Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 1145 a 1150

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE A OZENA GENUINA

Autor(es): DR. FRIEDRICH MÜLLER

Quanto á etiologia desta molestia, nunca encontramos uma demonstração precisa de sua transmissão por cães. Por outro lado, relatou-nos um medico que, ha muitos anos viaja pelo Brasil, o Dr. Ulrich, ter encontrado, entre os indigenas, povoações inteiras acometidas intensamente por ozena. Julga elle poder afirmar, com segurança, que, entre os indigenas, a molestia é adquirida por contagio com cães, que aí sofrem de ozena e com os quais brincam as crianças.

Tivemos, no entanto, nestes ultimos mêses, ocasião de tratar dois casos de ozena, que levam a pensar em um fator hereditario, de natureza constitucional, representando um papel na etiologia da molestia. Os pacientes de ambos os casos eram indivíduos jovens. Um deles tem tres irmãos que não foram atingidos pela molestia. O outro tem seis irmãos e uma irmã, sofrendo esta ultima tambem de ozena.

Esses dados correspondem á lei de Mendel. É, pois, racional, admitir-mos a existencia de uma fraqueza constitucional da mucosa nasal, facilitando -a implantação secundaria de varios germes saprofitas.

Tal fraqueza constitucional deve ser de carater todo particular, considerando a ocorrência de formas de rinite cronica atrofica que não apresentam o cheiro carateristico da ozena.

No que respeita o tratamento, operamos diversos casos movidos por assim dizer, pela piedade, pois, estavamos convencidos da impossibilidade de melhora, seguindo o processo de Hinsberg.

Observamos após operações deste genero somente resultados passageiros. É possivel que o aumento da secreção depois da operação, talvez consequencia da hiperemia reativa, e a limpeza regular no começo impedissem o desenvolvimento do mau cheiro. Depois de meses voltou o mau cheiro. Em vista disto abandonamos completamente essas intervenções relativamente graves, procurando outros metodos para livrar os doentes dos seus grandes sofrimentos.

Ainda hoje não podemos compreender, apezar das observações contrarias conscenciosas dos nossos ilustres colegas, como uma operação pode influir favoravelmente um processo tão renitente especialmente como pode fazer desaparecer o mau cheiro.

Sem duvida o estreitamento operatorio tem o fim de combater a secura da mucosa. Mas a secura da mucosa não tem por causa primeira o ar que passa, mas a molestia. Esta começa quando a mucosa ainda se apresenta normal, nada existindo portanto, de uma fossa nasal dilatada. Ao contrario, podemos, no inicio da molestia, observar até mesmo um entumecimento da mucosa, fato este confirmado tambem pelo dr. Ulrich.

Por isto a atrofia e suas sequelas jamais serão causas da ozena, quer dizer do mau cheiro.

Em casos de desvios fortes do septo julgamos util a operação que possibilitará ao doente uma limpeza facil o que, por sua vez exerce uma influencia benefica sobre a mucosa nasal.

Os enxertos de parafina, marfim ou de outras substancias, debaixo da mucosa, dão como as intervenções cirurgicas acima mencionadas, resultados duvidosos, no tratamento da ozena.

Consideremos agora o tratamento local e geral por meio de vacinas.

Não observamos sucessos evidentes com vacinas polivalentes: mas, é preciso levar em conta a pouca duração de tratamento com tais vacinas, talvez insuficientes para uma molestia tão arraigada, necessitando de aplicações longas.

A vacina B de Penndorf, entretanto, isto é o "Mastan" do comercio, deu-nos resultados mais satisfatorios; esta vacina tem a propriedade interessante de provocar em pacientes anemicas e que facilmente rançam, uma mudança no sentido de se sentirem mais dispostas ao trabalho. Em uma paciente que tratamos exclusivamente pela. vacina de Penndorf, a molestia que estava bastante adiantada regrediu sensivelmente, diminuindo a secreção e o cheiro.

Ultimamente usamos ao lado da vacina de Penndorf a massagem da mucosa. Recomendamos, alem disso, banhos de vapor, suadores da cabeça, feitos duas vezes por semana. Mostramos tambem aos proprios doentes, como proceder ao tratamento do nariz, porque muitos moram longe de um medico, não encontrando ocasião para se deixarem tratar.

O metodo era favoravelmente secundado por uma dieta adequada evitando-se especialmente os generos refinados, privados de sáis minerais e vitaminas, e preferindo alimentos crús que exercem uma influencia boa sobre o estado geral.

Alem disto recomendamos tomar regularmente banhos de sol.

Com todos estes tratamentos intendemos ativar as forças de defesa do corpo, melhorando a constituição geral.

Recentemente comunicou-nos o dr. Ulrich, ter preparado um pó chamado Crustasol, que se usa em lavagens e pulverisações. Esta substancia teria a propriedade de frenar a formação de crostas e faria desaparecer o cheiro desagradavel.

