Ano: 1975 Vol. 41 Ed. 2 - Maio - Agosto - (2º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 140 a 149
CIRURGIA NASAL: APRESENTAÇÃO DE TRÊS PROCEDIMENTOS*
Nasal Surgery: Three Procedures Presentation
Autor(es): R. M. Neves Pinto**
Resumo:
O autor apresenta à apreciação dos colegas três procedimentos pessoais. São eles: (A) uma técnica para a correção cirúrgica de estenose do orifício nasal interno; (B) uma variante técnica para a fixação da cartilagem septal à maxila-premaxila e (C) uma variante técnica para o acesso às cartilagens laterais inferiores, com balizamento prévio por sutura, que facilitaria a ressecção das quantidades de cartilagem realmente desejadas. O trabalho é fartamente ilustrado.
Como consequência natural da prática cirúrgica continuada e bem controlada, em seus múltiplos aspectos, adquire-se primeiro o domínio da execução das técnicas e manobras vigentes adotadas. Depois, seguem-se as inevitáveis modificações de cada cirurgião e, eventualmente, novas técnicas.
O objetivo da presente comunicação é submeter à crítica dos colegas três procedimentos cirúrgicos que julgamos interessantes. São eles:
(A) uma técnica para correção d estenose do orifício nasal interno;
(B) uma variante técnica para fixação da cartilagem septal á maxila-premaxila;
(C) o acesso às cartilagnes laterais inferiores com balizamento prévio por sutura.
A - Técnica para Correção Cirúrgica de Estenose do orifício Natal Interno
Provavelmente, a maioria dos que praticam a clínica otorrinolaringológica já teve a oportunidade de ver um paciente com uma lesão semelhante à ilustrada na figura 1-A. A lesão em questão é uma estenose iatrogênica do estreito vestíbulo-fossal, sequela de rinoplastia mal conduzida ou complicada. Estreito vestíbulo-fossal, orifício nasal interno, ostium internum, os internum. limen nasil, limen vestibuli, área 2 de Cottle ou válvula nasal são todas designações do mesmo acidente anatômico.
Como é bem sabido, as deformidades ao nível da área 2 são muito importantes do ponto de vista funcional. Aí, reduções mínimas da permeabilidade acarretam notável deficiência da respiração nasal. Por outro lado, também é sobejamente conhecida a dificuldade de uma correção cirúrgica satisfatória dessas lesões. A técnica mais corrente é a que utiliza um enxerto livre de pele. Guillen² entretanto, tem preferido o uso da plastia em "Z".
FIG. 1 - A - Estenose iatrogênica do orifício nasal interno. B - Correção obtida pela técnica descrita no presente trabalho.
FIG. 1 - A - A stenosed ostium internum (iatrogenic lesion). B - The result after surgical revair by tre technique described in this paper.
A técnica que apresentamos é a que temos utilizado desde 1972. É de fácil execução e os resultados têm sido bastante satisfatórios. De oito pacientes que pudemos controlar, após um período mínimo de nove meses, apenas um não havia mantido o resultado exibido no pós-operatório imediato (até trinta dias depois da intervenção). Mesmo assim, havia conservado pelo menos 50% do resultado inicial e nada impede que uma nova cirurgia seja realizada, dessa vez com maiores possibilidades de sucesso. Uma nota prévia dessa técnica foi apresentada por ocasião do II Congresso da Sociedade Internacional de Rinologia, em Bordeaux, em 19733. A cirurgia pode ser realizada sob anestesia local ou geral, embora prefiramos a local. A anestesia, os cuidados e medicação pré, per e pós-operatórios são basicamente os mesmos dispensados para uma septoplastia.
A técnica cirúrgica é a que se segue:
1. Criação de um retalho muco-cutâneo de pedículo superior: incisão em "U", com bisturi Bard-Parker n.° 15, como ilustrada na figura 2-B; o descolamento, ao contrário das septoplastias, é feito conservando a camada mais profunda do pericondrio colada à cartilagem septal;
2. Ressecção de todo o tecido cicatricial, responsável pela obliteração da área afetada, e reconstrução da válvula nasal (se necessária);
3. Deslizamento do retalho, previamente criado, e fixação do mesmo por sutura com agulha atraumática, montada com nylon ou mersilene cinco zeros, como ilustrado na figura 2-C;
4. Tamponamento por 72 horas, com gase furacinada;
5. Imobilização externa do lóbulo nasal com esparadrapo;
A finalidade do retalho é proteger, com tecido convenientemente nutrido (o que não ocorre quando se utiliza um retalho livre), o ângulo cruento, criado pela ressecção do tecido fibroso que obliterava a área, e desse modo evitar sinéquia e recidiva da lesão. A preservação de pericondrio, sobre a cartilagem septal, é importante para a pronta e perfeita reparação da área não protegida pelo retalho. Outrossim, tal medida não parece comprometer a nutrição do retalho.
