Ano: 1936 Vol. 4 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (44º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 1601 a 1610
DOIS CASOS DE MORTE, IMPREVISIVEIS, NA ESPECIALIDADE
Autor(es): DR. ANTONIO OLIVÉ LEITE - 1
Na pratica diaria, apresentam-se, ás vêses, casos que, parecendo sem importancia maior, tórnam-se depois, entretanto, de graves consequências, como os que vamos apresentar, á esta "SEMANA OTO-RINO-LARINGOLOGICA".
Léva-nos a relatar esses dois dolorosos casos, o espírito preconcebido de, ao lado de tantos casos bons, explanar aqui, tambem, os acidentes máus, de funestas consequências.
Isso o fazêmos, por dois motivos poderosos, de ordem moral e profissional, de honestidade e ética medica, de segurança e defesa da classe. O primeiro motivo, que reputo de grande alcance para ra nossa especialidade, é a relação dos casos de morte, principalmente, daqueles em que as previsões são de todo impossíveis de se fazer, como nos acontecidos nas operações simples e quotidianas. Eles ilustrarão muito, e muito nos farão meditar.
O segundo motivo, que diz, diretamente, respeito, á nossa segurança e á nossa defesa, se cinge á servir de ponto de apoio, para os colegas, atingidos por semelhante desgraça, e pela qual, tenham, sem culpa, de responder perante os tribunais. - Si tivermos, qualquer um de nós, de sermos peiados nas malhas da justiça, por acontecimentos de tal natureza, a publicação e discussão de sucessos semelhantes e imprevisiveis, nas Revistas, nas Sociedades sabias ou nos Congressos, servirá para instruir a defeza do colega atingido, apoiando-se em dados concretos e em acidentes desgraçados, acontecidos á outros colegas, mais felizes, porque se não viram a braços, com as leis e os codigos. Um fato deploravel, imprevisivel, põe em cheque o nome, e a reputação do especialista, que arcará com a responsabilidade de uma conjuntura gravissima, na qual não teve a culpa nem teve os meios de evita-la, tão brusca e tão fatal a sua terminação.
São doas os nossos lamentaveis acontecimentos.
1.° caso. polipóse nasal bilateral. Tratava-se de uma. senhora de 46 anos, fichada sob o numero 3337, O. B. S., brasileira, branca, casada, residente no 1.° Distrito de Encruzilhada. R. G. do Sul.
Antecedentes hereditarios: Pae morto de uremía, mete viva e forte. 9 irmãos vivos e 2 mortos. Pae se queixava de intupimento nasal, assim como dois irmãos, que têm, tambem, polipóse nasal.
Antecedentes pessoais: Sempre foi fórte. Núbil aos 12 anos. Nunca concebeu - Foi operada de polipóse nasal ha 12, 6 e 4 anos.
Historia da molestia: Conta que ha 23 anos, sofre de obstrução nasal constante, com corrimento de pús e mau cheiro - Foi operada ha 12 anos em Montevideo, ha 6 anos em Pelotas e ha 4 anos em Porto Alegre, de polipos nasaes, que recidivavão em seguida, ficando no mesmo estado anterior, após poucos meses das operações. Conta o marido, que na ultima operação, umas 48 horas após, ela teve sintomas de meningite, que cessaram no fim de 8 dias, sendo-lhe feita, no hospital, a medicação adequada. Continúa sempre, com muitas dôres de cabêça, desesperantes, um pouco de excitação, e, às vêses, sonolencia, crises de irritação, ficando muito assustadiça, e depois grande prostação.
Ao exame: Facies carateristico de degeneração poliposa, piramide nasal alargada e deformada, báse achatada e de côr arrocheada. - Fossas nasaes cheias de polipos mucosos, corrimento de pús esbranquiçado e com muito máu cheiro. Em vista da gravidade do caso, propuzemo-nos opera-la, tornando claro ao marido, que o fartamos sem responsabilidade, e que só nos comprometiamos, a extrair os polipos anteriores, sem curetagem ou limpeza maior, em vista dos antecedentes por ele citado.
Aceita a operação com as reservas acima, foi a mesma feita com a assistencia dos prezados colegas Drs. Oscar Oliveira e Gastão Lopes. Retiramos com a alça fria, os polipos visíveis e facilmente acessíveis, com imenso cuidado e sem a menor tração dos pedículos, que secionavamos, perfeitamente, com o serra nó. Não fizemos tamponamento. Repouso no leito, quarto semi-escuro, alimentação leve. - Primeiras 70 horas bem, sem febre, pulso bom, sono regular, ausencia de fenômenos dolorósos acentuados; ás 6 horas da manhã do 3.° dia, de operada, o marido nos apareceu dizendo, que ela após ingerir o leite matutino, havia vomitado e que se queixava de umas dores de cabeça frontaes e fortes. A's 9 horas, fomos ve-la, e a encontramos já com grandes dores de cabeça, esboço de Kernig, rigidez da nuca, vomitos em jato, fotofobia, raias meningiticas, pupila em miosis etc., enfim, o quadro classico de uma meningite. De imediato, convidamos os colegas Drs. Oscar Oliveira e Gastão Lopes, (este ex-1.° assistente do prof. Annes Dias), para ve-la, confirmando-se o diagnostico e formulando-se um prognostico sombrio. Iniciou-se o tratamento classico, e nas 36 horas subsequêntes, declarou-se uma meningo-encêfalite típica, que matou a enferma em 14 dias.
Duas hipoteses formulamos para explicar o caso em apreço:
a) de uma meningo-encefalite, que se esboçava (dores de cabeça, excitação, sonolencia, prostação), que foi pela operação acelerada em sua marcha;
b) uma procidencia na meninge, por destruição do arcabouço osseo da fossa cerebral anterior, e que mobilisado um pequeno sequestro, da região da lamina cribosa do etmoide, produzisse a invasão da meninge e do encéfalo, pelos germens da cavidade nasal.
Si bem, que houvéssemos presentido a catástrofe, como fizemos vêr ao marido, não nos parece possivel, que uma extirpação de polipos anteriores, mucosos e sem tração ou curetagem alguma, pudesse produzir o exito letal, crendo ser mais razoavel a primeira hipótese, de uma meningo-encefalite esboçada, que tivesse sofrido o contra choque operatorio, acelerando a sua marcha inexorável e fatal.
O segundo caso, é ainda, mais sugestivo.
Tratava-se de uma enfêrma de SINUSITE MAXILAR.
2.º caso... Ficha 4687. O. C., de 18 anos de idade, brasileira, branca solteira, residente na Villa do Rozario. R. G. do Sul.
Antecedentes hereditarios e pessoais, Moça de compleição robusta, forte, núbil aos 13 anos, regular, sarampo aos 8 e varicéle aos 12 anos.
Historia da molestia: Ha uns 2 anos, que começou a ter grandes dores de cabeça, do lado direito, com exacerbações noturnas e matutinas. Consultou e fez tratamento anti-sifilitico, durante 9 mêses, havendo tomado 60 injeções diversas. Só melhorava das dôres, quando tomava analgésicos, sendo que, ultimamente, nada a aliviar, e por isso, aconselhada pelo seu medico, o distinto colega Dr. José Antunes, nos procurou. Conta mais, que nunca teve corrimento ou máu cheiro pelo nariz, nem obstrução nasal. Ao exame: dentadura perfeita, intata e alva; A' rinoscopía anterior: corneto inferior direito um pouco desenvolvido, levemente vermelho; meatos sem secreção; Fossa canina levemente dolorosa, assim como o ponto de Edwig; á transiluminação: seio maxilar direito mais escuro que o esquerdo; os outros seios claros. - Radiografias: (Dr. Francisco Mariano da Rocha) Seio maxilar direito completamente opáco; leve sombra no frontal direito. Os outros seios claros. Feito o diagnóstico de Sinusite maxilar direita, ou melhor empiema do seio maxilar, foi marcada a operação para o dia seguinte. Intervenção com a benevola assistencia dos Drs. Severo do Amaral e Francisco Mariano da Rocha. Caldwell-Luc classica. A' abertura da mucosa do seio, que estava muito espessada, saltou um jato de pús, horrorosamente fétido, nauseabundo, obrigando a retirada dos colegas e parentes da operanda, que estavam assistindo a operação, e á abertura das janelas da sala de cirurgia. - Limpeza do seio, destruição maxima da parede anterior, grande abertura inter-sinuso-nasal. Não fazemos nem sutura nem drenagem. Somente pequeno pedaço de gaze no vestibulo nasal. Nas primeiras 12 horas, cessaram as dôres de cabeça, dormiu um pouco. 24 horas após a intervenção, na visita matinal, estava bem, sem febre, sem dôres de cabaça, havendo sómente se queixado, de ter urinado na cama. 36 horas depois, na visita vesperal, a encontramos calma, um pouco sonolenta, porém sem febre, sem dôres e com pulso bom. Os parentes da enferma, em vasta de seu estado, rezolveram deixa-la só, e irem ao cinema. A's 10 da noite, isto é, 39 1/2 horas depois da operação, fomos chamado com urgência pela enfermeira, dizendo-nos que a enferma não atendia aos reiterados chamados e solicitações, que havia perdido urinas e fezes na cama e que estava com 40° gráus de febre. Imediatamente, nos dirigimos para o Hospital, em companhia do Dr. Severo do Amaral, e encontramos a enferma em côma tranquilo, sem uma contração ou espasmo, respiração estertoroza, pupila em midriase, pulso incontavel, temperatura mais de 40° gráus, em franca agonia. Em vasta disso, fomos buscar os parentes no cinema, explicamos-lhes a situação e a suma gravidade do caso, dissemos do nosso prognostico e nos retiramos. A's 4 horas da madrugada, morria a doente, sem um estremecimento. Portanto, 40% horas após a intervenção, dava-se o exitus letal. A rapidez do caso, não deu tempo a que se pudesse fazer exames mais acurados, ou mesmo se tentasse uma terapeutica de emergencia e eficiente.
A causa mortis desta ocurrencia, parece-nos que se poderia explicar, pela virulencia dos germens, exaltada pela cavidade fechada, os quais pela via sanguinea, houvessem produzido uma sético-piohemía fulminante.
Como vêdes, foi um sucesso desgraçado, e como nunca li ou soube de ocurrencia semelhante, julguei de utilidade traze-lo, á esta Semana, pois parece incrivel, que uma operação banal de sinusite maxilar, pudesse produzir uma morte, principalmente, no espaço de tempo em que decorreu.
E, como não ha mal, que por bem não venha, os acontecimentos lastimaveis, são cheios de ensinamentos, e praza aos Céus, que deles saibamos sempre tirar proveitos adequados, e, que eles, sempre sirvam de aviso, de que: "não ha operação sem perigo, nem caso banal sem seus óbices."
DISCUSSÃO
Dr. Paula Santos - Em primeiro lugar, desejaria frisar a oportunidade desta comunicação, que em vez de diminuir, acho que eleva a reputação profissional de quem teve a hombridade de relata-la. A proposito da primeira observação, eu acharia oportuno lembrar a vantagem de todo doente receber uma ficha, descrevendo o ato operatorio a que se submeteu. A proposito do caso relatado pelo distinto colega, ainda ha pouco tempo, no nosso Serviço, da Faculdade, tivemos oportunidade de verificar, nas mãos do Dr. Mattos Barretto uma operação do etmoide, em que logo após a abertura da primeira celula, observou-se uma deiscencia da meningéa; o colega cercou-se de todos os cuidados e felizmente não houve a complicação.
A proposito da segunda comunicação, eu peço permissão para dizer: que conheço um caso da clinica particular de distinto colega, em que após intervenção no seio maxilar sucedeu hemorragia e morte, ficando demonstrado que se, tratava de infecção por estreptococo hemolitico.
Dr. Ildeu Duarte - Desejava perguntar, qual foi a tecnica empregada para remover os polipos.
Dr. Olivé Leite - Empregamos a tecnica das alças frias tendo o cuidado de retirar sómente os polipos mucosos sem, tocar no arcabouço osseo.
Dr. Mario Ottoni de Rezende - Tive ha tempos um caso interessante e que felizmente não morreu. Operado de sinusite maxilar um rapaz, por ocasião da primeira lavagem - uma hora depois - dôr de cabeça violentissima, calafrios, febre a 40º gráus. Confesso que fiquei desorientado, pois não havia razão para tanto, pois a lavagem havia, sido feita com solução de protargol fraca e tudo correra maravilhosamente.
Mandei fazer uma punção lombar porque ele apresentava além dos sintomas assinalados, rigidez da nuca. Encontrei um liquido cefalo-raquidiano absolutamente turvo e felizmente aseptico. Coloquei o paciente em repouso completo e não tentei mais nada porque a lavagem não havia dado pús. Deveria haver uma comunicação qualquer entre este antro e as meningeas, pela via limfatica ou outra. Neste dia fiz outra punção lombar e a dôr de cabeça diminuiu. No dia seguinte, temperatura a 37o gráus; fiz nova punção, muito mais clara, e afinal o rapaz veiu a sarar.
São surpresas que qualquer um de nós está sujeito.
Apresentei á Sociedade de Medicina e Cirurgia, quando de meu trabalho sobre " Septicemias amigdalianas". 3 ou 4 casos fatais, de 48 horas, por septicemia amigdaliana invadindo o espaço faringeano. Naquele tempo não conhecia como se deveria tratar casos semelhantes, mesmo naquela época havia poucos trabalhos a respeito. Sómente depois comecei a estudar este tipo de amigdalite pastosa, e,m edema, congestão e sem pús, de temperatura elevada e calafrios intensos, ocasionada pela trombose das veias periamigdalianas, seguida de infecção purulenta do espaço para-faringeo.
Logo a seguir começaram a aparecer inumeros trabalhos, sobretudo na Europa, sobre o assunto e depois que estes estudos melhoraram, pude verificar que casos de.aa ordem exige: a) - extirpação imediata das amigdalas, o arejamento mais rapido possivel do espaço para-faringeo, afim de que se consiga melhorar o estado do paciente. Naturalmente nos casos que tive não foram tomadas todas as providencias indicadas acima. Digo com isto que com o fim de demonstrar que os casos de morte, muitos nos ensinam sobretudo os seguidos de autopsia, sendo de lamentar que em nossos hospitais ela não seja praticada com regularidade. Na Europa assistir as autopsias, constitue obrigação de quem frequenta um serviço clínico. E quem não fôr assistir a uma autopsia será imediatamente repreendido pelo professor da cadeira. Esta é uma das moções que devemos apresentar à casa para que os diretores dos hospitais exijam como condição de entrar nos hospitais, o direto d.e autopsia, contanto que o corpo seja bem reconstituido posteriormente,
Dr. Sanson - O dr. Olivé Leite abordou um assunto digno de registro. No meu tirocinio profissional, n'estes ultimos mêses, observei dois casos que também merecem comentario. Em cerca de trezentas operações de sinusite fronto-etmoidal, foi o unico d'esta natureza e sucedeu no decurso de uma revisão. Voltou o doente queixando-se de secreção com ausencia de qualquer outro sintoma. Todos os exames, inclusive sondagens e lavagens das cavidades não permitiram estabelecer a origem do corrimento. Proposta e aceita a revisão teve o praso de alguns dias por se achar ligeiramente gripada. A operação mostrou que o frontal se achava normal, que o etmoide fóra totalmente destruido na primeira intervenção e o esfenoide com a mucosa alterada e que foi removida.
A intervenção praticada com o auxilio da anestesia local ocorreu sem incidentes e foi pouco demorada. A paciente nada acusou sómente ao ser transportada para o quarto queixou-se de dores na nuca. No dia seguinte acentuaram-se as dores da nuca com extensão para a espadua. Ausencia de temperatura e de qualquer sinal de meningite. A' noite fui chamado, a paciente não parecia estar no seu juízo perfeito e apresentava um pouco de dureza, dos musculos da nuca. Pensou a Mãe ser uma simulação histerica. Receitei cilotropina na veia e capacete de gêlo, deixando para fazer no dia seguinte, pela manhã uma punção sub-ocipital. Algumas horas mais tarde, as peioras se acentuaram e os sintomas de meningite encefálica dominaram o quadro, decimos apenas de temperatura. No dia seguinte, á noite, faleceu a paciente.
Era difícil sem autopsia justificar a "causa-mortis". Limitada a intervenção ao esfenoide, a unica hipótese admissível é que a infecção se tivesse feito apor anomalia anatomica.
