Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (29º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 697 a 714

 

DADOS ESTATISTICOS SOBRE OS CASOS DE LEISHMANIOSE DAS MUCOSAS OBSERVADOS NO SERVIÇO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA SANTA CASA DE SÃO PAULO

Autor(es): J. E. DE REZENDE BARBOSA (Adjunto voluntario)

SERVIÇO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA E CIRURGIA PLASTICA DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE S. PAULO
(Chefe: Dr. Schmidt Sarmento)

As estatisticas são sempre oportunas e necessarias.

Um determinado elemento nosologico, este ou aquele acidente observado no decurso de tal molestia terão seu real valor, quando, catalogados em tempo qportuno e suas frequencias observadas em estatisticas conscenciosas.

Assim sendo, pretendemos reunir num estudo estatistico todos os casos de Leishmaniose das mucosas naso-buco-faringo-laringéa diagnosticados, em 23 anos de ininterruptos serviços, no Ambulatorio de Oto-Rino-Laringologia da Santa Casa de S. Paulo.

No lapso de tempo decorrido de janeiro de 1913 a Dezembro de 1935, foram examinados no Ambulatorio de Oto-Rino-Laringologia da Santa Casa de S. Paulo 56.891 individuos; foram diagnosticados 1.791 casos de Leishmaniose das mucosas, ou sejam 3,10% do total de individuos examinados.

Com tal numero de pacientes (56.891) e tão grande percentagem de determinada molestia (3,10%), para nós familiar, mas, para outros, e que constituem a maioria, pouco conhecida, poderiamos tecer algumas considerações baseadas nos dados estatísticos colecionados.

A Frequencia da Leish. das mucosas será estudada em relação aos anos, aos mezes do ano, ao sexo, á idade, á nacionalidade, á residencia e por ultimo ás formas de Leish. das mucosas.

A localização mucosa da Leish. tropica, Var. Americana, representa, segundo Pedroso, 10% dos casos da sua forma tegumentar e, teriamos, então, em nosso caso, correspondendo aos 1791 casos de Leish. das mucosas, 17.91.0. doentes de Leish. tegumentar.

Estamos, no entanto, com Klotz e H. Lindenberg que consideram a localização mucosa presente em 20% dos, casos de Leish. tegumentar com mais de 2 anos de molestia. Como sabemos, a maioria dos doentes que voe ter ao especialista de nariz e garganta é portadora da Leish. ha muito tempo, geralmente anos. Desse modo, os nossos 1. 791 casos de Leish. das mucosas corresponderiam a 8.955 doentes de Leish. tegumentar.

FREQUENCIA SEGUNDO OS ANOS

Muito interessante e demonstrativo é o grafico (n.° 1) notamos urna linha de ascensão progressiva a partir de 1916 até 1927; depois ha uma defervescencia para permanecer com ligeiras oscilações, na mesma percentagem até Dezembro de 35; de outro lado, a curva do numero doentes examinados: demonstra uma ascenção quasi sem interrupção ate o fim.

Comparando-se as duas linhas, observamos que existe um ponto em que ha uma verdadeira dissociação entre os dois elementos: doente e doença; augmenta, o numero de um e, diminue a percentagem do outro.

Como explicação mais cabal, temos o facto, por todos. conhecido, de que a Leish. caminha com, a civilização, ou melhor, a "Leish. foge da civilização". Explico: de 1914 a 1927, duas grandes zonas foram abertas a golpes de macem: a Noroeste e Alta Sorocabana; duas Estradas de Ferro e atingiram as barrancas do Paraná; cidades nasceram da noite para o dia, e um oceano de cafesais invadiu essas, mesmas zonas. Mas, coras o derrubar das matas, a Leishmaniose fazia as suas vitimas.


Frequencia da Leish. Das mucosas no Serviço de O.R.L. da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo (Serviço do Dr. S. Sarmento)

Grafico n.° 1


Leishmaniose das mucosas
Frequencia segundo as idades


Grafico n.° 2



De 1928 para cá, outras condições influiram para essa quéda na percentagem: de um lado, fatores sociais e economicos e de outro, fatores cientificos.

A crise economica que se esboçava culminou em 1929, produzindo um retraímento financeiro geral, quéda do plantio de cafeeiros e mais tarde a sua proibição, tudo isso concorrendo para o menor contacto do homem com o fóco infectante (as matas).

Os progressos feitos pela terapeutica especializada com respeito á Leish. concorreram, indiscutivelmente, para essa diminuição da frequencia da Leishmaniose. Uns faziam a profilaxia da localização mucosa pelo tratamento da sua fôrma cutanea, outros deixavam-se ficar pelo interior onde já havia assistencia médica mais aparelhada, não vindo ter a nós.

FREQUENCIA SEGUNDO OS MEZES DO ANO

Tratando-se de Leish. das mucosas, processo secundario á localização tegumentar, pouca ou nenhuma utilidade terá uma estatistica sob esse angulo de vista. Não poderemos, aqui, afirmar se esta ou aquela estação do ano tem influencia sobre o aparecimento da localização mucosa das Leishmanias, pois a infecção do individuo, isto é, o aparecimento do exantema papulo-ulceroso cutaneo, depois de um periodo mais ou menos longo de incubação, data de tempos atrás, quasi sempre de anos.

Janeiro - 161 casos
Fevereiro - 126 casos
Março - 108 casos
Abril - 106 casos
Maio - 137 casos
Junho - 160 casos
Julho - 158 casos
Agosto - 169 casos
Setembro - 157 casos
Outubro - 169 casos
Novembro - 174 casos
Dezembro - 164 casos

FREQUENCIA SEGUNDO O SEXO
Sexo masculino - 1.605 casos ou 89,60%

Sexo feminino - 186 casos ou 10,30%

Comprovação da já indiscutivel superioridade numerica de individuos leishmanioticos do sexo masculino que do sexo feminino são esses numeros: 89,60% / 10,30%.

Esta frequencia que não passou despercebida a Breda nos fins do seculo passado, e que Romeu da Silveira (Serviço do prof. A. Lindenberg) em 1919 positivou na sua tése, encontrando a proporção de 94% (Homens) para 6% (Mulheres), nós a comprovamos no caso especial da Leish. das mucosas mas na proporção de 89,60% para 10,30%.

Não vamos discutir aqui as razões dessa proporção, pois é de todos conhecido que está dependente do contacto do individuo com o fóco infectante e que são as matas na ocasião das grandes derrubadas; e é o homem que está com elas em contacto mais intimo.

FREQUENCIA SEGUNDO A IDADE

Dividiremos as idades em grupos de 10 anos até aos 60 anos (grafico nº 2).

Observamos que a época. de vida em que um individuo paga maior tributo a essa entidade morbida que tanto deprime e deforma, é justamente aquela em que seus braços mais trabalham e mais produzem. 58,40% dos casos estão catalogados entre os 21 e os 40 anos de idade. A infancia e a adolescencia concorrem com 24,90%, ao passo que dos 41 anos em diante encontramos sómente 16%.

A idade do paciente não influe, em absoluto, na localização mucosa das Leishmanias, pois encontramos todas as idades tomadas, umas em maior proporção que outras, devido certamente ás CONDIÇÕES DE VIDA. Pensar-se que Leish. Das mucosas é apanágio dos moços e do velhos é um erro: encontramos idêntica percentagem de ano até 10 anos e de 51 anos para cima.

FREQUENCIA SEGUNDO A NACIONALIDADE

Conseguimos colecionar 24 nacionalidades entre os pacientes portadores da localização mucosa da Leishmaniose.

Como poderemos vêr no grafico n.° 3, os brasileiros assumem a vanguarda com mais de 3/4 dos casos. Logo após, todas as nacionalidades que representam a maioria do elemento de imigração; como os Italianos, Portuguêses, Espanhois e Japonezes. Quanto ás raças, todas estão representadas, exceto a vermelha.

FREQUENCIA SEGUNDO AS RESIDENCIAS, ZONAS E ALTITUDES

Dos 1791 doentes portadores de Leish. das mucosas:

especificaram a residencia - 1514;

não especificaram a residencia (mas foram internados) - 277.

Foram internados nos diversos Serviços da Santa Casa - 488.

Dos 1514 pacientes que declararam a sua residencia, estavam assim distribuidos
13,60% - 241 - na capital do Estado

86,40 % - 1.250 - No interior do Estado
23 - outros Estados.

Aqui um importante reparo: precisamos considerar que essa cifra elevada de doentes na Capital do Estado, não deve ser incriminada como verdadeira, mas representando, na sua grande maioria, aquele elevado numero de individuos do interior que demandam á Capital á procura de tratamento, ficando nella hospedados e discriminando no Registro da Santa Casa a sua nova Residencia.

Outra não seria a explicação. Que a Leishmaniose existe no Municipio da Capital, não somos os primeiros a afirmar e nem seremos os ultimos, mas não em tão elevada percentagem (13,60%).

Quanto aos casos provenientes do Interior do Estado, para um estudo comparativo mais interessante e para firmar ainda mais as bases de sua Epidemiologia, agruparemos os casos em zonas convencionais que correspondem ao trajeto das linhas ferroas que cruzam todo o Estado.

Assim, teremos as zonas Noroeste, Alta Paulista, Alta Sorocabana, Paulista, Sorocabana, Araraquarense, Mogiana, Douradense, Central, S. Paulo Railway e S. Paulo-Rio Grande (Mapa n º4).

Encabeça a nossa lista a zona Noroeste que se inicia em Baurú, seguindo o trajeto da E. de Ferro Noroeste do Brasil á margem esquerda do Tieté e á direita do Aguapeí-Feio. 51,90% dos nossos casos estão aí localizados; de 1913 a 1920, mais ou menos, a Noroeste sofreu uma verdadeira epidemia de Leishmaniose com seus centros em Baurú, no inicio, depois Lins, Biriguí e Araçatuba. Durou essa epidemia enquanto duraram as entradas pelo Sertão, as grandes derrubadas para o plantio do cafeeiro. Os centros epidemicos mudavam quando cresciam novas cidades e cafesais.

Mas, quasi "pari-passu" com a zona Noroeste, outra zona era devastada pela Leishmaniose, a Alta Sorocabana que permeia entre os vales do Peixe e Paranapanema, começando a 6° de longitude O. do Rio de janeiro. 21,20% dos nossos casos pertencem á Alta Sorocabana. Tombem aí, a Leishmaniose teve os seus centros epidemicos que corresponderam exatamente aos grandes nucleos de desenvolvimento: Ourinhos, Salto Grande, Presidente Prudente, Santo Anastacio e Porto Tibiriçá.

Na nossa estatistica, todas as zonas do Estado apresentam seus casos, as zonas novas em maior proporção e nas zonas velhas quasi todas as localidades estão representadas por casos esporadicos.

O grafico (n. 5) é muito demonstrativo: o nivel mais baixo é ocupado pela zona da S. Paulo-Rio Grande, aparecendo aí sómente um caso de Leishmaniose das mucosas (Itapetininga), vindo comprovar Romeu da Silveira que em 1919 focalizou a zona Sul do Estado como ainda neutra á Leishmaniose. Segue-se uma linha de ascenção constante, mas baixa, correspondendo ás zonas mais velhas do Estado, e torna-se quasi vertical, quando chegamos nas 3 zonas mais novas. A Noroeste ocupa o acme, a Alta Sorocabana a parte média, e a raiz é ocupada pela zona mais nova, jovem ainda, com pouco mais de 10 anos de vida, a Alta Paulista que se inicia em Agudos e segue o espigão Aguapeí-Feio e Peixe. Aparece aí com 7,20% e Marilia é o seu grande centro com 50% dos casos.

Frequencia da Blastomycose naso-buco-laryngéa no Ambulatorio de O.R.L. da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo (Serviço do Dr. S. Sarmento)


Leishimaniose das mucosas
Frequencia segundo as nacionalidades

Grafico n.° 3


Leishmaniose das mucosas
Frequencia de doentes segundo as zonas do interior do Est. De São Paulo

Grafico n.° 4


Leishmaniose das mucosas
Frequencia de doentes segundo as zonas do interior do Est. De São Paulo

Grafico n.° 5



Quanto ás altitudes, constatamos casos em quasi todas as altitudes do nosso Estado. As localidades mais elevadas, como Campos do Jordão, Franca, Botucatú, que variam de 1.500 até 777 metros acima , do nivel do mar, apresentam os seus casos. Santos, Vila Bela, Piassaguera nos fornecem casos ao nível do mar. A maioria dos casos, no entanto, são oriundos das altitudes médias.

Não podemos, pois, estar de acôrdo com L. Lozada, que, no Perú, encontrou uma maior malignidade das formas de Leislunaniose das montanhas as quais atingiam, de preferencia as mucosas e eram mais rebeldes ao tratamento pelo tartaro. Ainda com R. da Silveira que não encontrou essa divergencia, a nossa Estatistica prova muito bem que a Leish. das mucosas sub-existe admiravelmente nas altitudes médias e baixas.

FREQUENCIA SEGUNDO AS FORMAS DE LEISH. DAS MUCOSAS

Quanto á séde da localização mucosa da Leishmaniose podemos vêr no, seguinte quadro:

Leishmaniose nasal - 1566 casos
Leishmaniose naso-buco-faringéa - 134 casos
Leishmaniose naso-buco-faringo-laringéa - 45 casos
Leishmaniose naso-bucal - 15 casos
Leishmaniose naso-buco-laringéa - 13 casos
Leishmaniose nasal e pavilhão - 9 casos
Leishmaniose nasal, labios e face - 6 casos
Leishmaniose naso-buco-labial - 2 casos
Leishmaniose primitiva do laringe - 1 caso

A muoosa nasal aparece como séde usual em todos os casos, exceto naquele de lesão primitiva do laringe (descrito pelo Dr. Schmidt Sarmento).

Segue-se a mucosa bucal, depois a faringéa e por ultimo a laringéa, como está demonstrado nesse quadro abaixo:

Lesão da mucosa nasal em 1790 casos.
Lesão da mucosa bucal em 209 casos.
Lesão da mucosa faringéa em 179 casos.
Lesão da mucosa laringéa em 59 casos.

A mucosa nasal oferece condições ótimas ao desenvolvimento da lesão leishmaniotica. Será o contacto diréto, a contaminação das partes nasais pelo proprio individuo com seus dedos ou serão condições anatomicas especiais que favorecem a localização da lesão na mucosa nasal?

Talvez os elementos tissulares da parte anterior das fossas nasais ofereçam condições ótimas á localização das Leishmanias. E sabido de todos que a zona anterior da mucosa nasal é constituida de epitelio de transição, não se sabendo bem onde o limite entre os epitelios pavimentoso e o viibratil estratificado que constitue a parte respiratoria da mucosa nasal. Justamente essa zona, parte anterior do septo nasal e cabeça do corneto inferior, constitue o "locus minoris resistentia" ao processo leishmaniotico.

Como explicarmos a extensão do processo ás outras mucosas?
Teremos aqui, como na forma tegumentar, a via linfatica como condutora? Ou a via hematogenica, a mais aceita, mas pouco documentada, será a verdadeira?

Talvez a via hematogenica, tratando-se de Leish. das mucosas, terá sua maior razão de ser, pois do contrario, como explicar os rarissimos casos de Leishmaniose primaria das mucosas, corno no caso de Schmidt Sarmento?

BIBLIOGRAFIA

ROMEU DA SILVEIRA - "Frequencia e distribuição da Leishmaniose em S. Paulo" - Tése - 1919.
MARIO OTTONI DI DE REZENDE - "Lesões mucosas produzidas pela Leishmania tropica, Var. Americana" - R. O. L , de S. Paulo - Vol. III - Setembro-Outubro 1935.

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