A sutura e a imobilização externa são retiradas após sete dias. O pós-operatório é tranquilo.
B - Variante Técnica para a Fixação da Cartilagem Septal à Maxila-Premaxila.
Sempre que se desfaz a fixação da cartilagem septal à máxila-premaxila (MPM), como é rotina nas septoplastias segundo a via descrita por Cottle e colo, é importante que a mesma seja depois restabelecida, mediante sutura conveniente, a fim de que a cartilagem seja mantida em seu sítio, no pós-operatório.
Monserrat-Viladiu5 preconiza uma sutura, criada por Guillen6, cujas características são as que se vêm na figura 3-A. Após termos empregado essa sutura, por um período de tempo, passamos a utilizar uma modificação que nos assegurava uma melhor ancoragem da cartilagem septal (figura 3-B). Como se vê na figura, o cruzamento do fio, por diante da MPM, constitui uma segurança adicional inequívoca à sutura de Guillen6.
FIG. 2 - Técnica para a correção cirúrgica de estenose do orifício nasal interno:
A - A lesão a corrigir;
B - Incisão em "U" a fim de criar um retalho, muco-cutâneo.
C - Deslizamento e fixação do retalho, após ressecção do tecido fibrótico que obliterava a área.
FIG. 2 - Technique for the surgical repair of the stenosed ostium internum:
A - The lesion to repair;
B - The "U" incision for creating a muco-cutaneous flap;
C - Sliding and fixing the muco-cutaneous flap after previous ressection of all scar tissue that obliterated the area and reconstruction of the valve (if necessary). The deepest portion of the perichindrium is left on the septal cartilage in order to fermit a quick and correct of the raw surface left sliding of the muco-cutaneous flap.
Apesar dessas suturas cumprirem sua função, revelaram-se muito desagradáveis aos pacientes que se queixavam sempre de uma sensação de "lábio preso" e dificuldade para sorrir, durante quase trinta dias. Esses fatos nos levaram a buscar uma sutura que fosse igualmente eficiente mas sem tais inconvenientes. Wright7 apontara o caminho quando descreveu sua sutura (figura 3-E) destinada a conservar cada fragmento septal na posição desejada, evitando as imbricações (figura 3-D) frequentemente verificáveis quando se utiliza uma sutura simples como a esquematizada na figura 3-C. Inspirados na sutura de Wright7 passamos então a utilizar e observar o comportamento das suturas que são vistas nas figuras 3-F e 3-G. Com essas suturas, o desconforto dos pacientes é sensivelmente reduzido. Na verdade, entendemos que esse desconforto residual é consequência do descolamento proporcionado pela criação do "plano mágico" (importante tempo da via MPM de Cottle e col.4, apesar de procurarmos sempre realizá-lo do modo mais econômico possível.
FIG. 3
A - Sutura de Guillen (6);
B - Sutura de Guillen modificada por N. P;
C - Sutura usual;
D - Complicação da sutura usual;
E - Sutura de Wright (7);
F e G - Suturas de N. P. inspirada na de Wright.
FIG. 3
A - The Guillen's suture;
B - The Guillen's suture modified by N. P;
C - The usual suture;
D - A complication of the usual suture;
E - The Wright's suture;
F and G - The N. P.'s suture inspired in the Wright's ones.
Por outro lado, não tem havido nenhum problema de deslocamento pós-operatório do septo cartilaginoso. Abandonamos, então, gradativamente, a sutura de Guillen6, modificada, em favor dessas duas últimas. Atualmente, utilizamos a sutura em "8", representada na figura 3-G, sempre que fazemos uma separação completa entre o septo e MPM, com esqueletonização mais ou menos ampla da mesma. Quando a separação e a esqueletonização são limitadas, temo-nos contentado com a versão simplificada dessa sutura (figura 3-F). A utilização da sutura em "8" já havia sido referida por nós, de pastagem, num trabalho recente sobre Rinosseptoplastia Funcionale. Antes disso, mostramo-la repetidamente por ocasião de cursos sobre cirurgia nasal realizados em 1974 nas cidades de Belo Horizonte, Porto Alegre, Bogotá e Rio de janeiro.
C - Variante Técnica para o Acesso às Cartilagens Laterais Inferiores com Balizamento Prévio por Sutura.
