Ano: 1975 Vol. 41 Ed. 3 - Setembro - Dezembro - (11º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 284 a 292
ASPECTOS DA ELETRO-CÓCLEOGRAFIA NA DOENÇA DE MENIÈRE E NO NEURINOMA DO ACÚSTICO
Autor(es):
Ney Penteado de Castro Júnior*,
M. Nègrevergne**
R. Chastang***
Introdução
O interesse da eletro-cocleografia como meio diagnóstico complementar em diologia vem se tornando cada vez mais importante. A eletro-cocleografia é um meio objetivo de avaliar a função do receptor periférico humano, normal ou patológico1, 3, 4, 5. A resposta eletro-cocleográfica é a média computada dos sinais elétricos captados entre o promontório coclear e o lobo da orelha, como resposta a estímulos acústicos de curta duração e repetidos (cliques ou cliques filtrados), de fases alternadamente inversas3, 4, 5. A resposta obtida é o potencial de ação global do VIII par craniano. Ela é a imagem específica da função do nervo coclear, porque ela depende somente da natureza do estímulo e da estrutura do órgão receptor4, 5.
Com o método de eletro-cocleografia desenvolvido em Bordeaux, possuindo mais de 6 anos de experiência em exames clínicos em crianças e adultos, foi possível estabelecer as características da resposta do potencial de ação do nervo coclear (latência; amplitude; forma) em curvas de entrada-saída em relação à intensidade e freqüência do estímulo sonoro. Estas características do potencial de ação do nervo coclear foram estudadas tanto em pacientes normais, como em portadores de patologia auditiva.
O objetivo deste trabalho é analisar as respostas eletro-cocleográficas nas doenças de Menière e dos casos de neurinoma do VIII par, procurando relacionar o quadro eletro-cocleográfico à fisiopatologia das respostas encontradas.
Método
Este estudo foi efetuado em 107 pacientes adultos da Clínica Universitária de Bordeaux II (diretor: Prof. M. Portmann) e que foram submetidos à eletro-cocleografia para complementação do exame audiológico. Destes, 86 pacientes eram portadores de doença de Menière (dos quais, 8 bilateral) e 21 pacientes eram portadores de neurinoma do nervo acústico (dos quais, 2 bilateral). Todos os pacientes foram submetidos a priori ao exame O.R.L., avaliação audiológica (teste tonal liminar, logoaudiometria, testes supraliminares: S.I.S.I.; Luscher-Zwisloki; Fowler; fadiga per-estimulatória) e avaliação otoneurológica (pesquisa da oculomotricidade, provas estimulatórias pendular e calórica).
A doença de Menière foi determinada pelos critérios:
I) Comprometimento cócleo vestibular em crises
II) Alteração audiológica tipo coclear
III) Avaliação otoneurológica com comprometimento periférico
Os neurinomas do VIII par foram diagnosticados através da clínica, politomografia e meatocisternografia, sendo confirmados cirurgicamente. As respostas eletrococleográficas obtidas nestes dois grupos de pacientes foram registradas e posteriormente estudou-se as curvas entrada-saída amplitude-latência e relacionando-as com a morfologia do potencial de ação encontrada.
As curvas entrada-saída amplitude-latência foram classificadas de acordo com suas características em1, 3, 4, 5, 9, 12.
I) Normal:
Latência em torno de 4 msec ao limiar. Forma das respostas do P.A. (potencial de ação) difásica às fracas e médias intensidades; monofásica às fortes intensidades. Aumento progressivo da. amplitude em relação à intensidade do estímulo, em duas etapas e com um patamar entre 40 dB - 60 dB SPL.
II) Recrutante (recuperante):
Latência curta ao limiar (menor que 2 msec). Limiar elevado. Crescimento rápido da amplitude, sem patamar. Forma difásica da resposta em toda a estimulação.
III) Dissociada:
Latência longa no limiar (maior que 6 msec). Limiar entre 20 dB - 40 dB SPL. Discreto aumento da amplitude, do limiar até 50 dB - 60 dB SPL, quando então a amplitude da resposta cresce rapidamente. Forma difásica da resposta em fortes intensidades.
Gráficos das curvas de entrada-saída amplitude-latência "normal", "recrutaste" e "dissociada", com as respectivas legendas.
A forma de resposta. do P.A. foi analisada em fortes intensidades (90 dB - 100 dB SPL); sua duração foi medida na meia altura do pico N15, 11, tendo sido classificada, conforme suas características, em:
I) Normal:
Forma difásica ou monofásica. Duração média de 0,73 msec.
II) Larga:
Forma difásica ou monofásica. Duração maior que 1,4 msec.
III) Anormal:
Morfologia alterada ou com um pico positivo precoce. Duração maior que 1,4 msec.
Gráficos das três formas de curvas "normal" "larga" e "anormal" com as respectivas legendas.
Resultados
O gráfico I mostra a incidência da doença de Menière de acordo com o grupo etário e o sexo.
Gráfico I: distribuisão dos casos de doença de Meniére de acôrdo com o grupo etário a o sexo. - n = 86 - A área em achuriado corresponde ao sexo masculino.
A distribuição da doença de Menière foi de 56% no sexo masculino e de 44% no sexo feminino, com maior incidência no grupo masculino dos 40 aos 50 anos; o grupo feminino teve uma distribuição bimodal, com maiores incidências nos grupos etários dos 40-50 anos e 60-70 anos. Nestes pacientes a distribuição dos diversos tipos de curvas de entrada-saída amplitude-latência em relação à morfologia do P.A. está exposta no gráfico II
Gráfico II: distribuiçáo percentual das formas de resposta do P.A. do VIII par, em relação aos tipos de curvas entrada-salda amplitude-latancia na doença de Menière.
O tipo de curva de entrada-saída amplitude-latência mais comum foi a do tipo recrutante (recuperante) (91,5% dos exames ECoG). As formas. largas e anormais do P.A. estiveram presentes em 66% dos exames, com predominância das respostas largas (54,5% dos exames ECoG). Comparando-se os limiares tonais (médias das freqüências testadas por via aérea, no teste tonal liminar) com os limiares eletrococleográficos ao clique não filtrado, obteve-se uma incidência de 83% de casos em que a diferença entre estes dois limiares foi menor que 20 dB. Os 21 pacientes de neurinoma do VIII par apresentaram distribuição com maior incidência entre os 40-50 anos (gráfico III).
Gráfico III: distribuição dos casos de neurinoma de acôrdo com agrupo etário. -n = 21 -
A curva de entrada-saída amplitude-latência mais freqüente foi a do tipo recrutaste (recuperaste); as respostas com morfologia larga e anormal foram predominantes (82% dos exames ECoG) sendo mais encontradiça a forma anormal (63% dos exames ECoG). (Gráfico IV). Houve uma diferença maior que 20 dB entre os limiares eletro-cocleográfico e audiológico em 31% dos exames. Os limiares que se encontravam mais comprometidos foram os da audiometria tonal liminar.
Gráfico IV: distribuição percentual das formas de resposta do P.A. coclear, em relação aos tipos de curva entrada-saída amplitudelatência no neurinoma.
Discussão
A incidência de casos com a diferença entre os limiares audiológicos e eletrococleográficos maiores que 20 dB, nas doenças de Menière foi semelhante à encontrada por Aran, J. M. et als2 para os indivíduos considerados audiologicamente normais. Nos casos de neurinoma do VIII par a incidência de casos com diferença entre os limiares audiológicos e eletro-cocleográficos maior que 20 dB, foi um pouco elevada (31% dos exames). As curvas entrada-saída amplitude-latência das respostas recrutantes (recuperastes) e dissociadas foram extensamente analisadas em relação às suas fisiopatologias por diversos autores3, 4, 5, 12, 13. As do tipo recrutaste (recuperaste) seriam respostas provenientes da estimulação das células ciliadas internas, já que as células ciliadas externas estariam difusamente lesadas. As respostas dissociadas seriam resultantes da estimulação das fibras nervosas provenientes de todas as células ciliadas internas e das células ciliadas externas localizadas nas regiões de freqüências graves (espiras média e apical da cóclea), já que a lesão do neuroepitélio coclear estaria localizada nas células ciliadas externas correspondentes às freqüências agudas (espira basal da cóclae)3, 4, 5. As respostas larga e anormais, quando presentes, indicam sempre comprometimento do VIII par11. Estas modificações da morfologia do potencial de ação poderia ser motivado por vários fatores:
1) Um fator periférico seria a hipertensão endolinfática: haveria uma modificação da dinâmica da onda de propagação através da membrana basilar e conseqüentemente da forma de excitação do neuroepitélio coclear. Por este fator, as formas largas e anormais ocorreriam no período de crise de hipertensão endolinfática.
2) Um fator neural seria o comprometimento das fibras uervosas, levando à uma dessincronização das respostas, formando o P.A. alargado ou deformado11, 13. As respostas largas na doença de Menière estaria também relacionada com lesões retro-cocleares, ao nível do sistema eferente13. Daigneaults e Kupperman7 demonstraram experimentalmente que a secção do sistema eferente coclear, em gatos, produzem modificações da resposta do nervo coclear, que são:
a) P.A. alargado. - b) Curva de entrada-saída amplitude-latência torna-se linear.
3) Um fator vascular, por distúrbios vásculo tensionais do ouvido interno e também induzindo akerações funcionais do VIII para. 4, 5 com dessincronização das respostas do P.A.
No caso da doénça de Menière os mecanismos de formação das respostas largas e ou anormais seriam a própria hidrópsia endolinfática e os distúrbios vásculo-tensionais ao nível do ouvido interno.GRÁFICOS DAS CURVAS ENTRADA-SAÍDA AMPLITUDE-LATENCIA
I) Gráfico da curva entrada-saída amplitude-latência normal.
Em ordenada A%: amplitude do potencial de ação em valores percentuais obtidos a partir do valor máximo em Uv do mesmo, como resposta aos cliques de diferentes intensidades.
Em ordenada L. latência do P.A. em milisegundos.
Em abcissa: intensidade do clique em dB SPL.
II) Gráfico da curva entrada-saída amplitude-latência recrutante.
III) Gráfico da curva entrada-saída amplitude-latência dissociada.GRÁFICOS DOS POTENCIAIS DE AÇÃO
IV) Potencial de ação normal: AA1: amplitude crista a crista de N1 em uV. - DD1: duração da resposta em milisegundos.
V) Potencial de ação alargado: A duração da resposta, neste caso, é de 3,9msec.
VI) Potencial de ação anormal: Além de possuir forma bizarra, o P.A. anormal pode apresentar o pico positivo precoce (ppp).
Nos neurinomas, tais respostas seriam pelo comprometimento do nervo acústico e também pelos distúrbios vásculo-tensionais dado pelo crescimento expansivo da neoplasia no interior do conduto auditivo interno. As respostas largas e anormais também estão presentes nos casos de lesões bulbo-protuberanciais, com comprometimento dos núcleos cocleares. É o que ocorre por exemplo no quadro de encefalopatia bilirrubínica e dos tumores de fossa craniana posterior, com comprometimento bulbo-protuberancial3, 7, 11.
Conclusões
Na doença de Menière o quadro eletro-cocleográfico nos forneceu:
I) Forma das curvas entrada-saída amplitude-latência do tipo recrutante, com predominância das respostas de morfologia larga.
II) Os limiares audiológico e ECoG são semelhantes, com uma diferença máxima de 20 dB entre tais limiares, em 831 dos casos.
Nos neurinomas do VIII par as características ECoG encontradas, foram:
I ) As curvas entrada-saída amplitude-latência são ou do tipo recrutante ou dissociado, com uma forma de resposta do P.A. predominantemente anormal.
II) Pode ocorrer uma discrepância entre os limiares audiológicos e ECoG, com uma diferença entre os mesmos maior que 20 dB, sendo que o limiar audiológico geralmente é o pior.
Resume
L'analyse des résultats chez 107 patients adultes (86 patients avec maladie de Menière et 21 patients porteurs de neurinome du VIII nerf crânien) examinés en électro-cochleografie, montre que cette technique peut être utile pour le diagnostic differentiel entre atteintes cochléaires et rétro-cochléaires.
Agradecimentos
Nossos sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. M. Portmann e ao Dr. J. M. Aran, que nos incentivaram e nos orientaram no curso deste trabalho.
Bibliografia
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Concurso para docência da F.M.U.S.P. - 1972.
ENDEREÇO DO AUTOR:
Departamento de O.R.L.
Santa Casa de São Paulo
Rua Cesário Morta Júnior, 112
São Paulo.
* Instrutor de Ensino da Disciplina de ORL da Faculdade da Santa Casa de São Paulo.
Estagiário pela Fundação Portmann, na Clínica Univers. ORL de Bordeaux II (França) 1974.
** Chefe de Clínica da Clínica Univ. ORL de Bordeaux II (França)
*** Residente da Clínica Univ. de Bordeaux II (França)