Ano: 1975 Vol. 41 Ed. 1 - Janeiro - Abril - (15º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 94 a 99
SINDROME DE VOGT-KOYANAGI-HARADA - APRESENTAÇÃO DE UM CASO COM EXAME OTONEUROLÓGICO*
Autor(es):
Eduardo Moraes Baleeiro**
Maria Augusta de Castro Veloso***
Mauríco Malavasi Ganança****
Pedro Luis Mangabeira Albernaz*****.
Resumo:
Os autores fazem uma revisão sobre a sintomatologia da síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, especialmente sobre as alterações cócleo-vestibulares e relatam um caso com queixa de tontura e disacusia, no qual foi feito exame otoneurológico. Discutem, ainda, a possibilidade dos achados cócleovestibulares não estarem diretamente relacionados com a síndrome em foco, no caso examinado.
Introdução:
A síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada é uma doença de etiologia ainda não conhecida, que se manifesta com múltipla sintomatologia: uveíte, alopécia, encanecimento parcial do couro cabeludo, sobrancelhas e cílios (poliose), vitiligo e disacusia.
A uveíte (anterior e/ou posterior), que na maioria das vezes complica-se com descolamento de retina, é o elemento mais característico da síndrome, bem como o de maior importância clínica.
Quase sempre existe o relato anterior de meningoencefalite, com ou sem seqüelas, daí o sinonímia ÚVEO-MENINGO-ENCEPALITE.
Recentemente Baleeiro et al1 (1973) ao fazer uma revisão das principais alterações da visão associadas a comprometimento cócleo-vestibular, apresentaram a síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada. Neste trabalho é relatado um caso com esta síndrome, acompanhado do estudo otoneurológieo completo.
Revisão da Literatura:
Vogt8 (1906) descreveu uma síndrome em que havia uveíte bilateral.
Koyanagi4 (1929) descreveu a associação desta uveíte com alopécia, vitiligo e disacusia. A partir desta época denominou-se de síndrome de Vogt-Koyanagi à associação de uveíte com alopécia, vitiligo e disacusia.
Harada8 (1926) descreveu uma doença em que havia uveíte bilateral anterior e posterior que se complicava com descolamento de retina - daí teve origem a doença de Harada.
Cowper2 (1951) concluiu que apesar de serem descritas duas entidades diferentes - síndrome de Vogt-Koyanagi e doença de Harada , tratar-se-ia de uma mesma doença, e sugere um novo termo: Úveo-encefalite. A seguir, apresenta um caso sem alteração cócleo-vestibular.
Reed et al6 (1958) relataram 5 casos de síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada com uveíte (causando severas alterações oculares), e meningo-encefalite, sem alteração da audição ou do equilíbrio. Acreditam que a corticoterapia pode interferir favoravelmente na evolução da doença.
Pattison5 (1965) apresentou um caso com alterações cócleo-vestibulares: hiporeflexia vestibular bilateral e disacusia neuro-sensorial com recrutamento, severa à direita e de média intensidade à esquerda. Acredita também que a corticoterapia no início da doença pode mudar sua evolução.
Seals e Rise7 (1967) apresentaram 3 casos de síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada com estudo da função cócleo-vestibular:
1.° caso: anacusia bilateral e arreflexia vestibular bilateral (estimulação calórica com água gelada);
2.° caso: níveis audiométricos normais com 100% de discriminação vocal e normoreflexia vestibular;
3.° caso: anacusia à esquerda, lesão neuro-sensorial (ao nível de 50 - 60 dB) à direita, com recrutamento; arreflexia vestibular bilateral. Finalmente citaram que a disacusia estava presente em 50% dos casos desta síndrome.
Caso Clínico:
PACIENTE: G. D. R. V.,sexo feminino, 51 anos, casada, escriturária.
QUEIXAS PRINCIPAIS: Tontura e disacusia.
HISTERIA DA MOLÉSTIA ATUAL: Tontura há um ano piorando progressivamente em intensidade e freqüência, com náuseas, rotatória subjetiva, postural e agravada com movimentação cefálica.
Disacusia no ouvido esquerdo há um ano, não progressiva, sem ligação com a tontura. Nega tinnitus.
Ao lado de sintomatologia sugestiva de alteração de coluna cervical, informa ter alteração congênita na coluna. Evidente componente emocional: ansiedade e depressão acentuadas.
ANTECEDENTES OTORRINOLARINGOLÓGICOS: Otite média crônica à esquerda, curada com tratamento clínico e cirúrgico há 5 anos.
ANTECEDENTES PESSOAIS: Diminuição acentuada da visão no olho direito há muitos anos.
EXAME GERAL: principais alterações:
1.° - discromia (vitiligo) da pele nas regiões facial, cervical e membros superiores;
2.° - encanecimento dos cílios e sobrancelhas à direita (poliose); a pesquisa desta alteração no couro cabeludo foi prejudicada pois a paciente tinge os cabelos, há vários anos;
3.° - exame oftalmológico: uvelte à direita.
EXAME OTORRINOLARINGOLÓGICO: essencialmente normal, inclusive otoscopia bilateral sob ampliação.
EXAME AUDIOLÓGICO: disacusia neuro-sensorial esquerda (ver figura 1).
EXAME VESTIBULAR:
Equilíbrio estático normal.
Equilíbrio dinâmico: marcha com discreto desvio para a direita; prova de Unterberger, também com desvio para a direita.
Sinais cerebelares: ausentes.
Pesquisa de nistagmo espontâneo, direcional e postural: ausentes.
ELETRONISTAGMOGRAFIA:
1.° - ausência de nistagmo espontâneo;
2.° - rastreio pendular tipo II;
3.° - prova térmica com AR:
42° C em OD - 12 °/s
42° C em OE - 3°/s
20° C em OD - 12°/s
20° C em OE - 11°/s
4.°- HIPORREFLEXIA A ESQUERDA - desvio de 26% (F. de Jongkrees).
5.°- outros dados da prova térmica: na prova quente: 1.) dissociação nistagmovertiginosa; 2.) o nistagmo após a irrigação do ouvido direito (ver figura 2) foi inibido parcialmente com o abrir dos olhos (ver figura 3);
EXAME AUDIOLÓGICO
FIG. 1 - Audiómetro MAICO - MA 24
FIG. 2 - Registro do nistagmo pós-calórico: irrigação do ouvido direito com AR a 42°C durante 80" (paciente com os olhos fechados). Velocidade do papel 25 mm/seg.
3.°) o nistagmo após irrigação do ouvido esquerdo só apareceu quando o paciente abriu os olhos (ver figura 4), caracterizando a ausência de atenuação do nistagmo pós-calórico com a fixação ocular (sinal provável de comprometimento central). Na prova fria: 1.°) o nistagmo após irrigação do ouvido direito (ver figura 5) foi inibido ao abrir os olhos; 2.°) o nistagmo após irrigação do ouvido esquerdo (ver figura 6) não foi inibido ao abrir os olhos (ver figura 7).
EXAME NEUROLÓGICO: normal.
ESTUDO RADIOLÓGICO DA COLUNA CERVICAL: osteoartrose cervical (C5 - C6) bastante pronunciada.
FIG. 3 - Registro do nistagmo pós-calórico: irrigação do ouvido direito com AR a 42° C durante 8U" (paciente com os olhos abertos). Velocidade do papel 25 mm/seg.
FIG. 4 - Registro do nistagmo pós-calórico: irrigação do ouvido esquerdo com AR a 42° C durante 80". A seta indica o momento em que o paciente abriu os olhos. Velocidade do papel 25 mm/seg.
Comentários:
O caso relatado apresenta a sintomatologia clássica da síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada: uveíte, poliose e disacusia. Apresenta também alteração de coluna aparentemente sem relação com esta síndrome.
FIG. 5 - Registro do nistagmo pós-calórico: irrigação do ouvido direito com AR a 20° C durante 80". Paciente com os olhos fechados. Velocidade do papel 25 mm/seg.
FIG. 6 - Registro do nistagmo pós-calórico: irrigação do ouvido esquerdo com AR a 20° C durante 80". Paciente com os olhos fechados. Velocidade do papel 25 mm/seg.
FIG. 7 - Registro do nistagmo pós-calórico: irrigação do ouvido esquerdo com AR a 20 durante 80". Paciente com os olhos abertos. Velocidade do papel 25 mm/seg.
Tendo em vista o comprometimento coclear e vestibular provavelmente misto (periférico e central), associado a alterações da coluna não temos condições seguras de afirmar se a disacusia e a tontura, referidas pela paciente, são causadas pela síndrome de Vogt Koyanagi-Harada, ou pela alteração da coluna cervical.
Por outro lado, a disacusia poderia estar ainda relacionada com o passado otítico homolateral, solucionado cirurgicamente.
Summary:
A review of Vogt-Koyanagi-Harada's Syndrome, especially about its cochleo-vestibular disorders is presented. A clinical case and with vertigo and hearing loss, and otoneurological alterations is discussed.
Referências Bibliográficas:
1. Baleeiro, E. M. & Pnkuda, Y. & Souza Jr. A. A. & Reznik, R. K. & Gananfa, M, M, & Almeida, C. 1. R. & Mangabeira Albernaz, P. L.: Principais síndromes e doenças oftalmológicas com participação auditiva elou vestibular.Rev. Brasil. Oto-Rino-Laring., 40: 52-57, 1974.
2. Cowper, A.: Haradas Disease and Vogt-Koyanagi Syndrome. Arch Ophtal., 43: 367, 1951.
3. Harada, E.: Beitrage zur klinischen Kernitis von nichteitriger Choroiditis. - Acta Soc. Ophtal. Jap., 30: 356, 1926. - Citado por: Cowper, A.: Harada's Disease and Vogt-Koyanagi-Harada Syndrome. - Arch. Ophtal., 45: 367, 1951.
4. Koyanagi, Y.: Dysacusis, Alopecia und Poliosis bei schwerer Uveitis nichttraumitischen Ursprunges. - Klin. Mbl. Augenheilk, 82: 194, 1929. - Citado por: Cowper, A.: Haradas's disease and Vogt-Koyanagi Syndrome. - Arch. Ophtal. 45: 367, 1951.
5. Pattison, E. M.: Uveomeningoencephalitic Syndrome (Vogt-Koyanagi-Harada). - Arch. Neurol., 12: 197, 1965.
6. Reed, H. & Lindsay, A. & Silversides, J. L. & Speakman, J. & Monckton, G. & Rees, D. L.: The uveo-encephalitic syndrome or Vogt-Koyanagi-Harada disease. - Canad. M. A. J., 79: 451, 1958.
7. Seals, R. L. & Rito, E. N.: Vogt Koyanagi-Harada Syndrome. Arch. Otolaryng., 86: 419, 1967.
8. Vogt, A.: Fruhzeitiges ergrauen der Cilien eun bemerkungen uber den sogenannten plotzlichen Eintritt dieser Veranderung. - Klin. Mbl. Augenheilk, 44: 228, 1906. - Citado por: Cowper, A.: Harada's disease and Vogt-Koyanagi Syndrome. Arch. Ophtal., 45: 367, 1951.
* Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Cirurgia da Escola Paulista de Medicina.
** Médico Estagiário; Auxiliar de Ensino da Fac. Med. Univ. Fed. da Bahia; Bolsista da C.A.P.E.S.
*** Média Estagiária; Candidata a Mestrado em Engenharia Biomídica (C.O.P.P.E. Univ. Fed. do Rio de Janeiro).
**** Prof. Assistente-Doutor, Professor de Otoneurologia do Curso de Pós-graduaçio (Mestrado em Otologia) da Faculdade de Ciências Médias da Sana Casa de Misericórdia de São Paulo.
***** Prof. Titular.