Não existe um procedimento único que possa ser aplicado a todos os tipos de deformidade da ponta do nariz. A ponta é a parte do nariz mais difícil de corrigir e sua abordagem requer do cirurgião engenhosidade e flexibilidade (Rees e Wood-Smith)9. Todavia, a maioria das técnicas comumente realizadas, apesar das diferentes vias de abordagem ("rim incision", "slot incision", eversão, retrógrada, intracartilaginosas), visam os mesmos objetivos e as ressecções geralmente feitas são as esquematizadas na figura 4. Fazem exceção as técnicas do tipo "flap" alar e variantes como as de Lipsett10 e Safian11. Acreditamos que, mesmo nas melhores mãos, não seja fácil ressecar quantidades rigorosamente exatas de cartilagem lateral inferior (CLI), a fim de obter a simetria e o contorno realmente desejados. Tal dificuldade se amplia quando se trata de reintervenções. Outrossim, convém lembrar que, sendo frequentes as assimetrias das CM, pouco vale comparar e medir o que se resseca pois tal procedimento não garantirá a simetria das CM que permanecem.
Apresentamos aqui uma variante técnica que nos parece útil para tal fim: ressecar as quantidades de CLI realmente desejadas. Essa variante técnica parece-nos particularmente interessante para reoperações do lóbulo nasal. Vem sendo por nós utilizada por mais de um ano e consiste, basicamente, no seguinte:
1. Estudo do lóbulo nasal e desenho de sete linhas de referência (figuras 5 e 6), sendo três em cada hemi-lóbulo e uma na linha média; com o auxílio de um gancho duplo são marcadas a linha "a" (correspondente à linha média do lóbulo nasal) e as linhas "b" direita e esquerda (passando ao nível das cúpulas marcam a largura desejada para a ponta do nariz, em geral distam entre si onze milímetros); as linhas "c" marcam o limite caudal da porção de CLI a ser ressecada e as linhas "d" marcam o limite lateral para tal ressecção; essas marcações poderão ser feitas com azul de metileno mas nós preferimos uma caneta do tipo "paper-mate";
2. Balizamento, por sutura, das porções de cartilagem a ressecar (figura 5): uma agulha atraumática montada com mersilene três zeros é passada pelos pontos, "e" e "f", no sentido indicado pelas flechas (figura 5-B); uma vez passado o fio unimos suas extremidades livres por um nó (figura 5-D); ficamos assim, em cada lado, marcada pela sutura, com uma linha que corresponde ao limite caudal da porção cefálica de CLI que se quer ressecar e cujas extremidades correspondem à cúpula da CM, medialmente, e ao limite lateral de ressecção; o uso da pinça-guia para sutura, descrita por nós em outro trabalho12, é essencial para que a agulha aflore no vestíbulo num ponto que corresponda realmente ao marcado externamente (ponto "e") ; a mesma pinça nos permitirá que, partindo do vestíbulo, afloremos com a agulha no ponto "f"; a pinça-guia é, basicamente, uma pinça de dissecção sem dentes, de boa qualidade, cujas extremidades são chanfradas (figura 5-C);
FIG. 4 - Ressecções básicas de cartilagem lateral inferior para a correção do lóbulo nasal.
FIG. 4 - Basic ressections of inferior lateral cartilage for repairing the nasal tip.
3. Exposição das CLI, incisões e ressecções (figura 6): ao everter o lóbulo nasal, com um gancho duplo, veremos o nosso balizamento; faz-se então uma incisão "g" unindo o ponto "e" do ângulo cefálico da incisão intercartilaginosa, previamente realizada para o acesso ao dorso nasal; pratica-se depois o descolamento da pele do vestíbulo até o limite exato estabelecido pelo balizamento, após o que a porção cefálica da CLI é ressecada (figura 6-C); se necessária, uma outra incisão "h" poderá ser feita, partindo do ponto "e" na direção da extremidade caudal da linha "b" (figura 6-B); um triângulo, incluindo ou não a pele do vestíbulo, poderá também ser sacado utilizando a incisão "h" como bissetriz, cateto lateral ou medial; em suma, todas as ressecções esquematizadas na figura 4 poderão ser realizadas, de acordo com as imposições de cada caso.
FIG. 5 - Variante técnica para o acesso ás cartilagens inferiores, após balizamento prévio por sutura:
A - Marcação do lóbulo com as linhas de referência "a", "b", "c"; e "d";
B - Passagem de um fio de mersilene três zeros pelos pontos "e" e "f", no sentido das flechas;
C - As extremidades chanfradas da pinça-guia de sutura, descrita por Neves Pinto12 permitem controlar o afloramento da agulha nos pontos desejados;
D - Sutura terminada.
FIG. 5 - Technical variaton for approaching the inferior lateral cartlages after creation of a previous landmark by suture:
A - Drawing the Tines of referênce "a", "b", "c" and "d". The Tine "c" is the mark for the caudal limit of the cephalic portion of cartilage to be ressected. The Tines "b" and "d" crossing the fine "c" point respectively the dome and the lateral limit for cartilage ressection;
B - Passing a neddle mounted with mersylene three zeros through the points '.e' and "f" following the arrows;
C - The notches of the Neves Pinto's suture-guide forceps guides the neddle in order to emerge in the wished points;
D - The suture tied in correct place is now our landmark (see fig. 6).
