Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (34º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 1473 a 1486

 

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRATAMENTO DA TUBERCULOSE LARINGEA

Autor(es): DR. WALTER BENEVIDES - Assistente do serviço

SERVIÇO DE OUVIDOS, NARIZ E GARGANTA DO HOSPITAL S. JOÃO BAPTISTA DO DR. RAUL DAVID DE SANSON.

Sendo a tuberculose laringea afecção secundaria, como geralmente se admite, o problema do seu tratamento tem ficado até agora como que em segundo plano.

Aliás a controversia sobre a sua etiologia preocupou de tal forma os interessados, que de algum modo se compreende ter ficado a questão da sua terapeutica bastante desleixada.

Colocado um ponto final naquela discussão, isto é, considerando a grande maioria dos autores que a localização laringea da bacilose é sempre secundaria, as atenções dos proprios laringologistas concentraram-se na afecção primaria, reservando para o laringe cuidados apenas paliativos, por assim dizer.

Entretanto, como a tuberculose está ainda longe de ter encontrado o seu remedio específico - a despeito dos grandes progressos realizados, o que se observa é que os doentes em apreço não começaram ainda a colher grandes beneficios dessa maneira de ver as cousas.

E' realmente espantoso verificar-se que ainda há entre nós muitos sanatórios, dos chamados modelo, que não contam com a assistencia oficial de um laringologista, sabido como é que 30% dos tuberculosos têm o laringe comprometido. Ora, a verdade é que uma vez instalada a complicação laringea, o enfermo passa a afligir-se muito mais com o seu orgam vocal do que com os pulmões. Que se costuma fazer então? Nada mais que recorrer aos analgésicos, ás classicas vaporizações calmantes pre-prandiais, á anestesía do laringeo superior, meios que dentro em pouco nada resolvem, agravando as condições subjectivas do paciente, circumstancia esta que tornará mais precário o estado geral.

A tuberculose é mal que hoje já se considera curavel em grande número de casos. O tisiologista conseguiu inspirar tanta confiança, que a maioria dos doentes civilizados já recebe o diagnostico sem desespero. Assim sendo, é imprescindivel que se considere obsoleto o principio de sêr o comprometimento laringeo "o começo do fim". Mas para o conseguir não basta que nos fiemos na terapeutica geral, por adeantada que esteja: é indispensavel darmos ao laringe metodos de tratamento peculiares a ele, já que tem a grande vantagem da via de acesso facil.

As considerações que se seguem não são as de um especializado na materia. Falta-me para tanto o demorado tirocinio nos sanatorios. Trata-se apenas do depoimento normal de quem se interessa muito pelo assunto, mas sem sair do quotidiano do consultorio, e do hospital onde não há isolamento.

Foi em virtude desse interesse me haver proporcionado alguns bons resultados, que me atrevi a fazer o comentario e as sugestões que se vão lêr.

Haverá na terapeutica geral da tuberculose algum elemento que tenha ação direta sobre as lesões laringeas? A dificil resposta pode ser encontrada no livro que Portmann e Retrouvey publicaram recentemente sobre "As Vias Aéreas e a Tuberculose". Os autores, baseados em solidissima experiencia, estudam todos os meios habitualmente empregados - quimicos, fisicos, biologicos, colapsoterapicos, e concluem não ocultando acentuada preferencia pelos ultimos. Acha meles que o pneumo-torax artificial ou a frenicectomia, seja pelo repouso que proporcionam ao pulmão afectado, seja pela diminuição da circulação venosa que ocasionam, ou seja pela verdadeira barragem que efectuam na circulação linfatica, provocam a "supressão das descargas infecciosas episódicas", permitindo "que as lesões constituídas cicatrizem mais depressa, ou se tornem mais sensíveis a uma terapeutica local".

Quanto aos outros meios manifestam-se francamente sépticos em casos muito limitados, achando comtudo que o antígeno metilico de Boquet e Nègre dá motivo ás melhores esperanças quando bem indicado. Mas em relação aos sais de ouro fazem as mais severas reservas, e chegam a contra-indica-los quando se tratar de lesões infiltro-ulcerosas. Para isso chamam a atenção dos tisiólogos, aconselhando que se fiscalize frequentemente o laringe todas as vezes que se praticar crisoterapia.

A minha experiencia não me autoriza a tirar grandes conclusões neste terreno. Os doentes por mim observados têm passado pelos tratamentos mais variados, de acôrdo com os tisiologos que os assistiam, e até agora não me foi dado deduzir si alguma terapeutica geral existe que influa decisivamente na cura ou melhoria da laringite fimica. Cumpre-me, no entanto assinalar um fato bastante significativo: entre as minhas fichas encontro apenas quatro de pacientes submetidos á colapsoterapia. Três deles eram casos ainda muito incipientes, que se queixavam apenas de parestesia laringea, apresentando unicamente acentuada vermelhidão das aritenoides ("pincelada aritenóidea" de Portmann): sem nenhum tratamento local, a não ser o repouso da voz, os sintomas laringeos desapareceram depois de algumas aplicações de pneumotorax. O quarto caso, bastante curioso, foi o de uma mulher, de 31 anos, casada, sem antecedentes dignos de nota. Veio á consulta por causa de ligeiro formigamento na garganta. Não se queixava de mais nada. O exame do nariz e da faringe revelou apenas grande palidez da mucosa. A' laringoscopia notava-se que a falsa corda E. estava coberta de pequenissimas granulações superficiais e brancas. A auscultação dos pulmões foi negativa. Pesquisa de B. K. negativa. Mas a radiografia dos campos pulmonares foi positiva para o lado E., com sinais nítidos de infiltração nos dois terços superiores e formação de pequena caverna no ápice. Tentado o pneumotorax, não surtiu efeito, em virtude de fortes aderencias pleurais (vestígios de pleurite anterior). Praticou-se então a frenicectomia, com resultados radiologicos ótimos. Como tratamento laringeo foram feitas aplicações tópicas de chaulmoogra, e, por duas vezes, galvanocauterizações profundas. Ao cabo de seis mêses de curativos semanais, a cicatrização das lesões do laringe era perfeita. Nesse ínterim a doente relata que está com uma filha de 5 anos doente, e que o pediatra diagnosticara ascite tuberculosa. Passados oito mêses da frenicectomia manifestam-se sintomas de comprometimento do pulmão D. O tisiologista assistente tenta varios meios terapeuticos quimicos e biologicos. As lesões pulmonares progridem. O exame laringoscopico, feito com regularidade, nada mais revelou, até uma semana antes da morte da paciente, que se verificou vinte mêses após o inicio do tratamento. B. K. sempre negativo.

E' provavel que essa deficiencia estatistica seja devida simplesmente ao acaso. Mas devo citar ainda outra circumstancia digna de consideração: tendo encontrado há mais de um ano, no Hospital S João Batista, a amavel e valiosa colaboração do dr. Carlos Abilio dos Reis, incansavel tisiologo, temos tratado juntos grande numero de laringo-pulmonares, e nenhum deles siquer pudera ser submetido á colapsoterapia. Inversamente, observei que nenhum dos doente que o dr. Reis tem tratado com o pneumo nesse lapso de tempo manifestou até agora comprometimento laringeo. Coincidencia ainda? Ou prova de que a colapsoterapia diminue a percentagem de complicações laringeas? Nada posso adeantar por emquanto, pois faz ainda muito pouco tempo que trabalho com um tisiologo em condições satisfatorias, para que possa apresentar conclusões convincentes.

