Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (32º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 1459 a 1464

 

LARINGECTOMIA

Autor(es): ILDEU DUARTE

CLINICA DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE MINAS GERAIS
Serviço do Prof. ILDEU DUARTE


Sr. L. G. O., 40 anos, branco, brasileiro, casado, residente em Antonio Dias (Minas Geraes), matriculado na Clinica O. R. L. da Faculdade de Medicina da U. M. G., sob n .º 12.532. em 11-9-35.

HIST. - Rouquidão progressiva, ha um ano. Tosse e expectoração, datando da mesma epoca. Tem bom apetite e o seu peso tem se conservado mais ou menos o mesmo. Não ha disfagia. Sua, saude foi sempre bôa, até o aparecimento da molestia atual.

EXAME - Paciente magro, porem, de bôa constituição. Rouquidão de media intensidade. A' laringoscopia indireta, vê-se um tumor sub-mucoso, liso, vermelho, que se desenvolveu na espessura das cordas vocais superiores e inferiores, envolvendo tambem a aritenoide e imobilisando a metade esquerda do laringe. Alguns dentes em mau estado. Faringe, fossas nasais e ouvidos, sem nada digno de nota.

Aparelhos respiratorio, circulatorio e genito-urinario: nada de anormal.

Suspeitando-se de neo-formação cancerosa, foi feita uma biopsia, sob laringoscopia direta, em 17-9-35.

O resultado do exame anatomo-patologico do fragmento do tumor, retirado pela biopsia, só nos veio ás mãos em 9-10-35. Tratava-se de um epitelioma metatipico (Exame executado no Instituto de Radio, pelo Prof. OCTAVIO MAGALHÃES).

Proposta a laringectomia, o paciente recusou-a, retirando-se da Clinica.

Mezes depois, volta, disposto a se submeter á intervenção.

Foram feitas extrações de varios dentes com caries extensas.

A 25-2-36, pelo Prof. ILDEU DUARTE, foi efectuada a laringectomia total, de acôrdo com a tecnica que se segue.

Sob néo-tutocaina a 2 por mil, com adrenalina, 70 cc. de infiltração, incisão em forma de T, dissecção de retalho cutaneo-aponevrotico, resecção dos musculos na sua inserção superior, hemostasia cuidadosa e progressiva, exposição e libertação ampla do laringe e primeiros aneis da traquéa, ligadura dos pediculos vasculares, extirpação do laringe de baixo para cima, sutura e reconstituição da abertura faringéa, sutura da traquéa á pele, sutura dos musculos, sutura da pele á crina, drenagem dos angulos da incisão á gase, penso oclusivo. Canula n.° 10 1/2.

Tubo naso-esofageano passado antes do fechamento da faringe.

A intervenção durou 5 horas e 20 minutos, fóra a anestesia, que tomou 20 minutos.

O doente tolerou bem. Não sentiu dôr. Durante a operação, o pulso esteve muito acelerado, no momento que se removeu o laringe. Queixou-se, mais de uma vez, de cansaço, devido á imobilidade na mesa, mas, deixou a sala e foi para a enfermaria pelo proprio pé.

Duas horas depois, 250 cc. de sôro glicosado, sub-cutaneo. Agua fresca pelo tubo. Dormiu.

A canula traqueal foi removida 35 dias depois da operação.

O paciente comunica-se por meio da voz ciciada.

Alta.

DISCUSSÃO

Dr. Mario Ottoni de Rezende - Sr. Presidente: O caso da Primeira laringectomia feita em Belo Horizonte, do Prof. Ildeu Duarte, nos traz um pequeno ensinamento e é o da necessidade de todo o oto-rino-laringologista ser cirurgião, antes de o ser Oto-rino-laringologista. E assim eu acrescentarei, ainda, que além de cirurgião precisa ser medico e demonstra ainda o desassombro com que todos nós devemos tratar os nossos casos de medicina, isto é, confessar as nossas dificuldades e o Prof. Ildeu assim o fez. O segundo caso de intoxicação pela néo-tutocaina, é um acidente que tanto se póde dar com a néo-tutocaina como com qualquer outro anestesico, porque depende mais das condições individuais na minha opinião, do que mesmo de uma, intoxicação por quantidade.



Fig. 1



Fig. 2



Prof. Justo Alonso - Em primeiro lagar felicito, o Dr. Ildeu Duarte, por se animar a entrar na via da laringectomia, dando-nos razões quanto a necessidade de os oto-rino-laringologistas, jovens em que sobre o tempo, dedicarem-se a este ramo. Não me arrependo de ter seguido a cirurgia nos meus anos de carreira. Quanto ao 2.° caso, tive um parecido, ao que narrou o Dr. Ildeu com a néo-tutocaina. Operando não sei que tumor do pescoço e num momento dado, após injeção de novocaina, a 1/2%, se produziram fenomenos absolutamente identicos aos citados pelo Dr. Ildeu Duarte. Afortunadamente, estava neste momento no Instituto de Radiologia o Dr. Morelli, que se dedica especialmente á enfermidade do coração e que os estudos experimentais com os diferentes anestesicos de injeções intravenosas, em diferentes animais, interpretou o fenomeno como devido á entrada da injeção na veia, cousa possivel.

Este enfermo foi salvo, depois de ter feito inutilmente injeções de azeite canforado, com injeções de estriquinina, que segundo o Dr. Morreil, é o antidoto que póde salvar os docentes nestas condições.

Dr. Theophilo Falcão - De referencia ao caso de "morte por injeção de néo-tutocaina", diz que, em outubro de 1928, por ocasião do Congresso de Oto-rino-laringologia, realizado em Paris, assistiu uma conferencia do Prof. Canuyt sobre acidentes mortais no curso das anestesias regionais, em que ele achava que estes acidentes em Oto-rino-laringologia, eram devidos sempre: ou á troca de anestesicos, ou á injeção do anestesico na veia, sobretudo na intervenção sub-mucosa do septo. Para evitar a primeira causa, propunha que, nos vidros de anestesicos, fossem colocados rotulos vermelhos, indicando perigo. Os acidentes devidos á segunda, causa seriam facilmente evitados desde que se procurasse vêr sempre, á cada picada, se a agulha penetrára em algum vaso, fazendo sistematicamente um movimento de aspiração.

Quanto á intervenção de laringectomia, prevalece-se da oportunidade para reparar uma injustiça que se fez, involuntariamente, por ocasião da 1.° Semana oto-rino-laringologica, em 1926, ao seu prezado mestre Prof. Eduardo de Moraes atribuindo ao Dr. Souza Mendes a 1.ª laringectomia feita no Brasil, quando, de fato, foi o Prof. Eduardo de Moraes quem praticou essa intervenção pela primeira vez em nosso Paiz, conforme o proprio Souza Mendes refere em sua tese sobre laringectomia.

Dr. Odilon Alves -Felicito o Professor Ildeu por dois motivos: primeiro por se tratar de um collega da mesma especialidade e em segundo, por se tratar de um dos maiores expoentes da especialidade na Terra Mineira. Quanto és referencias feitas pelo Dr. Mario Ottoni sobre a dificuldade da oto-rino em relação ao cancer da laringe, e que todos os especialistas devem ser cirurgiões, devo dizer que discordo. Si a Laringectomia não está, ao alcance de qualquer medico especialista, é devido a dificuldade que se tem no internamento, por se tratar de indigentes e quando esses procuram as clínicas, os tumores intra-cavitarios já estão exteriorisados. O Prof. Ildeu Duarte deve ter visto muitos casos nessas condições e que por serem extracavitarios, são inoperaveis. Uma das maiores dificuldades da Laringectomia é o descolamento da mucosa do esofago na parte posterior da Laringe e constitue um dos seus maiores segredos. A perfuração das mucosas dão em geral fistulas. Sei que em S. Paulo e em Campinas já tem sido feita Laringectomias; e no Rio, vi o Dr. Sanson operar um caso, tal como o Dr. Ildeu, com incisão mediana; desejaria saber si os colegas paulistas já fizeram tais operações com incisões laterais, como Von Eicken em Berlim. O retalho cutaneo mediano, constitue na opinião dele um protetor da traquéa, que ficará livre da secreção da mucosa bucal.

Ao terminar, aproveito o ensejo para felicitar o Professor Ildeu Duarte muito digno representante da Capital de Minas.

Dr. Mario Ottoni de Rezende - Quero aproveitar a ocasião para dizer o seguinte: o Dr. Theophilo Falcão afirma que o Dr. Duarte havia afirmado, que uma das causas da intoxicação era, a pegada de uma veia por ocasião da injeção. Isto não me parece certo, porque ha pouco tempo, Barany instituiu como tratamento dos ruidos do ouvido, injeções endovenosas de novocaina 1% repetidas ás vezes em 24 horas, e na dóse de 5 cms. Estas autor citou uma seria de 10 doentes sem o menor sinal de intoxicação, desde que essa injeção fosse Praticada com toda lentidão.

Acho que desde que a novocaina constitue um anestezico como outro qualquer, numa dóse de 5 cms. na solução de 1 %, fosse injetado numa veia, sem o menor acidente, ipso fato, os outros anestezicos a não ser em condições personalissimas, deve produzir, o mesmo efeito porque a toxidez dos outros é compensado pela diminuição da porcentagem.

Colombo Spinola - Vilão tenho caso algum, felizmente, de acidentes de anestezia, mas o Prof. Ildeu Duarte, antes de fazer esta comunicação, fez um inquerito na Europa, sob caracter confidencial, chegando a reunir trinta e tantos casos. Cita o caso de uma moça de 17 anos, bem constituida e que se submettendo a uma operação de laringectomia, feita a primeira injeção, por um collega, de uma solução de novocaina a 1%, faleceu imediatamente. Foram feitos todos os meios possiveis para a sua salvação, restando todos improficuos. A autopsia, nada revelou de anormal. A novocaina injetada foi examinada sob todos os pontos de vista, e nada encontrou-se tambem de anormal. De modo que este caso é valioso apara nós, pois estamos todos sujeitos a acidentes desta natureza.

Prof. Ildeu Duarte - Desejo agradecer os aplausos manifestados pelos colegas.

Satisfazendo a curiosidade do Prof. ALONSO, devo dizer que, segundo toda probabilidade, a morte ocorreu porque a solução foi injetada dentro de um vaso, que transportou, rapidamente, o anestesico ao sistema nervoso.

Depois do acidente, tornamo-nos mais cautelosos, antes de injetar, aspiramos um pouco.

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