FIG. 6 - Variante técnica para o acesso ás cartilagens laterais inferiores após prévio balisamento prévio por sutura (continuação)
A - Eversão do lóbulo mostrando o balizamento previamente realizado.
B - Incisão ("g") e lescolamento da pele do vestíbulo ("i") com exposição da porção de CLI a ressecar. Uma incisão ("h") e descolamento ("j") completamentares permitirão realizar todas as ressecções esquematizadas na figura 4;
C - A pele do vestíbulo dissecada até o limite exato do balizamento e a porção de CLI usualmente ressecada.
FIG. 6 - Technical variation for approaching the inferior lateral cartilages after creation of previous landmark by suture (continuation):
A - The eversion of the lobule shows the landmark previously made;
B - Incision ("g") and separation of the skin of the vestibule ("i") with exposure of the portion of inferior lateral cartilage to ressect. Complementary incision ("h") and separation ("j") will allow the realization of all ressections showed in the figure four;
C - The vestibule skin dissecadd till the exact limit of the suture landmark and the portion of cartilage usually ressetted. After the ressettions the suture is cut and a more or less extensive liberation of the lasting cartilage can be done, according to the case and the surgeon's conception.
Feitas as ressecções desejadas, retiram-se as duas suturas usadas como balizamento. As CLI remanescentes poderão então ser mais ou menos extensamente liberadas, segundo cada caso e a concepção do cirurgião. Finalmente, a pele é rebatida para sua posição primitiva. Os cuidados e os curativos são os mesmos observados para as demais técnicas de abordagem intracartilaginosa. A tesoura, para a dissecção da pele do vestíbulo, deve ter as extremidades rombas, o que dificultará a secção acidental das suturas. As vibrissas devem ser previamente aparadas.
Summary
The author presents to the coleagues criticism three personal procedures: (A) technique for the surgical repair of the stenosed ostium internum; (B) a technical varation for anchoring the septal cartilage to the maxilla-premaxilla and (C) an approach to the inferior lateral cartilages after previous creation of a landmark by suture that will facilitate the ressection of the quantities of cartilage really wished. The paper is fully ilustrated by schemes with explanations in english.
Referências Bibliográficas
1- Fomon, S. and Bell, J.: Rhinoplasty new concepts. Charles C. Thomas, Springfield, 1970.
3- Guillen, G.: Comunicação ao plenário ao comentar o trabalho de Neves Pinto3.
4- Neves Pinto, R. M.: Preliminary report about the surgical repair of stenosed ostium internum. III Congresso da Sociedade Internacional de Rinologia, Bordeaux, 1973.
4- Cottle, M. H., Loring, R. M., Pischer, G. C. and Gayon, I. E.: The maxilla-premaxilla approach to extensive nasal septum surgery. Arch. Otolaryng., 68: 303, 1958.
5- Montserrat-Viladiu, J. M.: Rinoplastia funcional y sus bases anatomofisiologicas. Anais do VII Congr. Nac. de O.R.L., Sevilha, 1969.
6- Guillen, G.: Comunicação pessoal. (1973).
7- Wrigth, W. K.: Principles of nasal septum reconstruction. Trans. Amer. Acad. Ophth. Otol., 73: 252, 1969.
8- Neves Pinto, R. M.: Rinosseptoplastia funcional. Rev. Bras. Oto-rinolaring. (Brasil), 41: 50, 1975.
9- Rees, T. D. and Wood-Smith, D.: Cosmetic facial surgery. W. B. Saunders, Philadelphia, 1973.
10- Lipsett, E. M.: A new approach to surgery of the lower cartilaginous vault. Arch. Otolaryng., 70: 42, 1959.
11- Safian. J.: The split-cartilage tip technique of rhinoplasty. Plast. Reconstr. Surg., 45: 217, 1970.
12. Neves Pinto, R. M.: Rino-septoplastia: quatro novos instrumentos. Rev. Bras. Med. (Brasil), 31: 11, 1974.
Endereço:
Dr. R. M. Neves Pinto, M.D.
Serviço Médico VARIG
Aeroporto Santos Dumont
Rio de janeiro - Estado do Rio de Janeiro - 20.000 - BRASIL.
* Trabalho apresentado no IX Congresso Latino Americano de O.R.L. (Bogotá, 1975).
** Major Médico da Aeronáutica. Assistente da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital Central da Aeronáutica (Rio de janeiro). Professor Livre-docente de Clínica ORL da F.M.P.A (U.F.R.G.S.).