Dos outros meios de que dispõe a terapeutica geral, é sem duvida o ouro aquele que mais atenção tem despertado nestes ultimos tempos. O êxito obtido por tantos experimentadores e clinicos ilustres, acrescido do fato de ser o novo tratamento indicado particularmente quando havia complicação laringea, como se pensava a principio, fez com que o entusiasmo dos laringologistas fosse enorme. Dele participei por algum tempo. Observei grande variedade de doentes, em todas as fases da molestia, quer pulmonar, quer laringea, sob a ação da crisoterapia. Muitos foram os sais empregados, bem como os metodos de aplicação - vias intra-muscular e intra-venosa, em solução aquosa ou oleosa, ou ainda em gluconato de calcio. As dosagens tambem variaram ao extremo, de acôrdo com a sensibilidade individual. Em nenhum dos casos pude verificar influencia franca do tratamento geral nas lesões laringeas. As melhorias e as curas clinicas registradas ocorreram sempre em casos nos quais o tratamento local foi energico. Admito, é obvio, influencias indiretas, em consequencia do levantamento do estado geral, mas, de qualquer forma, nunca, notei nenhum, beneficio do estado laringeo que pudesse ser atribuido exclusivamente ao ouro. Tambem nunca, tive a assinalar casos de peiora, como o fizeram inumeros autores, nem mesmo acidentes graves, quer locais, quer gerais: de todos os casos que pude seguir com certa constancia, apenas um deles apresentou uma estomatite sem grande importancia ao finalizar o tratamento. Tratava-se de um enfermo particularmente tolerante a essa terapeutica, no qual, depois de já ter tomado ao todo 5 gramas de Solganal B oleoso, foi aplicado de uma só vez um grama do sal. A estomatite foi rapidamente debelada, e o doente não tardou a retomar a sua profissão, clinicamente curado.

Quanto ao antígeno metilico de Boquet e Nègre, nada poderei dizer, pois o unico doente, da minha clinica, em que foi empregado, nenhum beneficio colheu por já se achar em condições mais que precarias: extensas lesões pulmonares, bi-laterais, ulcerações nas amigdalas palatinas, e peri-condrite de epiglote.

Resta-me fazer ligeira referencia ao tratamento tuberculinico. Apezar do pouco entusiasmo com que é considerada essa terapeutica hoje em dia, vi dois doentes meus apresentarem com ela resultados francamente brilhantes. Foi empregado um producto nacional, a "néo-tuberculina Cardoso Fontes": uma série completa para cada um. Eram ambos incipientes, com B. K. negativo, infiltração discreta dos campos pulmonares, e portadores de processos catarrais laringeos (formas miopáticas). Finda a série, que consta de 24 injeções, estavam ambos com o laringe normal ao exame, e com o estado pulmonar ótimo. Apenas fato bastante curioso, nenhuma alteração se registrou no quadro hematológico: o indice de Velez permanecia bastante desviado para a esquerda e a hemo-sedimentação muito acelerada. Seja como fôr, acho que essas duas observações são animadoras. E' um processo que se poderá tentar sempre em casos semelhantes, sendo inutil, e até prejudicial, como acentua o proprio Prof. Cardoso Fontes, ensaial-o em doente com lesões muito avançadas.

Como se vê, a minha experiencia não dá margens a uma conclusão precisa em relação á terapeutica geral da laringite tuberculosa. Repito - a maioria dos meus doentes tem sido tratada pelo ouro, a despeito do meu septicismo atual em face desse metodo. Limito-me a acatar a indicação dos tisiólogos. E, como já disse, a crisoterapia parece-me proporcionar beneficios apenas indirectos ao laringe afectado, quando promove melhoria no estado geral. Ação direta sobre a laringite, ainda não me foi dado observar.

Não cuidarei do tratamento climatico, por não caber no limitado plano desta comunicação. Passo, portanto, á parte que se me afigura mais importante, isto é,

O TRATAMENTO LOCAL

Este deve levar em consideração o estado em que se apresentam classicamente as lesões: inicial, de fixação, ou terminal. O primeiro, foi minuciosamente estudado por Portmann, que lhe descreveu quatro aspectos - pincelada aritenóidea, a forma catarral ou de laringite cronica vulgar, a forma miopática, e a monocordite. O segundo periodo abrange a infiltração e as ulcerações. A fase final é a de comprometimento da cartilagem, e ainda do plano cutaneo subjacente.

O unico tratamento local a ser empregado nas tres fases, indistintamente, é acura de silencio. Já se tem dito que o repouso vocal constitue 50% da cura. E', realmente, um fator indispensavel. Observa-se correntemente que os doentes que melhores resultados nos oferecem, são aqueles que mais obedecem ás nossas prescripções nesse sentido. Acrescente-se a isso o afastamento de ambiente empoeirados. Temos várias observações de empregados de fiação, que melhoraram notavelmente só com a mudança de profissão.

Exceptuando esse metodo, a terapeutica deverá, forçosamente variar de acôrdo com a evolução das lesões. Passaremos a apreciar as fases descritas, separadamente.

PERIODO INICIAL - Temos observado grande número de casos em que o doente procura o laringologista neste periodo, sem ter a menor suspeita sobre o seu estado geral. São frequentemente enfermos que se tornam roucos "em consequencia de um forte resfriado", e que, depois de muitos dias de tratamentos corriqueiros, não recuperam a voz. A anamnese nada revela de caracteristico, os antecedentes são frustos. Noutros casos não se trata de disfonia, os pacientes queixam-se de parestesias indefinidas, e, raramente, de um pouco de odinfagia. O especialista, encontrando algum sinal típico, pede um exame clinico, uma radiografia dos pulmões, uma pesquiza de B. K. O doente, não poucas vezes, reluta: não se queixa de mais nada. E, o que é peior, as respostas pedidas nem sempre vêm confirmar a suspeita. Em tais circumstancias a situação do laringologista se complica: si fica em duvida, e toma o caso como banal, o tratamento inadequado irá produzir a evolução das lesões para uma fase ulterior; si insiste no diagnostico, terá que arcar com a responsabilidade do tratamento geral, que jamais poderá ser dispensado.

Felizmente tais casos não são muito comuns. O que é muito mais frequente é a laringite instalar-se no decurso de uma tuberculose pulmonar patente, e o enfermo retardar o mais possivel o seu exame laringologico, sobretudo quando não há rouquidão, ou quando esta não o aflige muito. Dahi a raridade com que se observa essa fase na clinica corrente entre nós. E um ponto sobre o qual desejariamos que se insistisse com energia. Não há dúvida. que, muitas laringites incipientes são apassiveis de cura pela terapeutica geral apropriada. E o que se observa, em geral, quando as duas lesões - a pulmonar e a laringea, se manifestam quasi concomitantemente. Mas nem sempre é essa a regra. Um velho tuberculoso, sob tratamento assiduo, surge um dia com ligeira perturbação laringea: si houver negligencia, essa lesão evoluirá fatalmente, tornando mais tarde a cura muito mais dificil.

O que desejamos assinalar é que o tratamento da laringite incipiente oferece resultados positivos, que podem impedir o progresso da molestia para fases irremediaveis. Não é demasiado advertir que os sintomas funcionais, bem como os subjectivos, nem sempre estão de acôrdo com o gráu das lesões: uma simples parestesia é muitas vezes a unira manifestação sensivel de uma mucosa ulcerada, assim como uma afonia quasi completa é não raro a expressão de simples miopatia catarral.

Que fazer com um doente no periodo inicial da laringite? Antes de mais nada, evidentemente, o repouso vocal. Achamos inutil discutir sobre o modo de praticar esse repouso, que alguns querem que seja absoluto, e outros apenas parcial: em doentes não fiscalizados, de ambulatorio, seria pueril ambicionar que elle fosse completo. Além da cura de silencio, o afastamento das poeiras, sobretudo as metalicas, que são as mais prejudiciais.

Quanto á aparte medicamentosa, nota-se que ha neste ponto uma certa pobreza na nossa terapeutica. Não falarei nas diversas especies de inhalações e fumigações: elas são absolutamente inocuas, para não dizer perigosas.

O Prof. Collet sempre foi um entusiasta da helioterapia intralaringea. Ainda recentemente, prefaciando um trabalho de Dumarest, Colbert e Philip sobre o assunto, teve ele oportunidade de reafirmar a sua grande confiança nesse metodo. Segundo essa preciosa opinião, trata-se de terapeutica aplicavel com exito em todas as fases da laringite. Infelizmente a minha experiencia não me fornece nenhum elemento a favor desse ponto de vista. Tentei a helioterapia, bem como as aplicações de raios ultra-violeta, com os meios ao meu alcance, isto é, com um simples espelho laringoscopico, achando-se o paciente de frente para o sol ou para a lampada. Mas o processo não é dos mais comodos, e os doentes não se prestaram a ele com paciencia. A falta de constancia impediu, portanto, que se obtivessem resultados apreciaveis. Tambem não insisti na experiencia, porque ha quem contra-indique, e não sem razão, a helioterapia das vias aereas nos centros urbanos, saturados de poeiras. Acredito, entretanto, que ambos os processos, bem como a fototerapia (que Wessely, de Vienna tanto preconiza), sejam altamente eficazes quando praticados em sanatorios, e sob condições tecnicas mais favoraveis.

Diante disso, resolvi lançar mão de algum meio mais pratico. Encontrei-o na ionização, metodo que tanto auxilio nos tem prestado na especialidade, em otologia particularmente.

Logo de inicio a dificuldade estava em encontrar um modo facil de emprego. Era obvio que não se poderia agir diretamente sobre a séde das lesões, como nas otites e nas rinites. A via externa era a unica disponivel, portanto, o que aliás não constitue novidade em ionização. Restava escolher o corpo a ionizar. Pareceu-me então que o cobre, dado o seu alto poder de difusibilidade, e considerando a sua ação notório no combate aos focos tuberculosos, era mais indicado para a operação. Comecei imediatamente a trabalhar, utilizando-me de material comum: eletródios usuais, de 5 centimetros de diametro, cobertos de leve camada de algodão, embebidos um deles na solução de sulfato de cobre, e outro na de agua ligeiramente salgada. A solução de sulfato de cobre é a 1%, em agua recentemente distilada. Os eletródios são aplicados, pelo proprio doente, sobre as paredes laterais do laringe, de modo a abrangerem as cartilagens tiroideas, a cricoide, e o ligamento cricotiroideu. Ligando-se o polo positivo ao eletródio cuprico, e o negativo ao da agua, faz-se passar a corrente galvanica, numa intensidade que varia, conforme a sensibilidade do doente, de 5 a 10 milliampéres. A duração das aplicações deverá ser de 10 a 15 minutos, em dias alternados. Antes da aplicação deve-se lavar a pele com agua distilada, e ainda com eter.

Com este rudimentar processo obtive resultados excelentes nos casos indicados, isto é, das lesões iniciais sintetizadas por Portmann nos quatro grupos acima descritos. Os casos de monocordite e de forma miopatica são os que mais claramente demonstram as vantagens do tratamento. O sintoma rouquidão desaparece, em regra, no fim de duas a quatro semanas de tratamento, quer dizer, depois de 6 a 12 aplicações. Raramente necessito insistir mais tempo.

Devo notar que, dos meus 16 doentes desta fase cujas fichas se acham completas, 9 eram tuberculosos antigos, ha muito tempo em tratamento para o seu estado pulmonar. Deduz-se daí que não foi a terapeutica geral que agiu melhorando o estado laringeo, visto que ela, não tendo sido capaz de impedir o comprometimento do orgam vocal, não poderia do mesmo modo contribuir tão rapidamente para a cura. Esses nove doentes tinham sido todos tratados pelo ouro, e, com o aparecimento da laringite, continuou-se o tratamento sem nenhuma alteração. Os outros sete eram casos incipientes, sem a menor suspeita de tuberculose, e que procuraram o laringologista antes do tisiólogo. O diagnostico foi comprovado mais pela radiografia dos pulmões e pelo hemograma do que pelos exames clinico e microbiologico: tres deles eram, abaciliferos, e com sinais muito vagos á ausculta. Mas todos tinham o Velez desviado para a esquerda, e a hemo-sedimentação acelerada.

A maioria desses enfermos continua a ser observada por mim com intervalos regulares. Tive apenas dois casos de recidiva em três anos. Ambos se restabeleceram novamente, depois de algumas aplicações. Não sei de nenhum que tenha evoluído para fases mais adiantadas da laringite, embora procure acompanha-los com constancia. Observei ainda que os bons resultados se manifestam independentemente da marcha das lesões pulmonares.

Eis aí o que tenho empregado na fase inicial da laringite tuberculosa. Não sei de mais alguem que tenha empregado o processo. Conheço apenas a comunicação de dois autores francezes sobre o tratamento das laringites cronicas banais pela ionização de iodo, com a qual mostravam-se bastante satisfeitos. Dada a escassez dos doentes de ambulatorio portadores dessa molestia, seria interessante observar os efeitos desse metodo tão simples, em maior numero de casos, sobretudo em sanatorios, onde a disciplina e o tempo de tratamento facilitam imenso as pesquizas. Deixo aqui o meu apelo aos colegas que estiverem em condições de o fazer. Recomendo, no entanto, que não se tente o processo em casos mais avançados: empreguei-o em portadores de ulcerações, e mesmo de infiltrações, e os resultados foram praticamente nulos depois de insistir durante varias semanas. Basta-me ter conseguido dominar as disfonias, não raro muito acentuadas, que tanto afligem essa classe de enfermos que ainda não apresentam lesões graves no laringe, mas que, tudo faz crêr que para lá caminham, quando não se submetem a tratamento adequado.

PERIODO DE FIXAÇÃO - A infiltração é talvez a fase da laringite bacilar mais dificil de tratamento. Mesmo quando discreta, provoca, com o seu cortejo de disfagias e disfonias, tal irritabilidade no paciente, que este embaraça frequentemente o tratamento, ao exigir alivio imediato para os seus sofrimentos. Quando se trata de caso em que o estado pulmonar é favoravel, muito se pode esperar da intensificação do tratamento geral. Mas quando o tisiologo já lançou mão dos mais fortes elementos ao seu dispôr, e o doente se nos depara com uma infiltração no laringe, por discreta que seja, a situação se complica para o especialista.

O que se deverá combater em primeiro logar é a disfagia. Usar a principio as classicas pulverizações morfino-cocainadas. Si não surtem efeitos, e o estado geral é muito dificitario, só encontramos um recurso: a alcoolização, ou mesmo a neurotomia do laringeo superior. E' preciso, antes de mais nada, restituir ao enfermo a sua capacidade de alimentar-se com facilidade. E, é forçoso confessar, quando a odinfagia produzida pela infiltração é intoleravel, não se pode esperar dos meios clinicos uma solução rapida para o caso. A alcoolização do laringeo superior tem então a sua indicação mais feliz. O processo é simplissimo, não oferecendo nenhuma dificuldade ou risco. Não insistiremos sobre o assunto. Quando fracassa, nada nos deve impedir de recorrer á neurotomia, que tambem nada oferece de grave.

Muitos casos há, no entanto, em que a infiltração, além de não provocar disfagia ou mesmo rouquidão dignas de nota, se apresenta em doentes com estado geral satisfatorio. E então que apelamos para o unico metodo que nos parece eficiente: a galvano-cauterização profunda. Praticado com prudencia, com boa anestesia, e sem querer ir muito longe de uma só vez, é processo que, por si só, pode trazer curas definitivas. A igni-puntura profunda visa a produção de cicatrizes, sem pretender eliminar focos tuberculosos, como ocorre com a eletro-fulguração. Forma-se então uma pequena zona de granulação, com a presença de vasos neo-formados, o que capacita o orgam a defender-se melhor da infecção. Acrescente-se a isso a possibilidade, aventada por G. Wood, da transformação das celulas epiteliais em fibroblastos.

A tecnica da galvano-cauterização é bastante elementar para quem tiver pratica de intervenções intra-laringeas. O essencial é obter-se boa anestesia, o que se consegue facilmente com uma solução adrenalinada de néo-tutocaína a 2 ou 3%. A anestesia só deve ser considerada completa quando se consegue a abolição dos reflexos faringeos, e quando o tampão anestesico pode ser colocado entre as cordas vocais sem provocar reação. Pode-se perfeitamente intervir sob laringoscopia indireta. Só fui forçado a recorrer á laringoscopia direta num unico caso, em que a epiglote, "em chapéu de soldado", me embaraçava muito a ação. O cauterio empregado deve ser puntiforme. Aplica-se a ponta do instrumento, ainda frio na região lesada, ligando-se então a corrente durante alguns segundos. Repete-se a operação duas, ou três vezes no maximo, em cada sessão. Depois disso, o doente deverá manter-se em repouso durante alguns dias, e ingerir os alimentos frios, preferivelmente papas. As vezes certa odinfagia torna obrigatorio o emprego de pulverizações calmantes pré-prandiais.