Ainda não utilisamos este preparado, razão, pela qual nada de propria experiencia podemos aqui referir.

DISCUSSÃO

Prof. Ildeu Duarte - Desejava apenas indagar do Dr. Paulo Sáes, si no decurso de grande numero de doentes viu casos em que a doença era unilateral.

Dr. Pauto Sáes - E comum de um lado só, não só em adulto como em criança.

Dr. Sanson - É de todo interesse o assunto que o dr. Paulo Sáes aborda.

Desconhecida ainda a verdadeira etiologia da ozena, torna-se difícil responder ao interrogatório de um Pai aflito que deseja saber se o seu filho deve ou não frequentar a escola.

O assunto merece dos especialistas maior cuidado. Se o escrupulo, natural, tolhe a liberdade de uma resposta categorica, por outro lado, a criança portadora de rinite atrofica sofre constrangimento no meio dos seus companheiros. Entre os dois extremos não haverá um meio de tudo harmonizar?

Dr. Mario Ottoni de Rezende - Mais uma vez os colegas estão observando a necessidade de que a higiene escolar esteja ao lado da educação. A ozena é uma molestia que necessita um cuidado especial.

Não acredito que se possa dizer que, por serem as crianças isoladas, em classes determinadas, possa ser Infringido o segredo profissional, deixando-as em condições inferiores, relativamente ás outras pois penso que desde que os medicos trabalhem em conjunto com os professores, esta solução poderá ser obtida com uma facilidade extraordinaria, e não havendo necessidade de se fazer compreender aos pequenos, que frequentavam aquela classe por este ou aquele motivo.

Neste caso todos poderão estudar e nenhum perceber a ozena do companheiro.

Acho que esta necessidade da união da educação á higiene escolar, é um fato, si bem que aqui entre nós não esteja ainda muito bem resolvido.

Dr. Silvestre Passy - Subscrevo o que o meu prezado companheiro de trabalho, dr. Paulo Sáes, acaba de afirmar em sua interessante exposição sobre a ozena no meio escolar, indiscutivelmente um dos nossos grandes problemas. Sinto porém, necessidade de dizer que, felizmente, não o acompanho por inteiro na sua descrença em materia de terapeutica dessa molestia; e digo, felizmente, porque qualquer esperança na cura de molestia desta ordem deve ser motivo de satisfação para nós. E que, embora possa parecer heresia ou ousadia o que vou dizer, não posso ocultar minhas grandes esperanças no tratamento da ozena pela vacinoterapia, esperanças fundadas em alguns resultados animadores colhidos em escolares. Claro que não posso afirmar nem curas definitivas, para o que seria preciso revêr os doentes alguns anos depois do tratamento, nem o modo pelo qual se processam as melhoras observadas; o que é incontestavel é que verificam-se resultados animadores que permitem esperar, para o futuro, resultados definitivos que talvez apuros de tecnica no preparo das vacinas, o estudo da fórma e idade mais indicada para a sua aplicação venham a solucionar o problema. Parece-me tambem serem bons os resultados da auto-hemo-terapia, especialmente si associada ás vacines, aspirando sangue em seringa, já contendo o liquido vacinico e imediata reinjeção intramuscular.

Entre diversos casos, vem-me á memoria, no momento, o de uma moça que ha tempos procurou-me para contar e mostrar que tendo sofrido, quando menina, de rinite atrofica ozenosa, típica, segundo a ficha respectiva que revi, ficara inteiramente curada, simplesmente com uma série de vacinas de stock que eu lhe indicára: e, com grande surpresa de minha parte, a moça estava positivamente curada.

Dr. Ribeiro dos Santos - Por enquanto não se pode falar senão em tratamento sintomatico da ozena. Somente depois de se determinar a causa da ozena será tempo de se cuidar do tratamento etiologico. O ponto capital no estudo da ozena consiste, pois, em se descobrir a causa.

Penso que a ozena é manifestação local de uma doença geral. O que me leva a crer na existencia de um fator de ordem geral é o fato de haver eu encontrado, frequentemente, hipoglicemia e sintomas dela decorrentes nos ozenosos. Quanto ao fator local suspeito estar numa hiperporosidade da mucosa nasal.

Dr. Justo Alonso - Existe em toda a especialidade de medicina, um grupo de infecções que se prestam ás discussões entre os medicos, entre estas a rinite atrofica ozenosa.

E, efetivamente, parece que o ozenoso é, quasi sempre um individuo de pobre constituição e que no seu sangue se observa não só os transtornos que acaba de dizer o Dr. Müller, como tambem existe al uma diferença do metabolismo basal, aumento da colesterina, enfim, diferentes modificações que se encontram tambem n'outras partes. Este foi um problema que ocupou a principio a minha carreira. Nos trabalhos que fiz contentava em observar o fato, de que a porcentagem dos tuberculosos era grande entre os ozenosos, mas em contradição, tenho que confessar que não sei porque no meu pais, nestes ultimos 10 anos, diminuiu enormemente a ozena, de modo que este fato põe em duvida o argumento de que si a tuberculose influe ou não influe no desenvolvimento da molestia.

