Versão Inglês

Ano:  1975  Vol. 41   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: -

Páginas: 01 a 08

 

PROF. JOSÉ AUGUSTO DE ARRUDA BOTELHO

Autor(es): -

No dia 2 de agosto último, realizou o Departamento de Otorrinolaringologia da Associação Paulista de Medicina, no seu auditório principal, uma sessão solene em homenagem ao Prof. José de Arruda Botelho, recentemente falecido.

O presidente do Departamento, Dr. Ossamu Butugan, convidou a assumir a presidência a Dra. Maria Ivonete Dias de Abreu, presidente da Sociedade Brasileira de Bronco-esofagologia.

Foi dada a palavra, em primeiro lugar, ao Prof. Flávio Aprigliano, do Rio de Janeiro, convidado a proferir um discurso em nome da Endoscopia Peroral nacionais.

A seguir, usou da palavra o Prof. Paulo Mangabeira Albernaz, catedrático aposentado de Clínica Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina, da qual Arruda Botelho fora assistente, chefe e professor de endoscopia peroral por perto de trinta anos. Tomou, por fim, a palavra o Prof. Plínio Matos Barreto, que fez o elogio de seu discípulo, salientando suas qualidades técnicas, seu amor pelo estudo e sobretudo seu espírito de independência.

As palavras do Prof. Plínio Matos Barreto causaram profunda emoção a seleta assistência.

A reunião, a qual estiveram presentes a senhora e os filhos do Prof. Arruda Botelho, foi muito concorrida, tendo a ela comparecido, entre outros, o Prof. Pedro Luiz Mangabeira Albernaz, professor titular de Clínica Otorrinolaringológica da Escola Paulista de Medicina, e quase todos seus assistentes; Prof. Rafael de Nova, catedrático aposentado de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da U.S.P.; o Prof. Lamartine Paiva, atual titular da mesma cadeira; vários de seus assistentes; o Dr. Livramento Prado; o Prof. Jaime Rodrigues, ex-diretor do Hospital da Beneficência Portuguêsa, de S. Paulo; o Prof. Bernardes de Oliveira, catedrático aposentado de Clínica Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina; e grande número de médicos.

ORAÇÃO PROFERIDA POR OCASIÃO DA HOMENAGEM POSTUMA PRESTADA AO DR. JOSÉ AUGUSTO ARRUDA BOTELHO NO DEPARTAMENTO DE OTORRINOLARINGOLOGIA DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA.

A realização desta reunião, na qual homenageamos um querido amigo e colega, Dr. José Augusto Arruda Botelho, tem plena razão de ser. Antes não a realizassemos, pois é vontade de todos que ele ainda entre nós estivesse. Roubado ao nosso convívio muito cedo, esta é a razão, a mais justa, a mais merecida de o estarmos recordando nesta reunião, prestando um pleito de saudade por tudo o que ele representa.

São muitos os motivos que justificam esta homenagem; o reconhecimento ao muito que fez pela especialidade e pelos doentes; motivos para lembrar aos mais jovens a figura de um colega com o maior sentido de honestidade e responsabilidade profissionais, e também por motivos sentimentais.

Quando a especialidade procurava se firmar em nosso meio, foi que ele se tornou especialista. Se bem que em nossos dias a qualificação de especialista não chegue a ser uma recomendação, Arruda Botelho soube ser um especialista na sua mais elevada expressão. Nada fazia sem ser meticulosamente estudado e preparado para que o doente não sofresse o menor prejuízo. Começou a fundamentar seu treinamento na cirurgia geral, e depois é que foi se dedicando aos limites de nossa especialidade. Bastante estudioso e sempre atualizado era modesto em demonstrar seus conhecimentos, quantas vezes, em discutindo problemas ou assuntos de determinada patologia, seus argumentos se baseavam nas mais variadas e atuais citações e então podíamos ver a profundeza de seu saber. Encarava os problemas que usualmente surgiam, com grande vivacidade e habilidade, e geralmente chegava às soluções, introduzindo pequenos detalhes, contribuições pessoais, sempre valiosas e que até hoje amenizam o trabalho de todos nós.

Dentro da especialidade foi um pesquisador, suas contribuições, principalmente no campo da cirurgia, não surgiram ao acaso. Era visto com freqüência no anfiteatro de anatômia, onde modelava todas as minúcias de qualquer novo procedimento.

Foi no Brasil o pioneiro da fotografia e cinematografia endoscópicas, isto ainda em 1953, quando o instrumental utilizado no exterior era extremamente sofisticado e muito dispendioso. Com sua habilidade e gênio inventivo fez várias adaptaçóes e conseguiu, com o material convencional, realizar fotografias e filmes da melhor qualidade, documentando os mais diversos tipos de patologia da especialidade e técnicas cirúrgicas, que são bem conhecidos de todos os senhores e que prestaram e continham prestando inestimáveis serviços ao ensino e divulgação da especialidade em nosso meio.

Desde seu serviço no velho hospital da Beneficência Portuguesa, já congregava estudantes e jovens colegas que tinham interesse em apreender a especialidade, e com paciência e energia ia ensinando a todos. Deu inúmeros cursos aqui em São Paulo e em outros Estados do Brasil, assim como no exterior, principalmente no Uruguai e Argentina, onde por várias vezes foi levar sua contribuição científica. E como fruto desse trabalho, estão espalhados por todos os recantos do nosso país, seus inúmeros discípulos, trabalhando intensamente e propagando os sádios princípios da especialidade que ele lhes transmitia.

Arruda Botelho formou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em 1940. Organizou e foi chefe do Serviço de Endoscopia Per-Oral do Hospital São Paulo, onde prestou valiosos serviços. Organizou e foi chefe do Serviço de Endoscopia Per-Oral do Hospital da Beneficência Portuguesa, onde foi elevado a Sócio Grande Benemérito, transferiu depois seus serviços para o Hospital Santa Rita. Também foi por ele organizado o Serviço de Endoscopia Per-Oral do Hospital São Luiz Gonzaga de Jaçanã, e chefiou esse Serviço até 1953.

Foi Presidente, em 1961, da Sociedade Brasileira de Bronco-esofagologia, e realizou aqui em São Paulo, nesse mesmo ano o Congresso Nacional da Especialidade. Em 1965 foi elevado a Membro Honorário da Sociedade Brasileira de Bronco-esofagologia. Presidiu também o Departamento de Otorrinolaringologia da ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA. Era sócio fundador da Sociedade Internacional de Broncoesofagologia, membro correspondente da American Broncho-esophagological Association, Sócio fundador da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Cabeça e Pescoço, membro de várias outras Sociedades nacionais e internacionais. Tem inúmeros trabalhos publicados em revistas especializadas nacionais e estrangeiras. Suas contribuições para a especialidade são numerosas e através delas engrandeceu e projetou a bronco-esofagologia nacional.

Aos especialistas mais jovens, gostaria de ressaltar a figura deste nosso colega, exemplo de caráter, honestidade, trabalho, firmeza, dedicação e responsabilidade. Foi um especialista sem compromissos e em todas as suas atividades procurava sempre dar o máximo, visando sempre a perfeição. Era também um especialista de convicções firmes e que dificilmente cedia quando julgava estar com a verdade, porém sempre desejando aprender, era um minucioso observador e captava detalhes de importância nos lugares que visitava, incorporando-os à sua rotina.

Desapareceu ainda moço, com todo o vigor intelectual, conquistando o respeito e admiração de todos os que o conheceram.

Os motivos sentimentais desta homenagem são os que mais de perto nos tocam, pela amizade que nos ligava.

Temos sempre presente a figura deste amigo e colega que nunca mediu esforços para ajudar a quem o procurava. Sua legião de amigos foi terrivelmente abalada no dia 30 de Abril último, ao saber da notícia de seu desaparecimento. Foi difícil nos recuperarmos deste abalo, e uma profunda depressão se apoderou de nós ao sentirmos a realidade da sua falta.

É muito difícil definir a amizade; sabemos que é um sentimento muito amplo, complexo, que nos realiza e nos eleva, exigindo sacrifícios aos que a ela se devotam. Em troca temos a sensação da mais completa felicidade ao sermos compreendido e reconhecidos como amigo. Por outro lado, e paradoxalmente, a amizade se realiza e muitas vezes se completa e se revela por pequenas coisas, pequenos atos, palavras ou gestos com espontaneidade, desprendimento e sinceridade, demonstrando a grandeza de quem as dá. Arruda Botelho, sempre foi pródigo dessas dádivas, e os que dele precisavam, recebiam ajuda sincera e desinteressada.

Conhecia-o bem, e lembra-me de nosso primeiro encontro, foi em 1949, quando aqui esteve pela primeira vez, Paul Holinger, com quem eu trabalhava, Arruda Botelho, tendo tido conhecimento dessa viagem, foi ao Rio para conhecê-lo; encontramos na entrada do hotel e pediu para que eu o apresentasse a Holinger. Depois, conversamos demoradamente e sua sinceridade e modéstia dizendo que queria aprender, fizeram que ali nascesse minha admiração por ele, que se transformou em amizade sólida, que só fez crescer nestes 25 anos de freqüentes contatos.

A doença que o vitimou, mostrou-se pela primeira vez há pouco mais de dez anos, porém sua extraordinária coragem e fé, fizeram com que vencesse rapidamente essa crise, voltando com toda a energia e entusiasmo. Nos anos que se seguiram, várias vezes foi obrigado a se afastar para se cuidar, porém sempre que melhorava, vinha novamente exercer suas atividades e permaneceu trabalhando sempre, até o momento que foi acometido pela crise que não pode vencer.

Lutou sempre, foi um idealista, as vezes demonstrando um entusiasmo infantil pelas novidades que via e pelas coisas novas que conseguia fazer. Foi sempre coerente com seus princípios e era orgulhoso de suas reais conquistas. A nossa saudade desse bom e generoso amigo sempre nos acompanhará, pois será lembrado como um exemplo e um modelo para a admiração de todos os seus colegas.

Dr. Flavio Aprigliano

Arruda Botelho, um mestre.

Discurso pronunciado pelo Professor Paulo Mangabeira Albernaz, em sessão solene do Departamento de Otorrinolaringologia da Associação Paulista de Medicina, a 2 de agosto de 1974.

Deveria de fato caber a mim a obrigação de tecer alguns comentários, em nome da Escola Paulista de Medicina e de sua Clínica Otorrinolaringológica, que ele serviu incansavelmente durante cerca de trinta anos, e dos otorrinolaringologistas de São Paulo, sobre a figura de José Augusto de Arruda Botelho.

Quando, no começo de minha vida de médico, aporei àquele jardim perdido lá no centro geográfico de S. Paulo, que é a cidade de Jaú, tive a fortuna de travar conhecimento com vários dos filhos do Conde do Pinhal. O homem que fundou S. Carlos do Pinhal era um desbravador e abriu várias fazendas nas terras que margeavam o rio Jaú. Cada fazenda eram 6 ou 8 pertencia então a cada um dos filhos do Conde.

Mantive muito boas relações com o Dr. Carlos Botelho e sua família. Os filhos mais velhos foram meus companheiros de festas nas fazendas e, entre os menores, estava José Augusto, então apenas com oito ou nove anos de idade.

Quando me poderia passar pela mente ser eu um dia professor de uma faculdade de medicina e muito menos vir a ter, naquela criança, um dos maiores e melhor colaboradores de meu trabalho? Pois foi o que aconteceu.

A Escola Paulista de Medicina começou a funcionar em 1933, mas como a minha cadeira era ensinada na sexta série, comecei a lecionar somente em 1939.

No início de 1941 era eu procurado por Botelho. Vinha ele propor-me trabalhar em sua especialidade, no meu serviço. Aceitei com todo prazer o oferecimento, começou ele logo a tratar de instalar-se. A 1.° de dezembro desse mesmo ano, vinha a ser nomeado assistente da cadeira de Clínica Otorrinolaringológica. Procurei estabelecer, na cátedra a meu cargo, em caráter oficial, talvez pela primeira vez no país, a disciplina de Endoscopia Peroral. Abandonei definitivamente este setor da especialidade, e entreguei a Arruda Botelho sua chefia. Era ele responsável por toda a organização daquele serviço, pelas partes clínica e cirúrgica e, particularmente, pela de ensino. Passava a ser, para todos os efeitos, o professor e o chefe do serviço de Endoscopia Peroral.

Jamais tive um segundo sequer de arrependimento ou de contrariedade de qualquer natureza pela minha resolução. Botelho foi um ajudante exemplar, trabalhador, honesto, responsável e, sobretudo, competente. E manteve, por todo o longo tempo de sua direção, contato amigo com todos os meus assistentes, comigo e com todas as clínicas da Escola. Se alguma vez dei um passo certo na minha vida, foi quando entreguei a Botelho a direção, a chefia da Endoscopia Peroral. E era ele disputado pela Clínica Cirúrgica, sobretudo, pela disciplina de Cirurgia Torácica.

A primeira fase

Como é sabido, a endoscopia teve como um de seus iniciadores Gustavo Killian. Dele foi discípulo meu mestre, o Prof. Eduardo de Moraes, talvez o primeiro, no país, a lidar, com segurança, neste setor. Vi o Prof. Moraes trabalhar em endoscopia e fui seu auxiliar, com outros colegas, por várias vezes, em casos, principalmente, de corpos estranhos das vias aéreas. Tomei parte nos primeiros exames feitos por ele com o laringoscópio em suspensão da Hasslinger, então assistente na Clínica Rinolaringológica de Viena.

Aqui em S. Paulo, a endoscopia peroral começou, praticamente, pela escola do velho Chevauer Jackson, por intermédio deste seu notável discípulo Plínio de Matos Barreto, que foi, sem a menor dúvida, pioneiro nesta especialidade, desde que ela deixou de limitar-se exclusivamente ao problema dos corpos estranhos.

Botelho foi aluno, foi discípulo, indiscutivelmente o maior, de Plínio Matos Barreto. Mas logo cedo, ganhando as esporas de cavaleiro, deu início a sua clínica na Beneficência Portuguesa, onde seu trabalho, seu mérito, sua dedicação, sua competência, levaram a velha instituição a outorgar-lhe, anos depois, o honroso título de Sócio Grande Benemérito. A prepotência e a intolerância de um dos diretores da sociedade, fizeram com que Botelho, homem de opinião e de dignidade, se rebelasse e se visse forçado a deixar o hospital que, por tantos anos, dignificara com seu trabalho.

O técnico

Botelho começara como cirurgião, e isto era meio caminho andado para desfrutar de notável desenvoltura como técnico. Operava com absoluto domínio e tranqüilidade, e não havia setor da endoscopia em que seu espírito criador, sua orginalidade, não aparecessem.

Uma das figuras máximas da cirurgia do século XX, o Professor René Lériche, pontificava em seu livro La Chirargie, Discipline de ia Connaissance: "Há, em medicina, diferentes maneiras de olhar. Mas só existe uma de ver. Se se olhar com idéia preconcebida, persuadido de que já se sabe tudo, ou quase tudo, não se vê nada. O dogmatismo e o conformismo são terríveis poderes de imobilidade. Certos espíritos estáticos conformam-se com isto. Esquecem-se de que é dando as costas a estas posições de indiferença, que em geral se encontra o caminho da tradição. Este nunca é definitivamente impedido, mesmo que se esteja no fim da corrida. Basta observar com cuidado, para reencontrar o sentido do caminho. Jamais será remoendo Galeno que a ele se poderá chegar. Guy de Chauliac já dizia: "Surpreende-me que eles sigam uns aos outros como grous, porque um somente diz o que outro diz".

Parece que Botelho lera e ouvira o conselho do grande mestre. A perícia, a habilidade, o conhecimento básico com que operava, tornaram seu nome conhecido dentro e fora do país. Mas todo o seu valor decorria de saber olhar e de saber ver.

Há pouco tempo, organizando parte do arquivo de minha correspondência científica, deparei uma carta do velho e saudoso amigo Arthur de Sá, catedrático de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina de Recife. A certa altura, escrevia ele: "Pela lição de Canuyt, publicada nos Archives Internationales d'Oto-rhinolaryngologie de 1926, p. 1025, vejo que Botelho tem todos os requisitos para ser o az da parte da especialidade a que se dedica". E, por meu intermédio, transmitia-lhe convite para ministrar um curso, por ocasião do Congresso da Federação das Sociedades Brasileiras de Otorrinolaringologia e Bronco-esofagologia, a realizar-se em Recife. Isto, em 1955.

O criador

Não era ele um repetidor sistemático, estático, rotineiro. Em tudo, tinha que pôr um pouco de seu magnífico engenho, de sua invulgar habilidade.

Não sei se o que vou relatar está em ordem cronológica, com o que aliás não me preocupei. Mas sei que a arte, nele, assomava a cada passo: era um criador.

Começou ele foi, de início, como já disse, cirurgião, o que lhe deu maior alcance ao vôo - por um aparelho simples que teve época - o J A B, uma seringa para transfusão imediata, braço-a-braço, naqueles tempos em que a transfusão ainda era um método à procura do caminho certo. A simplicidade do que ele idealizara não deixou de ser um passo largo e seguro na técnica da transfusão sangüínea.

Sua habilidade foi ainda mais original em seus trabalhos sobre a fotografia endoscópica. Em nossos dias, os japoneses possuem equipamentos espetaculares para tal fim. Mas naquela época, quando Hollinger começou a dedicar-se à questão, Botelho já era, aqui em S. Paulo, consumado técnico na arte fotográfica endoscópica. Vali-me de sua habilidade para a ilustração de meu manual de otorrinolaringologia, desde a 7.ª edição (1963), quando as gravuras foram publicadas com omissão de seu nome, falha que vim a corrigir na 8.ª (1966).

Tomando por base os trabalhos de Plummer, idealizara ele uma variante muito mais segura para o tratamento da estenose cicatrical do esôfago. O fio era aspirado por prévia fístula gástrica (gastróstoma) atado a um cordonê muito resistente, o que permitia maior facilidade e segurança ao cateterismo com sondas de calibres progressivamente maiores, passadas pelo ducto esofágico. Era um progresso e um aperfeiçoamento de enorme valor no método Phunmer.

Pouco tempo depois, criava Botelho o seu laringoscópio extensivel. Uma pequena cremalheira permitia, no momento, diminuir a metade superior do aparelho, o que permitia melhor expor e focalizar a comissura anterior, em geral difícil de ser vista. Este laringoscópio é hoje largamente usado na prática endoscópica.

No nosso último congresso, apresentou ele uma nova técnica cirúrgica original, baseada na fisiologia, para a cura da paralisia dos dilatadores, por meio da seção do músculo ariarintenoídeo. Era mais uma contribuição altamente valiosa, que trazia à sua especialidade.

Esta parte foi, porém, completamente e inteligentemente ventilada pela competência do Professor Flávio Aprigliano, velho amigo, também de Jaú.

O professor

Ninguém se faz ou se torna professor. A custa de muito esforço, longa prática e muita pertinácia, conseguem alguns chegar a ser professores. Outros, nem assim Todos conhecem grandes nomes, grandes competéncias nas suas especialidades - quer nas ciências médicas, quer nas matemáticas, quer nas jurídicas, que não conseguiram jamais ser professores, nem mesmo medíocres, embora à frente da cátedra.

Botelho, como mestre, foi dos melhores que conheci em minha longa vida clínica e universitária. E mestre mesmo, como um Eduardo de Moraes, um Barbosa Corrêa, um Pedro de Alcantara, um Clementino Fraga etc., é coisa rara.

O meu assistente era da mais elevada categoria, pois, além do dom de saber ensinar, ele possuia a vantagem de gostar de ensinar, de querer ensinar.

Ensinar, no sentido rigoroso do termo, é sacrifício. Gastam-se, em doses desmedidas, trabalho, dedicação, paciência. Botelho, neste particular, era simplesmente admirável.

Um de seus discípulos, levou tempos aqui em S. Paulo aprendendo com o mestre: foi João Cândido Pereira. Lá um dia, terminada a prolongada aprendizagem, tornou João Cândido à sua terra - Curitiba, e começou a clinicar. Quando surgiu a primeira oportunidade de ter de realizar uma laringectomia, sentiu-se apreensivo, inseguro Telefonou a Botelho. Dias depois, este apesar de sua grande clínica e de seus com promissos, deixava tudo, pegava o avião, e lá se ia para "dar uma mão - e que mão! a João Cândido.

Não sei quantas vezes fez o mesmo indo a Campinas, sua terra natal, par ajudar outro discípulo, meu filho Luiz Gastão. A causa era sempre uma laringectomi por esta ou aquela técnica.

Algumas vezes, no meu hospital, o Vera Cruz, acompanhei a intervenção. O mestre exigia que o discípulo operasse. Mas este, volta e meia achava, em determinados pontos, a tarefa acima de suas possibilidades. E dizia: "Não consigo ir adiante. Faça você o resto". Botelho, com paciência beneditina declarava: "Descole de baixo para cima". Siga para cá; siga para lá. E lá se ia o discípulo acertando, enquanto o mestre o guiava. A operação durava o dobro do tempo, mas a paciência do professor era infinita e o aluno aprendia mesmo.

E fosse o doente particular ou não, era a mesma coisa. Quando se falava, em tais casos, em honorários, ele retrucava logo: "O doente é seu não meu". Fazia este desinteresse, este despreendimento, parte de sua individualidade.

E foi assim que ele espalhou, por estes Brazis a fora, uma plêiade de discípulos e teve uma das maiores escolas de endoscopia peroral de nosso país.

O homem

Aqui é que temos de encarar com mais segurança, o valor da personalidade do nosso perfilado.

Pertencera ele a uma turma de que saíram diversos axes. Foram seus colegas, entre outros, este notável mestre e sábio que é Carlos da Silva Lacaz; José Fernandes Pontes, uma das maiores autoridades nacionais e internacionais em gastro-enterologia; Hélio Lourenço de Oliveira, professor de clinica médica, membro atualmente da Organização Mundial de Saúde; Rui Ferreira Santos, professor de Clínica Cirúrgica; José Alfio Piason, o mais afamado obstetra de Campinas; e vários outros.

Pertenceu, pois, a uma turma de que muito se pode ufanar a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Sua linhagem - seus avós haviam sido, de um lado, os Condes do Pinhal, e de outro os Barões de Ataliba Nogueira, estas gente de prol da nobreza campinense do Império - fizeram de Botelho um perfeito e acabado gentleman.

E gentleman e mestre, ele despertou, naqueles que o cercavam, um halo de verdadeira admiração e profunda amizade. Seus discípulos, quando o deixavam, eram quase como irmãos. Não podiam esquecer que eles lhes pegara as mãos com as suas mãos, para indicar-lhes os caminhos certos.

Quando ele cerrou os olhos para sempre, alguns de seus pupilos foram avisados. De um eu sei que se largou da Bahia, acompanhado da esposa, descendo em Congonhas às duas horas da madrugada. E outro deixou tudo em Brasília para vir levá-lo até a última morada.

O fidalgo Botelho soubera despertar em seus discípulos esta admiração, mas, mais do que isto essa quase idolatria daqueles a quem ensinara, daqueles em que inculcara a noção do verdadeiro mestre.

A Clínica Otorrinolaringológica da Escola Paulista de Medicina, que aqui represento como seu fundador e seu chefe durante trinta anos, embora com a presença de seu chefe atual, meu filho Pedro Luiz, discípulo e grande amigo de Botelho, está aqui presente, nesta justa e merecida homenagem. Não escondemos nosso orgulho por ele ter sido um, e dos maiores, de nosso grupo. E este dia não deve ser um dia somente de saudade, mas um dia de glória. José Augusto de Arruda Botelho foi um baluarte, um nome que soube honrar, e realmente honrou, a medicina brasileira. Seu nome não não é como os cometas, cuja luz brilha intensamente e pouco depois desaparece de todo. Sua escola, seu valor, sua dedicação ao ensino, permanecerão pelo tempo a fora. E isto representa, positivamente, seu grande, seu imenso mérito, a coroa de louros, ame raros oodem alcançar, de verdadeiro mestre e de verdadeiro médico.

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