Ano: 1936 Vol. 4 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (26º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 679 a 683
GRANULOMA PARACOCCIDIOIDICO E SUA LOCALIZAÇÃO BUCAL
Autor(es): FLORIANO DE ALMEIIDA *
Numerosos são já os trabalhos sobre a blastomicose brasileira, mas nem por isso deixa o assunto de apresentar interesse. E' já do dominio geral que a principal, senão a quasi exclusiva porta de entrada do micro-organismo é a boca. Ora, assim sendo, cabe ao oto-rino-laringologista um importante papel no diagnostico precoce da molestia, e uma vez este feito com segurança, talvez, a eliminação completa do fóco inicial consiga sustar o progresso insidioso e gradativo do fungo através os tecidos vizinhos ao ponto lesado. Isto evitaria fosse o parasito levado depois pelos sistemas linfatico e sanguineo para regiões mais distantes.
O numero sempre maior de doentes, em sua quasi totalidade, provenientes das chamadas zonas novas, nos convence da existencia do fungo em vida livre, saprofitica, provavelmente em vegetais silvestres. Este nosso modo de pensar é reforçado principalmente pela profissão dos pacientes, que talvez em 80% dos casos se entregam a trabalhos agricolas ou outros afins.
A hipotese da existencia do fungo em folhas do cafeeiro aventada por alguns clinicos não nos parece muito aceitavel, devido ao pequeno numero de casos provenientes dos grandes centros cafeiros. A observação cuidadosa da proveniencia de quasi tres centenas de casos, no Estado de São Paulo, vem nos mostrar que a micose se manifesta cada vez mais longe da Capital.
Dois dos mais recentes casos que conhecemos provem da zona Noroeste do Paraná, zona que agora começa a ser explorada. Constituem estes os primeiros casos verificados naquele Estado.
Por volta de 1910 quando foram os primeiros casos descritos, quasi todos provinham dos municipios limitrofes com as chamadas então, zonas ainda pouco conhecidas. Com o correr dos anos, sendo essas zonas desbravadas, nelas foram surgindo novos casos, tendo sido muitos outros talvez não diagnosticados, provavelmente por terem sido confundidos com outras molestias entre as quais a leishmaniose.
Depois que os cientistas nacionais começaram a prestar atenção ao assunto, a micose foi estudada mais cuidadosamente e seu fungo passou a ser objeto de numerosas pesquisas.
Embora as lesões bucais quasi sempre se apresentassem como localização inicial, não tardaram os clínicos e especialmente os dermatologistas a considerar dois tipos principais de lesões. Um, se assestando geralmente na face posterior da cavidade bucal, sendo as amigdalas um dos pontos eletivos, tipo este que se caraterizava desde o inicio pelo comprometimento dos ganglios linfaticos, que se infartavam e supuravam muitas vezes antes que as lesões fossem bastante extensas para despertar a atenção do paciente.
Esta era principalmente solicitada pelo aumento de volume dos ganglios cervicais, não raro sendo as lesões bucais insignificantes. Pouco depois dos ganglios cervicais, eram atingidos os axilares e em seguida os inguinais. Quando neste estado, geralmente estava já o paciente hospitalizado e com diagnostico e prognostico feitos. E' esta a chamada forma linfatico visceral, porque ao mesmo tempo que os ganglios abdominais são comprometidas as vísceras dessa região, tais como, figado e principalmente baço.
A frequencia desta forma em São Paulo levou mesmo alguns pesquisadores como Pedro Dias e Souza Campos a denominarem na blastomicose-hepato-espleno-ganglionar.
O outro tipo apresenta sua localização principal na parte anterior da boca, principalmente comissuras labiais, daí se estendendo quer para dentro isto é alcançando a lingua e gengivas, quer para fóra, atingindo as regiões vizinhas da boca e indo até ás narinas. Esta forma de marcha lenta, pode-se mesmo dizer cronica, pode em determinadas circunstancias se generalizar tambem e terminar pela morte do individuo. Via de regra, porem, ela vae evolvendo lentamente, durante anos até se extender a toda cavidade bucal.
Está claro que estes dois tipos principais não apresentam sempre esses carateristicos que assinalamos, principalmente a primeira forma, cujos casos ocorridos mais recentemente vem mostrando uma acentuada tendencia para a localização cutanea, mormente da face.
Alguns autores julgaram ser o segundo tipo, mais frequente no Rio de Janeiro, muito embora em São Paulo tambem numerosos fossem os casos observados.
O fungo isolado dos casos verificados em São Paulo, apresenta um aspecto cultural macroscopico, carateristico. Suas colonias são brancas como pelo de rato, seu crescimento é lento, e se inicia por projeções aereas semelhantes a espinhos. (Fig. 1).
No Rio de Janeiro e no Norte do paiz as culturas obtidas apresentam não só este aspecto, mas tambem outro, isto é, encontram se dois tipos de colonias, um penugento branco e outro, de cor levemente amarelada, colonias rugosas, cremosas, simulando as do Achorium Schoenleini (Fig. 2). Achavam os pesquisadores do Rio de janeiro que estas eram as colônias tipicas do fungo, pois este apresentava microscopicamente aspecto semelhante ao observado nos tecidos.
O tipo penugento seria unia forma pleomorfica, semelhante áquela apresentada pelos dermatofitos.
Um facto curioso que merece porem, ser lembrado, é que, microscopicamente os, parasitos dos dois tipos clínicos apresentam tambem diferenças.
Assim no primeiro tipo clinico assinalado, principalmente observado a fresco, no pús dos ganglies, ou nos, tecidos em cortes histologicos, o fungo assume a forma que se tornou classica, isto é; uma coroa de pequeninas formações em torno de uma maior. Ainda mais, é abundantemente encontrado. No segundo tipo clinico, já não é tão numeroso nas lesões e se apresenta agora como celulas isoladas, ou reunidas em menor numero e sua reprodução se faz por um brotamento não multiplo, que lembra muito o que observamos no Zymonema dermatitidis agente da blastomicose norte americana. O pequeno numero de fungos nas lesões e a frequencia de outros micro-organismos, torna difícil a obtenção das culturas deste tipo. Este parasito cresce mais lentamente em temperatura de 37° que o do primeiro tipo. Ha assim clinica e mesmo morfologicamente diferenças entre os parasitos encontrados nas duas formas.
Os estudos feitos no Brasil e principalmente em São Paulo, tiveram larga repercussão nos meios científicos estrangeiros, mormente nos Estados Unidos e Italia, onde varios cientistas se entregaram ás pesquisas sobre o assunto, com material que enviamos. Resultou disso a confirmação completa do que havíamos asseverado, isto é -que o agente da forma brasileira de blastomicose é o Paracoccidioides brasiliemis, muito diverso do Coccidioides immitis que se julgava fosse o responsavel pela nossa micose.
Em fins do ano passado veio a America do Sul, afim de estudar as blastomicoses sul-americanas, o micologista norte-americano Morris Moore. Em sua permanencia no Rio de Janeiro e depois em São Paulo aquele micologista realizou interessantes pesquisas, pelas quais concluiu existirem duas especies de fungos produtores da chamada blastomicose brasileira, o Paracoccidioides brasiliensis e o Paracoccidioides cerebriformis.
O primeiro muito mais frequente em São Paulo e o segundo no Rio e norte do país, parecendo serem os responsaveis pelos dois tipos clinicos respectivamente. A denominação cerebriformis foi dada, pelo aspecto que as culturas apresentam em qualquer meio e não exclusivamente em caldo e gelose simples com pH 7,4.
Ainda umas ligeiras referencias. O tipo linfatico visceral, produzido pelo Paracoccidioides brasiliensis com lesões cutaneas posteriores é mais frequente nos japonezes e nacionais enquanto o tipo mucoso-cutaneo, isto é, o tipo cujas lesões se assestam na parte anterior da boca, labios e pele vizinha, parece mais comum nos espanhois.
Isto que vai dito não é uma afirmação categorica, mas sim uma sugestão que levará os pesquisadores a fazerem boas descrições das lesões e das regiões comprometidas e estudar os parasitos quer nos tecidos, quer nas culturas.
Fig. 1
Fig. 2
* 1.° Assistente. Chefe de Laboratorio do Departamento de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina de São Paulo.