Ano: 1936 Vol. 4 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (38º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 879 a 934
DIATERMO-COAGULAÇÃO EM OTO-RINO-LARINGOLOGIA
Autor(es): DR. OTACILIO LOPES
Na luta contra o cancer o medico do sertão encontra-se, em relação aos seus colegas dos grandes centros, numa evidente inferioridade de armas, a começar pelo diagnostico preciso do tumor. Poucas são as cidades do interior que contam com laboratorios preparados para os diversos exames histologicos. Assim, as biopsias tem que ser mandadas para outros centros. O mesmo de referencia a curieterapia e a rontgenterapia.
Restam os recursos da cirurgia nos ultimos anos consideravelmente enriquecida com os novos horizontes abertos pela diatermo-coagulação. Mercê dos excelentes resultados por ela distribuidos, resultados que satisfazem ao cliente e consolam ao medico, estão dia a dia mais difundidos os aparelhos de diatermia de modelos diferentes mas de aplicação identica.
No presente trabalho pude sentir as dificuldades acima referidas, a cada passo. Não contando com o serviço de qualquer hospital que quasi sempre oferece aos estudiosos um campo mais propicio ás observações de casos clinicos, principalmente pelo maior volume da clientela que acorre aos serviços gratuitos, tive de me contentar com os casos de minha clinica particular, muitas vezes atendendo no meu consultorio doentes gratuitos com a finalidade apenas de poder seguir a observação de seu caso. Outro obice de monta foi a documentação dessas observações não contando com serviços gratuitos que fornecessem para os pacientes privados de recursos, o necessario exame histo-patologico.
Embora os dignos diretores do Instituto de Biologia Clinica do Rio de Janeiro ao lado de alguns exames remunerados tivessem feito varios outros gratuitamente, não era possivel abusar da sua boa, vontade.
Assim, ao lado de alguns casos documentados com o referido exame e até com a microfotografia da lamina, em varias das observações adiante transcritas encontra-se a falha do exame de laboratorio.
Na cirurgia do cancer, tem a primazia a diatermia.
Quando se opera a bisturi, além do perigo de contaminar os tecidos sãos da vizinhança. tem o cirurgião de lutar contra o sangue que lhe mascara o campo dificultando-lhe os passos.
Com a diatermo-cirurgia o perigo de contaminação do campo operatorio desaparece e ha sobretudo a vantagem de se poder contar do começo ao fim com um campo quasi exangue!
Pelo facto do operador manipular num campo livre, assim, de sangue, melhor poderá orientar o eletrodio para um lado ou para outro, destruindo mais profundamente o ponto que estiver mais atacado assim como coagular toda a vizinhança do tecido suspeito. E' esta a grande vantagem da diatermia que destroe de preferencia o tecido neoformado pela menor resistencia deste ao calor. E quem operou com diatermia certamente verificou que toda a região coagulada fica fortemente aquecida a ponto de mal se suportar o dedo demoradamente na zona recem-coagulada.
Outra vantagem da diatermia cirurgica é a quéda espontanea das escaras da zona operada, no fim de alguns dias, seguida de cicatrização mais ou menos rapida por granulação.
Neste trabalho não desejo discutir as bases teoricas da diatermo-coagulação mas apenas apresentar alguns resultados praticos conseguidos por meio dela em casos da nossa especialidade.
PRIMEIRA OBSERVAÇÃO
Epitelioma espino celular do nariz.
F. G. (ficha s/ n.), morena, baiana, casada, domestica, com 48 anos de idade, residente no estado da Baia, cidade de Caetité), veio á consulta em Junho de 1935, portadora de um tumor localizado no nariz e que se extendendo para o sulco raso-palpebral, do tamanho aproximado ao de uma noz (figs. 1 e 2).
Informa que faz pouco mais de 2 anos que lhe saiu no lugar hoje ocupado pelo tumor, um carocinho que a principio cresceu muito lentamente tomando depois marcha mais acelerada. Procurou, então, um medico em Caetité que fez a extirpação do tumor. A ferida não chegou, porém, a cicatrizar porque sobre ela nasceu outro caroço que não quiz mais deixar operar.
Tendo, porém, vindo a este Estado a procura de um filho de quem não tem noticias de ha muito e estando com o tumor muito crescido e muito feio, chegando a Tabapoan procurou o Dr. Albino Paria que m'a recomendou.
Proposta e aceita a operação foi a mesma realizada sob anestesia local pela Scurocaina.
Com o bisturi eletrico resequei todo o tumor de um campo inteiramente exsangue. Fiz então uma vasta e profunda coagulação dos tecidos da visinhança do ponto de implantação, garantindo assim a exerese de todo o tecido suspeito.
Um pedaço do tumor foi enviado para exame histopatologico que, praticado no Instituto de Biologia Clínica do Rio, pelo Prof. Helion Povoa deu o seguinte resultado:
Extensos aglomerados de celulas epiteliais unidas umas às outras com poder invasor e apresentando uma tendencia á, formação de corpusculos queratinicos.
Diagnostico - Epitelioma espino-celular.
A figura 5 - é uma microfotografa do tumor.
A sequencia operatoria foi das melhores. No 10.° dia a ferida operatoria estava limpa, já tendo eliminado as escaras. 50 dias depois, alta curada (fig. 3 e 4).
SEGUNDA OBSERVAÇÃO
Tumor do bordo alveolar
J. S. (ficha 2925), branca, casado, brasileiro, paulista, lavrador de 38 anos de idade, residente em Itajobi, veio ã consulta no dia 5 de Junho de 1935, portador de um tumor duro do bordo alveolar mais ou menos localizado para cima do incisivo lateral e do canino superiores, lado esquerdo (fig. 6).
Faz cerca de 4 anos que levou uma pancada, não se recorda bem como, na gengiva. No mesmo lugar, começou a sair um carocinho que durante muito tempo não diminuiu. De 5 anos para cá tem notado que ele tem sangrado ao menor traumatismo, ás vezes até ao mastigar uma carne mais dura, assim como tem crescido estando atualmente do tamanho de uma azeitona (fig. 6).
Sob anestesia local foi feita no dia 8 do mesmo mós, com bisturi eletrico, a extirpação do pequeno tumor, e diatermocoagulação do seu ponto de implantação.
Sequencia ótima. Cicatrização completa em 20 dias (fig. 7).
Em Março deste ano (1936) continuava bem.
TERCEIRA OBSERVAÇÃO
Cancroide da face
J. P. (ficha 2926), branco, italiano, casado lavrador, residente em Itajobi, veio á consulta em Junho de 1935.
Queixa-se de uma ferida localizada na face esquerda, perto do nariz (fig. 8).
Ha cerca de 4 ou 5 meses, aproximadamente saiu-lhe na região referida um pequeno caroço que no fim de pouco tempo ulcerou-se. Procurou varios medicos tendo usado sem resultado quanta pomada lhe tem ensinado. A ulceração tem crescido lentamente e tambem se aprofundado. Não doe. Apenas sente coceira. No mesmo dia, a ulceração de bordos irregulares que se assentava em fundo endurecido com todos os aspetos de um cancroide, foi extirpado sob anestesia local, a bisturi eletrico e coagulada toda a visinhança.
No dia 4 do mês seguinte, alta, curado (fig. 9).
QUARTA OBSERVAÇÃO
Cancroide do nariz
F. A. (ficha 4053), branco, brasileiro, paulista, funcionario publico, casado, de 51 anos de idade, residente em Ariranha, veio no dia 5 de Agosto de 1935 ao consultario, recomendado pelo Dr. Pio Nogueira. Faz alguns meses (talvez mesmo mais de um ano) que lhe saiu no dorso do nariz em carocinho que vagarosamente cresceu e se ulcerou. Fez varios tratamentos locais improfícuos. Como receiasse que podesse mais tarde sobrevir alguma complicação resolveu procurar o especialista.
Verifiquei tratar-se de um cancroide típico com área de 1 centimetro quadrado aproximadamente.
Foi feita no mesmo dia a diatermo-coagulação sob anestesia pela Scurocaina. Os curativos foram feitos pelo proprio paciente em casa.
34 dias depois, em 9 de Setembro voltou ao consultaria completamente curado, com lesão cicatrizada deixando vêr apenas a diferença de coloração do tecido cicatricial roseo.
Fig. 1
Fig. 2
Fig. 3
Fig. 4
Fig. 5 - F. G. - 1.ª observação - Epitelioma espino celular Microfotografia: Todo o campo é tomado por um tecido neoplastico de natureza epiteliomatosa, notando-se em mais de um ponto a tendencia á formação de corpúsculos queratinicos atípicos.
Fig. 6
Fig. 7
Fig. 8
Fig. 9
QUINTA OBSERVAÇÃO
Tumor da lingua
M. G. (ficha 2943), branco, solteiro, lavrador, com 19 anos de idade, residente em Mundo Novo, veio á consulta no dia 13 de Junho de 1935.
Faz uns 40 dias que lhe saiu um carocinho na língua. Não dóe mas está crescendo com certa rapidez. (fig. 15).
O tumor é duro e de aspeto fibroso. Sob anestesia local foi feita a resecção com bisturi eletrico, no dia seguinte.
20 dias depois, alta, curado.
SEXTA OBSERVAÇÃO
Epitelioma da lingua e pilar anterior esquerdo
G. F. (ficha 4066), Alemão branco, de 57 anos de idade, lavrador, casado, e residente em Taquaritinga, veio á, consulta em 13 de Agosto de 1935, queixando-se estar aproximadamente ha uns 6 meses com a ponta da lingua esquecida. A conselho de um medico extraiu varios dentes mas não sentiu melhoras.
Queixa-se tambem de uma ferida que lhe toma uma bôa parte do assoalho da boca, interessando a língua desde o freio, e contornando-a pelo bordo.
Nunca sofreu reumatismo nem molestia grave. Fuma muito e em moço abusava do alcool.
O aspeto da lesão, tipicamente neoplasica, faz lembrar um epitelioma.
Como tratamento aconselhei a diatermo-coagulação que foi feita sob anestesia local pela Scurocaina no dia 19 do mesmo mez. Procurei retirar, conseguindo-o, com o bisturi eletrico, com bastante dificuldade em virtude da localização pouco acessivel, todo o tecido lesado. Em seguida, e para maior garantia, coagulei profundamente a região operada.
Sequencia bôas. No dia 30 do mesmo mês o paciente regressou a sua cidade fazendo os curativos em casa e devendo voltar a exame 30 dias depois. Efetivamente, no dia 25 de Setembro, G. F. apresentou-se ao consultorio, toda a zona operada cicatrizára muito bem menos na parte mais posterior do bordo da lingua aonde se via uma pequena área de tecido vegetante. Nova diatermo-coagulação desta vez mais profunda ainda.
Em começo de Outubro tive informação do paciente. Estava com a lesão cicatrizada e nada mais sentia.
Apesar de prometer voltar ao consultorio depois de algum tempo, não apareceu nem deu noticias.
SETIMA OBSERVAÇÃO
Cancroide do Nariz
V. S. B. (ficha 4148), branca, brasileira, baiana, casada domestica, residente, em Pindorama, veio á consulta em 7 de Outubro de 1935 queixando-se de uma ferida no dorso do nariz, que começou ha mais de um ano como um carocinho. Coçava muito e acredita te-lo ulcerado com a unha. A ulceração tem crescido muito lentamente não melhorando com as pomadas que tem usado.
Feito o diagnostico de cancroide do nariz, propuz a operação que foi aceita. No mesmo dia sob anestesia local, fiz a extirpação do cancroide, a bisturi eletrico, coagulando em seguida a visinhança. Um mês depois, alta curada.
OITAVA OBSERVAÇÃO
Neoplasia do labio inferior
F. F. (ficha 4161), branco, hespanhol, casado, lavrador, com 54 anos de idade, residente em Novo-Horizonte, veio á consulta no dia 15 de Outubro de 1935.
Queixa-se de uma feridinha que está fazendo cerca de 8 meses lhe saiu no labio inferior. Começou com uma irritação do labio, ardendo muito. Depois de algumas pomadas deixou de arder mas está crescendo.
Nunca sofreu reumatismo nem molestia venerea.
Sofre muito é do estomago e pensou mesmo que a feridinha fosse disso.
Bebia bastante mas já não o faz ha anos. Fuma cerca de 20 cigarros por dia.
A ulceração, é bastante suspeita, de base endurecida e sangrando com relativa facilidade.
Feito o diagnostico de neoplasia, provavelmente epitelioma, propuz a operação que foi aceita e realizada no dia 19 do mesmo mês, sob anestesia local com Percaina.
A bisturi eletrico, foi resecado o tumor com uma cunha de labio e a ferida imediatamente suturada.
Sequencia operatoria ótima. O doente retirou-se curado cerca de 20 dias depois.
NONA OBSERVAÇÃO
Neoplasia do labio inferior
L. R. (ficha 4137), branco, bras., paulista, lavrador, casado, residente em Jacaúna, veio á consulta no dia 21 de Outubro de 1935.
Faz cerca de 3 meses que está sentindo uma duvida no labio inferior: é um carocinho parecido com uma verruga, que estão crescendo mas não dóe. (fig. 10).
Fig. 10
Fig. 11
Antecedentes pessoais e de família, sem interesse para o caso. Bebe regularmente preferindo a pinga e fuma cigarros de palha, mais de dez ou quinze por dia.
Ao exame, no terço externo direito do labio inferior notase um tumor ligeiramente acuminado e ulcerado na superfície.
Diagnostico - Neoplasma do labio inferior, provavelmente epitelioma.
Tratamento - Diatermo-cirurgia. Extirpação do tumor e coagulação da região.
Sequencia ótima. Alta, curado, no dia 12 de Novembro seguinte. (fig. 11).
DECIMA OBSERVAÇÃO
Cancroide da aza do nariz.
T. F. (ficha 4256), branca italiana, casada, de 64 anos de idade e residente em Itajubí, veio á consulta em 5 de Dezembro de 1935.
Faz cerca de 7 meses que lhe saiu um carocinho duro na aza esquerda do nariz. No fim de algum tempo o carocinho ulcerou-se formando uma feridinha que tem crescido muito lentamente. Tem usado muita pomada sem resultado.
Cancroide da aza do nariz.
No mesmo dia foi feita a extirpação com bisturi eletrico e coagulada a visinhança.
Cerca de 1 mês depois, alta curada.
DECIMA PRIMEIRA OBSERVAÇÃO
Neoplasia da boca. Epitelloma espino-celular.
C. R. (ficha 2426), branco, italiano, solteiro, lavrador, com 50 anos de idade, residente em Pindorama, veio á, consulta no dia 10 de Dezembro de 1935, recomendado pelo Dr. Carneiro de Campos.
Informa que faz cerca de 3 meses, estando sofrendo muito dos dentes, começou a notar que um caroço ia nascendo por baixo da lingua e pegado na gengiva. Este carocinho tem crescido dia a dia e sangra facilmente. Tendo ido a um dentista, este aconselhou a extração dos dentes mãos que eram quasi todos os inferiores. Logo após as primeiras extrações que sangraram muito, começou a sentir outro caroço por baixo da mandíbula do lado esquerdo, correspondente ao do tumor, caroço que cresceu rapidamente e doia muito. Mesmo assim continuou as extrações tendo após as mesmas melhorado bastante tendo o segundo caroço diminuido muito estando prestes a desaparecer.
Ao exame, nota-se um tumor do tamanho aproximado ao de uma nóz, localizado no lado esquerdo do assoalho da boca, superficialmente ulcerado, sangrando ao toque e doloroso.
Na região sublingual um ganglio endurecido, de forma regular, unico e não doloroso.
O aspeto geral do paciente é o de um velho de 70 anos. Note-se que tem apenas 50. Cabeça encanecida, magro, rosto cheio de rugas profundas, andar arrastado.
Sofreu maleita e amarelão. Fuma muito e abusa do alcool.
O diagnostico foi o de um provavel epitelioma.
Proposta a operação o paciente fez o possivel para não submeter-se. Dias depois, voltou resolvido a operar-se.
A intervenção foi realizada sob anestesia local, tendo o tumor sido completamente extirpado a bisturi eletrico, assim como o ganglio atraz referido, e a visinhança largamente coagulada.
Remetido o material ao laboratorio de Biologia Clínica, para exame histopatologico, foi o mesmo realizado pelo Dr. Helion Povoa, cujo laudo foi o seguinte:
Material n.° 1 - Tumor da boca.
Muitiplos agrupamentos de celulas epiteliais de tamanho e feitio diversos, em certos pontos assumindo o feitio embricado e contendo no interior corpusculos queratinicos. O tecido neoplasico de estrutura epiteliomatosa tem carater invasor.
Pobre estroma reação de tipo leucocitario.
Diagnostico - Epitelioma espino celular.
Material n.° 2 - Ganglio.
Metastase de epitelioma capino celular.
Cerca de um mês depois, a zona de implantação do tumor, no assoalho da boca estava completamente cicatrizada.
O mesmo, porém, não acontecia com a região submandibular no ponto da extirpação do ganglio.
Até no fim de 1 mês, formou-se na linha de incisão, uma excrescencia que rapidamente cresceu atingindo o tamanho aproximado de um limão pequeno.
Fiz varias tentativas para reoperar o paciente que resistiu sempre. Aconselhei-o, então, diante da sua decisão de não se deixar reoperar, a fazer aplicações de radium.
Apesar de ter deixado o consultorio soube que viajou depois de alguns dias para S. Paulo.
Nenhuma noticia tive mais desse paciente.
DECIMA SEGUNDA OBSERVAÇAO
Tumor do bordo alveolar.
F. D. L. (ficha 4277), branca, paulista, de 11 anos de idade, residente em Itapolis veio á consulta em 17 de Dezembro de 1935.
Fig. 12
Faz cerca de 4 anos saiu-lhe um caroço por cima dos premolares inferiores do lado direito, caroço que depois de atingir um certo tamanho ulcerou-se cicatrizando-se com a bochecha e impedindo os movimentos amplos de boca. (fig. 14).
Ao exame, verifica-se, no ponto referido, um tumor, duro, do tamanho de um ovo de pomba e que está ligado em parte, á bochecha.
No mesmo dia sob anestesia local foi feita a extirpação a bisturi eletrico.
8 dias depois, em bôas condições a doentinha retirou-se para Itapolis aonde continuaria o tratamento.
Não tive nenhuma noticia posterior.
DECIMA TERCEIRA OBSERVAÇÃO
Neoplasiá do labio inferior
O. F. (ficha 4368), branco, paulista, lavrador, casado, de 40 anos de idade, residente em Mundo Novo, veio ã consulta em 31 de Janeiro de 1936.
Informa que faz, aproximadamente 6 meses que lhe saiu uma bolinha no labio inferior. Sente que é uma carne esponjosa, dura como se fosse uma verruga ligeiramente ulcerada na superficie.
Como antecedentes apenas, de interesse é ser O. F. fumante e alcoolatra.
O pequeno tumor que tem o aspeto de um epitelioma foi no dia seguinte operado a bisturi eletrico.
Sequencia operatoria ótima. Cicatrização em 28 dias.
DECIMA QUARTA OBSERVAÇÃO
Cancroide do nariz
M. A. (ficha 4392), branca, portuguesa, casada, domestica com 30 anos de idade residente em Vila Robert, veio á consulta no dia 16 de Fevereiro de 1936.
Informa que faz cerca de 3 meses que lhe saiu uma verruguinha no nariz. Como aumentasse de tamanho e sobre a mesma se abrisse uma ferida procurou no ano passado um farmaceutico em Pindorama que lhe garantiu a cura. Fez então com o mesmo um tratamento demorado com injeções endovenosas de 914 (! ). Como não melhorasse queimou a ferida com ponta de fogo.
Irritou muito mais e depois de alguns dias a ferida começou a diminuir, ficando reduzida a um ponto, Este pontinho, porém, foi novamente crescendo, estando outra vez do tamanho que tinha antes do tratamento. Como se vê na fig. 16, trata-se de uma ulceração do dorso nasal, ponto onde com preferencia se desenvolvem os cancroides. A ulceração base endurecida e sangra facilmente.
O tratamento constou da extirpação da base endurecida a bisturi eletrico. A doente teve alta de 26 dias depois, curada (fig. 17).
DECIMA QUINTA OBSERVAÇÃO
Fistula retro-auricular
A. C. (ficha 4487), branco, paulista, casado lavrador, com 23 anos de idade, residente em Tabapoan, veio á consulta no dia 13 de Abril do ano corrente (1936).
Informa que ha cerca de 2 meses saiu-lhe um tumorzinho atraz da orelha direita, tumor que no fim de alguns dias furou deixando sair massa amarelada com mão cheiro. Basta expremer um Pouco para a massa sair. Tem usado tintura de iodo e pomadas, sem resultado.
Trata-se de um pequeno cisto fistulizado (fig. 18) que operado com bisturi eletrico, curou em pouco tempo (fig 19). A operação foi feita nó dia 13 de Abril e o doente teve alta no dia 6 de Maio.
DECIMA SEXTA OBSERVAÇÃO
Sarcoma gigantocitico. Epulide
O. S. (ficha 4443), br., paulista, de 6 anos de idade, residente em Itajobi, veio a consulta no dia 16 de Março deste ano (1936).
Queixa-se de um tumor que faz 4 anos lhe saiu no maxilar inferior, em torno do canino esquerdo. Foi operada dois anos depois em Amparo ficando curada durante 1 ano quado o tumor começou novamente a desenvolver-se no mesmo local.
Estando residindo em Itajobi, procurou um medico, que fez 2.ª operação. Desta vez, porém, a recidiva fez-se logo. O tumor tem crescido, estendendo-se por toda a gengiva do maxilar inferior, (lado esquerdo).
Nos ultimos 30 dias o tumor que crescia lentamente assumiu proporções assustadoras (fig. 20).
No dia 17, sob anestesia local pela percaina, foi operada. Com o bisturi eletrico, retirei o tumor, coagulando longamente em seguida a superficie de implantação do mesmo.
20 dias depois, já se podia notar que o tumor recidivava com grande violencia, motivo pelo qual, auxiliado como da primeira vez pelo Dr. Augusto Fagundes e tambem pelo Dr. Osvaldo Lopes, fiz novamente retirada da massa recidivante executando nova coagulação muito mais profunda e mais extensa.
Fig. 13
Fig. 14
Fig. 15
Fig. 16
Fig. 17
Fig. 18
Fig. 19
Fig. 20
Fig. 21
A cicatrização fez-se novamente, em cerca de 50 dias, não havendo, até a presente data sinal de recidiva. (fig. 21).
O exame histologico feito pelo Prof. Helion Povoa deu o seguinte resultado:
Trabeculas de tecido osseo calcificado com extrutura mais ou menos normal, tecido conjuntivo e capilares sanguineos em estado de proliferação. Presença de um tecido neoplasico vegetante com numerosas celulas gigantes do tipo mieloplasico.
Diagnostico - Sarcoma gigantocitico (Epulide). A microfotografia da lamina é a figura 22.
DECIMA SETIMA OBSERVAÇÃO
Neoplasia da face. (Epitelioma espirro celular)
S. E. (ficha 4495), branco, casado, francês, lavrador com 75 anos de idade, residente em Pindorama, veio á, consulta em 18 de Abril do ano corrente (1936).
Faz cerca de 3 anos que lhe apareceu uma verruguinha na maçã do rosto. Essa verruga foi aumentando e chegou a se subdividir em três partes ficando o centro de reunião delas ulcerado.
Ha uns 2 anos a ulceração foi se tornando maior até atingir as proporções atuais, do tamanho aproximado de um nikel de 400 reis (fig. 23).
Tambem ha cerca de 1 ano e meio saiu-lhe no nariz duas identicas verrugas que tambem cresceram e se ulceraram e vão seguidas marcha semelhante á da primeira.
Tem feito muitas consultas com farmaceuticos, medicos, e até com curandeiros, sem o menor resultado. Apezar de nunca ter tido manifestações sifiliticas fez tratamento que nada adiantou.
O diagnostico clínico foi de epitelioma e o tratamento proposto a diatermo-cirurgia.
No dia seguinte, foi realisada sob anestesia local pela Neotutocaina. Foi feita a extirpação dos três tumores ulcerados e coaguladas a visinhança, assim como o ponto de implantação dos mesmos. O exame histologico feito pelo Dr. Helion Povoa foi o seguinte:
O exame dos cortes revelou tratar-se de um tecido neoplasico de tendencia invasora de feitio epidermoide e formando multiplos corpusculos queratinicos. Estroma-reação de tipo leucocitario.
Diagnostico Epitelioma espino celular.
O paciente teve alta curado (fig. 24) no dia 28 de Maio do ano corrente (1936).
A microfotografia deste caso é figura n.° 25.
DECIMA OITAVA OBSERVAÇÃO
Neoplasma ulcerado da face.
M. C. A. (ficha 4569), branca, brasileira, baiana, casada, domestica, de 54 anos de idade, residente em Rio Preto veio á consulta no dia 25 de Maio de 1936, portadora de um tumor ulcerado na face esquerda (fig. 26).
Informa que faz cerca de 8 meses saiu-lhe um pequeno caroço por baixo do olho esquerdo que dia a dia aumentava de tamanho. Certa vez, lavando o rosto, a unha pegou no tumorzinho que tinha o tamanho de um grão de milho, ferindo-o, sangrando um pouco. De então para cá começou a sentir pontadas na parte ferida e o tumor começou a desenvolver-se com mais rapidez aumentando tambem a parte ulcerada.
Tem usado muita pomada assim como injeções antisifiliticas sem o menor resultado. A ulceração ocupa toda a extensão do tumor e é do tamanho aproximado ao de um nikel de 200 reis.
Antecedentes pessoais sem grande interesse, assim como os de família.
No mesmo dia sob anestesia local pela neotutocaina a 2 % foi feita a exerese do tumor com bisturi eletrico e diatermo-coagulação.
A paciente que continua em tratamento, está com a ferida operatoria em cicatrização já bastante adiantada, esperando poder regressar a Rio Preto dentro de breves dias, curada.
Fig. 22 - O. A. da Silva - Tumor do bordo alveolar.
Microfotografia: Ao ato e ao centro observam-se trabéculas ósseas em estado de calcificação; em todo o campo um tecido conectivo em proliferção blastomatosa contendo células de maiores dimensões e núcleos múltiplos (Gigantocitos).
Fig. 23
Fig. 24
Fig. 25- Microfotografia: Veem-se em todo o campo massa celulares epiteliomatosa , algumas contendo ao centro corpusculos queratinicos.
Fig. 26
BIBLIOGRAFIA
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11) - FRANCISCO EIRAS - "Cancer da boca" Rev. Bras. de Med. e Parm. 1927, p. 461.
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20) - FRANZ KEYSSER- "A Eletro-cirurgia" Analise de Felinto Coimbra em Rev. Bras. de Cirurgia 1932, p. 175.
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23) - ANTONIO PRUDENTE - "Do limite da operabilidade dos tumores malignos diante da eletro-cirurgia" - Resumo em Brasil Medico, 1935, p. 777.
24) - GEORGES IAURENS - "Chirurgie de L'or., du nez, du phar. et du lar. Masson et cie., Paris 1924, p. 1027.
25) - MARIO KROEFF` - "O papel da eletro cirurgia numa campanha anti-cancerosa" - A Folha Medica, 1936, p. 121.
DISCUSSÃO
Dr. Mario Ottoni de Rezende - O Dr. Otacilio Lopes, pelo que vejo pelas suas gravuras, vem demonstrar um fato já aceito e determinado na sua especialidade que é o valor da eletro-coagulação, sobretudo nos tumores superficiais. Holmgren, o grande especialista de Stockolmo, é um apaixonado admirador da eletro-coagulação, não só para esta especie de tumores, como para todos os demais tumores desta especialidade, mesmo os intra-cavitarios, e os resultados obtidos por ele foram mencionados num numero especial da Acta Otolaringologica, numero este dedicado exclusivamente ao tratamento dos tumores malignos, da especialidade. Ele ainda tem uma grande quantidade de casos tratados e curados pela eletro-coagulação e alguns deles, ainda com sobrevida superior ha 4 ou 5 anos, de modo que a eletro-coagulação é e deve ser utilisada mais amplamente pelos srs. oto-rino-laringologistas.
Dr. Matos Barretto - Como o Dr. Otacilio Lopes nos refere apenas de casos de tumores superficiais, eu desejava sómente acentuar que a diatermo-coagulação presta ao oto-rino-laringologista inestimaveis recursos particularmente nas cavidades com o auxilio da endoscopia, ou em regiões que pouco acessiveis, exigiriam uma larga cirurgia de céu aberto, como nos tumores do faringe, base da língua, epiglotte, etc. Assim tambem nos tumores inoperaveis, em que muitas vezes a diatermo-coagulação resolve de modo satisfatorio, ainda que temporariamente. Como exemplo eu citaria o caso de um paciente de cerca de 70 anos, que está internado aqui no Instituto de Radio: retirei com a alça diatermica, um epitelioma maligno anglomatoso (diag. anat. patol.) assestado na valecula esquerda e porção superior da epiglotte. Com 15 dias após se notavam ainda algumas granulações na epiglofte, destrui dois terços desta cartilagem. As intervenções foram absolutamente exsangues e sem a menor reação. Atualmente o paciente submete-se á radioterapia, processo de Coutard.
Dr. Mangabeira Albernaz - Pelas fotografias apresentadas pelo Dr. Otacilio Lopes vejo que seu trabalho parece reportar-se de preferencia a lesões dos tegumentos. Acho que devem ser principalmente assinalados aqui os casos em que, na especialidade, ai eletro-coagulação constitue por assim dizer indicação unica. O polipo sangrento do repto, por exemplo. Como sabemos, esta lesão até pouco tempo só cedia á operação. de Lemaitre-Gardères. Esta intervenção, que exige a retirada do tumor com a mucosa, o pericôndrio e até a cartilagem, é substituida com vantagem pela eletrocoagulação. Basta extirpar-se o polipo com a alça fria e eletro-coagular o ponto de implantação, para obter-se a cura definitiva. Nos ultimos tempos tenho usado a eletro-coagulação em certos tumores do laringe. Como é de praxe, devemos olhar sempre com desconfiança os tumores das cordas vocais em individuos de mais de 40 anos. Faço nêsses casos a ablação do tumor, e depois, sob laringoscopia indiréta, a eletro-coagulação do pediculo, enquanto aguardo o laudo anatomo-patologico.
Não duvido que o Dr. Otacilio Lopes se tenha referido a tais casos. Não pôde ler seu trabalho na integra em vista da exiguidade de tempo, de sorte que meus reparos talvez não tenham razão de ser. Citei, todavia, estes casos, enquadrados no ambiente estritamente rino-laringologico, porque neles a eletro-coagulação é, sem duvida insubstituivel.
Dr. Luiz Brandão Filho - A nossa pratica, no que se refere a eletro-coagulação, data de uns sete anos, e foi iniciada, quando discípulo do Dr. Fouquet, no serviço do Prof. Bourgeois, em Paris. Consideramo-la um auxiliar insubstituivel em certos casos cirurgicos de nossa especialidade, sendo dignos de evidencia os magnificos resultados, que sempre obtivemos, com a pinça de Poyet e Lemoine, no tratamento da rinite hipertrofica e das sinequias nasais.
Prof. Paulino Guimarães Junior - Permitam-me os presentes uma observação. Não sendo medico, mas sim dentista, no entanto o dr. Mario Ottoni de Rezende concedeu-me a honra da inscrição neste Congresso. Assim, desejo externar minha, opinião sobre os trabalhos apresentados pelo dr. Otacilio Lopes.
A origem irritativa dos blastomas, que tem sucitado tantas divergencias, parece encontrar uma explicação satisfatoria nas epulides. Essas localizam-se, de preferencia, em regiões onde ha deposito tartarico, raizes com bordos cortantes, aparelhos proteticos mal adatados, emfim em todo ponto onde existir um elemento irritativo constante.
E baseado nessa concepção, é que pratico, tanto na clinica particular como no ambulatorio da Faculdade de Odontologia da nossa Universidade, da qual sou professor, a exerese da epulide inclusive dente ou dentes comprometidos.
Despertou-me a atenção, dentre as brilhantes observações apresentadas pelo dr. Otacilio Lopes, as de n.° 6 e 7 onde se nota a exerese de uma epulide e conservação do incisivo lateral. Minha opinião, é que se deveria praticar a extração do dente para evitar uma possível recidiva, mesmo porque no caso presente, dada a exposição de uma grande porção da raiz, o dente dificilmente se conservara, podendo mesmo constituir uma irritação para o tecido, e uma causa precipua da referida recidiva.
Dr. Otacilio Lopes - Supuz, quando o dr. Mangabeira Albernaz disse que estava errado o titulo de minha comunicação, que ele quizesse corrigi-lo para Eletro coagulação diatérmica em O. R. L. Esta emenda teria absoluto cabimento. A correção apresentada, porém, não tem a menor razão de ser pois relato observações genuinamente oto-rino-laringologicas ao lado de outras que embora não devem ser afastadas do campo da nossa especialidade, poderiam tambem caber na dermatologia.
Acredito ter o presado e ilustre colega baseado sua arguição na documentação fotografica que apresento. Informo-o, porém, que as fotografias que acompanham o trabalho são apenas as dos casos em que, por se tratar de regiões mais acessíveis, eu mesmo pude ser o fotografo. Muitas outras observações estão sem aquela documentação por ter sido eu vencido pelas dificuldades de técnica fotografica.
Ao presado companheiro de semana, cirurgião dentista nesta capital, informo, respondendo a sua brilhante arguição, que costumo em casos tais, proceder á extração do dente ou dos dentes da região comprometida. Neste, porém, como o tumor me parecesse de implantação um tanto distante do dente e como havia de minha partefacilidade em observar o paciente, deixei para fazer a retirada do dente no caso de recidiva do tumor o que felizmente não se verificou até o momento.