Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (18º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 1259 a 1262

 

UM DIAGNOSTICO DE LEUCEMIA MASCARADO POR DUAS AFECÇÕES DA GARGANTA: DIFTERIA E ANGINA DE VINCENT

Autor(es): DR. ROBERTO OLIVA 1

A sintomatologia escassa das leucemias agudas, exige que os fenomenos observados á cabeceira do doente, sejam intimamente relacionados uns aos outros e não distraidos para outros rumos, afim de que se possa individualizar a doença. Febre alta com palidez, lesões mais ou menos acentuadas da garganta e tendencia notavel para as hemorragias, são os sinais primordiais sobre os quais se acenta o diagnostico clinico. Vê-se desse enunciado simples, como se nos apresenta, em muitos casos, difícil a identificação da doença. E. ainda mais, ha a.considerar que fenomenos varios, sintomas de natureza muito diversa, estabelecem conflitos entre o diagnostico exato da leucemia e outras entidades morbidas. Assim, artralgias com tumefação das articulações fazem pensar em reumatismo agudo; hemorragias das vias aéreas superiores conduzem o diagnostico para a tuberculose pulmonar; dôres abdominais e diarréa lembram acometimento do ventre, etc.

A hematologia, todavia, resolve com absoluta segurança esse problema e é mesmo a base para o diagnostico não só da doença como de suas formas clinicas. E mister, porém, que o medico suspeite, pelo menos, qual a enfermidade que está em, causa, para requisitar o exame hematologico.

Refiro-me, como disse a principio ás leucemias agudas; as formas cronicas apresentam-se com sintomatologia mais polimorfa, denunciando, com segurança, o diagnostico.

O caso que constitúe abjeto desta comunicação, teve a classica triade sintomatologica, isto é febre alta com palidez, lesões da garganta e hemorragias subcutaneas e mucosas. Mas aqui não foi possivel fazer-se o diagnostico certo de leucemia, eis que uma ligeira suspeita de difteria foi confirmada por proliferação abundante de bacilos de Loffler. Esse fato levou, como era de esperar, o medico assistente a preconisar o tratamento especifico; não havendo melhora alguma do estado do doente, foi pedido novo exame de laboratorio, que desta vez foi negativo para a difteria, mas positivo para associação fuso-espirilar. Mantendo-se cada vez mais grave o estado geral, foi pedido o exame hematico, que denunciou com precisão o diagnostico de leucemia aguda mieloblastica.

A observação do presente caso resume-se no seguinte:

P. M. com 8 anos de idade, branco, escolar, residente nesta Capital. Adoece no dia 4-3-36 com febre alta fazendo supor tratar-se de gripe. O exame feito no dia 9-3-36 revelou além do quadro geral gripal, mais uma pequena, lesão ulcerosa, de cor parda, assestada na amigdala esquerda, com ligeira reação ganglionar do mesmo lado e disfonia. Em vista dessa lesão e da disfonia, seu medico assistente Dr. J. Lima de Morais péde exame do material da garganta, que resultou positivo para difteria. O tratamento instituindo consistiu em 50.000 unidades de soro especifico. Como o doente não melhorasse, 5 dias mais tarde foi pedido novo exame, que desta vez resultou negativo para difteria e positivo para associação fuso-espirilar. A terapia foi modificada de acorda com esse resultado e consistiu em aplicações locais de neo-salvarsan e injeções intramusculares de natrol.

Chamado, em conferencia, para examinar a garganta d.o pequeno doente, verifiquei a presença na amigdala esquerda, de uma pequena ulceração, sem carater especifico, sem reação de visinhança, sem provocar disfagia; a mucosa do resto da faringe achava-se antes descorada que congesta; na altura de um dos incisivos, bem como de um dos pré-molares, notavam-se pequenas hemorragias. Concluí, com absoluta segurança, que o estado local da garganta não podia ser incriminado por estado geral tão grave, que continuava a preocupar seriamente. Foi nessa ocasião que o medico assistente suspeitou de leucemia e mandou proceder a exame competente, cujo resultado foi taxativo: leucocitos 250.000, eritrocitos 2.500.000. A contagem especifica deu com resultado grande quantidade de mieloblastos. Em exames subsequentes o numero dos leucocitos aumentou consideravelmente chegando a 400.000, permanecendo a presença de mieloblastos.

