas que não cabem neste artigo, cuja extensão já excedeu de muito os limites que nos traçaremos.



Fig. 11



Fig. 12



Fig. 13



Fig. 14



Fig. 15



Fig. 16



Fig. 17



Fig. 18



Fig. 19



Fig. 20



OUTRAS OBSERVAÇOES

Para concluir e apenas por curiosidade, quero apresentar 4 casos cujas fotografias e radiografias dizem o bastante sobre raridade dos mesmos.

As fotografias (figa. 11, 12 e 13), referem-se a um paciente de aneurisma carotidiano.

As radiografias mostram uma cabeça cravejada de chumbo (figa. 14 e 16).

O paciente recebeu a queima roupa dois tiros de espingarda.

O terceiro caso é de uma portadora de nevo-anglomatoso. (Figo. 16, 17 e 18).

O quarto, tambem. Trata-se de uma creança de 35 dias e que nasceu com a mancha do tamanho de um nikel de 400 réis, mancha que tem aumentado a passos largos, estendendo-se e avolumando-se com o aspecto de tumor. (fig. 19 e 20.

DISCUSSÃO

Dr. Mario Ottoni de Rezende - Os trabalhos apresentados pelo Dr. Octacilio Lopes são casos interessantes, que chamam a atenção dos especialistas. Eu mesmo tive a ocasião de apresentar, á secção da Associação Paulista de Medicina, dois casos de rolha de cerumem, ocasionando vertigens, que se curaram com a extração do cerumen.

Outro caso interessante foi o de uma dentadura, ou melhor, o caso de pseudo dentadura. O Dr. Homero apresentou tambem á Associação Paulista de Medicina um caso curioso de pseudo corpo extranho do esofago, em que foi obrigado a fingir ter retirado um osso de galinha para que o doente ficasse socegado.

Os outros casos apresentados são casos que merecem registro porque são casos verdadeiramente curiosos.

Dr. Roberto Oliva, - Quanto ao caso de cerumen, acho que se poderia pensar num acometimento do labirinto, para explicar as vertigens e vomitos de que o doente se queixava, tendo em vista que o doente fôra vítima duma intoxicação alimentar e que esta poderia comprometer tambem o labirinto. Não contesto, todavia, a sua explicação, apenas avento uma hipótese.

Quanto aos casos de corpos estranhos esquisitos, tenho a relatar um caso bastante pitoresca de uma moça, que apareceu na Santa Casa, dizendo que na vespera deglutira uma agulha de costura. Como ao exame nada foi encontrado, mandei tirar uma radiografia, que denunciou não a agulha, mas uma porção de parafusos,

Dr. Luiz Brandão Filho - Temos um pequeno reparo a fazer nos relatos curiosos de nosso ilustre colega. Ha um engano no titulo de sua segunda observação. "Vertigem do conducto", como denominou-a, não pode ser, pois trata-se de um simples caso de vertigem labirintica.

Prof. Justo Alonso - Quero narrar um casa curioso. Tratava-se de um enfermo que numa crise nervosa ou epileptica, tinha lhe desaparecido a dentadura. Este enfermo tinha uma dentadura com dois dentes. Foi a um especialista de garganta, que praticou a esofagoscopia, não tendo encontrado a dentadura, explicando-lhe então que não havia nada.

Este doente era nervoso e saiu do consultorio mais nervoso ainda. Mais tarde este doente foi ao nosso consultorio em Montevideo e fizemos a radioscopia, e encontramos a dentadura. O enfermo estava tão esquecido deste caso que não poude explicar nada sobre o fato de se ter encontrado a dentadura.

Octacilio Lopes: - Falei em vertigens produzidas por cerume no conduto, conforme se poderá verificar da leitura do trabalho que resumi. Evidentemente não se trata de vertigem do conduto auditivo mas produzida pela compressão da rôlha de cerume sobre o timpano, deste sobre os ossiculos e dos ossiculos sobre o labirinto pelo mecanismo conhecido.

Ao dr. Oliva respondo que não me foi possivel aceitar a hipotese sugerida na qual tambem pensei. Houve apenas uma coincidencia ou concumitancia da perturbação gastrointestinal e auricular.

Ao dr. Mario Ottoni agradeço seus comentarios, como sempre, brilhantes e gentis.

(1) Le Monde Medical, n.º 836-1936.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial