Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (42º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 1549 a 1566

 

PERFURAÇÕES TRAUMÁTICAS DO ESÔFAGO

Autor(es): GABRIEL PORTO 1

A situação anatômica explica as graves consequencias que podem advir de sua perfuração.

Situado profundamente no pescoço tendo adiante a traquéa, atraz a coluna cervical, o esôfago em seu trajeto cervical e torácico é envolvido por tecido celular frouxo. Não existindo formação anatômica que sirva de limite transverso entre o tecido peri-esofagiano cervical e torácico, a infecção originada na porção inicial do orgão atinge facilmente a região mediastinica. São tão intimas as relações entre o mediastino e a região ocupada pelo esôfago, que esta mereceu a denominação de mediastino cervical.

As perfurações traumáticas do esôfago são em dia raras, graças ao aperfeiçoamento técnico da esofagoscopia.

Parece que um corpo estranho do esôfago por si só dificilmente determina perfuração do orgão. Pois, Piquet (28) nos relata só ter encontrado um caso indiscutivel na literatura - o de Killian - em que se registrou perfuração produzida por um pedaço de vidro, sem ter havido tentativa de extração.

Como casos raros de perfurações do esôfago devemos ainda referir a esofagoscopia simples determinando perfuração de ulcera esofagiana, as perfurações dos engulidores de sabres, ou ainda a dos alienados pela introdução de haste metálica no esôfago.

Quasi sempre as perfurações são verificadas após tentativas de extração de corpos estranhos de natureza cortante como laminas de gilete, ou de forma pontuda como fragmentos de osso e certas dentaduras. Mesmo feita sob esofagoscopia e com todos os cuidados, tais tentativas de extração podem determinar ruptura esofagiana.

As sondagens e as tentativas de extração ás cegas, infelizmente ainda não banidas da prática, são as responsaveis por quasi todas as perfurações mortais.

Como consequencia dessas manobras encontramos sempre as perfurações na parte alta do orgão, onde se localizam, via de regra, os corpos estranhos. São, pois, as que maior interesse apresentam ao clinico e é delas que nos ocuparemos principalmente.

A dôr viva, irradiando-se para o peito, tem sido clinicamente descrita como primeiro sintoma de perfuração do esôfago; ela entretanto não é constante e pode mesmo se apresentar discreta.

O melhor sinal de perfuração do esôfago, embora não seja constante é o enfisema cervical, determinado pela deglutição de ar e pelos movimentos respiratórios. Rovai (31) o observou em um caso sem ruptura.

A tumefação cervical, provocada pelo enfisema e pela transudação serosa, pode aparecer duas horas após o acidente.

Os sinais gerais são a hipertermia (39.º a 41.°), aceleração do pulso, calafrios, sonolencia e delirio. Nas perfurações benignas podem também não aparecer.

Si após a extração laboriosa de um corpo estranho surgir alguns dos sintomas acima enumerados a perfuração esofagiana é provavel.

O diagnóstico de certeza poderá ser feito com a esofagoscopia, recomendada por Seiffert (33) e desaconselhada por Piquet (28) como inutil.

A radiografia presta grandes serviços no diagnóstico das perfurações do esôfago. Graças a ela pode se descobrir precocemente a penetração de ar no tecido peri-esofagiano. E' o sinal de Minnengerode. O ar aparece nas radiografias, feitas de perfil, sob a forma de fina fenda, clara situada adiante da coluna vertebral. Von Eicken (7) que pratica o exame radiológico sistemático em todos os doentes que foram submetidos a manobra endoscópica longa ou delicada, mostrou como são frequentes perfurações sem sintomas, só reveladas pela radiografia. São as chamadas perfurações radiológicas, de evolução benigna, curando-se espontaneamente.

Si as perfurações do esôfago evoluissem todas de modo idêntico, como acontece com as perfurações gastro-duodenais, o tratamento seria muito simplificado. Entretanto, não é isto que se observa. A cura espontanea sobrevem algumas vezes. Em outros casos constitue-se um abcesso peri-esofagiano, que, incisado, ou evolue para a cura ou complica-se, passando a mediastinite mortal. Observam-se tambem casos em que sobrevem rapidamente uma mediastinite séptica, uma celulite difusa do tecido peri-esofagiano, que termina, inevitavelmente, pela morte.

A ordem de frequencia destas diversas eventualidades, que poderia nos fornecer indicações uteis para a terapêutica, é infelizmente bem dificil de ser apreciada. As estatisticas nada esclarecem sobre o assunto. Os abcessos pero-esofagianos após intervenção externa legitimos sucessos da cirurgia, são os casos que mais se publicam. As perfurações radiológicas que evoluem espontaneamente para a cura, são pouco conhecidas e raramente pesquizadas; as que menos se publicam são ainda as mediastinites sépticas mortais.

Von Eicken (cit. 28) em 8 casos de tais perfurações radiológicas observou oito curas espontaneas. Myerson (cit. 28) verificou também 12 curas sem intervenção. Alpin (3) em 10 doentes em que fez a mediastinotomia em presença de abcesso, não perdeu um só doente. A literatura registra ainda vários casos isolados evoluindo espontaneamente para a cura (10, 13, 35, etc.).

Ao lado destas encontram-se estatisticas muito menos favoraveis. Orton (cit. 28) em 6 casos registrou 5 óbitos, em doentes tratados medicamente e uma só cura conseguida pela cirurgia. Na clinica Mayo de 1928 a 1935 verificaram-se cinco casos tratados não cirurgicamente com duas curas somente. Cramer (cit. 28) viu três perfurações não operadas e mortais.

Em nossa clinica no Instituto Penido Burnier, verificámos três casos de perfuração alta do esôfago, que foram tratados cirurgicamente e evoluiram para a morte. Houve um caso, entretanto, em que provavel perfuração do esôfago torácico evoluiu para a cura com o tratamento médico.

Os fatos que acabamos de expor mostram como é dificil, estabelecer-se uma norma de conduta para o tratamento das rupturas traumáticas do esôfago.

Em face das perfurações recentes, o clinico tem três caminhos a escolher:

1.°) Intervir precoce e sistematicamente sôbre o mediastino, afim de evitar a infecção, realizando a mediastinotomia profilática.

2.°) Ficar em expectação recorrendo a terapêutica médica até que se constitua o abcesso peri-esofagiano que deverá ser incisado externamente.

3.º) Realizar o tratamento endoscópico das perfurações visando drenar pelo esôfago, a supuração peri-esofagiana.

Os que escolherem a primeira norma de tratamento, isto é, a mediastinotomia profilática, serão acusados, e com certa razão de praticarem uma intervenção de vulto, de resultados ainda discutiveis em muitos casos que evoluiram para a cura espontanea.

Os que adoptam a segunda norma de tratamento, isto é a atitude de expectação, só intervindo sôbre o abcesso peri-esofagiano, inegavelmente tem colhido muitos sucessos mas não conseguem evitar muitas vezes o aparecimento da mediastinite séptica. E' o que verificámos em três de nossos casos.

O tratamento endoscópico das perfurações preconizado por Von Eicken (7) e outros é muito sedutor. Não parece entretanto aplicavel a todos os casos e dificilmente poderá agir com eficiência para evitar a temivel mediastinite.

O tratamento médico consiste na introdução de uma sonda esofagiana afim de colocar o esôfago em repouso, em aplicações frias sôbre o pescoço e em injeções de atropina para diminuir secreção salivar e os movimentos ele deglutição. Recorre-se igualmente a terapêutica anti-infecciosa e uma vigilancia permanente deve ser estabelecida, afim de se poder evacuar, logo que esteja constituido um abcesso peri-esofagiano.

O tratamento cirúrgico consiste na drenagem do abcesso peri-esofagiano e nas chamadas mediastinotomias, que visam evitar que a infecção originada no tecido peri-esofagiano se propague ao mediastino. Marschick, o creador da mediastinotomia profilática adota a seguinte técnica: Após incisão ao longo da borda anterior do esterno-cleido-mastoideu, o espaço compreendido entre a carótida de um lado, o esôfago, a traquéia e o corpo da tireoide de outro lado (que Marschick chama o mediastino cervical anterior) é dissociado e preenchido de gaze; em seguida prossegue-se na dissecção para uma e seccionando-se o omohioideu para chegar ao espaço compreendido entre o fascia pre-vertebral atraz, o esôfago, a traquéia e corpo tireoide para dentro e a bainha muscular lateralmente (mediastino cervical posterior); espaço este que é tambem preenchido com gaze. A intervenção é praticada dos dois lados constituindo a mediastinotomia em colar.

Pearce (27) fez a esta intervenção várias criticas. Julga e com razão, que é necessário pratical-o sempre muito alto, sendo que a maior parte das vezes as perfurações localizam-se na parte inferior da região cervical, na entrada da cavidade torácica. Alega ainda que esta técnica não expõe o esôfago suficientemente, e que tambem não impede que a infecção se propague pelo espaço retroesofagiano, onde o bloqueio não fica bem estabelecido.

Para corrigir estas deficiências Pearce (27) introduziu na técnica de Marschick várias modificações. Após incisão ao nivel do externo-cleido-mastoideu, atinge-se o esôfago, reclinando para dentro do corpo da tireoide; em seguida introduz-se o dedo atraz do esôfago, descolando-o do fascia prevertebral. Extende-se este descolamento para baixo e preenche-se com gaze iodoformada o espaço descolado. A intervenção pode ser praticada dos dois lados, estabelecendo-se um verdadeiro bloqueio do mediastino.

Com o tratamento endoscópico das perfurações do esôfago, procura-se drenar a coleção peri-esofagiana, atravez o esofagoscópio, praticando-se pequenas incisões, ou manobras com o porta-algodão que exigem sempre extrema delicadeza.

Pearce tem tanta confiança em seu processo operatório que afirma o problema das rupturas do esôfago é semelhante ao das perfurações gastro-duodenais. Diagnosticado o acidente impõe-se com urgencia a mediastinotomia profilática.

Piquet (28) entusiasta da técnica de Pearce e que praticou em França, com magnifico resultado a primeira intervenção deste genero é de opinião que a mediastinotomia só deve ser indicada em certos casos.

E procura orientado pela sintomatologia clinica, distinguir as perfurações benignas das graves. Nas primeiras impõe-se o tratamento médico e nas segundas - a mediastinotomia profilática. As perfurações benignas seriam caracterizadas por enfisema e tumefação cervical minimas, sem grande elevação térmica, sem aceleração de pulso e sem outros sintomas de infecção geral.

Os sintomas que indicariam uma intervenção precoce são:

a) enfisema sub-cutâneo desenvolvendo-se rapidamente. E' o caso de nossa observação n.° 2.

b) Crescimento brusco da tumefacção cervical que indica existencia de uma hemorragia, ou de infecção grave.

c) Os fenômenos gerais fornecem a melhor indicação operatória.

A elevação térmica ultrapassando 38.°, 5 nas horas que se seguem a perfuração, aceleração do pulso com ou sim febre e sobretudo sinais de intoxicação: calafrios, delírios, etc., constituem segundo Piquet os elementos essenciais que permitem afirmar a gravidade da perfuração do esôfago.

O valor da operação de Marschick é passível de discussão. Existem adeptos e detratores. A operação de Pearce embora muito engenhosa raramente tem sido usada e não temos ainda elementos para afirmar si ela consegue realmente evitar infecção do mediastino.

E' como se vê dos mais complexos, o tratamento das perfurações recentes do esôfago.

E as rupturas não recentes como devem ser tratadas? Referimo-nos a perfuração existente ha alguns dias, como sucedeu em dois de nossos casos onde os pacientes nos procuraram com o abcesso peri-esofagiano já constituído.

Nestes casos julgamos que a mediastinotomia profilática não tem mais razão de ser e o médico deve recorrer a abertura do abcesso por via externa e as vezes pela parede posterior da faringe.

E. Segura (32) obteve uma série de sucessos, servindo-se desta via que recomenda com entusiasmo.

Do exposto ressalta a nevoa que ainda envolve a questão do tratamento das perfurações esofagianas, trazendo ao espirito do clinico consciente as maiores duvidas e atribulações ao defrontar tais casos.

Só com a observação clinica atenciosa e com a publicação de todos os casos e talvês ainda com o auxilio da cirurgia experimental a que estamos recorrendo, o problema ficará completamente esclarecido.

OBSERVAÇÃO I - Corpo estranho no esôfago. Sondagem. Morte.

L. A. M., 32 anos, branca, brasileira, casada, residente em Campinas. 22 de Novembro de 1926.

Estado geral pessimo. A paciente chega ao Instituto em estado de côma. Temperatura 39.º, 6, calafrios, pulso incontavel, faces de grande intoxicação. Contam-nos que a paciente ha quatro dias, quando jantava, deglutira um pedaço de carne dura. Daí em diante os liquidos não mais atravessaram o esôfago. Logo após o acidente, seus parentes, na ansia de alivia-la, enfiaram os dedos na faringe, traumatizando-a bastante. Na mesma noite a paciente procurou um cirurgião geral que praticou uma sondagem. No dia seguinte, entretanto, os líquidos não mais atravessavam o esôfago e a doente passou a sentir fortes dores ao longo da coluna dorsal. Impossível esofagoscopia. Fleimão difuso em torno do pescoço, com forte edema na parede posterior da faringe e entrada do esôfago. Praticou-se imediatamente longa incisão sôbre a borda do esterno-cleido-mastoideu esquerdo, caindo-se logo em vasta loja cheia de pús cor de chocolate. Abertura do fleimão também por via bucal, na parede lateral esquerda da faringe. Drenagem pela via externa. Injeção de óleo canforado, serum glicosado na veia, esparteina, etc. Óbito 8 horas após a intervenção.

OBSERVAÇÃO II - Fragmento de osso no esôfago. Esofagoscopia e tentativa de extração. Perfuração do esôfago. Enfisema mediastinico agudo. Mediastinotomia e sutura do esôfago. Morte.

L. S. - 46 anos, branco, israelita, solteiro e vendedor ambulante, residente em Rio Claro. Ficha n.º 17.601. - 18 de Fevereiro de 1932.

Estado geral bom. Homem musculoso e de pescoço muito curto. Osso de galinha ha 20 minutos no estreitamento cricofaringeu do esôfago.

A radiografia e radioscopia feitas pelo Dr. Oswaldo de Lima fazem crêr na existencia de corpo estranho ao nível da cartilagem tireoide. Não se verificou sombra, porem a pasta de citobário encontrava certo obstáculo logo depois da entrada do esôfago.

Laringoscopía indirecta nada revela.

Em posição de Boyce, com tubo de l0mm. não se consegue penetrar no esôfago. Apesar do pantopon e de repetidas pinceladas com soluto de cocaína a 10% os reflexos faringeus apresentam-se indomaveis. Com o mesmo tubo tenta-se esofagoscopia na cadeira de Brünnings em posição sentada. Depois de algumas tentativas conseguimos atravessar o estreitamento crico-faringeu, encontrando o corpo estranho; ao desencrava-lo enche-se o campo operatório de sangue e o doente começa a se queixar de fortes dores. Abandona-se o corpo estranho e retira-se o esofagoscópio. O paciente mostra-se dispnéico e rouco. A laringoscopia indireta revela paralisa recurrencial esquerda e a palpação descobre enfisema cervical sub-cutâneo.

Diagnosticada perfuração do esôfago o paciente é transportado ao Instituto Cirurgico Bernardes de Oliveira onde o Dr. Bernardes de Oliveira pratica a mediastinotomia cervical posterior; incisão ou nível do esterno-cleido-mastoideo esquerdo; descoberto o esôfago observa-se perfuração na parede lateral esquerda que é suturada; introdução de um dreno de borracha no mediastino e curativo oclusivo.

19 e 20 de Fevereiro: paciente passa relativamente bem, queixando-se de dores ao nível da região renal; operado de gastrostomia.

21 de Fevereiro - O estado geral se agrava: delírio, temperatura 39°,4 e pulso 120.

22 de Fevereiro - Peora o estado geral, pulso cada vez mais acelerado e a temperatura mantem-se de 39.º. Curativo - remoção da mécha notando-se cheiro putrido na ferida operatória. Temperatura 38.°,4 e pulso 160.

23 de Fevereiro - óbito ás 12,25.

OBSERVAÇÃO III - Corpo estranho do esôfago (dentadura). Tentativa de extração ás cegas. Perfuração do esôfago. Intervenção cirúrgica óbito por Mediastinite.

A. L. A., 23 anos, branco, masculino, casado, lavrador residente em São Pedro do Turvo. Ficha n.° 26.332 - 15 Maio de 1936.

Compareceu ao nosso consultório por indicação do Dr. Antônio de Azevedo, diretor-clínico da Beneficência Portugueza de Baurú. Contou-nos o paciente que ha três dias trazia uma dentadura encravada no esôfago e que para se libertar dela procurára um especialista que tentára extrai-la com uma pinça, causando-lhe dôres e certa hemorragia. Após esta tentativa de extração sentiu-se bastante incomodado: disfagia mais acentuada e abatimento geral.

Paciente com fisionomia abatida revelando grande fadiga, explicavel pela longa viagem. Temperatura 38.°, 9. O exame da hipo faringe revela edema das aritenoides; retensão de secreção purulenta na entrada do esôfago. Externamente nota-se a esquerda edema da região cervical que se apresenta muito dolorosa a apalpação.

Radiografia mostra dentadura no cárdia.

Terapêutica - Superbys - 1 Dose vacina anti-piogênica Behring 250 cc. de sôro glicosado. Alimentação por via retal: leite e ovos: Gota a gota de Murphy.

16-5-936 - Melhoras sensiveis. O repouso e a terapêutica prescrita elevam o animo do paciente que se mostra optimista. Terapêutica: óleo canforado. Temperatura: 39.°, 6.

17-5-936-Agrava-se a situação: tumefação cervical cresce rapidamente, temperatura montem-se elevada (39.° a 40.°), facies de septicêmico, delírio, agitação. Terapêutica: II Dose de vacina anti-piogênica Behring 250 cc. de sôro glicosado. E' praticada a intervenção cirurgica, Operador: Dr. Gabriel Porto - Auxiliar: Dr. Guedes de Melo Filho. Anestesia local por infiltração com "Scurocaine".

Técnica: Incisão de uns 6 cms. ao nivel da borda anterior do esterno-cleido-mastoideu. Ressecção do musculo omohioideu. Quando procuravamos feixe vásculo-nervoso do pescoço surge supuração entre feixes musculares. Acompanhando o trajeto da supuração encontramos larga perfuração do esôfago, banhada em abundante e fétida supuração sanguinolenta. Dreno de borracha e gaze iodoformada. Poucos pontos de sutura na incisão cutânea. Sonda alimentar introduzida pelo nariz.

Radiografia mostra que a dentadura atravessou o cárdia e se encontra provavelmente ao nivel do caecum. (Fig. 1).

18-5-936 - Melhoras nitidas. Alimentação pela sonda. Temperatura: 38.°,6. Terapêutica: 5co sôro anti-gangrenoso - 500 cc. sôro glicosado. Curativo local: ferida embebida em secreção fétida.

19-5-936 - Melhoras sensiveis. Temperatura 37.°, 6 a 38.°, 6. Terapêutica: óleo canforado - III Dose vacina anti-piogênica Behring - 20 cc. de sôro anti-gangrenoso.

20 a 23-5-936 - O paciente apresenta de quando em vez tosse violenta. Nota-se grande esfacelo na ferida operatória por onde se escoa abundante supuração fétida. Curativos diários com gaze odoformada e loco anti-piovacina. A radioscopia mostra dentadura na ultima porção do intestino grosso. Terapêutica: Coramina, 20 cc. de sôro anti-gangrenoso diariamente, IV e V Dose da vacina anti-piogênica Behring, 50cc. sôro glicosado.

24-5-936 - Na madrugada de hoje hemorragia embebendo todo o curativo e proveniente de queda do esfacelo, deixando limpa a ferida. Estado geral muito mau - 60 respirações por minuto - Pulso 152. Percebe-se, expondo a ferida comunicação com o mediastino. Terapêutica: óleo canforado, cardiazol e canfidrol. Temperatura - 40.°.

25-5-936 - Pessimo estado geral. Fenômeno de broncopneumonia a direita. Grande dispnéia. Ferida operatória, livre do esfacelo com bom aspecto. Ao passar a sonda alimentar surge violento acesso de tosse segundo de hemorragia pela ferida operatória e hemoptise que determinou o óbito.

Autopsia. (n.° 3)

Generalidades: Cadaver de adulto de côr branca, boa constituição esquelético muscular. Curativo oclosivo no pescoço protegendo uma incisão de cinco centimetros de extensão acompanhando o bordo anterior do externo-cleido-mastoideu, com tendência a cicatrisação nas extremidades, mostrando fundo irregular de côr verde suja. Palpebras semicerradas, côrneas opacas, pupilas igualmente dilatadas. Boca entreaberta, dando saida a espuma sanguinolenta; narinas cheias de sangue coagulado. Ouvidos nada de anormal apresentam.

Torax. Nada de anormal externamente.

Pulmões não se tocam na linha mediana. Pericardio liso e brilhante, com pequena quantidade de liquido seroso limpido no interior da cavidade. Coração nada de anormal apresenta.

Pulmão esquerdo com aderências no polo superior. A face interna mostra uma zona de côr verde escura, regularmente circular, medindo mais ou menos 3 cemts. de diâmetro, correspondendo a uma zona semelhante da pleura parietal. Consistência macia. Superficie de corte nada digno de nota apresenta, nem mesmo no apice ao nivel da zona necrosada descrita. Pulmão direito de superficie externa vermelho-vinhosa, consistência firme, aderente no lóbo superior. Apresenta larga zona de colorido verde escuro, desde o hilo até o ápice, na face interna, correspondendo a zona idêntica da pleura parietal com a qual mostrava grandes aderências; no ponto mais alto e interno nota-se perda de substancia pela qual a cavidade pleural se comunica com a fossa supra-clavicular da direita e com os tecidos gangrenosos do pescoço. Grande quantidade de sangue coagulado nessa cavidade pleural. Superficie de corte dos lóbos medio e inferior de côr vermelho vinhosa, com pequenos nucleos mais escuros disseminados de maneira irregular; grande quantidade de liquido sanguinolento á expressão. A superficie de corte do lóbo superior é de côr amarela acinzentada homogênea, dando bastante liquido á expressão. Não ha formação de caverna.

Pescoço: Tecido celular apresentando zona difusa de gangrena, de cheiro fétido, principalmente acentuada do lado esquerdo, englobando a traquéia e o esôfago; este mostra, ao nivel do plano da clavicula, uma perda de substancia de bordos irregulares.



Fig. 1- Radiografia mostrando dentadura provavelmente no coecum.



Fig. 2



A fossa clavicular da direita mostrava coleção sanguinea ainda flúida. A dissecção cuidadosa da clavicula permitiu a inspecção da veia sub-clavea, que se mostrava íntegra; não se poude, todavia. reconhecer a artéria homonima. O laringe e a traquéia estavam completamente obturados por coágulo sanguineo; a secção da traquéa foi feita mais ou menos ao nível do seu quarto anel, em plena zona de gangrena, não se tendo inspeccionado o segmento mais inferior afim de verificar possivel perda de substancia. Esôfago de paredes edemaciadas, de luz reduzida, cuja mucosa mostra coloração amarela palida. No limite inferior da faringe (Fig. 2) ha uma ulceração da mucosa, de forma alongada, medindo 1,5 por 0,5 cms., mostrando a camada musculosa de côr vermelho vivo no fundo. Mais ou menos no nível do esôfago cervical, (Fig. 2) terço inferior, ha perda de substancia de forma irregular medindo 1,0 x 0.3 cms., ficando justamente na parte mais inferior da zona e gangrena peri-esofagiana. Um pouco acima desta perda de substancia ha mancha alongada, de côr azulada, correspondendo a um foco de gangrena na face externa do esôfago.

Conclusão:

Hemorragia externa por lesão de vaso cervical.

Perfuração traumática do esôfago.

Ulcera traumática da hipo-faringe.

Hemotorax direito.

Pneumonia do lóbo superior do pulmão direito.

Broncopneumonia do lóbo inferior do pulmão direito.

Hemoptise (perfuração provavel da traquéia com aspiração de sangue no momento da hemorragia).

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31 - REVAI (A.) - Enfisema cutâneo após esofagoscopia - Res. na Rev. Oto Laringolog. de S. Paulo. Vol. I. 338 - Julho-Agost. 1933.
32 - SEGURA (E. V.) Abcès du mediastin postérieur - Bronch. OBsophag. et Gastrosc. n.° 2 - 137 - Abril - 1935.
33 - SEIFFERT - Diagnostic et traitement des perforations oesophagiennes. Arch. Intern. de Laryng. Vol. V. 956 - 1926.
34 - SOULAS (A.) - Petits abcès de l'oesophage consécutifs aux corps étrangers. Bronch. OEsoph. et Gastrosc. Vol. I n.° I 145 - Jan. 934.
35 - TEMFEA (V.) - Mediastinite à la suite d'un corps étranger de I'oesophage. Arch. Intern. de Laryng. Vol, VII - 1117 - 1928.
36 - VOGEL (K.) - Abcès médastinal guéri par incision endoscopique de l'oesophage. Les Ann. d'Oto-Laryng. n.° 1 - 95 - Jan.° - 1934.

DISCUSSÃO

Prof. ILDEQ DUARTE - Pedi a palavra para citar dois casos de nossa clinica. O primeiro refere-se a uma criança que tinha engulido uma moeda. Fóra da clinica, fizeram uma esofagoscopia e romperam o esofago da pequena, na porção toracica, de modo que os líquidos ingeridos corriam para o espaço pleural. Em dois ou tres dias deu-se o obito.

No segundo, a ruptura do esofago ocorreu acima do hiato inferior, quando tentavamos dilatar o esofago abdominal, em caso de cardiospasmo.

Jorge Zaidan - Tive a ocasião de verificar 4 casos de perfuração traumatica do esofago. Tratavam-se de pacientes portadores de megaesofago e as perfurações se deram quando se procurava a cura da molestia pela dilatação do tardia pelo balão hidrostatico. Em 3 dêles, a perfuração se deu no esofago sub-diafragmatico e foi seguida de peritonite e morte. No 4.° caso, a perfuração foi alta, no esofago toracico a qual se sucedeu uma mediastinite, mas foi possivel com o tratamento fazer regredir a molestia.




1 - (Oto-Laringologista do Instituto Penido Burnier, Campinas)

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