Quanto ao tratamento experimentei, antigamente, a imensa maioria de vacinas para ozena e vacinas para outras doenças, e não posso falar, até agora, de uma cura radical, segundo as minhas observações. Mas é indiscutivel que um cuidado meticuloso e troca medicamentosa de caso para caso consegue melhorar o paciente.

Dr. Guedes de Melo Filho - O trabalho do Dr. Paulo Sáis chamou a atenção para um ponto interessante, o do isolamento, em classes escolares especiais, das crianças ozenosas. Não nos parece vantajoso esse critério e, nesse particular, secundamos a opinião do Prof. Alonso. No que respeita á terapeutica não tivemos os bons resultados referidos pelo Dr. Passy. A vacinoterapia e a auto-hemo-terapia, empregadas metódica e demoradamente, foram de efeitos sempre precários, senão nulos. O Dr. Müller referiu-se ao elemento hereditário no desenvolvimento da, rinite atrófica. Temos observado, com relativa frequencia, irmãos ozenosos, filhos de ozenosos, nos quais o processo patologico apresenta quasi sempre um evolver grave e tende rapidamente para um grau muito acentuado de atrofia. O fator constitucional parece ainda dominar o problema da ozena.

Dr. Paulo Sáes (respondendo) - Agradeço ao Prof. Sanson e ao Dr. Mario Ottoni as considerações que fizeram a respeito do meu trabalho.

Folgo em ver que as suas opiniões concordam em que se deva tomar alguma providencia em relação ás crianças afetadas de ozena que frequentam as escolas, porque é frequente mesmo este problema: reclamação por parte dos colegas, dos professores, dessas crianças ozenosas. Ao medico escolar compete dar uma solução ao caso. Uma solução que nós alvitramos e não lemos, exatamente, para resumir o trabalho, foi que não deve ser a criança fichada como ozenosa excluída da escola; depende exatamente do caso.

Ha casos em que, como propõe o Prof. Alonso, seria permitida a sua frequencia numa classe de crianças normais, sob um severo controle medico, desde que já não se admite muito a questão do contagio. Uma criança que mantivesse o nariz sob inspecção severa, não teria inconveniente algum em frequentar uma classe de crianças normais. O mesmo não se dá com crianças ozenosas em fase avançada em que, ás vezes, a ozena sendo rigorosamente tratada, ainda não se consegue afastar aquele mão cheiro repugnante: são estes os casos em que é necessario uma providencia qualquer.

Em relação ao Prof. Hildeu Duarte, respondendo á sua pergunta, tenho a dizer que de fato é comum encontrar a ozena em crianças, como no adulto, unilateralmente e a observação que tenho feito é de que ha muito mais casos do lado direito. Não acho explicação para este fato, mas ele tem calado no meu espirito.

Em resposta ao Dr. Silvestre Passy, declaro que em relação ao tratamento tenho feito sempre a vacinoterapia, pelo menos como desencargo de consciencia, em alguns casos e nos casos mais precoces notei alguma melhora. É justamente o que eu disse: são os casos em que o tratamento dá um resultado animador, não chegando nunca a eclosão dessa fase repugnante da molestia. Mas ha outros casos em que todos os tratamentos, inclusive vacinoterapia, são falhos. Aliás, a vacinoterapia tem dado resultados mais contraditorios, nas mãos dos diversos autores. Uns acham que é extraordinario e outro, empregando material da mesma vacina, na mesma época obtem resultados contrarios. De modo que na ozena, deve-se empregar, mesmo como tentativas, os mais variados tratamentos.

Quanto ao Dr. Alonso, tenho a dizer o seguinte: acho que seria melhor dividir as crianças em dois grupos: 1) aquelas que podem frequentar a escola sob um tratamento 2) as que não podem frequentar devido ao estado avançado da ozena, e que, mesmo com o tratamento, não deixam de incomodar os outros colegas, devido ao mão cheiro repugnante.

Friedrich Müller - Preciso observar o seguinte no que respeita as demonstrações do Dr. Ribeiro dos Santos.

O fato de eu ter mencionado 2 casos, nos quais se podia verificar a lei de Mendel, prova, que sou da opinião que a ozena tem por base uma constituição organica geral de carater especial. Se o muco nasal, em caso de ozena, tem reação acida, pode-se considerar certo o meu modo de trata-la por uma dieta rica em alcalis. O uso da vacina B de Penndorf, hoje chamada Mastan, é tambem um tratamento geral. Esta vacina, que se compõe de tuberculina e de vacina piogenica polivalente, exerce ás vezes uma influencia excepcionalmente favoravel sobre o estado geral.

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