Versão Inglês

Ano:  1975  Vol. 41   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 66 a 71

 

ATROFIA CEREBELAR - ESTUDO ELECTRONISTAGMO - GRÁFICO DE UM CASO*.

Autor(es): Eduardo Moraes Baleeiro**;
Yotaka Fukuda***;
Maurício Malavasi Ganança****;
Pedro Luiz Mangabeira Albernaz*****;
Clemente Isnard Ribeiro de Almeida******.

Resumo:
Os autores apresentam um caso clínico de atrofia cerebelar, em que o estudo eIectronistagmogrüfico mostrou modificações do niscagmo pós-calórico (disritmia e hiperteflexia bilaterais com os olhos abertos e ausência de resposta com os olhos fechados), características do comprometimento cerebelar e da interrelação vestíbulo-cerebelar.

Introdução:

A atrofia cerebelar pode apresentar-se clinicamente sob as mais diversas formas, a depender do sítio da lesão, se cortical ou nuclear, bem como do nível e extensão do comprometimento de suas vias no tronco cerebral.

Neste quadro clínico variável, podem ocorrer alterações oculomotoras como dismetria ocular, "nistagmo pendular", disritmia e hiperreflexia do nistagmo pós-calórico.

Estas alterações oculomotoras podem decorrer, não só da lesão cerebelar, como também do comprometimento das vias cerebelares no tronco cerebral.

Apresentamos uma revisão da literatura sobre patologia cerebelar e perturbações oculomotoras, e em seguida apresentamos um caso clínico em que, ao lado de diversos sinais e sintomas, havia alteração oculomotora característica de comprometimento cerebelar e vias cerebeiares.

Revisão Bibliográfica:

Cogan4, 5 a (1954, 1968) estudando os movimentos anormais dos globos oculares, considera os diversos tipos de dismetria ocular como indicativos de lesão cerebelar, enquanto o opsoclonus (movimento ocular anormal, grande agitação dos globos oculares, caótico, variável e quase impossível de analisar) teria origem não cerebelar.

Allen e Fernandez1 (1960) após estudos experimentais, concluíram que as lesões no paleocerebelo interferem na regulação dos reflexos vestibulares.

Suxuki17 (1961) chama a atenção para o "nistagmo" pendular que, ao contrário do nistagmo difásico vestibular, aparece com a fixação ocular e desaparece com o fechamento dos olhos.

Goldberg e Jampel9 (1963), Higgins et al11 (1966), Ellenberger et ale (1968), Susac et a118 (1970) e Goddé-Jolly e Larmande8 (1973) afirmam que as lesões cerebelares e das vias cerebelares são responsáveis pelas diversas formas de dismetria ocular.

Hart10 (1967) e Capella e Cavallers2 (1968) afirmam que a ausência de diminuição ou abolição do nistagmo pós-calórico ao abrir os olhos, e mais ainda o aumento deste nistagmo nestas circunstâncias, é causada por lesão cerebelar. Frenxel e Tondorf7 (1957) já antes do uso rotineiro da electronistagmografia, chamavam a atenção para a alteração do nistagmo vestibular em conseqüência do abrir ou fechar dos olhos.

Nashold et al14 (1969) acreditam que as reações oculomotoras anormais nas lesões cerebelares, são decorrentes do comprometimento das vias cerebelares do tronco cerebral.

Coats3 (1970) considera a falta de supressão do nistagmo pós-calórico ao abrir os olhos, nistagmo espontâneo ou direcional e assimetria ao teste optocinético, os achados característicos de comprometimento vestibular de origem central. Apresenta um caso de degeneração espinocerebelar em que tal fenômeno é bem evidenciado.

Mangabeira Albernas e Ganança13 (1972) acreditam que a disritmia, a hiperreflexia e a falta de atenuação do nistagmo pós-calórico à abertura dos olhos, são sinais sugestivos de lesão cerebelar.

Strecker et al15 (1972) acham o diagnóstico clínico da atrofia cerebelar difícil, mas seu quadro radiológico bem característico.

Kornhuberl12 (1973) acredita que a córtex cerebelar atuaria na pré-programação dos movimentos rápidos e os núcleos cerebelares seriam responsáveis pela regulação dos movimentos contínuos. As alterações oculomotoras respectivas seriam: dismetria (alteração cortical) e "nistagmo " pendular (nuclear).

Caso Clínico:

IDENTIFICAÇÃO: Nome: J.D.G. - Sexo masculino - Idade 15 anos - Cor parda.

QUEIXA PRINCIPAL: dificuldade para andar.

HISTÓRIA DA MOLÉSTIA: informações colhidas ao irmão do paciente. Há 3 anos, após doença infecciosa que durou 20 dias, não conseguia manter-se em pé, foi medicado e logo voltou a normalidade. Um mês depois, voltou a apresentar a mesma dificuldade em andar, que foi piorando lenta e progressivamente, chegando ao ponto de não conseguir mais manter-se em pé. Logo após o início da doença apresentou também dificuldade motora e tremor nos membros superiores.

ANTECEDENTES PESSOAIS: nada digno de nota.

ANTECEDENTES FAMILIARES: há um ano, uma prima de 13 anos, que reside na mesma casa passou a apresentar sintomatologia semelhante.

EXAME CLÍNICO GERAL: nada digno de nota.

EXAME OTORRINOLARINGOLÓGICO: nada digno de nota.

EXAME AUDIOMÉTRICO: audiometria tonal limiar normal; audiometria vocal supra-limiar normal.

EXAME VESTIBULAR:

MARCHA: atáxica: base alargada, desvio ora para a direita ora para a esquerda, predominantemente para a esquerda; durante a marcha olha atentamente para o chão, como se estivesse orientando os passos e desvia a cabeça para a esquerda.

EQUILÍBRIO ESTÁTICO: queda indiferentemente em todos os sentidos, mais acentuada com os olhos fechados.

SINAIS CEREBELARES: dismetria, disdiadococinesia e tremor intencional bilaterais. Desvio do índex para a direita e movimentos finos e incoordenados dos dedos.

NERVOS CRANICOS: nada digno de nota.

REFLEXOS SUPERFICIAIS: normais.

REFLEXOS PROFUNDOS: abolição bilateral dos reflexos estiloradial, bicipital e aquileo.

SINAIS PIRAMIDAIS: ausentes.

NISTAGMO ESPONTÂNEO: ausente.

NISTAGMO DIRECIONAL: horizontal ao olhar para a direita e para a esquerda; horizonto-rotatório ao olhar para cima e para baixo.

RASTREIO PENDULAR: tipo III (ver figura 1)


FIGURA 1

Rastreio pendular tipo III



PROVA CALÓRICA: irrigação com ar a 20° C durante 80 segundos: em ambos os lados ausência de resposta nistágmica estando o paciente com os olhos fechados; ao abrir os olhos observa-se e registra-se hiperreflexia e disritmia do nistagmo póscalórico bilateralmente (Figuras 2, 3, 4 e 5).


FIGURA 2

Electronistagmografia à prova calórica 20°C - ouvido esquerdo


FIGURA 3

Electronistagmografia com olhos fechados - Prova calórica a 20°C - ouvido esquerdo



Electronistagmografia com olhos abertos - Prova calórica a 20°C - ouvido esquerdo


FIGURA 4

Electronistagmografia com olhos fechados - Prova calórica a 20°C - ouvido direito



Electronistagmografia com olhos fechados - Prova calórica a 200C - ouvido direito



OUTROS EXAMES: Líquor - nada digno de nota. Radiologia: pneumoencefalografia fracionada revelou atofia cerebelar.

CONCLUSÃO DIAGNÓSTICA: atrofia cetebelar e comprometimento das vias vestíbulo-cetebelates (Síndrome espinocerebelar degenerativa).

Referéncta Bibliográfica:

1- Allen, G & Fernandez, C.: Experimental observations in postural nystagmus. I - Extensive lesion in posterior vermis of the arebellum. - Ana Oto-laryag., 51: 1, 1960.
2- Capslls, G. & Cavaller, S.: L'influence de la fixation du regard dans l'electronystagmographie. - Rev. Oto-Neuro-Ophthal., 40: 61, 1968.
3- Coats, d. C.: Central Electronystagmographic Abnormalities. - Arch. Otolaryng., 92: 43, 1970.
4- Cogan, D. G.: Ocular Dysmetria; flutter-like oscillatinas of che eyes, and opsodonus. - Arch. Ophchal., 51: 318, 1934.
5- Cogan, D. G.: Opsodonus, Body Tremulousness, and Benign Eacephalitis. - Arch. Ophthal., 79: 343, 1968.
6- Ellenberger, C. dt Csmpa, J. P. & Nstrky, M. G.: Opsodonus and patenchymatous degeaeration of the cerebellum. Neurology, 18: 1041, 1968.
7- Frenzel, H. & Tondorf, E. E.; Zur Frage Nystagmus mobilisation infolge gelschlossener Augen und durch die Dunkelheit sowie sur Frage der Ausschaltung der Fization durch die Leuchtbrille. - Pract. Oto-Rhino-Laryng., 19: 507, 1957.
8- Goddé-Jolly, G. Lamande, A .: Les Nystagmus - vol I, Masson Ed. - Paris, 1973.
9- Goldbng, R. T.& Janpst, R. S.: Flutterlike oscillations of the eges in cerebellar disease. - Amor. J. Ophthal., 55: 1229, 1963.
10- Hart, C. W.: Ocular fszgtian and the caloric test. Laryngoscope, 77: 2103, 1967.
11- Higginr, D. C. at Darof f, R. B.: Overshoot and Oacillatioa in Ocular Dysmetria. - Arch Ophthsl., 73: 742, 1966.
12- Kornhuber, H. H.: Cerebellat control of eye movement Adv. Oto-RhinoLaryng., 19: 241, 1973.
13- Mangabeira Albernaz, P. L. & Ganança, M. M.; Otoneurologia Prática. - Ars Curandi, 5: 42, 1972.
14- Nashold, B. S. dt Slaughter, G. & Gills, J. P.: Ocular reactions in man from dcep cerebellar Stimulation and lesions. - Arch. Ophthal., 81: 538, 1969.
15- Strecker, E. P. & Hodge, F. J. & James, A. E.: Cerebellar atrophy: a cisternographic and pneumoencephalographic analysis. - Amer. J. Roent., 115: 760, 1972.
16- Susac, J. O. & Hoyt, W. F. & Daroff, R. B. & Lawrence, W.: Clinical spectrum of ocular bobbing. - J. Neurol. Neurosurg. Psychiat., 33: 771, 1970.
17- Suzuki, J. 1.: A study on Pendular Nystagmus. - Acta Oco-laryng., 53: 381, 1961.




* Trabalho realizado na Divisão de Labirintologia, da Disciplina de Otorrinolaringologia, do Departamento de Cirurgia da Escola Paulista de Medicina.
** Auxiliar de Ensino da Faculdade de Medicina da Univ. Federal da Bahia; Bolsista da CAPES; Médico Estagiário.
*** Médico Residente - R³.
**** Prof. Assistente-Doutor e Chefe da Divisão de Labirintologia da Disciplina de ORL da EPM; Professor do Curso de Pós-graduação (Mestrado em Otologia) da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
***** Professor Titular.
****** Professor Titular de Otorrinolaringologia da Fac. de Medicina de jundiaí, Professor do Curso de Mestrado em Otologia, PUC - FCMSCMSP; médico do HC da FMUSP.

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