Versão Inglês

Ano:  1975  Vol. 41   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 246 a 253

 

MENINGEOMA PRIMÁRIO DA ORELHA MÉDIA - (Apresentação de um caso e revisão de Literatura)

Autor(es): Antonio Douglas Menon*,
Rhadamés Ribas Netto*
Pedro Luiz Cóser**

Resumo:
Apresentamos o caso de uma paciente de 58 anos, com meningeoma Meningotelial ocupando a caixa do tímpano e células de mastóide sem qualquer relação intracraniana. A possível origem deste tumor é discutida, e uma revisão da incidência do mesmo, na forma extra craniana, na área otorrinolaringológica é apresentada.

Meningeoma

O meningeoma é um tumor benigno originário dos meningocitos, células da aracnóide que têm tendência de se reunir na ponta das vilosidades aracnóideas que são extensões desta meninge para os seios venosos com a finalidade de enviar o liquido Céfalo-Raquidiano para a circulação sistêmica4. Representam 15% dos tumores cerebrais, ocorrem mais em adultos, tem crescimento lento, raramente malignizam. Os locais preferenciais para o meningeoma são: Região parasagital, Eminência esfenoidal, proximidades da sela turca. Ângulo Ponto cerebelar e Zona Basi-Frontal do sulco olfatório.

Grosseiramente são divididos em dois tipos4: O tipo "englobe" e o tipo "enplaque". O primeiro é ovóide, o mais comum, de cor Acinzentada, causando sintomas por compressão. O segundo é achatado, crescendo rente à superfície óssea, podendo circundai nervos e invadir o osso adjacente e causar uma hiperostose reativa que o caracteriza radiologicamente.

Histologicamente podem ser divididos em três tipos:

1) Meningotelial onde predominam as células iguais a da camada externa da aracnóide.

2) Psamomatos - com celularidade semelhante ao primeiro, porém apresenta uma formação de células em espiral em cujo centro se encontra uma massa hialina (corpos de psamoma).

3) Fibroblástico - semelhante a uma fibroma jovem, porém com alguns elementos meningoteliais.

Meningeoma Extracraniano

A ocorrência desse tumor extracranialmente tem sido constatada rarissimamente. Quando isso ocorre o otorrinolaringologista e o oftalmologista vêem-se frente a uma tumoração de difícil diagnóstico clínico e radiológico.

Revendo a literatura, encontramos meningeomas nas seguintes localizações: 3 na fossa nasal12, 15, 21, 5 no seio frontal24, 1 no seio maxilar22, 1 na fossa pteringomaxilar24. 1 na tábua externa do osso frontal18, 1 na órbita4, 1 na glabelal, 5 na parafaringe e forame-jugular9, 7, 13, 24, 25, 3 na fossa infratemporal25, 7 cutâneosl, 19 na orelha média2, 5, 10, 17, 18, 14, 25, 20, 6, 11.

Para explicar esta ocorrência duas teorias principais são admitidas. A primeira diz que, teria origem em restos de células das vilosidades aracnóideas que se localizariam ao longo das bainhas nervosas e seriam levadas para o exterior da cavidade craneana na embriogênese. Essas vilosidades também se distribuem ao longo dos seios venosos e de suas veias tributárias8 Outra teoria se fundamenta na histologia dos componentes celulares do meningeoma e diz que esses tumores nasceriam diretamente das células mesenquimais quer sejam meningocitos, fibroblastos ou células de Schwann23. Para esses autores os meningocitos seriam fibroblastos especializados de origem mesenquimal. Essa teoria explicaria a ocorrência dos meningeomas sem qualquer relação com o crânio, forames, suturas ou nervos.

Meningeoma da Orelha Média

Dos 19 casos que referimos anteriormente, 4 tinham origem comprovada no nervo facial, segmento intratimpânico5, 6, 5 realmente não tinham qualquer componente intracraniano e nem do nervo facial10, 14, 18, 25, os demais apresentavam grande destruição de vizinhança, tornando difícil excluir uma origem intracraniana. Os sintomas são predominantemente zumbidos, às vezes do tipo pulsátil, perda auditiva progressiva e dor, mais raramente25. Os sinais mais característicos são abaulamento da Membrana Timpânica na porção posterior, superior ou inferiormente, com coloração avermelhada, freqüentemente há também, um abaulamento do conduto auditivo externo2, 10, 5. A perda audiométrica é do tipo condutivo e o RX mostra opacidade das células mastóideas com destruição óssea10. Este tumor pode ser confundido com Chemodectoma Jugular18 e com colesteatoma. O tratamento é a remoção cirurgica, que às vezes é dificultada pelo sangramento ou pela grande extensão que podem alcançar. O prognóstico é muito bom uma vez que tenha se retirado toda a lesão.

Apresentação do Caso

T.L., 58 anos, feminino, branca, procedente de São Paulo.

Anamnese: Vertigem, há dez dias, após ter tido dores na nuca e ter se submetido às massagens servicais. Interrogada, refere diminuição na audição do ouvido esquerdo, há 1 ano e meio, de forma progressiva. Nega zumbido. Dores de cabeça ocasionais; há 8 anos, dores cervicais que vêm tratando com trações intermitentes e fisioterapia (massagens, forno, acupuntura). Refere ter também discreta dificuldade à marcha. Nega passado otológico.

Exame O.R.L.: Otoscopia - Ouvido esquerdo - descamação da pele do conduto, abaulamento da porção póstero-superior do conduto auditivo externo, membrana timpânica espessada, sem brilho, abaulada.

Exame Otoneurológico: Audiometria: (Fig. 1) - OD-discreta disacusia neurosensorial, com queda maior em agudos. - OE - disacusia mista, com predominância neuro-sensorial, e queda para os agudos. - Tone Decay - Normal. - SISI - não realizado. - Discriminação Vocal - OD - Normal - OE - Diminuída para as monossílabas.



FIG. 1 - Audiogramas pré-operatório (superior) e post-operatório (inferior) explicação no texto.



Função Vestibular: (Fig. 2) - Nistagmo espontâneo ausente, inclusive a ENG. - Nistagmo de posição: Ausente. - Nistagmo Post-calórico (Hallpike)

OD - 30: VACL-0 - 44: VACL-12

OE - 30: VACL-6 - 44: VACL-0

Preponderância direcional do nistagmo para a direita.

Observou-se ainda, após 2 minutos e 30 segundos nas provas o aparecimento de um nistagmo de fase secundária, ou seja, batendo em ambas as provas.

Nervos Cranianos: nada digno de nota.

Equilíbrio: marcha: normal - Romberg: Ausente

Sinais cerebelares: Dismetria ausente - Disdiadococinesia: estendidos: sem desvios.

Exame radiológico: (Fernando Chammas) (Fig. 3, 4 )



FIG. 2 - Eletronistagmografia pré-operatória, segmentos em ordem da esquerda para a direita e de cima para baixo: 1 - NE, olhos fechados, 2 - NE, olhos abertos, 3 - OD, 30°, nistagmo de fase secundária, 5 - OE, 30°, 6 - OD, 44°, 7 - OE, 44°, 8 - 44°, nistagmo de fase secundária.



FIG. 3 - Incidência de Schiller, à direita o ouvido esquerdo, à esquerda o direito.



Politomografias: Incidências panorâmicas e unilaterais na posição Guillem.

Temporal esquerdo: Mastóide esclerosada, acelular, ebúrnea da otite crônica.

Antro: Arredondado,, alargado, com 'erosão das paredes em "saca-bocado", de contonos "flou" sugerindo osteíte associada.



FIG. 4 - Politomografia panorâmica frontal, observar o tumor ocupando a caixa, ático e antro (parcialmente) à esquerda.



Erosão moderada do esporão. Muro do ático esclerosado.

Parede interna da caixa: esclerose do tipo inflamatório:

Ossículos: ligeiro desvio lateral contra o muro da lojeta. Alargamento do áditus.

Conteúdo da caixa: diminuição da transparência sugerindo secreção, tecido de granulação ou pus. Cápsula ótica, meato acústico interno e ponta da pirâmide nos limites normais. Temp. direito: Velamento moderado do antro sugerindo processo inflamatório pregresso.

Demais componentes normais.

Conclusão: sinais de otite média crônica com colesteatoma antro-atical.

Com os achados acima foi proposta cirurgia para a paciente que em virtude de problemas particulares só ,retornou 1 ano depois. A otoscopia, nesta ocasião, revelou fístula na parede póstero-superior do conduto auditivo externo esquerdo. Nesse intervalo, a paciente continuou apresentando tonturas que muitas vezes a incapacitaram para o trabalho.

Antes da cirurgia foi submetida à uma série de curativos ao microscópio para o tratamento da otite externa. O nosso diagnóstico para a cirurgia foi otite média crônica colesteatomosa, provável.

Cirurgia: 1.° de fevereiro de 1974.

A mesma constituiu em Mastoidectomia Radical esquerda. Como achado importante verificamos a presença de "fungosidades" de coloração acinzentada, pouco sangrentes que preenchiam toda a cavidade da mastóide, áditus, ático e caixa timpânica; não encontramos colesteatoma, nem processo infeccioso. O material foi removido totalmente, não se observando procedência de duramáter como também osteíte ao nível do canal semi-circular lateral. Cadeia ossicular, interrompida com osteíte da apófise longa da bigorna.

Exame Anátomo-patológico: (Figs. 5 e 6) (IAPCSP)

Os cortes histológicos são constituídos por células fusiformes curtas, dispostas em arranjo compacto. As células têm citoplasma acidófilo. Os núcleos são centrais, ovóides, sem atipías. Entre os feixes celulares, fibras colágenas espessas e capilares estão presentes. Há focos de hemorragia intersticial. Um dos fragmentos exibe, em meio ao estroma, imagens negativas de cristais de colesterol e células gigantes multinucleadas, tipo corpo estranho.



FIG. 5 - Corte mostrando elementos meningoteliais.



FIG. 6 - Corte mostrando cristais de colesterol.



Diagnóstico: Meningeoma Meningotelial.

Evolução do Caso: A paciente evoluiu, no pós-operatório, sem anormalidades, rendo a cavidade epitelizado totalmente. No mês de maio, após três meses, feita a revisão a doente se encontrava sem tonturas e com o ouvido seco.

O exame otoneurológico de controle revelou: Audiometria. (Fig. 1)

Disacusia mista no OE com piora tanto da via aérea como óssea. Exame Vestibular: (Figs. 7 e 8)



FIG. 7 - Eletronistagmografia post-operatória, segmentos ordenados da direita para a esquerda
e de cima para baixo: 1 - NE, olhos fechados, 2 - Rastreio pendular, 3 - OE, 42°, 4 - OD, 42°, 5 - OE, 20°, 6 - OD, 20°, 7 - OE, 15°, 8 - OD, 15°.


(Prova com Ototermoar)

Nistagmo Espontâneo: H ? D: 6%

42 - OD -VACL : 6 - 6 = 0 - OE - VACL : 6 (D) = 0
20 - OD -VACL : 0 + 6 = 6 - OE - VACL : 6 - 6 = 0
15 - OD -VACL : 14 + 6 = 20 - OE - VACL : 6 - 6 = 0

Arreflexia à esquerda, recrutamento vestibular à direita.

Comentários

Vários aspectos podem ser salientados neste trabalho:

1) A pobreza de sintomatologia referida pela paciente em contraposição à doença.
2) A riqueza de achados no exame, em especial à ENG.
3) A raridade do caso em si, que o otologista deve ter presente.
4) O achado radiológico que deve ser sempre confrontado com os dados clínicos.

Summary

The authors report a case of a Meningothelial Meningioma arising in the middle ear without apparent connection with the intracranial space some etiological and clinical aspects are discussed.

The incidente of this tumor in its extracranial form in the ENT area is reviewed.

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ENDEREÇO DOS AUTORES:
Hospital Ibirapuera
Av. Ruben Berta, s/n ° - Cx. Postal 20341
São Paulo (Capital)

* Médicos do Hospital Ibirapuera - São Pãulo - SP.
** Doutorando da Universidade Federal de Santa Maria - RS.
Estagiário do Hospital Ibirapuera - SP.

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