O segundo caso, sucedeu no decurso de uma amigdalectomía, em circunstancias verdadeiramente dramaticas. Tratava-se de uma viuvai, moça, que apresentava sintomas de hiper-tiroidismo. Pedido o exame do metabolismo basal, este revelou pequeno aumento. Como já tivessemos observação de um caso com identicos sintomas melhorado com a remoção das amigdalas palatinas e que a paciente tivesse indicação para semelhante intervenção, esta foi proposta e aceita. Convém registrar que os sintomas de hipertiroidismo eram poucos acentuados. Mesmo assim, ficou em repouso durante alguns dias e todos os exames de laboratorio revelaram normal o seu estado, inclusive tempo de coagulação, tempo de hemorragia e contagem de plaquetas. Operada de manhã no meu Serviço da Fundação Gaffrée e Guinle, com auxilio da anestesia local, pala novocaina-adrenalina, sem o menor incidente, retirou-se, contra minha ordem, duas horas mais tarde para casa, apezar de combinado que ficaria, pelo menos, até o dia seguinte. A's 3 horas da tarde recebia eu uma telefonada com o aviso que a paciente escarrava um pouco de sangue. Prescrevi gargarejos de agua oxigenada gelada e uma injecção de pituitrina. Mais tarde, tornaram a me telefonar. Para tranquilizar a família mandei que um dos internos do meu Serviço, morador na visinhança, fosse á casa da doente ver o que se passava e me prevenisse no caso da minha presença se tornar necessaria. Passado algum tempo telefonou-me o interno para comunicar-me não carecer de importancia a perda de sangue, que tinham cessado os escarros de sangue e não ser preciso a minha presença. Um pouco mais tarde, novo telefonema do interno pedindo, desta vez, a minha presença com urgencia. A paciente achava-se em estado de síncope, após tremenda hemorragia uterina, que ensopára todo o colchão. Reanimada com varias injecções tornou a desfalecer e desta vez todas as tentativas foram infrutíferas. A paciente não tivera mais um só escarro de sangue e chamava a atenção o aumento do volume do ventre. Era dificil estabelecer a causa de tão violenta hemorragia uterina, seria a paciente portadora de uma prenhez tubaria e caberia neste caso alguma responsabilidade á injecção de Pituitrina?
Aproveito a oportunidade para relatar ainda mais outros dois casos de grande valor que, pelos seus ensinamentos e que, certamente me teriam causado grandes contrariedades e decepção, sinão tivesse obedecido a linha de conduta que estabeleci na minha carreira profissional. Procurou-me distinto colega e amigo, com um filhinho magro e anemico para ser operado de amigdalas e adenoides. O exito colhido, com esta operação em dois outros de seus filhos, era a razão do pedido. Como antecedentes, ligeira gripe antes de embarcar para o Rio. Portador de pequena corisa, pedi exame bacteriologico da secreção nasal, que foi negativo e ficou combinado para o dia seguinte a intervenção. O seu abatimento e a sua má, côr foram motivos para novo interrogatorio. Estava com dec mos de temperatura, atribuidos á garganta, e a má côr, ao mêdo. Relutei em operar, não havia motivo para pressa, alguns dias de espera nada, prejudicariam. Duas horas mais tarde, subia a temperatura nas vizinhanças de 40°, com ameaça de colapso. Imediatamente foram chamados tres profissionais de grande competencia e formado o diagnostico de processo pneumonico no apite de um dos pulmões. Resumindo, no dia seguinte ás tres da tarde, falecia o paciente. Um diagnostico retrospéctivo estabeleceu como causa provavel miocardite, sequela de doença infectuosa anterior. Si a intervenção tivesse sido efetuada todas as conjecturas seriam admissíveis para justificar tão brutal e rapido desenlace.
O segundo caso sucedeu com engenheiro, falho de distinto colega e politico do Estado do Rio, em evidencia no regime passado. Com a indicação para corrigir um desvio do septo nasal, varias vezes adiou a intervenção. Da ultima vez que compareceu ao meu consultorio estava absolutamente decidido a submeter-se naquele mesmo dia, si possivel, á operação. Ligeira congestão da mucosa nasal, foi razão bastante forte para dessa vez contrariar o desejo do meu cliente. Fui mais uma vez feliz em observar as minhas precauções pré-operatorias. Oito dias não eram decorridos e o meu cliente falecia de mal ignorado tendo sido a febre tífoide, a sifilis cerebral, a meningite, entre outras molestias, imputadas como "causa-mortis" provavel. E dessas tres causas, duas certamente poderia ter sido atribuídas ao ácto cirurgico, caso tivesse sido realizado.
Friedrich Muller - Tive oportunidade, ha muitos anos, de observar um caso, que apresentava os mesmos sintomas, terminando tambem pela morte. Pela autopsia encontrou-se uma trombose séptica do plexo pterigoideo.
Rubens Brito - Refere-se como o autor e demais colegas que o precederam a um caso clinico, cujo desfecho foi imprevisivel. Mas desta vez, si bem que imprevisível ele o foi de maneira satisfatoria. Tratava-se de um japonez - de 60 anos - que havia diversos dias, se encontrava em tratamento em uma das enfermarias da Sta. Casa. Temperatura de tipo septicemico, atingindo diariamente o maximo a 40 gráus. Cólicas gastrointestinais. As hipóteses todas que haviam sido feitas com probabilidade, haviam ruído pois que diversos exames de sangue (hemocultura inclusivé) haviam dado resultado negativo. Após repetidas manobras semioticas foi notado que o paciente reagia quando se fazia pressão ao nível do seio maxilar esquerdo. A radiografia então tirada revelou a sua opacidade. Foi quando o doente nos chegou ás mãos, no Serviço do Prof. Paula Santos. Sinais rinoscopicos, orientados no sentido de um processo sinusal, absolutamente inexistentes. Apezar disso, fizemos a punção maxilar, que com surpresa nossa, deixa escoar um liquido purulento, grosso amarelo-esverdeado e bastante fetido. Nesse dia a temperatura não subiu tanto quanto de costume. Coincidencia? Talvez. Repetimos a lavagem do antro cada dois dias, pois o estado geral do paciente não nos permitia empregar a cirurgia, e ao fim de, aproximadamente 6 curativos, febre e pús haviam desaparecidos. As colicas tambem haviam sensivelmente melhorado. Este caso nos pareceu enquadrar-se perfeitamente dentro do espírito que o Autor quiz imbuir suas observações, pois não nos parecia provavel que toda sintomatologia que o nosso doente apresentava, tivesse origem náquele empiema fechado do seio maxilar, que por isso mesmo, não se exteriorisara de forma alguma, para a fossa nasal.
Dr. Roberto Oliva - A doente que o dr. Olivé operou de sinusite, não apresentava sintoma algum á rinoscopia, assim sendo, é de presumir-se que se tratava de um empiema fechado, por conseguinte séde de fermentação e proliferação de germes virulentos. A fermentação produziria o fortissimo máu cheiro e a virulencia do germe ocasionaria a meningite de que a doente veiu a falecer. Essas hipóteses só seriam verificadas pelos exames de laboratorio, elemento de que o dr. Olivé não dispõe em sua terra.
Dr. Theophilo Falcão - Cita um caso de morte subita em um pequeno, japonez, que viéra do sul de S. Paulo, ao ser introduzido o abaixa-língua para exame. Fizéra tudo que foi possivel para reanimá-lo, inclusivé injecção intra-cardiaca de adrenalina, trabalhára cerca, de duas horas, porém nada conseguira. Depois da morte, então poz o abridor de boca e viu que se tratava de um grande abcesso retro-faringiano, que, incisado, deixou sahir uma quantidade colossal de pús. O pequeno fôra visto, antes no local de residencia, por um medico japonez, que supuzéra ser um abcesso amigdaliano e lhe fizéra varias pequenas incisões ao nível do pilar anterior, donde o seu pavor de ser novamente examinado e tratado.
Olivé Leite - Agradeço aos colegas o interesse despertado apelas nossas observações e pelos casos que trouxeram em abono aos nossos, e isso nos serve de ensinamento a que d'ora avante façamos sempre nas nossas reuniões, a discussão de todas as causas de morte imprevistas, se possivel com dados mais demonstrativos, e estudos mais desenvolvidos do que os apresentados por nós. Respondendo ao Dr. Roberto Oliva diremos que no caso de sinusite maxilar não tivemos tempo de fazer a punção lombar, pois em poucas horas a doente morreu.
1 - Oftalmologista e Oto-Rino-Laringologista, em Santa Maria - Rio Grande do Sul,