Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (35º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 1487 a 1490

 

ADENO-FIBROMA DA TRAQUÉA

Autor(es): DR. THEOPHILO FALCÃO

A 14-9-1929, sou procurado, em meu consultorio, em Santos, pela Snra. D. J. A. S., branca, viuva, 53 anos, residente á Av. Arma Costa, 128. Vem acompanhada pelo nosso distinto colega Dr. Ernst Hafers, seu medico assistente, que deseja ouvir a minha opinião. A l.ª impressão que se tem da doente, sem examiná-la, é de que estamos em presença de uma asmatica em pleno acesso, tão acentuada é a dispnéa que apresenta no momento, só por ter subido a suave escada do consultorio. A tiragem respiratoria é impressionante. A doente, para poder enunciar algumas palavras, faz uma inspiração profunda, armazenando ar nos pulmões, o qual vae gastando, com parcimonia, na fonação. O seu estado geral é pouco satisfatorio. Traz o diagnostico feito por um laringologista de Santos, de paralisia da corda vocal esquerda, determinada por grande dilatação da aorta toracica, ao nivel da crossa, e consequente compressão do recorrente esquerdo. Diz ter uma radiografia que confirma esse diagnostico.

Tendo o colega Hafers, embóra não especialista, suspeitado de tumor laringeo, é examinada aqui, em S. Paulo, por competente laringologista, que lhe afirma, com razão, que a laringe está normal. De fato, a laringoscopia indireta por mim feita, com cuidado revela: laringe normal; perfeita movimentação das cordas vocais á fonação e á respiração. A inspiração profunda pela bôca, vê-se perfeitamente a traquéa, ao nivel da qual se nota uma neo-formação, que quasi a obstrúe totalmente, como se fôra um corpo estranho volumoso. Indico em 1.° logar, uma traqueotomia bem baixa, para lhe melhorar o estado geral, pois o seu principal ali mento lhe falta - o ar atmosferico. Essa traqueotomia é praticada por mim, auxiliado apelo Dr. Hafers, dois dias depois, a 16-9. Em poucos dias, uns 20 mais ou menos, o estado geral da doente melhora sobremodo, acusando um aumento de 5 kilos no pêso. Alimenta-se bem e dorme perfeitamente, o que dantes não conseguia. A 26-9, através a incisão traqueal, faço uma biopsia, retirando um fragmento do tumor, que é trazido aqui a S. Paulo para exame histo-patologico. O resultado deste exame, feito pelo Dr. Marcos Lindenberg, é: adeno-fibroma. (*) A 13-11, depois de ouvidas varias opiniões aqui na Capital, pratico uma traqueolaringotomia, com o fito de retirar o tumor e realizar uma eletrocoagulação na zona de implantação, o que se não efetuou por lamentavel imprevisto: desarranjo, irreparavel de momento, no aparelho. Suturada a ferida laringo-traqueal, a doente continúa com a canula, para ver si ha tendencia ou não a reprodução. A um leve esboço de reprodução, indico aplicações de radioterapia, baseado em que esse processo de tratamento dá ótimos resultados nos adenomas da tireoide e nos fibromas uterinos. Sendo a traquéa muito mais superficial que o utero, estava claro que o resultado teria que ser tão bom ou melhor. Essas aplicações foram feitas aqui, em S. Paulo, pelo nosso colega Dr. Livramento Barretto.

A 27-8-30, a doente é descanulada e se mantem radicalmente curada até a presente data. Ainda ha poucos dias, acedendo a convite meu, foi de novo examinada: não existe mais nem sombra do adeno-fibroma.

O valor da presente comunicação está na raridade do caso. Os tumores da traquéa, como todos nós sabemos, são extremamente raros. Chiari, na sua clinica laringologica, em 140.000 doentes encontrou 1330 tumores da laringe e apenas 9 da traquéa (vide G. Laurens - Précis d'oto-rhino-laryngologie - pg. 1127). Entre nós, ao que me consta, não ha um só caso observado e publicado.

A intervenção feita para retirada do tumor, a laringo-traqueotomia, abrangeu a abertura de toda a laringe, desde a cartilagem tireoide, e da traquéa até o nivel da canula. Em sua comunicação intitulada "A proposito de uma caso de estenose cicatricial do laringe curado pela laringostomia" e feita á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, em 17 de Outubro do ano passado (1935), o nosso mui distinto e operoso colega de Campinas, Dr. Gabriel Porto, referindo-se á traquéa-laringostomia diz que tal intervenção raramente tem sido praticada critre nós, o que é verdadeiro, e que foi o Dr. Alvaro Tourinho quem 1.º a executou em um caso de peri-condrite laringo-traquéal apresentado em Set. de 1922 á sessão inaugural da extinta Soc. Brasileira de Oftalmologia e oto-laringologia, citando em seguida um caso do Prof. Ed. de Moraes, meu querido mestre, cujo nome eu pronuncio aqui cheio de entusiasmo, o qual a ela recorreu em um doente de leishmaniose em 1923, e outro de Paulo Brandão, publicado na Acta Oto-Laryingologica, vol XIX, fasc. 4, ano de 1934, pag. 442.

Prevaleço-me da oportunidade para uma retificação: a l.ª laringostomia feita no Brasil, ao que estou informado, foi praticada por Eduardo de Moraes, em 1921. A ela assim se refere o "Boletim da Soc. Medica dos Hospitais", da Baía, ano 1.°, n.º 2, 1921 - pg. 133

"SESSÃO DE 28-8-1921 - Comunicação do Prof. Eduardo de Moraes - "Sobre um doente operado de laringostomia"

O. A. refere um caso por ele operado de laringostomia, apresentando ao auditorio o individuo completamente curado.

Salienta o interesse do caso, mostrando e criticando-o do ponto de vista da terapeutica cirurgica. Acredita ser o primeiro operado na Baía e, talvez no Brasil, representando a laringostomia uma grande conquista do Prof. Killian, de Berlim.

O doente em apreço havia sido operado de traqueotomia de urgencia pelo seu colega Dr. Gonçalves Martins, ha 15 anos passados, levando a canula desde essa data.

A operação que ele A. praticára conseguiu restabelecer por completo o conduto laringo-traqueal, prescindindo, assim, o doente do uso da canula, depois de uma serie de dilatações progressivas, cumprindo salientar que alguns colegas, anteriormente, se haviam mostrado descrentes da cura, entre eles o Prof. Fernando Luz, atualmente na Allemanha".

DR. MARCOS LINDENBERG

Exame histo-patologico

N.° 11.028

Nome - D.ª J. A. S.

Material - Retirado da traquéa

Fixação - Formol

Diagnostico - Inflamação cronica da traquéa, fibro-adenoma em desenvolvimento poliposo.

Resumo do exame - O material consta de duas pequeninas peças, de consistencia aumentada pela fixação, de cor branca-acinzentada. Ao exame macroscopico nada revelam de nota, além de uma fôrma irregular e superfícies asperas.

Microscopicamente, as duas peças apresentam quadro histologico semelhante; da superficie para a profundidade encontram-se sucessivamente: o epitelio, cilindrico estratificado, regularmente constituído e disposto; o córion, separado do epitelio por uma basal muito desenvolvida e visível, e constituido por um conectivo fibroso em certos pontos infiltrado de elementos inflamatórios celulares. sobretudo por polinucleares neutrofilos e alguns linfocitos; tambem nesta altura o conectivo é mais celular, de maneira que, nas preparações, essa, zona sub-epitelial do córion apresenta-se mais escura, porque rica de celulas, e portanto de nucleos tingidos pela hematoxilina; mais profundamente acentua-se o caráter fibroso do tecido, encontrando-se largos feixes fibrosos, irregularmente dirigidos, e que, septando o tecido, delimitam lojas onde se encontram lóbulos glandulares compostos de acinos densamente apertados entre si, mas de conformação regular e com epitelio óra de tipo seroso, óra de tipo mucoso. Esses lobulos glandulares de caráter nitidamente adenomatoso, encontram-se muitas vezes um tanto desorganizados em sua anatomia microscopica por um processo ás vezes intenso de infiltração celular, com numerosos polinucleares e fibroblastos. Esse processo infiltrativo afasta então uns dos outros os acinos glandulares, deformando-os; ás vezes, ha retenção de produto de secreção, e ligeira dilatação do acino.

Vistas as preparações em conjunto, resalta entretanto um outro caráter que é o de uma conformação poliposa. ou no minimo papilar, da formação; é uma projeção,da mucosa, quasi pediculada, pois que sua base tem cerca, de metade de sua altura; é recoberta de epitelio em toda sua superficie, e pelo que acima ficou descrito, tem uma estrutura fibrosa e glandular encontrando-se na superfície, e no seio da formação adenomatosa, sinais de inflamação cronica.

Não ha sinais de degeneração da néo- formação epitelial glandular; não se veem mitóses; não ha infiltração de celulas epiteliais no. conectivo; a delimitação dos acinos é sempre feita nitidamente. Tambem a inflamação não tem caracteres nenhuns específicos; não se veem nucróses, não se veem celulas gigantes, nem formações nodulares.

Assinado: Dr. Marcos Lindenberg

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