Versão Inglês

Ano:  1975  Vol. 41   Ed. 1  - Janeiro - Abril - (12º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 82 a 85

 

A PROPÓSITO DE UM CASO DE SINDROME DE EHLERSDANLOS COM INSUFICIÊNCIA VÉRTEBRO-BASILAR*

Autor(es): Eduardo Moraes Baleeiro**
Maurício Maivasi Ganança***
Pedro Luis Mangabeira Albemaz****

Resumo:
Os autores fazem uma revisão sobre a doença de Ehlers-Danlos e relatam um caso com alterações otoneurológicas secundárias a insuficiência vertebrobasilar de provável origem cervical. Acreditam que, no caso relatado, a hiperextensibilidade do tecido conjuntivo ocasionou alterações cervicais, provavelmente por traumatismo pela movimentação forçada, que levou à instalação do quadro de insuficiência vértebro-basilar, com envolvimento cócleo-vestibular.

A síndrome de Ehlers-Danlos é uma doença hereditária autossômica dominante (eventualmente ligada ao sexo), caracterizada por uma alteração difusa do tecido conjuntivo (aumento exagerado, sistêmico, das fibras elásticas) acarretando hiperelasticidade articular, hiperelasticidade e fragilidade cutânea e alterações nos pequenos e grandes vasos (equimoses e aneurismas).

Esta síndrome é encontrada em contorcionistas de circo, acometendo vários membros de uma família por várias gerações.

Edwards4 (1969) apresenta um caso de síndrome de Ehlers-Danlos com um caroço pulsátil e doloroso na nuca, associado a tinnitus e cefaléia. Tratava-se de um aneurisma da artéria vertebral, que foi tratado cirurgicamente, e curado, apesar de dificuldades técnicas inerentes às cirurgias em pacientes portadores desta síndrome. Brodribó2 (1970) apresenta outro caso de aneurisma de artéria vertebral, com tumor pulsátil doloroso e tinnitus contínuo, sem outras manifestações neurológicas; também houve cura cirúrgica.

Julien e Boucauds (1971) relatam um caso com fístula carótido-cavernosa em que a paciente faleceu horas depois do exame arteriográfico, com maciça epistaxe. Umlas9 (1972) responsabilisa a grande e anormal produção de fibras elásticas na camada média dos vasos, como causa da formação de aneurismas e outras alterações vasculares. Relata um caso em que houve morte súbita por ruptura espontânea de aneurisma da subclávia.

Peña et a17 (1972) realizaram excelente trabalho de revisão clínica e bibliográfica da síndrome de Ehlers-Danlos, e chamam a atenção para perturbações viscerais e nódulos subcutâneos, ao lado da sintomatologia já descrita acima.

Reed8 (1972) apresenta o caso de um paciente com diversas alterações neurológicas inclusive vertigem, em que o estudo radiológico revelou hemiatrofia cerebral (aumento exagerado do sinus frontal).

Beighton et al. (1969) - citados por Kissel. et a18 (1972) - classificam a síndrome de Ehlers-Danlos em 5 variedades baseadas nos achados clínicos e transmissão genética: grave, média, benigna, ligada ao sexo e vascular ou equimótica.

Apresentamos um caso de síndrome de Ehlers-Danlos com alterações otoneurológicas causadas por insuficiência vértebro-basilar, em conseqüência de distúrbio da coluna cervical.

A insuficiência vértebro-basilar é definida por Boschl (1970) como uma doença de sintomatologia polimorfa causada por fenômeno isquémico, que causa queda do fluxo sanguíneo no sistema vértebro-basilar. Tontura, tinnitus e disacusia são os sintomas mais comuns nesta doença neurológica, no comprometimento do aparelho cócleo-vestibular.

Os distúrbios circulatórios de intensidade e etiologia variada, na insuficiência vértebro-basilar, constituem uma das causas mais freqüentes de alterações otoneurológicas. Temos encontrado pacientes com insuficiência vértebro-basilar originada pelas mais diversas patologias da coluna cervical (inflamatórias, degenerativas, traumáticas e malformações) e tardio-vascular (hipertensão arterial, aterosclerose, etc.).

Caso clínico.

Paciente: V. J., sexo feminino, 26 anos, casada, psicóloga. QUEIXA PRINCIPAL: Tontura e tinnitus.

HISTÓRIA DA MOLÉSTIA ATUAL. há dois meses passou a ter crises de tontura rotatória, que vêm se agravando progressivamente, com alterações visuais e sensação de desabamento postural ("dropping attacks") e agravada com movimentação cefálica e viagens em automóveis. Tinnitus intermitente, concomitante com a tontura, bilateral. Nega disacusia. Apresenta ainda cefaléia tipo hemicrânia, nucalgia, céfalo braquialgias, otalgia, parestesias de extremidades, "moscas vilantes", estalos cervicais, sono agitado, fala dormindo, "dejà vu, "jamais vü", distúrbios de memória e "desligamentos", há alguns meses.

ANTECEDENTES OTORRINOLARINGOLÓGICOS: paralisia facial periférica com cura espontânea aos 7 anos de idade, e distúrbios funcionais da tuba auditiva na infância.

ANTECEDENTES PESSOAIS: diagnóstico clínico e laboratorial de síndrome de Ehlers-Danlos.

ANTECEDENTES FAMILIARES: diversos membros da família com síndrome de Ehlers-Danlos.

EXAME OTORRINOLARINGOLÓGICO: nada digno de nota.

EXAME AUDIOLÓGICO. disacusia neuro-sensorial comprometendo os agudos, mais acentuado à direita. Ver figura 1.

EXAME VESTIBULAR:

Equilíbrio estático: Romberg positivo - queda para diante. Romberg-Barré positivo - queda para diante e para frente. Equilíbrio dinâmico: Marcha normal; prova de Unterberger normal.

Sinais cerebelares e desvios segmentares: Desvio do índex: direito, desvio para a direita (++) ; esquerdo, desvio para a esquerda (++++).

Nervos crânios: exame normal. exceção do VIII par.

Pesquisa de nistagmo espontâneo e direcional: ausentes.

ELETRONISTAGMOGRAFIAS Nistagmo espontâneo para a esquerda, com VACL de 40/s.

Nistagmo de posição: só na posição de Rose (nistagmo vertical superior, tipo III). Nistagmo optocinético: 2°/s para a esquerda e 3°/s para a direita.

Rastreio pendular: tipo III/IV.
Prova térmica com AR:
42° C em OD - 3°/s.
42° C em OE - 12°/s
20° C em OD - 0
20° C em OE - 0

Observações: dissociação quente-fria, e intensa tontura mesmo na prova a 20° C, em que não houve nistagmo visível ou registrado (dissociação vertigem-nistagmo). Solicitamos os seguintes exames complementares: exame neurológico, electroencefalografia e estudo radiológico da coluna cervical.

EXAME NEUROLÓGICO: essencialmente normal.

EXAME AUDIOLÓGICO

Nome.................................................................................................................................................Data............................... Idade.........................................................................................................................................................................................


FIG. 1 - Audiômetro MAICO - MA 24.



ELECTROENCEFALOGRAMA: EEG de vigília apresentando discreta assimetria inconstante entre os hemisférios cerebrais, melhor evidenciada entre as áreas occiptais (maior amplitude geralmente à esquerda) ou temporo-parietais (amplitude relativamente mais elevada ora num, ora noutro hemisfério cerebral).

ESTUDO RADIOLÓGICO DA COLUNA CERVICAL: sinais ao nível de C5 e C6.

DIAGNÓST'ICO CLINICO: Insuficiência vértebra-basilar.

ORIENTAÇÃO TERAPÊUTICA: fisioterapia cervical e drogas antivertiginosas.

EVOLUÇÃO: a paciente rapidamente tornou-se assintomática .

Comentários:

No exame otoneurológico encontramos sinais de comprometimento coclear, vestibular periférico e vestibular central (tronco cerebral).

O EEG também é compatível com o diagnóstico acima, pois como mostraram Williams e Wilson10 (1962) o déficit circulatório ao nível do córtex temporal e occipital, bem como ao nível do tronco cerebral (áreas irrigadas pelo sistema vértebro-basilar), causam este tipo de alteração electroencefalográfica.

Eadie et ala (1968) chamam a atenção para o valor da electroencefalografia, que pode trazer dados úteis para o diagnóstico da insuficiência vértebro-basilar, uma vez que a arteriografia se pode acompanhar de sérias complicações.

Deixamos de realizar a arteriografia neste caso, por este motivo.

Conclusões:

Baseados na revisão da literatura e no estudo deste caso clínico constatamos que a síndrome de Ehlers-Danlos pode ocasionar insuficiência vértebro-basilar, seja por aneurisma da artéria vertebral, seja por alterações vasculares relacionadas com a coluna cervical (conseqüentes à doença), e que podem comprometer os aparelhos auditivos e vestibular.

Summary:

The authors present a review of Ehlers-Danlos's syndrome and present a clinical case with otoneurological disorders caused by vertebro-basilar insufficiency. Thej believe that the cervical lesions, due to pathologic changes of the connective tissue was the cause of the vertebro-basilar insufficiency.

Referências Bibliográficas:

1. BOSCH, J.: Etude électronystagrno grafique de l'insuffisance vertébsobasilaire. - Acta Orl Belg., 24: 418,1970.
2. BRODRIBB, A. J. M.: Vertebral aneurysm in a case of Ehlers-Danlos. Brit. J. Surg., 57: 148, 1970.
3. EADIE, M. J. & TYRER, J. H.: Giddiness in vertebro-basilar arterial insufficiency. - Med. J. Austr., 2: 251, 1968.
4. EDWARDS, A.: Ehlers-Danlos Syndrome with Vertebral artery aneurysm. - Proc. Roy. Soc. Med., 62:734, 1969.
5. JULIEN, J. & BOUCAUD, D. D.: Fistule carotido-caverneuse spontanée et maladie dThlers-Danlos. - Pres. Med., 79: 27, 1971.
6. KISSEL, P. & ARNOULD, G. & AN DRÉ, J. M.: Incidente des accident vasculaires cérébraux au cours des con jonctivo dysplasies héréditaires. - Génét. Hum., 20: 151 1972.
7. PEÑA, F. P. & MARTIN-PINILLOS F. & MONSERRATE, 1. C. & RUEDA J. P.: Sindrome de Ehlers-Danlos. - Rev. Clin. Esp., 124: 1, 1972.
8. REED, W. B.: Ehlers-Danlos Syndro me with Neurological Complications - Arch. Derm., 106: 410, 1972.
9. UMLAS, J.: Spontaneous rupture o the subclavian artery in the Ehlers Danlos Syndtome. - Hum. Pathol, 3: 121, 1972.
10. WILLIAMS, D. & WILSON, G.: Ma jor and minor syndromes of vertebro basilar insufficiency. - Brain, 85: 741, 1962.




*Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Cirurgia da Escola Paulista de Medicina.
** Médico Estagiário; Auxiliar de Ensino da F.M.U.F. da Bahia; Bolsista da C.A.P.E.S.
*** Prof. Assistente-Doutor; Professor de Otoneurologia do Curso de Pós-graduação (Mestrado em Otologia) da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
**** Prof. Titular.

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