Versão Inglês

Ano:  1975  Vol. 41   Ed. 2  - Maio - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 157 a 162

 

TUMOR MISTO DO PROLONGAMENTO FARINGEO DA PARÓTIDA*

Autor(es): Antonio de Padua Bertelli **
João Batista Ferreira***

Resumo:
A ocorrência de um tumor misto do prolongamento faríngeo da parótida apresentando-se como abscesso periamigdalino, numa paciente de 49 anos, é relatada. Embora a existência dos tumores mistos na parótida seja relativamente freqüente, a sua localização parafaríngea é, no entanto, rara.

O espaço parafaríngeo situa-se sob a base do crânio, sendo constituído por tecido conjuntivo frouxo e estruturas neuro-vasculares nobres. As seguintes estruturas ósseas limitam o espaço: superiormente, a base do crânio; lateralmente, o ramo ascendente da mandíbula, apófise estilóide e mastóide; posteriormente, a coluna cervical. As estruturas moles que limitam o espaço são: anteriormente, o músculo pterigoideo interno; posteriormente, a fáscia pré-vertebral; lateralmente, a glândula parótida e medialmente, a parede faríngea. Situado látero-superiormente, o processo estilóide dá fixação ao ligamento estilomandibular lateralmente, e aos músculos estiloglosso e estilofaríngeo que descem obliquamente para a linha média. É detrás destes músculos que se situam os grandes vasos do crânio (carótida interna, jugular interna) e nervos (glosso faríngeo, vago, espinal, hipoglosso e simpático). Uma fáscia envolve estas estruturas, estendendo-se do processo estilóide à faringe e constitui o septo estilofaríngeo que separa o espaço parafaríngeo do espaço estilofaríngeo. Patey e Thackray14 criaram a denominação Túnel Estilomandibular ao espaço compreendido entre a borda posterior do ramo ascendente da mandíbula, a apófise estilóide e o ligamento estilomandibular, tendo como limite superior a base do crânio. Os conceitos anatômicos e de técnica cirúrgica foram melhor firmados em estudos realizados por esses autores em 1955. Eles estabeleceram o conceito dos tumores da porção profunda da parótida relativos à extensão através do túnel estilomandibular em direção ao espaço parafaríngeo, o que por vezes adquire a estrutura de halteres (dumbbell tumores). Preconizaram ainda a secção do ligamento estilomandibular e fratura da apófise estilóide para melhor abordagem desses tumores.

Os Tumores Mistos, denominados também Adenomas Pleomórficos, são mais frequentemente encontrados nas glândulas salivares maiores, principalmente na porção superficial da glândula parótida. Quando localizados na porção profunda, sob o nervo facial, mais comumente desenvolvem-se externamente, aquém do túnel estilomandibular. Em menor freqüência, podem crescer estendendo-se para o espaço parafaríngeo, ou mesmo ter origem no prolongamento glandular, que adentra esse espaço. Segundo Kestel8, apenas 2,7% do total dos tumores da parótida ocorrem às expensas do prolongamento faríngeo da glândula.

O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de tumor misto do prolongamento faríngeo da parótida.

Relato de um Caso

Uma paciente da raça branca, de 49 anos de idade, bom estado geral, foi atendida em 10 de setembro de 1974 no Serviço de Cabeça e Pescoço da APCC, queixando-se de aparecimento de "inchaço" na região amigdaliana esquerda, há cinco meses, indolor e não acompanhado de outros sintomas. Consultou facultativo que fez punção no local suspeitando de abscesso, contudo não houve drenagem de secreção. Medicada com antibióticos, não apresentou melhora, sendo a nós encaminhada.

Antecedentes: Amigdalectomizada na infância.

Oroscopia: Lesão nodular submucosa localizada tia região amigdaliana esquerda, de 3,5 cm de diâmetro, de consistência cística, recoberta por mucosa íntegra, empurrando para a frente e medialmente ambos os pilares e o véu mole (fig. 1).

Rinoscopia posterior: Saliência localizada na parede lateral esquerda da rinofaringe nas proximidades da orla tubárea, contínua ao abaulamento da região amigdalino-palatina, de superfície lisa e preservando 3/4 da luz coanal.

Pescoço: Região parotidea e subangulo mandibular esquerdo com moderado abaulamento sugerindo continuidade com o tecido parotideo, de superfície lisa e indolor. Não há paralisia facial. Não são palpáveis gânglios significativos (fig. 2).



FIG. 1 - Mostra a lesão submucosa na loja amigdalina esquerda, desviando para frente e em direção à linha média, o pilar anterior.



FIG. 2 - O abaulamento nas regiões parotidea e subangulo mandibular esquerda pode ser notado.



Hipótese Diagnóstica: Tumor do prolongamento faríngeo da parótida.

Diante de tal suspeita diagnóstica, realizaram-se os seguintes exames radiográficos:

- Radiografia da coluna cervical: normal.

- Radiografia das cavidades paranasais (Incidência de Hirtz): imagem densa no setor da rinofaringe com obstrução parcial da luz. A topografia correspondeu predominantemente ao setor lateral esquerdo (fig. 3).

- Carotidoangiografia esquerda: houve boa contrastação do sistema carotideo, verificando-se nas incidências de perfil, nas fases arteriais, deslocamento posterior da artéria carótida interna, de aproximadamente 2 cm do seu leito usual e atingindo desde a porção média de C4 até a porção superior C1. No estudo das projeções de AP., nas fases arteriais verificou-se desvio lateral da artéria carótida interna de aproximadamente 1,5 cm do seu leito usual, numa extensão de 4,5 cm.

Conclusão: o aspecto angiográfico cervical é compatível com lesão expansiva, de natureza não vascular, prováveis partes moles, de projeção lateral é inferior ao ângulo da mandíbula. O estudo intracraniano é normal (fig. 4).

Em 20/9/74 a paciente submeteu-se a cirurgia. Realizou-se a exerese do tumor por uma via de acesso cervical. Foi feita a abordagem ao tumor através do túnel estilo-mandibular, seccionando-se o ligamento estilo-mandibular e fraturando-se a apófise estilóide. Realizou-se a exerese do tumor localizado no prolongamento faríngeo da glândula parótida esquerda, o qual tinha aspecto de tumor misto, por meio de uma parotidectomia profunda, com secção na porção profunda da glândula. O Exame de Congelacão no limite ístmico de seccão do tumor revelou glândula parótida normal.



FIG. 3 - Incidência de Hirtz. Observa-se a hipotransparência no setor parafaríngeo esquerdo, e rinofaringe com preservação das estruturas ósseas.



FIG. 4 - Carotidoangiografia esquerda. Observa-se o grande desvio lateral e posterior da artéria carótida interna.



Também foi normal o exame da área gordurosa peritumoral. Na cavidade operatória, introduziu-se 10 mg de oncothiotepa e adaptou-se surgicel no leito cirúrgico para auxiliar a hemostosia. Em seguida, procedeu-se à sutura, após colocação de dreno de Pervrose. Não administramos antibioticoterapia.

Peça Operatória: Tumor medindo 6x4x4 cm, apresentando externamente coloração rosada com áreas acinzentadas e algumas nodulações com coloração esbranquiçada; superfície lisa e brilhante. Ao corte, apresenta coloração esbranquiçada, consistência amolecida com áreas de consistência gelatinosa (fig. 5).

Exame Microscópico: Os cortes mostram fragmentos de neoplasia madura com proliferação epitelial constituida por blocos cordais e túbulos de células poligonais típicas e estroma com áreas mixóide, condróide e colagenizados. A lesão está circunscrita por cápsula fibrosa espessa (fig. 6).

Diagnóstico: Adenoma Pleomórfico.

Comentários

Embora a paciente não tivesse observado há mais tempo o tumor, provavelmente o mesmo apresentava evolução mais longa. A despeito da presença da grande massa tumoral no espaço parafaríngeo e conseqüentemente o grande abaulamento da loja amigdaliana, os sintomas eram mínimos. A exteriorização lateral, manifestada por uma saliência na região subangulo mandibular esquerda, da mesma forma passava despercebida pela paciente. Assim, esses tumores podem passar um período longo sem manifestação clínica, sendo uma das suas características o crescimento lento.



FIG. 5 - Tumor misto medindo 6x4x4 cm. A porção superior limitava-se com a base do crânio. O contorno mais longo preenchia a loja amigdalina esquerda. Uma pequena porção constituia o ístmo através do qual o tumor se fixava ao tecido glandular normal.



FIG. 6 - O corte histológico (aumento 63 vezes) mostra o tumor misto envolto por cápsula fibrosa e os típicos elementos epiteliais mixóide e condróide.



FIG. 7 - Pós-operatório (terceira semana). Observa-se a simetria nítida dos arcos palatinos e a integridade de ambas as lojas amigdalinas.



FIG. 8 - Pós-operatório (terceira semana). Observa-se a cicatriz da incisão cervical na altura do terço superior da borda anterior do músculo esternocleidomastoideo.



O estudo semiológico da paciente, ao lado dos recursos complementares laboratoriais, foi de grande importância na elucidação diagnóstica do caso. Em relação à técnica cirúrgica empregada, adotamos a abordagem cervical externa, hoje aceita e seguida por inúmeros autores.

Evolução

Evoluiu bem no pós-operatório imediato sem intercorrência. Quatro meses após a cirurgia, foi reexaminada, evidenciando o retorno à normalidade anatômica da renião amigdaliana.

Summary

The authors report an adult patient with a mixed tumor of parotid gland, situated deeply in the parapharyngeal space.

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Endereço Autores:
Rua Minas Gerais, 428 - Ap - 93
Consolação - 01244 - São Paulo/ S.P.

* Trabalho realizado no Serviço de Cabeça e Pescoço do Instituto Central da APCC.
** Titular do Serviço de Cabeça e Pescoço da APCC.
*** Assistente da Clínica O.R.L. do Hospital das Clínicas da FMUSP.

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