Estamos pois em presença de uma forma clinica de leucemia aguda, na qual preponderam elementos dos mais jovens, os mieloblastos, que, como é sabido provêm diretamente idos hemocitoblastos. Assim, diagnosticaremos leucemia aguda mieloide mieloblastica, ou simplesmente mieloblastica.

Este caso, em seu decurso veiu mais uma vez confirmar o prognostico extremamente desfavoravel das leucemias agudas, evoluindo para exito letal.

Ainda poderia prestar-se esta observação para uma indagação a respeito da etiologia das leucemias. É sabido que até hoje nada se pode dizer de seguro a esse respeito; pensa-se que as leucemias ocorrem muitas vezes após grandes infecções ou intoxicações Seria no nosso caso a difteria uma occorencia ocasional na leucemia, ou seria ela a causa direta da doença hemática?

O tratamento desta hemopatia mão tem dado resultado algum, até o presente momento. E mesmo certos processos, como a radioterapia, que por muitos é preconisada, para outros autores é tida como elemento de abreviação da molestia, provocando na medula óssea uma reação malefica.

DISCUSSÃO

Dr.Ribeiro dos Santos - Recordo-me ter lido a observação de uma doente (Rev. Laryn., Otol., Rhinol. 31-1-1931) em que a leucemia foi mascarada por uma outra afecção de garganta: pseudo-fleimão da loja amigdaliana.

A doente, um mez após parto, adoeceu dom angina e reação dos ganglios do pescoço. O aspecto da lesão da garganta fez pensar em abcesso da loja da amigdala. Foram praticadas inutilmente nove intervenções; as aberturas não deram nunca o pús esperado.

Uma formula leucocitaria esclareceu o caso; tratava-se de leucemia linfoide.

BLONDIAN, autor desta, observação, encontrou na literatura tres casos identicos. Entende ele que uma angina que evolue lentamente com grande reação ganglionar impõe o exame hematologico porquanto pode ser a primeira e unica exteriorização da leucemia.

Friedrich Müller - Segundo a descrição tratava-se nestes casos provavelmente de uma difteria septica hemorragica que sempre evolue para a morte, quando o soro é dado demasiadamente tarde. No que respeita o exame do sangue, não me permite um juízo.

No tocante ao decurso clinico dos dois casos encontram-se nos ultimos numeros do Jornal alemão "Die medizinische welt" sete pequenos artigos do Professor Kleinschmidt, diretor da clinica pediatrica da Universidade de Köln, em que ele chama atenção, de que justamente os casos mais graves de difteria muitas vezes não são diagnosticados a tempo; o tratamento pelo soro é feito com atrazo e por isto levam a morte sob forma de uma septicemia hemorragica.

Dr. Roberto Oliva - Encerrando a discussão: Eu iniciei meu trabalho dizendo que o diagnostico clinico da leucemia repousa sobre a triade seguinte: febre, lesões da garganta e hemorragias. As lesões da garganta pódem variar de intensidade desde a pequena até grandes dilacerações, simulando ora fleimões, ora noma, casos em que o diagnostico sé torna muito dificil. Quanto ao dr. Müller, acho muito elevada a cifra de 100% de mortes nos casos de difteria de que teve noticia e que foram tratados pelo soro. Não teria havido a intercorrencia de outra doença, como a leucemia por exemplo? Desde que o exame hematologico não foi feito, não se pôde pôr de lado essa hipotese.




1 - (Oto-rino-laringologista da Santa Casa e do Instituto de Higiene)

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial