Versão Inglês

Ano:  1975  Vol. 41   Ed. 2  - Maio - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 150 a 155

 

MANIFESTAÇÕES COCLEO VESTIBULARES NO DIABETIS MELLITUS*

Autor(es): Rudolf Lang **;
Moacyr Saffer ***;
Adir Fachinello,
Lizandro Leon Montalvo,
Sebastião E. Cavalcante ****
Fernando S. Praça *****

Resumo:
Neste trabalho é apresentado um caso de microangiopatia diabética com vascularite obliterante da porção vestibular do labirinto membranoso, cuja ocorrência em diabete mellitus vem sendo negada até o presente pelos estudos histológicos realizados por vários autores.

Apresentação do caso

I. D., feminino, branca com 26 anos.

História clínica. Em 06-12-74. Reata a paciente que há 7 meses subitamente foi acometida de crise aguda de vertigem e vômitos com duração de 1 semana. No mês seguinte surgiu perda de equilíbrio, acúfeno e perda progressiva de audição do OD que chegou a anacusia no espaço de 15 dias. Atualmente persistem o acúfeno e o desequilíbrio. Sensação permanente de tontura que somente alivia com o tratamento sintomático. Nega otalgia ou sensação de ouvido cheio. Apresenta insuficiência renal e é portadora de diabete compensada.

Exame clínico: Normal a inspecção otorrinolaringológica. Sinal de Hitzelberger levemente diminuido no poro acústico D. Pelo diapasão Weber lateraliza para OE, falso Rinne negativo no OD e ausência de discriminação pela corneta acústica no OD.

O audiograma revela anacusia no OD e as provas labirínticas inexcitabilidade vestibular no OD.

Os exames laboratoriais revelam uma taxa de glicose de 156,8 mg%, urina com açúcares e traços nítidos de proteinas. Sorologia para lues e imunofluorescência (FTAABS) não reagente. Demais exames dentro dos limites da normalidade.

O Rx simples do osso temporal que inclui investigação tomográfica revela meatos acústicos internos de configuração normal e diâmetro vertical normal.

A iodocisternografia direita com radiografias diretas e cortes planigráficos mostra penetração de contraste na cisterna do 8.º par. Há presença de grande célula no ápice do rochedo.



FIG. 1 - Vê-se boa penetrabilidade do contraste no meato acústico interno do OD. O teto do meato acústico é constituido por enorme célula do ápice do rochedo.



Frente ao insucesso da terapêutica clínica na manutenção da paciente livre dos sintomas de acúfeno, desequilíbrio e tonturas permanentes foi indicada secção translabiríntica do 8.° par.

Ato cirúrgico: Sob anestesia geral em 14-12-74 com incisão retroauricular OD foi procedida a trepanação da mastóide, destruição dos canais semicirculares, abertura do utrículo e sáculo que se apresentaram aumentados de volume em relação às suas dimensões habituais. O material do vestíbulo foi remetido a estudo histopatológico. Abertura do meato acústico interno, identificação do facial e secção dos demais ramos do 8.° par na altura da crista transversa com coleta de fragmento de nervo para estudo histopatológico. Fechamento da cavidade com retalho muscular e sutura da pele.

Anatomia patológica

No fragmento de nervo apenas se constatou a presença de feixes nervosos com células ganglionares. No conjunto utrículo-sacular vêem-se pequenas extensões de tecido conjuntivo fibroso em parte revestidos por células semelhantes a endoteliais. No tecido conjuntivo há zonas de edema, infiltração mononuclear com neutrófilos e presença de pigmento hemossiderótico. Algumas mostram a membrana PAS positiva proeminente além de vascularite obliterativa. Fig. 2 e 3.

Avaliação

Pós operatório e avaliação dos resultados aos 45 dias revelam que a paciente não mais apresenta desequilíbrio nem tontura, o acúfeno cedeu totalmente. Não apresentou infecção pós operatório nem danos em relação ao nervo facial. O que mais chamou a atenção foi para a radical mudança do psiquismo da paciente. De uma extrema angústia pré-operatória pela vertigem constante para a normalização no seu relacionamento social e familiar.



FIG. 2 - Em 100 x vê-se a degeneração da íntima vascular por um espessamento acentuado da membrana PAS positiva e vascularite obliterativa.



FIG. 3 - Em 400 x aspecto da luz de um vaso obliterado.



Comentários

Desde o trabalho pioneiro de Külz2 em 1899 vários autores tem se dedicado às observações e pesquisas com relação à função cócleo vestibular em pacientes diabéticos. Segundo Courtrey e Bernardellia um grupo de investigadores entre os quais Külz, Camisasca, Marullo, Vigi e outros opinam que a diabetes mellitus ocasiona no ouvido interno lesão caracterizada por hipoacusia neurosensorial bilateral, lentamente progressiva. Por outro lado alguns pesquisadores como Hegener, Lang, Benesi, Somrner, Jörgensen e outros assinalam que a instalação da hipoacusia é súbita e que se acompanha de fenômenos vestibulares.

Em nossa casuística temos ambos exemplos. O da paciente relatada no presente trabalho com surdez súbita e manifestações vestibulares, e o caso do paciente da figura n.° 4 que apresentou hipoacusia neurosensorial progressiva com otite serosa.



FIG. 4 - Paciente masculino com 70 anos. Taxa de glicose 250 mg % apresentando quadro de otite serosa e hipoacusia neurosensorial bilateral.



Jörgensenl1, 4 em 1960 relatou 2 casos de pacientes com diabetes mellitus e surdez súbita seguidos por recuperação parcial de audição. Já naquela época presumia que a angiopatia diabética demonstrada em vasos de outros órgãos também poderia comprometer os vasos do ouvido interno. Não foi feito estudo histopatológico. Já no ano seguinte o próprio Jörgensen5 publicava suas observações histopatológicas feitas em 32 ossos temporais de pacientes diabéticos. Os principais achados mostravam uma redução das células ganglionares na parte basal do canal espiral e espessamento PAS positivo da membrana basal nos capilares da estria vascular. Demonstrou também a ocorrência de precipitados PAS positivos nas paredes dos capilares cujas paredes se apresentavam espessadas em 10 a 20 vezes o tamanho normal. No entanto, a oclusão total de vasos raramente foi encontrada. As alterações em relação ao ouvido interno foram apenas encontrados nos capilares da estria vascular. Os capilares do ligamento espiral bem como a parte vestibular do labirinto não se apresentaram alteradas. Kovar, seccionando 28 temporais de pacientes com diabetes mellitus de longa evolução encontrou dados semelhantes aos de Jörgensen, acrescentando alterações vasculares aos vaso-nervorum do 7.° e 8.° pares craneanos. Também encontrou formações trombóticas na crista do canal semicircular superior sem porém referir angiopatia obliterativa.

Em nossa paciente justamente nos vasos do utrículo e sáculo é que encontramos a vascularite obliterativa responsável pelas manifestações vestibulares que incapacitavam a paciente. Provavelmente alterações semelhantes seriam encontradas na parte coclear do ouvido interno que por razões cirúrgicas deixou de ser extraída para exame.

Também Marshak6 em trabalho experimental conclui que na diabete primária ocorre uma microangiopatia diabética afetando os capilares da membrana basal. Segundo Bloodworth e outros7, 8 o edema endotelial causa oclusão parcial ou total de algumas áreas de capilares resultando em isquemia e hemorragias locais e exsudatos nas áreas dos capilares afetados.

A variedade de aspectos audiológicos e vestibulares encontrados em pacientes com diabetes mellitus, segundo Kbatwa, Abu e outros9 talvez esteja intimamente relacionada ao grau de comprometimento do suprimento vascular às porções cocleares e vestibulares do ouvido interno.

Conclusões

1. A microangiopatia diabética apresenta aspectos audiológicos polimorfos que vão desde a anacusia até a surdez neurosensorial moderada e profunda.

2. O comprometimento vascular é mais freqüente em relação a cóclea, mas também pode ocorrer no sistema vestibular com manifestações cócleo vestibulares.

3. Em pacientes com anacusia e manifestações vestibulares incontroláveis pela terapêutica clínica a secção translabiríntica do 8.° par trouxe grande alívio para a paciente com desaparecimento das manifestações de tonturas, desequilíbrio e acúfenos.

Summary

In this work, one case of diabetis mellitus, with obliterative angiopathy of the inner ear, is presented. This finding has been negate by several autors that, through the years, have donne histopathologycal studies about it.

Bibliografia

1- Jörgensen, M. B. 1963: Changes of aging in the inner ear, and the inner ear in diabetis mellitus. Histological studies. Acta Otolaryng. Suppl., 138.125.
2- Külx, E.: Klinische Erfahrungen über diabetes mellitus, Jena, G. Fischer Verlag 1899.
3- Courtrey, G, T. e Bernardelli, J. C. 1966: Labirintopatia diabética. Estudio Clínico. Amer. Soc. Mex. ORL., 9.89.
4- Jöorgensen, M. B. 1960: Sudden loss of inner ear function in course of long stading diabetes mellitus. Acta otolaryng., 51, 579.
5- Jörgensen, M. B. 1961: The inner ear in diabetis Mellitus. Arch Otolaryng. 74, 373.
6- Marshak, G., 1972: The inner ear in experimental diabetis Mellitus. Acta Otolaryng, Supp 300.
7- Bloodworth, J. M. B.: Endocrine Pathology, 1968 The Williams & Williams Co. Baltimore, 349.
8- Bloodworth, J. M. B., Engerman, R. L., and Davis, M. D., 1970: Excerpta Médica Proceedings of the 7.° Congres of the International Diabetics Federation.
9- Khatwa, A. Hassaballa, A., Barbary, A., Tonad, H. 1961: Observation on hearing in diabetis Mellitus. Arch Otolaryng. 74, 373.
10- Kovar, M.: The inner ear in Diabetes Mellitus ORL 35 :42,51, 1973.




* Trabalho realizado na Disciplina de ORL da P.U.C. do RS e apresentado na 1.ª Reunião Científica da Clínica Prof. José Kós, Rio de janeiro, em Maio de 1975 e no IX° Congresso Latino Americano de ORL, em Bogotá, Junho 1975.
** Titular da cadeira de ORL da PUCRS - Diretor do Instituto de Otologia.
*** Professor Assistente da Cadeira de ORL da PUCRS - Médico do Instituto de Otologia.
**** Médicos Residentes do Instituto de Otologia - PUCRS e Hosp. Ernesto Dornelles.
***** Médico Residente do Instituto de Otologia - P-U.C. e Hosp. Ernesto Dornelles. Bolsista da CAPES.

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