Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (39º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 1535 a 1540

 

REMOÇÃO DE UM APITO DO ESPAÇO INFRAGLOTICO POR MEIO DE TRAQUEOTOMIA ALTA

Autor(es): DR. FRIEDRICH MULLER

A paciente, uma menina de 14 anos, tinha aspirado um apito 4 dias antes de me consultar. A mãe trouxe ao consultorio um outro apito, identico ao aspirado constituído de duas chapas metalicas arredondadas e perfuradas ao meio.

A paciente tivera subitamente um forte ataque de tosse o qual diminuia aos poucos, permanecendo um embaraçamento da respiração. O murmurio vesicular era diminuido em toda a extensão dos dois pulmões. A doente não tinha febre, apresentando-se no entanto exausta. De acôrdo com as experiencias obtidas em casos anteriores e semelhantes, julgamos inconveniente uma tentativa de remoção do apito em anestesia local pelas vias naturais por se tratar de um corpo estranho dificil de ser agarrado e devido ao estado precario em que se encontrava o aparelho circulatorio da paciente, influenciado pela respiração deficiente, alimentação reduzida e o estado psíquico. Resolvemos proceder imediatamente a traqueotomia superior em anestesia geral, sem mandar fazer antes o exame radiologico.

Aberta a traquéa descobrimos o apito, preso obliquamente no espaço infraglotico. Conseguimos agarral-o cuidadosamente pelos orifícios centrais das chapas, usando para isto a pinça angular de Brünings. Ao fechar o alicate, fechando o cabo, afim de retirar o corpo com o devido cuidado, quebrou-se um dos ramos da pinça. Em caso de acontecer tal acidente em uma extração por vias naturais o ramo quebrado e o apito teriam sido projetadas inevitavelmente para o pulmão, aspirados pela inhalação. - Assim o ramo da pinça se prendeu no orifício do apito possibilitando-nos de os retirar com um instrumento auxiliar.

Fechei imediatamente a ferida operatoria. A paciente teve por alguns dias uma bronquite febril, sarando em seguida.

DISCUSSÃO:

Dr. Gabriel Porto - A brilhante comunicação do Prof Ildeu Duarte não me surpreendeu. Ha oito anos atraz, quando procurei a clínica oto-laringologica da Faculdade de Medicina de Minas Gerais, com o intuito de me aperfeiçoar em endoscopia pude apreciar a técnica primorosa e notavel perícia com que trabalhava o Prof. Ildeu Duarte. Dêle só poderia esperar trabalho de tal valor.

Um estudo comparativo entre a estatística de corpos estranhos das vias aero-digestivas apresentada pelo Prof. Ildeu Duarte e a do Instituto Penido Burnier onde trabalho, parece-me oportuno e de real interesse, Em minha estatística num total aproximado de 120 observações, registram-se mais de 50 % de casos das vias aereas inferiores; 25 corpos estranhos do brônquio, 34 da traquéia e uns seis do laringe. Acredito que seja no Brasil a maior estatistica de corpos estranhos das vias aereas inferiores. No estudo estatístico do Prof. Ildeu Duarte impressiona a frequencia das dentaduras localizadas no esofago - 50 casos. Só tres vezes encontrei tais corpos estranhos.

Ainda não estou inteiramente satisfeito com os resultados obtidos na extração dos corpos estranhos das vias aereas inferiores, pois algumas vezes, nas menores de dois anos, tive de recorrer a traqueotomias post-operatórias. Consola-me, entretanto, verificar que ao Prof. Ildeu Duarte tem sucedido o mesmo, pois em 20 casos teve de recorrer 7 vezes a traqueotomia.

Com referência a corpos estranhos de diametros excessivamente grandes, recordo-me de um recente - semente de fruta de conde - localizada na traquéia, cuja extração apresentou dificuldade, sendo seguida de edema da glote que exigiu traqueotomia.

Apreciei o trabalho do Dr. Teofilo Falcão. Quanto ao gancho de Kirmisson julgo que pode ser usado com bons resultados na extração de moedas e botões; considero, entretanto o método de extração sob esofagoscopia mais racional e mais eficiente.

Dr. Mario Ottoni de Rezende - Os casos de corpos extranhos são interessantes, sobretudo a coleção apresentada pelo Prof. Ildeu Duarte, coleção esta magnifica, de dentaduras como tambem por uma variedade enorme de corpos extranhos. Entre os corpos extranhos, ha de fato um caso em que perdeu o doente. Tratava-se de um grão de feijão, que ao ser retirado partira e os seus 3/4 ficaram na laringe.

O Prof. Ildeu justifica o caso como uma imprudencia.

Não sou especialista em laringoscopia, acho que ele não tem razão porque tendo em vista o que observaram, os alemães, neste sentido, e que nos ensina que os corpos extranhos na traquéa, quando ai permaneçam durante um certo tempo, produzem uma hiperirritabilidade do sistema de inervação da traquéa, ocasionando, com facilidade, quando da introdução de instrumentos, ou da anestezia, de qualquer especie; o contacto da instrumento, aumentando este reflexo, produz a parada respiratoria. Comigo deu-se um caso, ha anos, em que um doente que apresentava um grão de milho movel, ha 6 dias, na traquéa, caiu em sincope, quando da penetração do broncoscopio na traquéa, e veio a falecer após ter expelido o grão de milho pelo orifício de uma traqueotomia praticada de urgencia.

Dr. Mangabeira-Albernaz - Minha experiência com os corpos estranhos dos bronquios está, muito longe das do Prof. Ildeu Duarte e do Dr. Gabriel Porto, que são, sem favor, as maiores autoridades nacionais no assunto. Desejo apenas fazer uns reparos á extração dos corpos estranhos do esofago. Entre nós os de mais dificil extração são as dentaduras. Por três vezes tive que atender os casos desse tipo. Num dêles a dentadura estava de tal modo encravada que, afixando-a com a pinça-jacaré de Chevalier Jackson fiz o que nenhum dentista conseguiu fazer: a avulsão de um dente no esofago. Só depois de várias tentativas pude deslocar e retirar o corpo estranho.

Quanto á parte relativa aos acidentes letais no ato da traqueo-broncoscopia, tive há pouco o desprazer de tomar parte num dêles. Tratava-se de uma criança, de uns 4 anos que, cinco ou seis dias antes, se engasgara com umas sementes de melancia. Trazida ao meu serviço, fiz o diagnóstico de corpo estranho móvel das vias aéreas inferiores, e tratei imediatamente de fazer-lhe a extração. Com a criança disposta em plano inclinado, fiz a traqueotomia baixa. Mal aberta a traqueia, foi o corpo estranho projetado duas ou três vêzes de encontro ao laringe. Tentei aprendê-lo pelo método de Belinoff (método do espéculo nasal), mas em pura perda. Resolvi então introduzir o broncoscópio. Mal porém êste penetrara uns cents. no bronquio esquerdo, a criança teve uma sincope rebelde a todo tratamento.

O Dr. Mario Ottoni, baseado na experiência dos autores alemães, acaba de atribuir tais fatos a um determinado reflexo. No caso que acabo de relatar, e provavelmente em muitos outros, creio que mais fácil seria admitir a hipótese de uma hipertrofia do timo pois a morte nestes casos é idêntica á chamada morte omita.

Estou convencido de que a extração de corpos estranhos da árvore respiratória inferior não exige apenas ótimo aparelhamento e muita habilidade. E' primordial uma boa organisação de enfermagem, do que nem sempre se pode dispor. Não deixam, por isso, de ter razão alguns especialistas que supõem dever a endoscopia ser afastada da especialidade, e entregue a facultativos que só com isso se ocupem.

Prof. Alonso - Tenho que começar por aplaudir a todos, e quero referir ao Dr. Duarte, que indicou um conjunto de casos de grande importancia, nos quais quero resaltar 2 ou 3.

Em primeiro logar que, na maioria dos corpos estranhos dos bronquios, ha algo local de importancia: as sementes de café, comum no Brasil, de amendoim, de melancia, mais comuns em meu Pais.

Em segundo lugar uma porcentagem muito maior de espinhas, de pescada, no Uruguay e de dentaduras em Minas Geraes.

Mattos Barreto - A essa brilhante serie de corpos extranhos eu desejo apenas juntar um caso de do corpo estranho, com a particularidade que na mesma semana me apareceu justamente o oposto: um caso pulmonar por corpo extranho ignorado.

Recebi do interior, á noite, uma criança traqueotomisada a quem um colega de especialidade, Por falta de aparelhagem, não conseguiu extrair um corpo extranho da sub-glotte; um pedaço de branco de côco que ele apenas pudera vislumbrar. O estado da criança era mão: tinha viajado dez horas em automovel, e a canula traqueal saira varias vezes, sobrevindo acentuado edema no pescoço.

Logo o iniciar a broncoscopia, que aguardei para o dia seguinte, notei um enducto fibrinoso revestindo o hipo-faringe e a glotte, o que tornava impossivel a passagem de qualquer tubo. Chamado o clinico (Dr. Fernando Fonseca) ele nada achou nos pulmões senão uma bronquite generalisada. A dispnéa e os espasmos cederam com injeção de efedrina e inhalações,

Em uma segunda broncoscopia só pude notar um ou outro deposito fibrinoso nas ramificações bronquicas. Refazendo o caso com anamnese mais apurada, chegámos á conclusão que a criança tivera um edema sub-glotico com faringe-laringo-traqueite fibrinosa, de que afinal se restabeleceu normalmente. O primeiro a atender a criança foi o farmaceutico que procurou libertar a respiração com o dedo. Em seguida, já na cidade, suspeitou um medico de difteria, pelo que fez injeção de 2 ampolas de sôro. Como a criança tinha acentuada dispnéa, fizeram-lhe a traqueotomia que foi acidentada.

Como disse, na mesma semana, recebi, no serviço a cargo do Prof. Paula Santos, uma criança em estado precario que tinha sido enviada ao pavilhão Fernandinho para a operação de um abcesso pulmonar. O Dr. Renato Bomfim desejava, entretanto, um exame broncoscopico, que ao menos aspiraria a abundante secreção.

Após a aspiração consegui extrair da ramificação do bronquio direito um pequeno fragmento de amendoim. Em poucos dias a criança estava completamente restabelecida. Essa criança tinha sido tratada como portadora de bronquite gripal, depois bronco-pneumonia, e por afim:o diagnóstico de abscesso do pulmão.

Prof. ILDEU DUARTE - Desejava agradecer as palavras amaveis do colega GABRIEL PORTO.

Em Minas Gerais temos muitos casos de dentadura, porque existem numerosos dentistas praticos que colocam "chapas" pequenas e incompletas as quais são deglutidas com facilidade.

A questão da traqueotomia após as broncoscopias é realmente o ponto mais importante de nossa comunicação. E foi só para discutir esse assunto que ocupamos a atenção dos colegas. De edema sub-glotico genuino, só tivemos dois casos. Nos demais, a traqueotomia constituiu uma terapeutica exagerada. Senão vejamos:

Da cuticula que reveste os grãos de vegetaes desprende-se uma substancia que é altamente irritante para a mucosa das vias aereas. Com as manobras da extração, aquela substancia é libertada em maior quantidade e ocasiona a produção de secreção viscosa em abundancia, que se manifesta na região sub-glotica, traquéa e bronquios. Portanto, em vez da abertura da traquéa, deviamos fazer uma aspiração da secreção, como aconselha CHEVALIER JACKSON, por vias naturais. Assim, evitariamos, com toda a probabilidade a intervenção sangrenta.

Agradeço ao Dr. CORDEIRO suas palavras de incentivo.

O Prof. ALONSO já está esclarecido quanto á frequencia das dentaduras

Uma explicação ao Dr. MARIO OTTONI a respeito do mecanismo da morte daquela criança de 18 mêses, que aspirou um grão de feijão.

Durante dois dias, o corpo extranho esteve fechando completamente a luz do bronquio principal direito. Pela radioscopia, verificamos uma atelectasia completa do pulmão do mesmo lado. No decurso dia extração, o grão de feijão abriu-se tem duas metades. Uma foi removida e a outra penetrou na luz do bronquio esquerdo, obliterando, em parte, a unica via por onde penetrava ar. Daí a morte, que foi ocasionada tambem por uma broncoscopia muito demorada e trabalhosa.

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