O tratamento das ulcerações tem sido variadissimo. Não discutirei aqui os prós e contras dos diversos metodos. Interessa-me apenas mencionar que, depois de muitas desilusões, encontrei no artigo de George B. Wood, que aparece no compendio de Jackson Coates (1929), tantos encomios ao oleo de chaulmoogra, que me decidi a emprega-lo em uso tópico, em solução a 20%. Os resultados corresponderam á expectativa que me havia inspirado o autor americano. Havia no entanto o problema da tolerancia, para certos doentes. Si alguns deles acabavam se adaptando perfeitamente ao metodo, deixando que, depois de algumas vezes, se fizesse a embrocação intra-laringea sem anestesia prévia, com outros já não se dava o mesmo, não tardando as reclamações a forçarem a interrupção do tratamento. Não era apenas questão de idiosincrasia pessoal, sobrevinham ás vezes verdadeiras crises de gastrite, quando a indocilidade do paciente não permitia o curativo bem feito, ocasionando o extravasamento de parte da solução para o esofago.

Pensei então em apelar para um preparado que contivesse o oleo combinado a outras substancias que lhe atenuassem tais inconvenientes. E foi assim que, involuntariamente, passei a associar o oleo de fígado de bacalhau ao chaulmoogra, pois era essa a composição dos preparados de que me utilizei. Os resultados foram ainda melhores. E, pouco após, passei a empregar o oleo de fígado exclusivamente, não como já tinha sido usado há muitos anos atrás, mas sob a forma de morruato de etila, que é sem dúvida muito mais suportavel. Observei que os efeitos obtidos eram identicos aos anteriores, o que me fez abandonar a associação com o chaulmoogra.

A posição dos pesquizadores é presentemente de muito scepticismo em relação ao chaulmoogra. Ainda ha pouco tempo, em março de 1934, dois autores portugueses - A. Carvalho e M. Pereira (in "Lisbôa Médica"), chegaram á conclusão, depois de varias experiencias por eles feitas, de que o chaulmoogra não só não age sobre a tuberculose experimental da cobaia, como tambem, o que é ainda mais importante, não exerce influencia sensivel sobre as culturas de bacilos de Koch. E' verdade que George B. Wood chama a atenção para o fato de existirem duas especies de chaulmoogra, segundo as arvores de onde são extraídas: a verdadeira, ou birmane, provem do Taroktogenus kursii, a falsa, ou indú, extrae-se da Gynocardia odorata. Ignoro si os autores portuguezes, e muitos outros que chegaram mais ou menos ás mesmas conclusões, levaram em conta esse detalhe. O que posso dizer é que o chaulmoogra, como é fornecido vulgarmente pelas nossas farmacias, proporcionou-me êxito brilhante em grande cópia de casos, e si não continuo a usal-o, é apenas apor uma questão de ordem prática, isto é, pela repugnancia que a maioria dos doentes tem por ele. O morruato de etila oferece os mesmos resultados, sem ter aquela desvantagem.

E' tambem muito discutida a ação do óleo de figado de bacalháu sobre as lesões bacilares. Uma das mais simpaticas teorias admite que os atidos gordos contidos nesse óleo, e denominados atidos morruicos, hajam sobre a carapaça cerosa dos bacilos, o que seria tanto positivo quanto mais diretamente se empregasse o produto. Acrescente-se a isso a provavel ação das vitaminas, especialmente a vitamina A, que vem sendo tão insistentemente focalizada nestes ultimos anos como agente ativíssimo de cicatrização das mucosas.

O fato é que, desde que comecei a empregar o chaulmoogra, e posteriormente o morruetil, os episodios dramaticos que costumava observar no clinica, diminuiram de maneira espantosa. Estou de pleno acôrdo, portanto, com as conclusões a que chegou George S. Wood. Essa terapeutica medicamentosa veio reduzir a numero insignificante os casos de laringites ulcerosas que exigem a secção do laringeo superior. O efeito sobre a odinfagia é notavel, e a cicatrização das lesões é quasi sempre observada, sobretudo quando as lesões pulmonares tambem evoluem favoravelmente. E' ainda curioso asinalar que, mesmo nos casos em que o estado geral é pessimo, o uso local do morruato de etila consegue proporcionar alivio suficiente ao enfermo, facilitando-lhe uma deglutição bastante toleravel.

A tecnica é simples. Descrevem-se dois processos o da instilação e o da embrocação intra-laringeas. Prefiro o segundo. Em geral o doente dispensa a prévia anestesia por imbibição depois das 5 ou 6 primeiras aplicações. Mas a anestesia, por ligeira que seja deve ser sempre feita, dado o Perigo dos espasmos gloticos. A frequencia dos curativos varia, naturalmente, de acôrdo com a intensidade das lesões. Nos casos mais graves costumo principiar com aplicações em dias alternados, espaçando-as a pedida que se manifestam as melhoras.

RESUMINDO - os resultados obtidos quer com o oleo de chaulmoogra (a 20%) quer com o morruetil satisfizeram-me a tal ponto no tratamento das ulcerações bacilares laringeas, que abandonei completamente o arsenal medicamentoso que até então usava. Limito-me apenas, quando há tambem infiltração acentuada, a empregar a galvano-cauterização para completar a cura. Dos doentes que tenho tratado por esse metodo, desde 1932, apenas um unico necessitou de alcoolização do laringeo superior por haver fracassado a terapeutica medicamentosa. Insisto em observar que tenho acompanhado muitos casos nos quais a acentuada peiora do estado geral não era motivo para que a odinfagia se agravasse, desde que os curativos locais se fizessem com regularidade.

FASE TERMTNAL - A pericondrite raramente se observa na clinica de ambulatório. Nos rasos em que a observei, limitava-se ela á epiglote, o que facilitou a tarefa do tratamento: fiz-lhe a ablação cirurgica, em ambos os casos, não se registrando nenhum acidente de importancia. Não se tratando de casos semelhantes, acho que aqui ainda o unico recurso é a secção do laringeo superior.

A' propósito da resecção cirurgica da epiglote, cumpre-me notar que é a unica intervenção cirurgica que considero plausível no tratamento das laringites fimicas. E assim mesmo, só em casos muito especiais, como os que citei. Creio que o entusiasmo da epoca de Heryng está belas morto. Nem mesmo a traqueotomia, como suposto auxiliar da cura de repouso vocal, é mais levada em consideração pelos autores de responsabilidade. Faça-se comtudo uma resalva pari, os casos excepcionais, entre nós, de tuberculose vegetante com grandes massas, ou tuberculomas, obstruindo a glote. Não me atrevo, pois, a citar outras intervenções, mais mutilantes, como "verbi gratia", a laringectomia, porque seria arriscar-me muito no dominio da fantasia.

São estas as considerações que posso fazer sobre o tratamento da laringite tuberculosa. Acho inutil apresentar conclusões. Deixo-o ao cuidado do leitor benevolente. Meu intento foi apenas expor a possibilidade de obter bons resultados, numa afecção que tem sido o terror de medicos e pacientes, embora me faltassem meios preciosos como são o sanatorio e o clima.

DISCUSSÃO

Dr. Mauro Penna - Lamentamos muito não ter ocasião de ouvir o Dr. Walter Benevides, que não se acha presente, por termos trabalho publicado sobre mesmo assunto. Não podendo tambem ler o trabalho do colega, que ainda não foi apresentado á mesa, veio-me obrigado a incomoda-lo solicitando um esclarecimento. Sendo publicado o trabalho do Dr. Benevides no boletim da Semana de Oto-rhino, oficialmente, sem conhecimento dos presentes, todas suas afirmativas contarão com o apoio da assembléa, naturalmente. Não tendo meu trabalho tido divulgação no meio dos laringologistas, por ter sido lido e publicado em orgãos de tisiologia, tendo receio de, pelo silencio, solidarisar-me com as asserções do colega, talvez em desacordo com as nossas já ali externadas. Assim desejamos fazer chegar á mesa uma separata deste trabalho para devida publicação, não só resalvando nossas opiniões, como defendendo a prioridade no emprego sistematisado do oleo de chaulmoogra no Brasil, cujos resultados tanto elevam seu primeiro observador e divulgador do método - o americano LUKENS, de Filadelfia.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial