Versão Inglês

Ano:  1975  Vol. 41   Ed. 2  - Maio - Agosto - (10º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 187 a 193

 

OSTEOGENESIS IMPERFECTA-FRATURA ESPONTÂNEA DO ESTRIBO

Autor(es): Décio Renato Campana*,
Said Ibrahim*
Edienete Lúcia Viviani**

Resumo:
Os autores apresentam um caso de osteogenesis imperfecta (o.i.) em que a cirurgia otológica revelou fratura espontânea das crura do estribo. Esse achado comprovou a suspeita levantada pelo teste pré-operatório de impedância acústica.

Histórico

A o.i. é doença hereditária devida a alteração ou hipoplasia mesenquimatosa. Numerosos são os achados patológicos nessa afecção: fragilidade óssea, esclerótica azul, hipoacusia condutiva, alteração de pele, dentes e articulações1, 2, 3. Enfim, podemos encontrar alterações em muitos órgãos da economia. Foi descrita primeiramente em 1788 numa tese de Ekman (citado por Patterson, C. N.)2 com o nome de "Osteomalácia congênita em três gerações".

Axmann em 1831 (citado por Patterson, C. N.)2 descreveu a doença em si mesmo e em seus três filhos. Fez referência a deslocações articulares e esclerótica azulada.

Lobstein em 1833 (citado por Patterson, C. N.)2 descreve a forma em adulto e em 1849 Vrolik (citado por Patterson, C. N.)2 descreve a forma congênita.

Van Der Hoeve e De Kelyn em 1918 (citado por Patterson, C. N.)2 descrevem a síndrome da esclerótica azul, fragilidade óssea e perda condutiva da audição; síndrome esta que leva seus nomes.

Ruttin em 1922 (citado por Patterson, C. N.)2 atribui a surdez à otosclerose, Em 1928 Bell (citado por Patterson, C. N.)2 descreveu o padrão da herança dominante na o.i.

Aspectos Clínicos

A o.i. constitui afecção rara, mais freqüente no sexo feminino, parecendo ser devida a hipoplasia mesenquimatosa hereditária. De acordo com a época do aparecimento e a intensidade das manifestações temos duas variedades: o.i. congênita ou doença de VROLIK e a o.i. tardia, osteopsatirosis ou doença de EKMAN-LOBSTEIN. Na forma congênita as fraturas já ocorrem na vida intra-uterina e durante o trabalho de parto a criança nasce morta ou falece precocemente. Na forma tardia, as fraturas se iniciam na infância, quando a criança começa a andar. Os casos de o.i. em que encontramos esclerótica azul, fragilidade óssea e hipoacusia do tipo condutivo, recebem o nome de síndrome de VAN DER HOEVE-DE KELYN. Os achados clínicos mais comuns na o.i. são: alterações ósseas, onde espontaneamente ou por pequenos traumas surgem as fraturas, com pouca dor, principalmente nos ossos longos. Nesses ossos longos, a camada cortical e as trabéculas da esponjosa são finas. A esclerótica azulada é devido principalmente à pouca espessura da mesma, que permite observar por transparência a coróide do globo ocular. A hipoacusia é geralmente condutiva, podendo mais raramente ser mista ou neurossensorial. Ocorre mais frequentemente por fixação da platina do estribo na janela oval.

Outras alterações como, grande elasticidade articular, aumento ântero-posterior do crâneo e alterações da dentina podem ocorrer. Os dados laboratoriais não mostram mudanças na bioquímica sanguínea. O cálcio e fósforo séricos são normais.

Aspectos Genéticos

A doença tem caráter familiar (mais evidente na forma tardia) sendo transmitida por gen autossômico dominante. Entretanto, a expressividade genética é variável. Isto quer dizer que o paciente pode apresentar o quadro completo ou uma gama de variações de intensidade dos sintomas e sinais. Pode apresentar apenas fraturas espontâneas, apenas escleróticas azuladas, apenas hipoacusia etc. ou associação de duas ou mais alterações, em numerosas combinações.

Stoller (1962) 4, em 38 casos de o.i., encontrou:

64,8% - esclerótica azul

47,3% - fraturas múltiplas

28,9% - perda auditiva

Considerando apenas os casos de esclerótica azul, 58% tinham hipoacusia. Fowler (1949)5 afirmou que 69% dos pacientes com otosclerose tinham esclerótica azulada. Ele, admite que a otosclerose é uma forma localizada de o.i. na cápsula labiríntica.

Aspectos Otológicos

A hipoacusia, quando presente na o.i., é geralmente do tipo condutivo e clínicamente indistinguível da otosclerose. A hipoacusia começa na puberdade quando as fraturas são menos frequentes.

Wullstein, Olgivie e Hall (1960) s estudaram a relação entre o.i. e a otosclerose, e acham que as duas doenças são consequência de anomalia osteoblástica; sendo a forma localizada de o.i.

Altmann (1962)7; Bretlau M; Balslev-Jorgensen (1969)3 acham que não há histológica e histoquimicamente evidencia de histologia comum. Mas a frequente coexistência das duas doenças poderia ser pela o.i. predispor ao aparecimento de otosclerose.

Estudos mostram que não existe semelhança histológica entre as lesões do esqueleto na o.i. e as do foco otosclerótico. Shambauch (1967)3 afirma que as lesões da cápsula labiríntica na o.i. e o foco otosclerótico da otosclerose, sem o.i. são idênticos.

Caso Clínico

V. C. S., 35 anos, fem., br., cas., natural de S. P., Capital.

Há 8 anos, vem perdendo progressivamente a audição em ambos ouvidos; de maneira mais acentuada no ouvido direito, onde apresenta zumbido intermitente. Relaciona o inicio da sintomatologia à segunda gravidez.

Nega passado otológico infeccioso e vertigens. Nega qualquer antecedente pessoal de fratura óssea. Chama-nos logo a atenção o fácies da paciente pois suas escleróticas são fortemente azuladas (Fig. 1 e 2).



FIG. 1 e 2



Os antecedentes familiares são numerosos, pai falecido sem qualquer antecedentes de doença. Mãe, também falecida, tinha esclerótica fortemente azulada e uma perna mais curta que a outra (provavelmente como sequela de fratura). Tem três filhos, todos com esclerótica azulada, sem hipoacusia; o mais velho, de 9 anos fraturou o membro superior duas vezes. A irmã mais velha, 41 anos, solteira, tem a esclerótica levemente azulada, sem antecedente de fratura. O exame audiométrico mostra hipoacusia condutiva discreta e o teste da impedanciometria é compatível com fixação do estribo. (fig. 3 e 4).

A outra irmã tem 38 anos, é casada, tem esclerótica azulada e hipoacusia. Nega fraturas.

Apresenta exame audiométrico com hipoacusia mista em ambos os ouvidos, predominante o fator condução. A impedanciometria mostra características de tipo fixação do estribo. (fig. 5 e 6).

Tem cinco filhos, todos com esclerótica normal. Refere que dois deles tem deficiência auditiva (não foi possível testá-los); um destes já fraturou o braço três vezes.



FIG. 3 e 4



FIG. 5 e 6



Exame otorrinolaringológico de nossa paciente:
BOCA - dentes com colocação e implantação normais.
OROFARINGE - ndn.
NARIZ - ndn.
OUVIDOS - condutos e tímpanos normais.

O exame audiométrico, confirmou os achados do diapasão, isto é, hipoacusia do tipo condução, em ambos ouvidos, com queda maior na via aérea direita (fig. 7).



FIG. 7



FIG. 8



Feito o teste de impedância acústica, chamou-nos a atenção o fato de encontrarmos no ouvido direito complacência aumentada, ao lado de uma curva de timpanometria alta e a presença do reflexo estapediano; ao contrário do que ocorria no lado esquerdo. (Fig. 8)

Este quadro nos sugeria uma disjunção da cadeia ossicular de localixiação abaixo da inserção do tendão do músculo estapédio no estribo, isto é, abaixo da cabeça do estribo (pela presença do reflexo estapediano).

A paciente foi submetida a timpanotomia exploradora do ouvido direito por via transmeática, sob anestesia geral.

Descolado o retalho tímpano-meatal e afastada a corda do tímpano, curetamos o rebordo ósseo para exposição da cadeia ossicular e notamos que o osso era extremamente friável e com uma só manobra de curetagem, retiramos grande fragmento da parede póstero-superior do conduto. Ao tocarmos o martelo, o mesmo, era extremamente móvel, sendo solidário a ele, nessa movimentação, a bigorna e as cura do estribo. Com aumento maior, do microscópio, verificamos que os ramos do estribo estavam separados da platina, isto é, havia fratura do estribo ao nível das crura.



FIG. 9



Retirada as crura do estribo, verificamos que a platina estava fixada no rebordo da janela oval. A platina foi aberta com facilidade pois ao ser cocada pelo testador; fragmentou-se. Como prótese, utilizamos fio de aço de 4,5mm, apertado delicadamente em torno da delgada extremidade da apófise longa da bigorna. Fragmentos de gelfoan foram colocados na janela oval aberta, em torno da prótese. Pós-operatório normal, com paciente apenas discretamente vertiginosa. Recuperação auditiva com fechamento do gap. (Fig. 9)

Conclusões

O caso apresentado, nos leva a alguns ensinamentos e conclusões:

I - Foi o teste da impedância acústica que nos levou à suspeitar da disjunção da cadeia ossicular.

lI - Nos casos de o.i., levados à timpanotomia, devemos ter cuidado na curetagem do rebordo ósseo, manobra mais violenta, pode destacar grande fragmento ósseo.

III - Na o.i., devido à fragilidade óssea e a delicadeza do ramo longo da bigorna, torna-se melindrosa a manobra de apertar a prótese de aço, em torno do mesmo.

Sugerimos nestes casos, o uso de próteses totais de teflon, que são auto-fixáveis e evitam o perigo de fratura da bigorna.

IV - Na o.i., nem sempre, a hipoacusia de condução ocorre por fixação do estribo. No caso apresentado, ocorreu fratura patológica do mesmo, se bem que a platina estivesse fixada.

A fratura patológica, deve ter ocorrido pela ação do músculo do estribo, sobre um ossículo frágil, fixado pela base.

V - A hipoacusia no ouvido oposto da nossa paciente, e a hipoacusia de suas irmãs, devem ser devidas à fixação da platina do estribo.

VI - O caso apresentado é, dentro do quadro da o.i., uma síndrome completa de VANDER HOEVE-DE KELYN, pois apesar de não haver antecedentes de fratura, havia dentro do ouvido médio uma fratura espontânea oculta.

Summary

The authors presents a case of osteogenesis imperfecta in that the otological surgery showed spontaneus frature of stapes crura.

This discovery, confirm the midle ear impedance measurements.

Bibliografia

1. Bretlau" P.; Jorgensen, M. B.; Johansen, H.: Osteogenesis imperfecta. Light and electron microscope studies of the stapes. Acra Otolaryng. (Strockholm) 69: 172-84 Mar 70.
2. Patterson, C. N.; Stone, H. B.: Stapedectomy in Van der Hoeve's Syndrome. Laryngoscope 80: 544-58 apr 70.
3. Bretlau; P.; Balslev-Jorgensen, M.: Otosclerosis and osteogenesis impefecta. Acta Otolaryng. (Stockholm) 67: 269-76. Feb Mar 69.
4. Stoller, F. M.: The ear in osteogenesis imperfecta. Laryngoscope 72: 855-869, 1962.
5. Fowler, E. P.: The incidence and degrees of blue scleras in otosclerosis and others disorders. Laryngoscope, 59: 406, 1949.
6. Wullstein, H.; Olgivie, R. F. and Hall, J. S.: Van der Hoeve's Syndrome in mother and daughter. J. Laryng and Otol., 74: 67, 1960.
7. Altmann, F.: Temporal bone in osteogeresis imperfecta. Arch. Otol. 75: 486, 1962.
8. Shambaugh, G. E. Jr.: Surgery of the ear. Second edition pg. 483. Saunders Company.




Endereço Autores:
Rua Marcelina, 241 - Vila Romana
São Paulo - SP.

* Médicos assistentes da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
** Fonoaudióloga da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial